A FAMÍLIA: CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SUA IMPORTÂNCIA.

 

Por: Mariana Brasil Nogueira

(Estudante do Curso de Direito das Faculdades Jorge Amado -Salvador/Bahia).

 

A expressão família, etimologicamente, deriva do latim família ae, designando o conjunto de escravos e servidores que viviam sob a jurisdição do pater famílias. Com sua ampliação tornou-se sinônimo de Gens que seria o conjunto de agnados (os submetidos ao poder em decorrência do casamento) e os cognados (parentes pelo lado materno)[1].

 2.1 CONCEITO

 É de fundamental importância para a compreensão deste estudo a abordagem do conceito de entidade familiar.

A entidade familiar de início é constituída pela figura do marido e da mulher. Depois se amplia com o surgimento da prole. Sob outros prismas, a família cresce ainda mais: ao se casarem, os filhos não rompem o vínculo familiar com seus pais e estes continuam fazendo parte da família, os irmãos também continuam, e, por seu turno, casam-se e trazem os seus filhos para o seio familiar.

  A família é uma sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laço de sangue ou de afinidade. Os laços de sangue resultam da descendência. A afinidade se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à entidade familiar pelo casamento.

Com o passar dos tempos esta sociedade familiar sentiu necessidade de criar leis para se organizar e com isso surgiu o Direito de Família, regulando as relações familiares e tentando solucionar os conflitos oriundos dela, através dos tempos o Direito vem regulando e legislando, sempre com intuito de ajudar a manter a família para que o indivíduo possa inclusive existir como cidadão (sem esta estruturação familiar, onde há um lugar definido para cada membro) e trabalhar na constituição de si mesmo (estruturação do sujeito) e das relações interpessoais e sociais[2].

 O Direito é, portanto, um conjunto de normas e princípios que regulamentam o funcionamento da sociedade e o comportamento de seus membros. O Direito protege o organismo familiar, por ser uma sociedade natural anterior ao Estado e ao Direito. Não foi, portanto, nem o estado nem o Direito que criaram a família, pois foi esta que criou o Estado e o Direito, como sugere a famosa frase de Rui Barbosa: “A pátria é a família amplificada[3]”.

Para Camilo Colani o Direito de Família seria o ramo do Direito Civil, cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União estável, do Concubinato e do Parentesco, previstos pelo Código Civil de 2002[4].

Ao regular a sociedade familiar é necessário conceituar institutos ligados ao conceito de entidade e familiar como o pátrio poder que Pontes de Miranda, à luz do Código Civil de 1916 conceitua como

 O pátrio poder moderno é conjunto de direitos concedidos ao pai ou à própria mãe, a fim de que, graças a eles, possa melhor desempenhar a sua missão de guardar, defender e educar os filhos, formando-os e robustecendo-os para a sociedade e a vida[5].

 2.2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA

 Não há na história dos povos antigos e na Antiguidade Oriental como na Antiguidade Clássica o surgimento de uma sociedade organizada sem que se vislumbre uma base ou seus fundamentos na família ou organização familiar.

 O modelo de família brasileiro encontra sua origem na família romana que, por sua vez, se estruturou e sofreu influencia no modelo grego.

 2.2.1 A Família no Direito Romano.

 Foi a Antiga Roma que sistematizou normas severas que fizeram da família uma sociedade patriarcal.A família romana era organizada preponderantemente, no poder  e na posição do pai, chefe da comunidade. O pátrio poder tinha caráter unitário exercido pelo pai. Este era uma pessoa sui júris, ou seja, chefiava todo o resto da família que vivia sobre seu comando, os demais membros eram alini júris[6].

Pelo relato de ArnoldoWald: 

A família era, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. Inicialmente, havia um patrimônio só que pertencia à família, embora administrado pelo pater. Numa fase mais evoluída do direito romano, surgiam patrimônios individuais, como os pecúlios, administrados por pessoas que estavam sob a autoridade do pater[7]

Na sociedade Romana, elitista e machista os poderes patriarcais eram numerosos. Como mostram os princípios que vigiam à época:

- Jus vita ac necis (o direito da vida e da morte);

- Jus exponendi (direito de abandono);

- Jus naxal dandi (direito de dar prejuízo).

 Com a morte do “pater famílias” não era a matriarca que assumia a família como também as filhas não assumiam o pátrio poder que era vedado a mulher.O poder era transferido ao primogênito e/ou a outros homens pertencentes ao grupo familiar.

No casamento Romano existiam duas possibilidades para a mulher: ou continuava se submetendo aos poderes da autoridade paterna (casamento sem manus), ou ela entrava na família marital e devia a partir deste momento obediência ao seu marido (casamento com manus).

  Duas espécies de parentesco existiam no Direito Romano: a agnação consistia na reunião de pessoas que estavam sob o poder de um mesmo pater, englobava os filhos biológicos e os filhos adotivos, por exemplo. A cognação era o parentesco advindo pelo sangue. Assim, a mulher que houvesse se casado com manus era cognada com seu irmão em relação ao seu vínculo consangüíneo, mas não era agnada, pois cada qual devia obediência a um pater diferente, ou seja, a mulher ao seu marido e o irmão ao seu pai. Com a evolução da família romana a mulher passa a ter mais autonomia perante a sociedade e o parentesco agnatício vai sendo substituído pelo cognatício[8].

Na época do Império Romano passam os cognados a terem direitos sucessórios e alimentares, além da possibilidade de um magistrado poder solucionar conflitos advindos de abusos do pater. Nesta fase, a mulher romana já goza de alguma completa autonomia além de corresponder ao início do feminismo. A figura do adultério e a do divórcio se multiplica pela sociedade romana e com isso a dissolução da família romana.

No Digesto, esclarece Marciano: 

Carcopino, no seu estudo sobre a vida cotidiana dos romanos, assinala que, à medida que o pai deixava de ser a autoridade severa e arbitrária dos primeiros tempos para reconhecer a autonomia e a independência dos filhos, multiplicava-se em Roma a figura leviana do filius mimado e egoísta, gastando num dia fortunas acumuladas pelo trabalho de gerações, caracterizando assim uma sociedade que adquiriu o hábito do luxo e perdeu a sobriedade. Após o austero e rígido pater, veio à época da soberania incontestável das novas gerações[9]. 

A doutrina jurídica reconhece que o direito romano forneceu ao Direito brasileiro elementos básicos da estruturação da família como unidade jurídica, econômica e religiosa, fundada na autoridade de um chefe, tendo essa estrutura perdurada até os tempos atuais[10].

 2.2.2        A Família no Direito Canônico: 

A partir do século V, com o decorrente desaparecimento de uma ordem estável que se manteve durante séculos, houve um deslocamento do poder de Roma para as mãos do chefe da Igreja Católica Romana que desenvolveu o Direito Canônico estruturado num conjunto normativo dualista (laico e religioso) que irá se manter até o século XX. Como conseqüência, na Idade Média, o Direito, confundido com a justiça, era ditado pela Religião, que possuindo autoridade e poder, se dizia intérprete de Deus na terra. [11] 

Os canonistas eram totalmente contrários à dissolução do casamento por entenderem que não podiam os homens dissolver a união realizada por Deus e, portanto um sacramento. 

Para Arnoldo Wald[12]:

Havia uma divergência básica entre a concepção católica do casamento e a concepção medieval. Enquanto para a Igreja em princípio, o matrimônio depende do simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimônio um ato de repercussão econômica e política para o qual devia ser exigido não apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que pertenciam. 

O direito canônico fomentou as causas que ensejavam impedimentos para o casamento, incluindo as causas baseadas na incapacidade de um dos nubentes como eram: a idade, casamento anterior, infertilidade, diferença de religião; as causas relacionadas com a falta de consentimento, ou decorrente de uma relação anterior (parentesco, afinidade)[13]

A evolução do Direito canônico ocorreu com a elaboração das teorias das nulidades e de como ocorreria a separação de corpos e de patrimônios perante o ordenamento jurídico. Não se pode negar, entretanto, a influência dos conceitos básicos elaborados pelo Direito Canônico, que ainda hoje são encontrados no Direito Brasileiro.  

2.2.3 A visão do direito de família no Código Civil de 2002. 

Entre os Códigos Civis de 1916 e 2002, além da natural evolução dos costumes que determinaram o fim da indissolubilidade do casamento e a extensão do poder familiar à mulher, existe um marco histórico temporal que é a carta Magna de 1988 quando se estuda o Direito de Família no Brasil. 

O legislador constituinte visivelmente pretendeu contornar as distinções, preconceitos e desigualdades existentes no Direito familiar brasileiro, assim como, consolidar as conquistas de forma que introduziu o conceito de união estável, reduziu de cinco para dois anos o tempo exigido para o divórcio direto e impediu qualquer discriminação a respeito da origem dos filhos entre outros temas reservados à legislação ordinária agora, tratados pela Constituição Federal. 

Tal impacto se fez sentir no Código Civil de 2002 no que pese, ter-se originado de um projeto de 1975. Ainda assim, reflete, o tratado de direito privado de 2002 as modificações ocorridas na 2ª metade do século XX e os anseios da sociedade contemporânea. 

A família regulada pelo Código Civil de 2002 passa a representar limitada forma de convivência, reconhece-se a existência das famílias monoparentais, identificadas constitucionalmente, o que reflete efetiva conquista nos rumos do reconhecimento de novos núcleos de relações de afeto e proteção, gerando, inclusive, direitos patrimoniais[14]

O direito de família no Brasil atravessa um período de efervescência. Deixa a família de ser percebida como mera instituição jurídica para assumir feição de instrumento para a promoção da personalidade humana, mais contemporânea e afinada com o tom constitucional da dignidade da pessoa humana. Não mais encerrando a família um fim em si mesma, finalmente, averba-se que ninguém nasce para constituí-la (a velha família cimentada no casamento, não raro, arranjado pelo pai que prometia a mão de sua filha, como se fosse uma simples negociação patrimonial). Ao revés, trata-se do lugar privilegiado, o ninho afetivo, onde a pessoa nasce inserta e no qual modelará e desenvolverá a sua personalidade, na busca da felicidade, verdadeiro desiderato da pessoa humana. Está é a família da nova era[15]

 

REFERÊNCIAS:

 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.28, apud.Jérôme Carcopino, L avie quotidienne a Rome à l’apogée de l’ Empire, Paris, Libr. Hachette, 1939. 

CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania. Ijuí: Unijuí. 1999. 

FARIAS, Cristiano Chaves de (coordenador). Temas atuais de Direito e Processo de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,2004. 

MACHADO, José Jefferson Cunha. Curso de Direito de família. Sergipe: UNIT, 2000. 

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7ª.ed. revista e atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 

PEREIRA, Tânia da Silva. A Família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil-Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família. v.3;id.Tratado de direito privado.v.9.

 VIANA, Rui Geraldo Camargo. A Família. In: VIANA, Rui Geraldo Camargo e NERY, Rosa Maria de Andrade (organiz.).Temas atuais de direito civil na constituição Federal.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.22.

 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 15. ed.rev.atual.e ampl. Pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406,de 10-1-2002), com a colaboração da Prof.Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. – São Paulo: Saraiva, 2004.


 

[1] VIANA, Rui Geraldo Camargo. A Família. In: VIANA, Rui Geraldo Camargo e NERY, Rosa Maria de Andrade (organiz.).Temas atuais de direito civil na constituição Federal.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.22.

[2] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7ª.ed. revista e atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.10 e 11.

[3]MACHADO, José Jefferson Cunha. Curso de Direito de Família. Sergipe: UNIT, 2000, p.2.

[4] BARBOSA, Camilo de Lelis Colani. Direito de Família. São Paulo: Suprema Cultura. 2002, p.16.

[5] PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família. v.3;id.Tratado de direito privado.v.9.p.21.

[6] MACHADO, José Jefferson Cunha. Curso de Direito de família. Sergipe: UNIT, 2000, p.3.

[7] WALD, Arnoldo. O novo direito de família. ed.rev.atual.e ampl. Pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406,de 10-1-2002), com a colaboração da Prof.Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. – São Paulo: Saraiva, 2004,p.57.

[8] MACHADO, José Jefferson Cunha. Curso de Direito de família. Sergipe: UNIT, 2000, p.4.

[9] CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.28, apud.Jérôme Carcopino, L avie quotidienne a Rome à l’apogée de l’ Empire, Paris, Libr. Hachette, 1939, p.97 e s.

[10] . PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: Novos paradigmas na convivência familiar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.641.

[11] CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania. Ijuí: Unijuí. 1999, p.62.

[12] WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 15. ed.rev.atual.e ampl. Pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Código Civil. (Lei n. 10.406,de 10-1-2002), com a colaboração da Prof.Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. – São Paulo: Saraiva, 2004, p.13.

[13] WALD,Arnoldo.O novo direito de família.15.ed.rev.atual.e ampl. Pelo autor, de acordo com a jurisprudência e com o novo Código Civil.(Lei n. 10.406,de 10-1-2002), com a colaboração da Prof.Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. – São Paulo: Saraiva, 2004, p.14.

[14] PEREIRA, Tânia da Silva. A Família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil-Belo Horizonte: Del Rey, 2004.p.634.

[15]  FARIAS, Cristiano Chaves de (coordenador). Temas atuais de Direito e Processo de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,2004, contra-capa.