A CONEXÃO ENTRE A AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL E A AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL: HIPÓTESE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO FISCAL?

 

 Autor: Richard Paes Lyra Júnior

 

O Direito Tributário é o ramo do direito que reserva maior complexidade àqueles que se dedicam a estudá-lo, seja pela especificidade de seu direito material, seja pela expressiva quantidade de leis que o regulamentam. A mesma complexidade que caracteriza o direito material também se observa no âmbito do processo tributário, já que, não poucas vezes, seus elementos não detêm autonomia necessária para equacionar certos inconvenientes processuais, despertando inevitáveis vicissitudes.

 

Conforme é cediço, o Direito Tributário, diferentemente do Direito Civil e Penal, não possui sistemática processual própria, exceto a Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), devendo socorrer-se nas disposições contidas no Código de Processo Civil. Mesmo dispondo de lei específica para regular o processo de execução fiscal, é certo que tal lei, de longe, não exaure os dispositivos necessários para solucionar os conflitos processuais inerentes ao processo tributário, aumentando, sobremaneira, a relação de dependência com a sistemática processual civil.

 

Exemplo unívoco a presente situação pode ser abstraído do imbróglio envolvendo a propositura da Ação de Execução Fiscal quando pendente o julgamento de Ação Anulatória de Débito Fiscal manejada pelo contribuinte. In casu, o cerne da questão pode ser resumido na seguinte indagação: a descrita conexão constitui hipótese de suspensão da ação executiva?

 

A Ação Anulatória de Débito Fiscal, com fulcro no artigo 38 da LEF, tem como objeto a desconstituição do lançamento tributário, ora efetuado, por razões de ilegalidade ou inconstitucionalidade da exação, vícios no lançamento, ilegitimidade passiva, decadência e prescrição, dentre outras hipóteses.

 

 

Nesta esteira, Hugo de Brito Machado:

 

A ação concerne ao processo de conhecimento e segue o rito ordinário, daí ser também usualmente chamada de ação ordinária. Em seu âmbito o contribuinte exerce, da forma mais ampla possível, o seu direito de defender-se contra exigência indevida de tributo, posto que são cabíveis todos os meios de prova admitidos em Direito, podem ser deslindadas todas as questões de fato e de direito, sem qualquer restrição. [1]

 

Em regra, a referida ação é cumulada com o pedido de antecipação de tutela, isto porque o lançamento tributário traz sérias e inevitáveis implicações para o dia-a-dia da pessoa jurídica, tal como a inscrição no Cadastro de Inadimplentes – CADIN, que, por sua vez, obstará uma série de atividades por ela praticadas, por exemplo, a participação em processos de licitação.

 

Deferida a antecipação da tutela, restará suspensa a exigibilidade do crédito tributário (Art. 151, V, do CTN), obstando a propositura da ação executiva fiscal. Não obstante, muitos juízes têm condicionado a concessão da medida antecipatória ao efetivo depósito do quantum exigido pela Fazenda Pública, data maxima venia, desvirtuando as disposições contidas no artigo 273 do CPC.

 

Assim, a exigência do depósito é medida freqüente no judiciário, eis que a Ação Anulatória de Débito Fiscal, por si só, não possui o condão de obstar a Ação de Execução Fiscal proposta pela Fazenda Pública (Art. 585, § 1º do CPC). Neste sentido segue a orientação jurisprudencial, in verbis:

 

"PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PARALISAÇÃO – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DÉBITO FISCAL: IMPOSSIBILIDADE.

1. A existência de ação anulatória de débito fiscal não inibe a Fazenda de ajuizar ação de cobrança, nem se pode tolerar a sua propositura, se já houver execução proposta, cujo caminho de defesa é a oposição de embargos.

2. Em qualquer situação, não se admite paralisar a ação de execução, mesmo na pendência de ação ordinária conexa, se não houver depósito do valor integral da dívida em cobrança.

3. Recurso especial provido" [2]

 

Em outras linhas, a preexistência da ação ordinária não impede a propositura da Ação de Execução Fiscal, salvo se efetivamente acompanhada do depósito integral do quantum que perfaz a dívida (Art. 151, II, CTN). Contudo, inevitável reconhecer a “conexão” entre as referidas ações, já que ambas tem em comum objeto e causa de pedir (Art. 103, CPC).

 

A conexão traz como conseqüência a modificação da competência, todavia, in casu, a descrita conexão assume características deveras peculiares, muito bem exploradas nos inteligentes posicionamentos da ilustre professora Cleide Previtalli Cais ocorre da seguinte forma, in verbis:

 

Como regra, o foro da execução fiscal já ajuizada é competente para conhecer da ação de nulidade do débito fiscal, assim como, se a ação anulatória do débito fiscal for ajuizada primeiramente, haverá de ser proposta no foro da Fazenda Pública-ré, que seria o competente para decidir sobre a execução fiscal. (...) Todavia, em se tratando de Poder Judiciário que tenha em sua organização varas privativas de execução fiscal (...) como conciliar a conexão entre a ação anulatória de débito fiscal, garantida com depósito integral ou não, e a execução fiscal, eis que ambas são propostas perante juízos dotados de competência diversa? A ação anulatória deve ser proposta perante um dos juízos dotados de competência cível em matéria federal, enquanto a execução fiscal da fazenda pública deve, obrigatoriamente, ser proposta junto às Varas da Fazenda Pública privativas de execução fiscal ou ao Fórum de Execução Fiscal. (...) a competência das Varas de Execuções Fiscais é entendida como absoluta, portanto não há a possibilidade de se reunirem os processos, mesmo que a execução fiscal tenha sido proposta antes da ação anulatória, ou vice-versa; [3]

 

 

Desta maneira podemos inferir que, em havendo Varas de Execuções Fiscais, não será permitida a reunião dos autos da Ação Anulatória de Débito Fiscal, que permanecerá sob a responsabilidade do juízo em que foi proposta.

 

Há quem sustente que a referida conexão, por envolver prejudicialidade externa entre a Ação Anulatória de Débito Fiscal e a Ação de Execução Fiscal, conduziria à suspensão do processo executivo fiscal, baseando-se, para tanto no artigo 265, IV, “a” do CPC, in verbis:

Art. 265 - Suspende-se o processo:

 

(...)

 

IV - quando a sentença de mérito:

 

a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

 

Data maxima venia, não compartilhamos desta premissa. Conforme aludido no proêmio, na ausência de disposições específicas na LEF, o processo de execução fiscal será subsidiariamente regido pelo Código de Processo Civil (Art. 1º da LEF), devendo, contudo, adequar-se ao procedimento descrito no referido diploma legal.

 

Notem, as hipóteses descritas no artigo 265 do CPC são direcionadas ao processo de conhecimento, ensejando a suspensão do processo quando verificadas qualquer uma das situações descritas em seus respectivos incisos. Contudo, a Lei de Execução Fiscal deverá atender às hipóteses de suspensão previstas para o processo de execução civil.

 

De tal sorte cumpre consignar o disposto no artigo 791 do CPC, cujas hipóteses referem-se, especificamente, ao processo de execução, suspendendo seu curso somente quando verificados os seguintes elementos, in verbis:

 

Art. 791 - Suspende-se a execução:

I - no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;

II - nas hipóteses previstas no Art. 265, I a III;

III - quando o devedor não possuir bens penhoráveis.

 

 

Ao estabelecermos comparação entre as hipóteses de suspensão previstas no processo de conhecimento em relação àquelas inerentes ao processo de execução podemos vislumbrar que, a execução não contempla a questão prejudicial como hipótese de suspensão descrita no artigo 265, IV, do CPC. Ora, se o legislador deixou de incluir a referida hipótese como causa de suspensão do processo de execução é evidente que não poderá existir interpretação ampliativa acerca do tema, sob pena de caracterizar verdadeira impropriedade jurídica.

Dada a especificidade que reveste o processo de execução, não é facultado ao interprete valer-se dos dispositivos inerentes ao processo de conhecimento, não havendo, portanto, que se cogitar a aplicabilidade das hipóteses previstas no artigo 265, IV, do CPC, mesmo porque a supressão do referido item não decorre do acaso, mas sim de minucioso estudo legislativo que concluiu pela impossibilidade de sua aplicação.

A justificativa para a não inclusão do inciso IV, do artigo 265 do CPC no rol das hipóteses de suspensão do processo executivo repousa, inegavelmente, na natureza jurídica que o reveste. O processo executivo, diferentemente do processo de conhecimento, constitui mero instrumento de satisfação do crédito, não havendo que se falar em decisão a ser proferida em seu bojo.   

Em outras linhas, não havendo decisão propriamente dita no processo de execução, inexiste o risco de conflito decorrente de decisão proferida nos autos da ação ordinária. Tal premissa é corroborada pelos ensinamentos do jurista Rodrigo Daniel dos Santos, in verbis:

(...) no processo de execução, resulta em coisa julgada? Penso que não! O processo de execução, não carrega em si nenhuma decisão, nenhuma matéria posta a julgamento, uma vez que ele já se inicia com um título pré-constituído, ou seja, um direito já assegurado ao credor. No processo de execução, não irá estabelecer contraditório, uma vez que o processo não admite defesa propriamente dita. O que se tem, é o remédio dos embargos à execução que é uma ação de conhecimento com vistas a desconstituir no todo ou em parte o título executivo que embasa a ação de execução. [4]

Neste sentido, segue a orientação jurisprudencial, in verbis:

 

1. APELAÇÃO CÍVEL (Nº 2). EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA VINCULADA A CONTRATO DE MÚTUO ("HOT MONEY"). 1. EXECUÇÃO ACOMPANHADA DE DEMONSTRATIVO DE DÉBITO. INÉPCIA DA INICIAL DE EXECUÇÃO AFASTADA. 2. TÍTULO EXEQUENDO QUE SE APRESENTA LÍQUIDO, CERTO E EXIGÍVEL. NULIDADE INEXISTENTE. 3. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PRETENDIDA EM RAZÃO DE QUESTÃO PREJUDICIAL EXTERNA. INADMISSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 791 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. EXCESSO NÃO COMPROVADO. 5. RECURSO NÃO PROVIDO.

 

O artigo 791 do Código de Processo Civil somente autoriza a suspensão da execução quando: "I - no todo ou em parte quando recebidos os embargos do devedor"; II - nas hipóteses previstas no artigo 265, I a III; III - quando o devedor não possuir bens penhoráveis.

Então, como se verifica, a referida regra excluiu nitidamente a possibilidade de pleitear-se a suspensão do processo de execução com base em alegação de questão prejudicial externa, nos termos do artigo 265, inciso IV, "a", do Código de Processo Civil.

E não poderia mesmo ser diferente, porque não existindo decisão na ação de execução, revela-se impossível que advenha nela decisão que seja conflitante com a sentença proferida nas ações cautelar e declaratória que tramitaram pela Comarca de Araucária.

Voto, então, pela rejeição do pedido de suspensão da execução, nos termos do artigo 265, inciso IV, do Código de Processo Civil.
[5]

 

2. PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO-SUSPENSÃO (ART. 791 DO CPC) – AJUIZAMENTO DE AÇÕES PARALELAS.

 

1. A enumeração das hipóteses de suspensão da execução, previstas no art. 791 do CPC é praticamente exaustiva, porque são raríssimas as hipóteses em que se pode fugir à regra processual.

2. Ações paralelas ajuizadas na tentativa de paralisar a execução não têm a forma para o efeito desejado.

3. Jurisprudência firmada neste Tribunal, com inúmeros precedentes, seguindo a esteira do direito pretoriano do STF.

4.Recurso especial não conhecido. [6]

 

Os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acima transcritos estendem-se, ao nosso sentir, ao processo de execução fiscal, isto porque a subsidiariedade aludida no artigo 1º da LEF não pode ser aplicada ao bel prazer das partes, devendo, portanto, estar conjugada ao procedimento correspondente a matéria.

Logo, se o processo de execução estabelece suas próprias hipóteses de suspensão, não poderão as partes se valer das hipóteses estabelecidas no processo de conhecimento, sob pena de desvirtuar o a sistemática processual brasileira e, por conseqüência, tornar temerárias as futuras relações processuais.

Deste modo, a coexistência da Ação Anulatória de Débito Fiscal, desprovida do depósito do montante integral, com a Ação de Execução Fiscal não possui o condão de suspender o curso da ação executiva, isto porque o legislador, intencionalmente, excluiu a questão prejudicial do rol das hipóteses que legitimam tal suspensão.

 

NOTAS

[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 410.

 

[2] REsp 451.014/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 17.12.04.

 

[3] CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 501-02.

 

[4] SANTOS, Rodrigo Daniel dos. Existe coisa julgada no processo de execução? Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.10201>. Acesso em 29/03/2008.

 

[5] TJ-PR, Apelação Cível n. 208.542-9, 14ª Câmara Cível, Rel. Dês. ROSANA ANDRIGUETO DE CARVALHO, Curitiba, 11/04/2007.

 

[6] STJ. RESP:171190/SP; Rel. Min. Eliana Calmon. Decisão de 15.03.2001.