Da contribuição adicional ao FGTS instituída pela lei complementar 110/2001

 

* Ingrid Brabes

 

A lei complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, instituiu contribuições adicionais vinculadas ao FGTS, na alíquota de 10% sobre o montante dos depósitos ocorridos na vigência do contrato de trabalho incidente nas dispensas sem justa causa e de 0,5% sobre a remuneração devida a cada empregado no mês anterior.

O artigo 14 da lei determinava que a mesma entraria em vigor na data da publicação e que produziria efeitos 90 dias a partir da data inicial de sua vigência para a contribuição de 10% e a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia da data de início de sua vigência para a contribuição de 0,5%

Esta lei foi elaborada como forma de regularizar as questões originadas pela declaração de inconstitucionalidade das leis que instituíram os planos Verão (janeiro/89) e Collor I (abril/90) na tentativa de se evitar a distribuição de várias ações judiciais, como também de se obter complementação financeira dos empregadores, com algumas exceções, dos saldos do FGTS em virtude das perdas econômicas verificadas pela implementação de referidos planos, que têm estimativa aproximada de 43 bilhões de reais.

Referidas perdas são também conhecidas como expurgos inflacionários, que nada mais são do que a desconsideração dos índices de inflação de um determinado período ou mesmo a sua aplicação a menor, o que acaba reduzindo o valor real da importância a ser corrigida.

Quanto à primeira questão a ser regularizada pela lei complementar 110/01, qual seja evitar o ajuizamento desenfreado de ações judiciais, foi aberta aos trabalhadores, além do seu direito de ação, a opção de aderir ao acordo com a Caixa Econômica Federal, órgão gestor do FGTS.

Já em relação à segunda questão, determinou-se aos empregadores, com algumas exceções, que efetuassem o pagamento de duas contribuições, denominadas pela lei como “sociais”, nas importâncias correspondentes a 10% do valor do saldo corrigido da conta do FGTS no caso de dispensa sem justa causa e de 0,5% sobre a remuneração dos trabalhadores no mês anterior.

Conforme elucidado acima, referida lei entrou em vigor no dia da sua publicação, ou seja, tornou-se válida e existente. Quanto à eficácia, ou melhor, aptidão para produzir efeitos, foi determinado que deveria ser observado o princípio da anterioridade nonagesimal, estipulado no parágrafo sexto do artigo 195 da Constituição Federal, por ser entendido que se tratavam de contribuições sociais.

Diante de referido princípio e pelo que foi disposto na lei complementar e no decreto 3.914/2001, a contribuição de 10% seria exigida a partir das dispensas ocorridas em 28 de setembro de 2001 e a contribuição de 0,5%, a partir de 1º de outubro de 2001, ou melhor, a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia da data de início de sua vigência, que foi 29 de junho de 2001.

Ocorre que, embora a lei denominasse referidas contribuições adicionais ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço de contribuições sociais, sua natureza jurídica era de tributo, motivo pelo qual foram ajuizadas duas ações diretas de inconstitucionalidade com pedido de liminar (ADIN 2.556-2 e ADIN 2.568-6).

Houve o deferimento parcial da liminar pretendida, em decisão publicada em 8 de agosto de 2003, suspendendo-se, desde o início de sua vigência e até o final julgamento da ADIN, a expressão “produzindo efeitos”, bem como os incisos I e II do artigo 14 da lei 110/2001, que determinavam justamente a observância do período de 90 dias para que referidas contribuições adicionais ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço fossem exigidas.

Considerando-se, assim, que as mesmas foram consideradas tributos, deve ser observado o princípio da anualidade aplicável aos mesmos, havendo produção de efeitos somente no exercício financeiro seguinte, ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2002 (inciso III do artigo 150 da Constituição Federal).

Grande problema, contudo, criou o deferimento destas liminares em relação aos valores recolhidos em 2001 no tocante às duas contribuições, sendo que, especialmente, e em relação ao parágrafo segundo do artigo 2º, que instituiu a contribuição de 0,5% incidente sobre a remuneração devida no mês anterior, porque foi determinado o recolhimento por certo período.

Referido artigo determina que “A contribuição será devida pelo prazo de sessenta meses, a contar de sua exigibilidade”.

Ora, esta lei complementar, por disciplinar tributo, e de acordo com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, produziu efeitos a partir de 1º de janeiro de 2002, sendo que os fatos geradores das contribuições adicionais ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, entendidas como tributos, ocorreram a partir desta data, permitindo sua exigibilidade a partir de então.

Assim, entendemos que o prazo de 60 meses deva ser contado a partir de 1º de janeiro de 2002, a contar da sua exigibilidade, conforme parágrafo 2º do artigo 2º da lei complementar, findando-se na competência de dezembro de 2006, sendo que o recolhimento referente a esta competência deverá ser feito em 5 de janeiro de 2007 (sexta-feira), vez que não há expediente bancário no dia 7 (domingo), devendo o depósito ser antecipado para o dia imediatamente anterior, de acordo, inclusive, com o que preceitua o parágrafo 5º do artigo 3º do decreto 3.914/2001.

Considerando a data em que foi publicado o deferimento da liminar (8 de agosto de 2003), muitas empresas efetuaram o recolhimento das importâncias a partir de 1º de outubro de 2001, ou seja, considerando o conteúdo da liminar, pelo período a maior de três meses.

Daí surgiram vários questionamentos, inclusive no sentido do recolhimento das contribuições somente pelo período de 60 meses.

Assim, esclarecemos que se deve ter algumas cautelas. É certo que a lei determinou o recolhimento de 60 contribuições, mas não se pode esquecer que a ADIN suspendeu a expressão “produzindo efeitos”, bem como os incisos I e II do artigo 14, o que fez com que a exigibilidade de referidas contribuições adicionais ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço ocorresse somente em 1º de janeiro de 2002.

Não pode o contribuinte atuar por si e deixar de pagar, sendo que, pela vigência da lei e da liminar deferida em ADIN, conclui-se que referidas contribuições serão devidas até a competência de 12/2006.

Note-se que, por esta interpretação, as contribuições relativas ao ano de 2001 foram recolhidas indevidamente e, por cautela, não poderão ser utilizadas para a somatória das 60 contribuições, a menos que haja expressa determinação judicial ou posicionamento oficial da CEF.

Se a empresa simplesmente deixar de pagar referidas contribuições, poderá correr risco de não obter o Certificado de Regularidade do FGTS - CRF, de acordo com o que determina o artigo 8º do decreto nº 3.914/2001, que é exigido, de acordo com o artigo 27 da lei nº. 8.036, de 11 de maio de 1990, nos casos de habilitação e licitação promovida por órgão da administração federal, estadual e municipal, direta, indireta ou fundacional ou por entidade controlada direta ou indiretamente pela União, estado e município; obtenção, por parte da União, estados e municípios, ou por órgãos da administração federal, estadual e municipal, direta, indireta ou fundacional, ou indiretamente pela União, estados ou municípios, de empréstimos ou financiamentos junto a quaisquer entidades financeiras oficiais; obtenção de favores creditícios, isenções, subsídios, auxílios, outorga ou concessão de serviços ou quaisquer outros benefícios concedidos por órgão da administração federal, estadual e municipal, salvo quando destinados a saldar débitos para com o FGTS; transferência de domicílio para o exterior; registro ou arquivamento, nos órgãos competentes, de alteração ou distrato de contrato social, de estatuto, ou de qualquer documento que implique modificação na estrutura jurídica do empregador ou na sua extinção.

Por outro lado os artigos 1º e 2º da lei nº. 9.012, de 30 de março 1995, determinam que “é vedado às instituições oficiais de crédito conceder empréstimos, financiamentos, dispensa de juros, multa e correção monetária ou qualquer outro benefício a pessoas jurídicas em débito com as contribuições para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS” e que “as pessoas jurídicas em débito com o FGTS não poderão celebrar contratos de prestação de serviços ou realizar transação comercial de compra e venda com qualquer órgão da administração direta, indireta, autárquica e fundacional, bem como participar de concorrência pública”.

Enfim, a falta de Certificado de Regularidade do FGTS – CRF impede o relacionamento com os órgãos da administração pública, participação em licitações públicas, transação com o poder público e com instituições oficiais de crédito, podendo até comprometer a celebração de convênios filantrópicos com referidos órgãos.

Por causa deste risco, aconselha-se toda a cautela e recomenda-se que as empresas não deixem de pagar até a competência de 12/2006 sem qualquer autorização prévia.

Note-se que, ao parar de pagar sem qualquer autorização, gera o risco de autuação, aplicação de cominações, inscrição, execução etc, em que a empresa estaria agindo na defensiva e não de forma preventiva, ficando condicionada ao entendimento do Judiciário e à agilidade de suas decisões.

Outro dilema será em relação ao resultado da ADIN, pois a lei complementar determinava que a contribuição de 10% seria exigida a partir das dispensas ocorridas em 28 de setembro de 2001 e a contribuição de 0,5%, a partir de 1º de outubro de 2001, sendo que a liminar deferida suspendeu desde o início, ou seja, 29 de junho de 2001, a expressão “produzindo efeitos” e os incisos I e II do artigo 14 da lei complementar 110/01, que tratavam do início da exigibilidade de referidas contribuições.

Se a liminar for confirmada no julgamento final do STF, as contribuições de 2001 não deveriam ter sido recolhidas, ao passo que se a liminar for afastada, as mesmas serão devidas, trazendo problemas para aquelas empresas que não recolheram.

Então deve-se ter cautela em relação aos procedimentos adotados, pois atualmente está valendo a liminar que suspendeu os efeitos de parte da lei complementar, o que acarreta seja aplicado a referidas contribuições o princípio da anualidade específica aos tributos, que, em especial à contribuição de 0,5%, faz com que a mesma seja exigida até a competência de 12/2006, ou seja, pelo prazo de 60 meses, a contar de sua exigibilidade, conforme parágrafo 2º do artigo 2º.

Assim, não se pode deixar de recolher ao se atingir 60 contribuições sem qualquer comando judicial ou mesmo resposta formal da Caixa Econômica Federal, órgão gestor do FGTS, à consulta formulada ou qualquer outra informação oficial deste órgão, pois de acordo com a interpretação da liminar e lei complementar, as mesmas são devidas, frise-se, até a competência de 12/2006.

Por esta mesma interpretação, as contribuições de 2001, até o momento, foram recolhidas indevidamente. Ressalte-se que, pela égide da liminar, são consideradas indevidas, mas se a mesma não for confirmada pelo STF, serão devidas, o que acaba fazendo com que as contribuições recolhidas nas competências de outubro, novembro e dezembro de 2006 sejam indevidas.

Vejamos quadro comparativo:

 

LC 110/01

 

LIMINAR

1

out/01

 

2

nov/01

 

3

dez/01

 

4

jan/02

1

5

fev/02

2

6

mar/02

3

7

abr/02

4

8

mai/02

5

9

jun/02

6

10

jul/02

7

11

ago/02

8

12

set/02

9

13

out/02

10

14

nov/02

11

15

dez/02

12

16

jan/03

13

17

fev/03

14

18

mar/03

15

19

abr/03

16

20

mai/03

17

21

jun/03

18

22

jul/03

19

23

ago/03

20

24

set/03

21

25

out/03

22

26

nov/03

23

27

dez/03

24

28

jan/04

25

29

fev/04

26

30

mar/04

27

31

abr/04

28

32

mai/04

29

33

jun/04

30

34

jul/04

31

35

ago/04

32

36

set/04

33

37

out/04

34

38

nov/04

35

39

dez/04

36

40

jan/05

37

41

fev/05

38

42

mar/05

39

43

abr/05

40

44

mai/05

41

45

jun/05

42

46

jul/05

43

47

ago/05

44

48

set/05

45

49

out/05

46

50

nov/05

47

51

dez/05

48

52

jan/06

49

53

fev/06

50

54

mar/06

51

55

abr/06

52

56

mai/06

53

57

jun/06

54

58

jul/06

55

59

ago/06

56

60

set/06

57

 

out/06

58

 

nov/06

59

 

dez/06

60

 

 

Considerando a importância do Certificado de Regularidade do FGTS para as empresas, o mais aconselhável é que seja ajuizada ação judicial, em que se pleiteie a obtenção da dispensa pelo recolhimento, autorização para compensação, repetição de indébito ou autorização judicial para depósito para as contribuições de 0,5%.

Ou mesmo que sejam pagas estas contribuições até a competência 12/2006, no total de 63 contribuições, para aqueles que começaram a recolher pela competência de outubro de 2001 e que se pleiteie a restituição ou das recolhidas em 2001 ou das recolhidas em 2006, dependendo do resultado da ADIN

Sendo que muito possivelmente ficarão condicionadas ao julgamento da ADIN.

Pode-se ainda optar pela consulta formal ao órgão gestor do FGTS (CEF), mas a demora à consulta pode acabar gerando incertezas nas empresas.

Para as contribuições de 10%, pode-se pleitear a repetição de indébito das contribuições recolhidas em 2001, ficando condicionada ao resultado da ADIN.

Pode ser aguardado o resultado da ADIN em virtude da suspensão do prazo, mas aconselha-se, para não se correr qualquer risco quanto a interpretação e contagem de prazos, principalmente o prescricional, que sejam ajuizadas as ações tão logo seja efetuado o pagamento da contribuição relativa à competência de 12/2006, sendo que possivelmente ficarão condicionadas ao resultado da ADIN.

Porém, para as empresas que não agirem após o pagamento da contribuição referente à competência de 12/2006 ou mesmo após o julgamento da ADIN, pode ser pleiteado a aplicação da Súmula 210 STJ, que estabelece a prescrição trintenária: “A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos”.

Entendemos que a empresa não possa agir de ofício, deixando de efetuar o pagamento por si da contribuição. Assim, poderão ser tomadas as seguintes providências: 1) Ajuizamento de ação, em que se pleiteie a obtenção da dispensa pelo recolhimento, autorização para compensação repetição de indébito ou autorização judicial para depósito, bem como, repetição de indébito das contribuições de 10% recolhidas em 2001; ou 2) Ajuizamento de ação posteriormente ao recolhimento, pleiteando a repetição de indébito, dos valores recolhidos em 2001 ou 2006 no tocante a contribuição de 0,5% e de 2001 no tocante à contribuição de 10%, conforme resultado da ADIN; ou 3) Consulta formal à CEF. Sendo que muito possivelmente ficarão condicionadas ao julgamento da ADIN.

Enfim, é uma questão que trará muitas discussões e controvérsias, devendo ser acompanhada de perto pelas empresas.

 

* Ingrid Brabes é advogada associada ao escritório Ferreira e Melo Advogados Associados, pós-graduada em Direito Civil e pós-graduanda em Direito do Trabalho.

 

 

Sobre o Ferreira e Melo Advogados Associados

 

Fundado em 1990, o escritório Ferreira e Melo Advogados Associados presta assessoria jurídica preventiva e contenciosa, contando com uma equipe de mestres e especialistas. Atua nas diversas áreas do Direito, tendo como principais especializações: Trabalho e Previdenciário, Civil, Administrativo, Ambiental, Consumidor, Educacional, Empresarial, Família e Sucessões, Imobiliário, Penal Empresarial, Propriedade Intelectual e Industrial, Securitário, Terceiro Setor e Tributário. Sediado em São Paulo, O Ferreira e Melo conta com escritórios correspondentes na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Brasília. Sócios: Evilásio Ferreira Filho, professor universitário, mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Imobiliário, e Edson Teixeira de Melo, professor universitário, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito do Terceiro Setor.

 

Ingrid Brabes

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