DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME

DISCIPLINAR DIFERENCIADO

 

Lara Gomides de Souza

Luiz Lopes de Souza Junior

Luma Gomides de Souza

 

 

INTRODUÇÃO

 

Acostumamo-nos a ver o Legislativo Brasileiro trabalhando sob a pressão da população, principalmente em matéria criminal. Tal situação foi notória à época da edição da Lei dos Crimes Hediondos, quando a Rede Globo usou toda sua influência para a impulsionar a confecção e a edição da lei que tratava dos crimes mais graves, chegando inclusive a criar o Regime Integralmente Fechado.

 

Tempos mais tarde, tivemos a edição da lei que trata do Crime Organizado, apesar de até hoje não sabermos o que de fato significa “organização criminosa”.

 

Em 2003, foi a vez da Lei nº. 10.792, que vinha a alterar a Lei de Execuções Penais, criando-se o chamado Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, tema deste breve ensaio. Neste ponto, percebemos que o legislador pátrio agiu motivado pelas crescentes manifestações das facções criminosas, principalmente nos Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo. O ponto alto das revoltas foi a morte de um Juiz Corregedor da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente-SP, Dr. Antônio José Machado Dias. Mais uma vez, escolheu-se o caminho errado para se tentar combater a violência e a criminalidade.

 

 

1. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)

 

As origens do instituto em nosso País remontam ao Império, quando era comum um “regime duro” destinado aos presos que cometiam crimes contra a Coroa. Mais recentemente, mais especificamente, desde 2000, algumas propostas de implementação já vinham sendo discutidas, no entanto, apenas em 2003, impulsionada pelo assassinato do juiz alhures mencionado, foi editada e publicada a Lei nº. 10.792/03, entrando em vigor.

 

Para melhor entender o instituto, necessária se faz a análise dos dispositivos da Lei nº. 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) alterados pela Lei nº. 10.792/03:

 

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione a subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II – recolhimento em cela individual;

III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§1º. O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§2º. Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

 

 

Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente.

§1º. A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.

§2º. A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias.

 

Em suma, podemos concluir que o Regime Disciplinar Diferenciado nada mais é que um conjunto de regras rígidas que orientarão o cumprimento de pena privativa de liberdade ou mesmo a custódia provisória dos presos que se enquadrem nos casos previstos pela lei, acima elencados. Poderia ensejar a transferência para o RDD:

 

a) falta grave;

b) fundado risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; e,

c) fundada suspeita de envolvimento ou participação do custodiado, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

 

A jurisprudência vem dando apoio à aplicação do instituto aos presos provisórios, fundamentando-se no poder geral de cautela do juiz. Apesar de não ser hipótese prevista expressamente no código de processo penal, aplicar-se-ia subsidiariamente os dispositivos do Código de Processo Civil. A este respeito, importantes as lições do eminente processualista FREDERICO MARQUES:

 

“Essa orientação sobre interpretação encontra acolhida na lei processual vigente, em face do que dispõe o art. 3o, quando admite os suplementos dos princípios gerais do direito. É claro que dentre esses princípios, devem ocupar o primeiro lugar os de Direito Processual, que, por ser unitário, está formado por normas e regras contidas em ambos os seus ramos; e como o processo civil é a parte tecnicamente mais aperfeiçoada do Direito Processual, dele é que são extraídos, em sua maioria, esses princípios”.

 

O mesmo processualista segue ainda afirmando que as regras do Regime Disciplinar Diferenciado, enquanto procedimento cautelar, poderá ser aplicado mesmo antes de se ouvir as partes (também de acordo com o Código de Processo Civil), sempre que haja receio de que o conhecimento da parte contrária possa frustrar o objetivo da medida.

 

No entanto, não podemos ignorar o fato de que as conseqüências impostas pela aplicação do “regime fechadíssimo” são bastante drásticas e não se comparam com a busca e apreensão de um televisor, por exemplo, como ocorre no processo civil. Deste modo, parece-nos incorreto supor que tal medida poderia ser aplicada sem o prévio contraditório, ao bel prazer da autoridade administrativa.

 

A doutrina ainda hoje permanece dividida entre os que aplaudem referido sistema de cárcere e os que o refutam, alegando sua inconstitucionalidade. Concordamos com este último posicionamento, por razões que serão explicitadas mais adiante.

 

 

2. Da Lesão aos Princípios e Garantias Constitucionais

 

De acordo com a pirâmide jurídica idealizada por Kelsen, a Constituição Federal encontra-se no topo, sendo a fonte principal de Poder. Assim, leis complementares, ordinárias, delegadas, atos normativos do Poder Executivo, enfim, todo e qualquer outro tipo de normatização, deveria estar de acordo com ela, a Magna Carta.

 

Contudo, vez ou outra, quer por ignorância, quer por mera conveniência, vem se tentando interpretar a Constituição Federal de acordo com as leis infraconstitucionais, e não o contrário. Parece ser este o caso da Lei nº. 10.792/03, uma vez que este diploma legal ignora totalmente princípios e garantias fundamentais da pessoa humana, e ainda assim há quem defenda sua constitucionalidade.

 

Como afirma Paulo César Busato:

 

“É necessário centrar a atenção no fato de que legislações de matizes como os da Lei 10.792/03 correspondem por um lado a uma Política Criminal expansionista, simbólica e equivocada e, por outro, a um esquema dogmático pouco preocupado com a preservação dos direitos e garantias fundamentais do homem. Por isso, há a necessidade de cuidar-se com relação aos perigos que vêm tanto de um quanto de outro”.

 

O primeiro ponto que causa estranheza no RDD é a possibilidade de atingir também os presos provisórios – o Regime Disciplinar Diferenciado Cautelar que tratamos superficialmente no tópico anterior. Nesse rumo, seria possível a aplicação um regime “fechadíssimo” a quem ainda não foi condenado. Até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, todo indivíduo tem presunção de inocência. Então agora foi criada a presunção de culpabilidade?

 

Prossegue a lei elencando como motivo ensejador da decretação de tal regime a existência de “FUNDADAS SUSPEITAS de envolvimento em organizações criminosas. Mas o que são “fundadas suspeitas”? Meras suspeitas poderiam provocar reação tão drástica por parte do Estado? E o que seriam “Organizações Criminosas”? Como se sabe, não há lei no Brasil que preencha tal conceito. Portanto, não estaríamos ferindo o princípio da legalidade?

 

Importante relembrar o disposto no art. 5º, III e XLVII, “e”, todos da Constituição Federal: não poderá ser instituída no Brasil pena cruel ou degradante. Assegurou-se, pois, o respeito à integridade física e moral do preso, provisório ou não. É também garantido o princípio da isonomia, segundo o qual todos devem ser tratados de forma igual, sem qualquer distinção. Deste modo, um preso (condenado definitivamente ou provisório) não deixa de ser “pessoa” pelo simples fato de estar preso.

 

Como pano de fundo do Regime Disciplinar Diferenciado são facilmente percebidas algumas das idéias de Jackobs – idealizador do Direito Penal do Inimigo. Segundo este jurista alemão, o criminoso é tido como inimigo nocivo à sociedade, devendo dela ser afastado. Por ter rompido certa vez com o contrato social, passa a ser uma “não pessoa”, perdendo todos os atributos inerentes à raça humana. Torna-se pior que um animal.

 

Atualmente, à luz da dignidade da pessoa humana, não se pode aceitar tal visão. Não importa quantos crimes determinado indivíduo tenha cometido, nem quais foram estes crimes, a Constituição Federal ainda assim assegurará direitos e garantias fundamentais a ele.

 

Dr. Vlamir Costa Magalhães, juiz federal no Rio de Janeiro, em artigo publicado recentemente na internet afirma que a severidade do regime se justificaria pelo fato de que os presos submetidos a este regime teriam demonstrado sua periculosidade e intenção de não se ressocializar (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9828). Afirma que, uma vez tendo supostamente mantido sua fidelidade ao crime mesmo estando preso, deveria-se ignorar o caráter ressocializador da pena, ficando apenas com o caráter punitivista. Em outras palavras, retira-se direitos fundamentais do “inimigo” por ter o mesmo delinqüido. Mais do que presentes os pensamentos de Jackobs!

 

A situação é preocupante, pois se começarmos a pensar desta forma, em pouco tempo estaremos permitindo a pena de morte (apesar do que diz a Constituição Federal), sob a desculpa de que o preso é perigoso e põe em risco a ordem societária. Assim, o fato de ser perigoso estaria permitindo o seu “assassinato legal”.

 

Convém analisar o voto do Ilustre Desembargador do Estado de São Paulo, Dr. Borges Pereira, em HC impetrado em 2000 (quando o RDD era previsto apenas para aquele Estado), discutindo sua legalidade:

 

"O chamado RDD (Regime disciplinar diferenciado) é uma aberração jurídica que demonstra à sociedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor" (HC 978.305.3/0-00).

 

Observe-se que a Lei de Execução Penal diz em seu art. 58 que as sanções impostas não poderão exceder o prazo de 30 dias, ressalvado o regime disciplinar diferenciado. O art. 60 afirma que nos casos de falta grave (não decretado o RDD), o isolamento poderá ser pelo prazo máximo de 10 dias. Como dito anteriormente, o art. 52, inc. I da referida lei afirma que o “regime fechadíssimo” terá duração máxima de 360 dias. Note-se quanta desproporcionalidade há entre uma hipótese e outra.

 

Imagine-se duas faltas idênticas, porém, analisadas por juízes diferentes. O primeiro entende ser caso de falta grave, cabendo aplicação do regime disciplinar diferenciado; o segundo, mais cauteloso, aplica mero isolamento (sanção do art. 60 da Lei 7.210/84). Um deles, o segundo, ficará isolado por, no máximo, 10 dias; o outro (o primeiro deles), por quase um ano.

 

Há ainda a possibilidade de reiteração da medida, caso venha a ser cometida nova infração, no limite de 1/6 da pena. Em outras palavras, todo preso poderá ter até 1/6 da pena cumprido em regime disciplinar diferenciado. Considerando em que alguns crimes podem ter penas que chegam a 30 anos, o indivíduo poderá passar 5 anos em “regime fechadíssimo”.

 

Se o sistema atual já é pouco eficaz em matéria de ressocialização, imagine-se nestas condições. Estaríamos de fato desistindo do caráter principal da pena: reinserção na sociedade. Como afirma Jose Luis de la Cuesta:

 

“O direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais pode–se contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção”.

 

Fere claramente o princípio da individualização da pena, da proporcionalidade e razoabilidade. Vozes defensoras do regime levantam-se no sentido de que nada impede a aplicabilidade do instituto, desde que feito com moderação e cautela por parte dos juízes. Muitas vezes, o legislador tenta se convencer de que os juízes são seres superiores, que conseguem efetivamente se desligar do mundo “aqui fora”, julgando com total neutralidade. No entanto, não é esta a realidade. São pessoas e, como tais, passíveis de erros e vícios. Tamanho poder não deve ser deixado indiscriminadamente em suas mãos.

 

Outro absurdo imposto pela lei foi a restrição ao direito de ter contato com o advogado. Ao limitar as visitas semanais, limita-se também (de forma drástica) o direito de comunicar-se com seu defensor. Marcelo Lessa Bastos diz não entender as críticas ao instituto do RDD, aliando-se à idéia de restrição das visitas dos advogados:

 

“Não há dúvidas de que todo criminoso precisa ter a assistência de Advogado, antes e depois de sua condenação: antes, para velar por sua ampla defesa; depois, para velar pela correta observância dos princípios gestores da execução penal. No entanto, nisto não se compreende a missão de integrar organizações criminosas, fatos que não podem se enquadrar no conceito de exercício profissional, constituindo, ao revés, em infrações penais, tratáveis pelo art. 288 ou pelo art. 29 do Código Penal, conforme o caso. Não há absolutamente nenhum argumento convincente que justifique a necessidade de contato físico entre o Advogado e o preso. Eles podem, perfeitamente, conversar separados por um vidro e um interfone, sem que esta medida prejudique, em absolutamente nada, o exercício profissional e os direitos inerentes ao princípio constitucional da ampla defesa. Não conta que na profissão de Advogado estejam previstos procedimentos como abraço, toques corporais, apertos de mão, etc, porque não parece necessário nenhum tipo de exame físico para o diagnóstico das causas criminais e a definição de seu tratamento jurídico”.

 

Não coadunamos com referida tese. Até que se prove efetivamente que advogado e preso estão envolvidos em algum tipo de mancomunação criminosa, seus direitos devem ser resguardados. Lembremos ainda que a maior crítica é quanto à limitação do número de visitas. Assim, se a lei não permite a visita, estaria abrangida a conversa por telefone “separados por um vidro”. Se, por exemplo, na quinta-feira o preso tiver atingido sua “quota” de duas visitas semanais, e na sexta precisar falar com seu advogado, não lhe será permitido? Absurda a hipótese.

 

Há também quem defenda que a transmissão para o regime disciplinar diferenciado não representa regressão de regime. Não encontra razão de ser tal afirmação. Se não é regressão, o que mais seria?

 

Infundada também é a forçada crença de que ao preso em regime disciplinar diferenciado é garantida a progressão de regime. Erguem-se vozes no sentido de que a progressão seria possível em tese, desde que (é claro) cumpridos os requisitos. No entanto, na prática, não se vê possibilidade de que um preso em regime diferenciado venha a cumpri-los. Deve haver:

 

a) cumprimento de 1/6 sexto da pena no regime atual; e

b) atestado de boa conduta carcerária.

 

Quanto ao primeiro requisito, dispensam-se maiores comentários. A dificuldade encontra guarita na segunda exigência: boa conduta carcerária. Ora, o simples fato de estar o detento em regime disciplinar diferenciado é capaz de demonstrar que o mesmo não teve boa conduta carcerária. A simples impossibilidade de progressão de regime já seria suficiente para tornar a pena cruel. Sabendo de sua condição, o preso não se sentiria motivado a querer sair daquele estado, não havendo razões para tentar melhorar o comportamento.

 

Não há quem diga que a vida no cárcere é um mar de rosas, nem se espera que de fato fosse. A prisão não é um hotel de luxo, mas um lugar criado pelo Estado para castigar indivíduos que atentaram contra a ordem pública. No entanto, acima disto, está o caráter educativo, a intenção de mostrar ao reeducando o erro que cometeu e incentivá-lo a não mais transgredir.

 

O regime de isolamento imposto pelo regime disciplinar diferenciado é desumano e cruel, principalmente pelo que causa ao psicológico do preso submetido a ele. Para que surtisse o efeito desejado pela ressocialização, seria necessário que, aliado ao isolamento, houvesse também acompanhamento psicológico constante, com o escopo de ajudar o preso a superar os efeitos do cárcere individual e repensar sua posição.

 

Todavia, não é o que se vê em grande parte dos estabelecimentos penitenciários de nosso país. Os presos em regime diferenciado mais parecem mortos-vivos e apresentam agressividade ainda maior que os outros. A falta de contato com o mundo exterior causa efeitos inimagináveis àquelas pessoas, que são privadas até mesmo da luz do sol. Se tal tratamento não é cruel, não se sabe mais o que é então. Márcio Thomaz Bastos, Ministro da Justiça, chegou a dizer a respeito do RDD:

 

“Se ele se recuperar, ótimo. Se ele nunca se recuperar, pelo menos durante o tempo em que ele estiver preso não terá condições de se conectar, de dar ordens, de comandar as suas atividades criminosas”.

 

No entanto, o próprio Ministério da Justiça afirmou:

 

"O isolamento não é boa prática (...). Um modelo de gestão muito mais positivo é o de abrigar os presos problemáticos em pequenas unidades de até dez presos, com base de que é possível proporcionar um regime positivo para presos que causam transtorno, confinando-os em ‘isolamento em grupos’, em vez da segregação individual”[1].

 

Mais uma vez o legislador tentou resolver a questão da criminalidade com um modelo já falido de repressão. Enquanto a comunidade mundial caminha no sentido de perceber que a prisão não é modelo eficiente de combate ao crime, o Brasil parece negar luz ao sol, mantendo sua arcaica posição. É preferível retirar o indivíduo dos olhos da sociedade do que assumir que, como Estado, falhamos.

 

A realidade do crime é preocupante? Sem dúvida! Mas também o é a vivida dentro do cárcere. O Estado, ao invés de buscar meios para que as pessoas não cheguem a ir à prisão, não cometam tantos crimes, por meio da aplicação de medidas públicas que visem a diminuição das desigualdades sociais, a oferta de educação, saúde, emprego etc., prefere aumentar as penas e regimes de cumprimento, como se somente isto fosse suficiente para resolver os males do mundo.

 

Há tempos nos esquecemos do significado do termo “ressocialização”. O indivíduo, mesmo quando deixa o cárcere, permanece preso; refém de seu passado, pois será eternamente julgado por um crime que cometeu (e pelo qual já respondeu). Estará ele fadado ao retorno: retorno à fome, à miséria e ao crime. São estes os problemas com os quais nosso legislador deveria se preocupar primeiramente.


 

[1] Andrew Coyle. Administração Penitenciária: Uma abordagem de Direitos Humanos – Manual para Servidores Penitenciários: Londres: International Center for Prision Studies. King´s College London, Ministério da Justiça do Brasil e Embaixada Britânica – Brasília, 2004. p. 91/92; citado no Parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária