Dignidade da Pessoa Humana e seus Princípios Orientadores

 

Alan Carneiro de Matos –

 Estudante do 10º Semestre de Direito das Faculdades Jorge Amado

 

 

A palavra “humano” é definida[1] como: “Pertencente ou relativo ao homem. Bondoso, humanitário”, é o único animal pensante sobre a face da terra. É o único animal que possui cultura e que constrói sua existência sob pilares do que é certo ou errado. O animal irracional não sabe como bem afirmado, raciocinar e ponderar o que é certo ou errado, sem obedecer aos seus instintos naturais.

 

O homem é o único ser que estabelece uma relação de apropriação do bem tão cultuado pela razão. Ele cria abstrações jurídicas em diversas situações de forma às vezes contraditória de modo a ferir a dignidade do ser humano. Por isso que é tão importante verificar o outro em todas as suas nuanças, pois não é mais a força que impõe a sobrevivência e sim as posses, sobrepujando o ser humano ao “ter” em detrimento do “ser” e o resgate do “ser” é a principal tarefa da Dignidade da Pessoa Humana.

 

Tarefa aparentemente fácil, devido ser auto-explicativo o tema ora posto, no entanto notadamente difícil visto a eficácia do mesmo. Destarte, tentaremos aclarar, ao menos no que nos cabe, as vicissitudes deste princípio que por muito tempo foi ofuscado, mas que hoje surge como princípio maior, devido ao seu caráter humanista, opondo-se ao passado patrimonialista.

 

A referida amplitude verifica-se na imensa seara de definições acerca da Dignidade da Pessoa humana. Alguns autores, como KARL LARENZ[2], atentam para o sentido ético, afirmando que todo ser humano deve ser respeitado e que deve fruir a sua vida amplamente.

 

Outros autores, como ERNESTO BENDA[3], vislumbram a face valorativa, preconizando que o mesmo veio usurpar o ser humano do domínio estatal, resgatando seus valores, propondo uma reversão obrigatória proporcionada pelo Estado que de opressor, passará a garante da sua dignidade existencial, no que tange ao caráter material.

 

 NOBRE JÚNIOR[4], discutindo a dignidade da pessoa humana, traz a posição de JOAQUÍN ARCE Y FLÓREZ VALDÉS, para explicar as conseqüências, como a integração do individuo a sociedade de forma igualitária, a independência do ser humano, reprimindo as ameaças externas, que impeçam seu desenvolvimento pleno, impedindo a subumanidade e protegendo os direitos inalienáveis do homem, se atenta para a dignidade humana.

 

Acrescenta ainda este mesmo autor21 que

 

 JOAQUÍN ARCE Y FLÓREZ - VALDÉS vislumbra no respeito à dignidade da pessoa humana, quatro importantes conseqüências: a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vez integrarem a sociedade como pessoas e não como cidadãos; b) garantia da independência e autonomia do ser humano, de forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade, bem como toda atuação que implique na sua degradação; c) observância e proteção dos direitos inalienáveis do homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a imposição de condições subumanas de vida. Adverte, com carradas de acerto, que a tutela constitucional se volta em detrimento de violações não somente levadas a cabo pelo Estado, mas também pelos particulares.

 

Observa-se que este autor, inspirado na tutela constitucional, pauta-se no processo de reconhecimento e de promoção dos valores humanos enquanto princípios, saberes, praticas e relações que se denomina de humanismo. Ocorre que este é um conceito de difícil homogeneidade e passível de controvérsia. Para WOLKMER[5], humanismo tem representado, independente do lugar e do tempo, “valores capazes de nortear as condutas do homem” e tem se justificado como “bandeira de luta e de reação em defesa da humanidade”: na renascença, contra a ameaça do fanatismo religioso, no iluminismo contra o nacionalismo e a escravidão e na contemporaneidade contra os efeitos perversos da globalização e da destruição do meio ambiente.

 

Acrescenta que perceber o humanismo, hoje, é vivenciar determinados princípios: a) eleger o ser humano como valor central; b) afirmar a igualdade de todos os seres humanos; c) reconhecer e considerar a diversidade (pessoal e cultural); d) valorizar a liberdade de idéias e crenças; e) desenvolver uma consciência que transcenda a realidade absoluta; f) repudiar toda e qualquer forma de violência

 

Desta forma, verifica-se o quão importante reputa ser a Dignidade do Homem, tomando por base estes princípios não como formulações abstratas ou conjunto genérico de intenções, mas de valores que expressam a especificidade da vida cotidiana e busca pelo reconhecimento do outro, enquanto ser humano total e histórico, forjado no dia-a-dia econômico, social e político, ingredientes que conduzem à independência e à autonomia. Refletir sobre estes aspectos implica superar o humanismo idealista, falso e atrofiado.

 

NOBRE JÚNIOR[6] entende que o Estado deve sair de sua apatia para buscar

 

Outra vertente de relevo pela qual se espraia a dignidade da pessoa humana está na premissa de não ser possível a redução do homem à condição de mero objeto do Estado e de terceiros. Veda-se a coisificação da pessoa. A abordagem do tema passa pela consideração de tríplice cenário, concernente às prerrogativas de direito e processo penal, à limitação da autonomia da vontade e à veneração dos direitos da personalidade A dignidade da pessoa humana é a noção clara e precisa de que o homem ocupa lugar de destaque e nuclear no mundo, quiçá do universo, por isso a importância de sua verificação e sua existência deve se enquadrar principalmente às suas necessidades básicas, pois o homem deve viver e não apenas sobreviver.

 

A dignidade da pessoa humana alcançou patamar absolutamente consagrado por preconizar principalmente a igualdade e a universalidade para os homens e entre os homens. O humanismo considera o homem como centro do universo, admitindo a convivência com os outros seres vivos, no entanto, reconhecendo que o Direito – instrumento criado para a regulação do convívio em sociedade – foi criado para os homens e pelos homens.

 

O direito que vem legitimando a dominação patrimonialista foi positivo, ditando o modo como deve comportar-se a sociedade. Não menos oportuno que ele, eis que surge o primeiro princípio orientador, qual seja o princípio da igualdade para contrapor com o eixo que se encontra assentado o patrimonialismo que é a desigualdade.

 

A igualdade entre os homens é fundamental para a efetividade da dignidade humana e sua irradiação jurídica é pedra basilar para o sucesso. De certo que assim, conclui-se que a igualdade deve ser obrigação do Estado, como garante, atuando preventivamente, na elaboração das leis e repressivamente corrigindo desacertos.

 

A aplicação deste princípio deve de sorte, respeitar as diferenças, pois a aplicação igualitária de leis aos desiguais não se configura a plenitude do que se quer alcançar. Por isso o mais correto é promover o equilíbrio, criando e aplicando leis desiguais aos desiguais para promover a igualdade, como demonstra RUI BARBOSA[7]:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.

 

Isto se aplica, não só à cor, etnia ou sexo e sim à igualdade de oportunidades aos menos favorecidos economicamente, compreendidos com se nem humanos fossem.

 

Tratamento semelhante deve ser dispensado à discriminação, visto que temos dois tipos. São elas, a ilegítima, quando não existe motivo plausível que a justifique, como excluir deficientes físicos de atividades que eles podem desenvolver normalmente, descriminação legitima seria aquela pertinente e aceitável, pois, se no mesmo exemplo supracitado, não fosse permitido inscrição para vagas de policial para maiores de 80 anos, visto que o exercício da profissão depende diretamente do vigor físico, qualidade ausente numa pessoa desta idade.

 

Outro principio muito importante, citado por NOBRE JÚNIOR[8], é a universalidade, quando tratamos de Dignidade da Pessoa Humana, pois não se pode segregar o individuo apenas devido à sua nacionalidade. Assim, não se reputa correto negar ao estrangeiro algum direito só porque apenas está de passagem pelo Brasil. Apresenta que:

 

 Assim é que deve ser entendido o caput do art. 5º da Lei Maior, de maneira que a titularidade dos direitos que enuncia se volte a todos aqueles que se encontrem vinculados à ordem jurídica brasileira, deles não se podendo privar o estrangeiro só pelo fato de não residir em solo pátrio. Seria, verbi gratia, inadmissível o não conhecimento pela jurisdição de habeas corpus, impetrado em favor de alienígena que esteja de passagem pelo território nacional, em virtude de neste não manter residência.

 

Os direitos que estão submetidos a uma pessoa não serão restringidos a esta e não aplicados àquela devido a motivo de foro nacional, como bem afirma o texto da nossa CONSTITUIÇÃO FEDERAL[9]:

 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

 

NOBRE JÚNIOR[10], vislumbra um pouco mais além, quando ressalta que a Dignidade da Pessoa Humana tem a qualidade de princípio ético, de caráter hierarquicamente superior às normas constitucionais de modo que qualquer regra positiva, ordinária ou constitucional, que lhe contrarie padece de ilegitimidade.

 

O que de certo se sabe é que mais que norteado ou amparado por estes princípios, a dignidade da pessoa humana é fonte basilar do direito, portanto patamar justo a se ocupar, justificador dos demais.

 

Alan Carneiro de Matos – Estudante do 10º Semestre de Direito das Faculdades Jorge Amado

 

Notas:

 


 

[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, cit., p.346.

 

[2] LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.

 

[3] BENDA, Ernesto. Dignidad humana y derechos de la personalidad. In: BENDA, Ernesto et alii. Manual de derecho constitucional, Madri: Marcial Pons, 1996. p. 124-127.

 

[4] JÙNIOR, Edílson Pereira. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Juiz Federal, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN) e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=161, p. 04. acessado dia 05/11/2005 às 13:30:22.

 

21 JÙNIOR, Edílson Pereira. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Juiz Federal, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN) e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, p. 04, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=161,. acessado dia 05/11/2005 às 13:30:22.

 

[5] WOLKMER, Antonio Carlos. Humanismo e Cultura Jurídica no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p. 20.

 

[6] WOLKMER, Antonio Carlos. Humanismo e Cultura Jurídica no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p. 07. 

 

[7] BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Martin Claret: São Paulo, 2003. p.19

 

[8] JÙNIOR, Edílson Pereira, O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Universidade Federal de Pernambuco, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=161, p. 06, acessado dia 05/11/2005 às 13:30:22.

 

[9] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29. ed. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 15.

 

[10]JÙNIOR, Edílson Pereira. O Direito Brasileiro e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Juiz Federal, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN) e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, p. 05, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=161,. acessado dia 05/11/2005 às 13:30:22.

 

Artigo publicado no site PesquiseDireito.com em 15.12.2005