AS INOVAÇÕES NO REGIME DE BENS E A CONTROVÉRSIA DO PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE NO DIREITO INTERTEMPORAL.

Fernanda Grezzi Urt

Acadêmica no 4º ano de Direito na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

Tathiany Kleia da Silva Verone Parron

Acadêmica no 4º ano de Direito na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

 

 

O regime de bens diz respeito ao direito patrimonial das pessoas e seus efeitos quanto ao casamento, pelos quais abrangem a obrigação alimentar de cada cônjuge assim como o da prole, e os direitos sucessórios que podem eventualmente se estenderem aos ascendentes e os colaterais até o segundo grau bem como ainda até o quarto grau conforme artigo 1839 do Código Civil/02.

 

Com o advento do Código Civil de 2002 o Direito de Família passou por uma série de modificações e inovações, perdendo assim o seu estilo antigo de classista. E o Código Cível ainda vem sofrendo grandes alterações das quais abordaremos no transcorrer deste trabalho.

 

No Código de 1916 era obrigatória a outorga uxória para a alienação dos bens decorrentes do casamento com todos os tipos de regime de bens (comunhão universal, comunhão parcial, participação final nos aquestos e separação) mesmo que os bens pertencessem a apenas um dos nubentes, assim ambos poderiam estar de acordo com o ato jurídico da venda, atribuindo seguranças jurídicas um ao outro e para terceiros.

 

Importante ressaltar que com essas inovações inclui-se a possibilidade da dispensa de consentimento, ou melhor, da outorga uxória, do cônjuge que não é proprietário, para a alienação do bem do outro cônjuge, com a ressalva de que os cônjuges devem-se estar enquadrado no regime de separação absoluta de bens.

 

O preceito nesse caso é explicado pelo Novo Código Civil, aduzindo a não comunicabilidade dos salários, proventos e remuneração dos cônjuges exatamente nesse regime de separação absoluta, portanto cabível a venda do bem sem o consentimento do outro cônjuge, porém aos frutos dessas rendas são comunicáveis, daí se nasce a grande dúvida.

 

Se aquele bem imóvel vendido por um dos cônjuges sem a outorga uxória seria proveniente de uma forma de retirar a renda para a subsistência da família? Ou seja, esse bem era utilizado para a subsistência familiar, com alugueis e arrendamentos?

 

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “justifica-se a exigência pelo fato de os imóveis serem considerados bens de raiz, que dão segurança à família e garantem o futuro dos filhos, malgrado o patrimônio mobiliário possa atingir valor pecuniário muitas vezes maior que o imobiliário. Justo que o outro cônjuge seja ouvido a respeito da conveniência ou não da alienação”

 

Mas esse diapasão não vem ao caso para entrar em discussão, posto ser apenas lançada a inovação trazida pelo nosso Código Civil de 2002. Mais relevante seria comentar acerca do que preceitua o artigo 2.039 do CC/2002, quanto à dispensa da outorga ser concedida para os casamentos realizados após o advento do Código Civil, ou também para aqueles anteriores ao Código Civil de 2002.

 

Para esse ponto temos uma jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, acostada:

 

Alienação de bens. Regime da separação convencional. Outorga uxória. Dispensa pelo art. 1.647 do CC/2002. Aplicação apenas para os casamentos realizados após a vigência da nova legislação, inteligência do art. 2.039 do CC/2002. Decisão mantida. (TJDF, AL n. 20030020074335, rel. Min. Roberval Casemiro Belinati, j. 16.02.2004. In: Cahali, Francisco José. Família e Sucessões no CC/2002, São Paulo, RT, 2005, v.II e Código Civil Comentado, Ministro Cesar Peluso, 1ª Ed. Brasileira, p. 1612).

 

Portanto, mesmo com a inserção do artigo 1.647 do Código Civil que autoriza a alienação do bem apenas para o regime de separação absoluta, o artigo 2.039 do mesmo Código veda a aplicação para os casamentos realizados na vigência do Código Civil anterior, dizendo que “é o por ele estabelecido”.

 

Dessa mesma tese, parte mais uma controvérsia condizente as inovações, posto ser aceita a dispensa para o regime de separação absoluta, mas a Sumula 377 do STF aduz a determinação da comunicação dos aquestos no regime de separação legal dos bens. Ocorre que o regime de separação legal dos bens seria o mais conhecido como o regime obrigatório, causando uma confusão no que diz respeito a qual regime ser aplicada a dispensa, no obrigatório ou absoluto?

 

O regime obrigatório é expresso pelo Código no artigo 1641, onde é obrigatório o regime de separação de bens para os casos que as pessoas contraírem o casamento com as inobservâncias das causas suspensivas da celebração, aos maiores de 60 anos e de todos os que dependerem de suprimento judicial para casarem.

 

Com isso, resta claro que houve uma confusão do legislador em dizer absoluto ao invés de obrigatório, sendo assim, a nosso ver a dispensa é aplicada realmente no regime de separação absoluta de bens.

 

Noutro vértice temos a mais recente inovação que estabelece diretrizes para a possibilidade de modificação do regime de bens por vontade de ambos os cônjuges. Além do que para esse beneficio atribuído ao Código há a necessidade de ser motivada a vontade dos cônjuges, bem como a verificação do juiz de que não há coação e nem prejuízo a terceiros.

 

Segundo o artigo 1639, §° 2 do novo Código Civil que dispõe: 

 

“É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”

 

Portanto a escolha do regime de bens pode perfeitamente ser modificada durante a constância do casamento averiguada as observâncias desse dispositivo legal, pois a escolha do regime nem sempre é adequada, haja vista ser o perfil do cônjuge revelado durante o casamento e de comum acordo de forma justa nada melhor do que poderem modificá-lo.

 

Ocorre que essa inovação também trouxe algumas contradições haja vista a aplicabilidade desse dispositivo aos casamentos realizados antes do Código Civil de 2002 e para aqueles efetuados depois do mesmo preceito, perfazendo assim a relação intertemporal quanto ao regime adotado.

 

Quanto à possibilidade de modificação do regime adotado pelos cônjuges regia o principio da imutabilidade absoluta pelo qual impedia a modificação do regime baseados em duas razões claras que são o interesse dos cônjuges e o de terceiros, assim evitaria o abuso de um dos cônjuges para o seu próprio beneficio.

 

Mas coma inserção do artigo 1.639§2° do CC/02 esse princípio da imutabilidade passou a não ser absoluto, admitindo portanto a alteração do regime, conforme preceitua: “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

 

Lembrando que para a alteração do regime, desde que não seja o obrigatório com fulcro no artigo 1.641 do CC/02, é mister atender os requisitos de: pedido formulado por ambos os cônjuges; autorização judicial; razões relevantes; e, ressalva dos direitos de terceiros.

 

Para melhor elucidar o tema, Pablo Stolze Gagliano aduz que “o regime de bens consiste em uma instituição patrimonial de eficácia continuada, gerando efeitos durante todo o tempo de subsistência da sociedade conjugal, até a sua dissolução. Dessa forma, mesmo casados antes de 11 de janeiro de 2002, data da entrada em vigor do Novo Código, os cônjuges poderiam pleitear a modificação do regime, eis que os seus efeitos jurídico-patrimoniais adentrariam a incidência do novo diploma, submetendo-se às suas normas” (GRIFO NOSSO).

Em suma o Código de 2002 inovou a questão da imutabilidade absoluta do regime de bens substituindo esse princípio pelo da mutabilidade motivada ou justificada. Bem como a mutabilidade motivada é aplicada perfeitamente para os casamentos realizados anteriormente ao CC/02, pois seus efeitos são produzidos na vigência do atual e sendo motivada (ambos os cônjuges) não há que se falar em prejuízo de uns dos consortes.

 

“Nessa mesma trilha decidiu, por unanimidade, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ser admissível a alteração do regime de bens de casamentos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916”. (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, p. 389)

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

KOLLET, Ricardo G. A outorga conjugal nos atos de alienação ou oneração de bens imóveis. Disponível em: http://www.irib.org.br/biblio/boletimel722a.asp. Acesso em 22 de agosto de 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Alguns Efeitos do Direito de Família na Atividade Empresarial. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 23 de agosto de 2007.

BRASIL. Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. Barueri, SP: Manole, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, vol. VI, 3ª Ed. Saraiva, 2007.