A LICENÇA AMBIENTAL COMO UM INSTRUMENTO PRESERVACIONISTA E LIMITADOR DA INICIATIVA PRIVADA

 

 

Priscilla C. Ramos Dantas -

Estudante do 10º semestre do Curso de Direito das Faculdades Jorge Amado. Salvador-Bahia.

Artigo elaborado em maio 2006.

 

A sociedade de hoje, em sua grande maioria, compreende a importância da preservação ambiental e percebe que o Meio Ambiente não pode mais atuar exclusivamente como provedor. E mais, a sociedade não só percebe a importância da preservação como constata que essa preservação não é óbice à conquista de propriedades, à construção, à urbanização, à execução de atividades, enfim, cuidar e preservar o meio ambiente pode andar de mãos dadas com o desenvolvimento econômico e social, e isso nada mais é do que hodiernamente se denomina de Desenvolvimento Sustentável.

Desde simples ações ecologicamente corretas, como, por exemplo, a reciclagem do lixo doméstico, até ações muito maiores como a busca da despoluição de grandes rios, a exemplo do rio Tietê, na cidade de São Paulo, todas elas têm grande influência no meio ambiente como um todo e, por sua vez, no próprio homem. A Licença Ambiental é justamente uma dessas ações preventivas, no caso adotada pelo Poder Público, e o Licenciamento Ambiental considerado ,se não o único, um dos mais importante instrumentos preservacionistas.

O que se entende por Meio Ambiente? A principal característica que pesa sobre a matéria ambiental é a sua interdisciplinariedade, característica que acaba por lhe conferir uma relativa inexatidão conceitual. Não se pode falar em conceito absoluto de meio ambiente, pois diferentes áreas de conhecimento o contextualizam,  ao mesmo tempo em que se inter-relacionam, tais como a filosofia, a biologia (ecologia), a geografia, o direito, a sociologia e a economia, entre outras.

O conceito legal de Meio Ambiente é encontrado na Lei n° 6.938 de 31 de agosto de 1981, em seu art. 3º, inciso I, onde se lê que:  “meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Didaticamente, o professor  Paulo Alvarenga[1], pormenorizou o meio ambiente em quatro categorias, sendo elas:

I – Meio Ambiente Natural: formado pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela fauna e pela flora.

II –Meio Ambiente Artificial: constituído pelas construções e edificações urbanas, pelos equipamentos públicos, como ruas, praças, áreas verdes e demais assentamentos de reflexos urbanísticos.

III -Meio Ambiente Cultural: integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico.

IV -Meio Ambiente do Trabalho: consistente na proteção da integridade do trabalhador no meio ou lugar destinado à atividade laboral, na medida dos padrões de saúde e qualidade de vida legalmente estabelecidos. 

Segundo o professor Francisco Mendonça,

Nos últimos quarenta anos a noção de ambiente tem inserido, paulatinamente, a dimensão social, pois a crise ambiental contemporânea não pode mais ser compreendida e nem resolvida segundo perspectivas que dissociam sociedade e natureza.

Em 1917, o meio ambiente, é para uma planta ‘o resultante de todos os fatores externos que agem sobre ela’. Em 1944, para um organismo ‘a soma total efetiva de fatores aos quais um organismo responde’. Em 1964, Harant e Jarry propõem ‘O conjunto de fatores bióticos (vivos) ou abióticos (físico-químico) do hábitat’. Em 1971, segundo Ternisien, ‘Conjunto, num momento dado, dos agentes físicos, químicos e biológicos e dos fatores sociais suscetíveis de ter um efeito direto ou indireto, imediato ou a termo, sobre os seres vivos e as atividades humanas’. E aí está a palavra na moda, vítima da inflação jornalística (...).[2]

 

A importância da questão Ambiental é nítida ao considerar o Meio Ambiente como um Sistema em que seus diversos problemas não atuam isoladamente, mas sim sinergicamente, mutuamente se interligando e influenciando, como organismos que dependem um do outro, como seres que estão unidos e que não agem nem potenciam a sós.

Bastante feliz a colocação dada por Marcelo Dawalibi, ao afirmar que “Mais valeria dizer um conjunto sinérgico de problemas, visto que os problemas ambientais não se somam simplesmente(...)”.[3]

O Direito Ambiental aparece como ferramenta que, para Alvarenga, “Incide sobre condutas individuais e sociais, para prevenir e remediar toda a sorte de perturbação que altere o equilíbrio do ambiente.”[4]

A Licença Ambiental é uma fase do Licenciamento, possuindo, como será a seguir demonstrado,  alguns requisitos que devem ser cumpridos para sua obtenção.

A Licença Ambiental é regulada principalmente pela Resolução do CONAMA n° 237/97, existindo um rol, no Anexo I da norma em questão, que elenca as atividades e os empreendimentos sujeitos a prévio licenciamento do órgão ambiental competente.

O resumo do procedimento para obtenção do Licenciamento está disposto no art.10 da Resolução nº 237/97, e é constituído de oito etapas, como coloca Daniel Roberto Finki[5]

 I – Definição pelo órgão ambiental competente dos documentos, projetos e estudo ambientais necessários ao inicio do processo de licenciamento

II – Requerimento da Licença Ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais exigidos, dando a devida publicidade

III – análise pelo órgão ambiental competente dos documentos, projetos e estudos apresentados, realizando-se vistoria técnica, quando necessário

IV – Solicitação de esclarecimentos pelo órgão ambiental competente

V – Realização de audiência pública, quando couber

VI – Solicitação de esclarecimentos pelo órgão ambiental competente, em decorrência de audiência publica, quando couber

VII – Emissão de parecer técnico-conclusivo e, quando couber, jurídico;

VIII – Deferimento ou não do pedido de Licença, com a devida publicidade.

 

 

 

Nota-se, portanto, que se trata de um procedimento múltiplo e, sem dúvidas, complexo que culmina na obtenção da pretendida Licença.

A Licença, por sua vez, como afirmam Daniel Roberto Fink e André Camargo de Macedo, “não é una e genérica (...); cada etapa do empreendimento requer uma licença específica”[6].

Assim é que existem três modalidades de Licença Ambiental, de acordo com o art. 8° da citada Resolução:

Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

I – Licença Prévia (LP) -  Permissão para instalar, concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.

II – Licença de Instalação (LI) -  Início da Implantação, verificando se está de acordo com a Licença anterior.

III – Licença de Operação (LO) – Autoriza a operação da atividade ou empreendimento ainda de acordo com as Licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

[...]

 

 

 

O parágrafo único desse artigo afirma que todas as Licenças podem ser expedidas isoladas ou sucessivamente, de acordo com a natureza e características da atividade ou empreendimento que demandam tal consentimento.

É importante ressaltar que não é toda e qualquer atividade ou empreendimento que demandam a obtenção dessa Licença mas, exclusivamente,  aquelas que tenham potencial para causar poluição,destruição e / ou degradação ao Meio Ambiente, e aquelas que utilizam de recursos naturais para operar.É fácil perceber o porquê da Licença ser considerada, no presente artigo, como um instrumento preservacionista e limitador da iniciativa privada.

Preservacionista, como o próprio nome diz, refere-se ao objetivo maior de ser da licença, a preservação do Meio ambiente, preservação essa que não é aleatória, mas, como tratado anteriormente, que visa o Desenvolvimento Sustentável.

Limitador da iniciativa privada, porque seria impossível falar em preservação ambiental e desenvolvimento sustentável sem, por sua vez, “limitar” o próprio ser humano. Sem instrumentos, como a Licença Ambiental, que estão pautados num objetivo social, não haveria maneiras de controlar o ímpeto humano por desenvolvimento econômico, desenvolvimento esse que muitas vezes tem como preço o próprio Meio Ambiente.

É notório ressaltar que a cada dia que passa torna-se crucial essa limitação e preservação, pois mesmo com instrumentos como a análise dos impactos ambientais, os relatórios desses impactos, os requisitos para a obtenção da licença, as fases do procedimento licenciatório e outros, existe ainda um custo elevado a ser pago.

O que se busca é a minimização desse custo para que o benefício seja sempre maior e que faça valer a pena, pois não existe intervenção sem trauma assim como não existe benefício sem algum custo ambiental.

No entendimento do ilustre Andréas Krell,

Nos dias de hoje, o Brasil já possui uma legislação ambiental moderna e bem concebida. A União e a maioria dos estados federados têm promulgado um arcabouço considerável de normas sobre proteção do meio ambiente; vários municípios, especialmente as capitais, já contam com leis específicas ou até códigos locais de defesa ambiental. Os verdadeiros problemas, porém, costumam surgir no momento da aplicação das leis ambienteis. [7]

Para Bessa Antunes[8] o Licenciamento é o mais importante de todos os mecanismos de controle da Administração Pública. Assim também se posiciona Assis Oliveira quando destaca:

O Licenciamento Ambiental é o mais importante instrumento do Poder Público com objetivo de permitir e induzir a utilização racional dos recursos ambientais, inclusive no que diz respeito a organismos estatais e paraestatais, de maneira a tingir o bem comum, manifestado na forma de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.[9]

A importância da Licença e do Licenciamento Ambiental,  e sua relevância para o desenvolvimento sustentável se traduz, magnificamente, na colocação de Milaré quando afirma que “Todos os licenciamentos ambientais juntos não se somam simplesmente: eles multiplicam os seus resultados benéficos em prol do ecossistema planetário”.[10]

Portanto, sempre que surgirem medidas em favor do Meio Ambiente e que não sejam prejudiciais ao Homem, elas devem não só ser adotadas, mas também, constantemente, devem ser aprimoradas e revisadas, com o objetivo de que, ao final, todos saiam ganhando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTAS

 

 

[1] ALVARENGA, Paulo. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. São Paulo: Lemos e Cruz, 2005, p. 36 e p. 37.

 

2  MENDONÇA,Francisco.Geografia Socioambiental.

Disponível em <http://www.cibergeo.org/agbnacional/terralivre16/terralivre16artigo6.pdf>. Acesso em 01de maio 2006.

 

3 DAWALIBI, Marcelo, FINK, Daniel Roberto e JR, Hamilton Alonso. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

 

4 ALVARENGA, Paulo. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. São Paulo: Lemos e Cruz, 2005.

 

5 DAWALIBI, Marcelo; FINK, Daniel Roberto e JR, Hamilton Alonso. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 04 e 05.

 

6 DAWALIBI, Marcelo, FINK, Daniel Roberto e JR, Hamilton Alonso. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.04

 

7 KRELL, Andréas J. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.89.

 

8 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 100

 

9 OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à Legislação Ambiental Brasileira e Licenciamento Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p.367.

 

10 MILARÉ, Edis. Prefácio, in DAWALIBI, Marcelo; FINK, Daniel Roberto e JR, Hamilton Alonso. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

 

ALVARENGA, Paulo. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. São Paulo: Lemos e Cruz, 2005.

 

 

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

 

 

DAWALIBI, Marcelo ; FINK, Daniel Roberto e JR, Hamilton Alonso. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

 

 

OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à Legislação Ambiental Brasileira e Licenciamento Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

 

 

MENDONÇA, Francisco. Geografia Socioambiental. Disponível em http://www.cibergeo.org/agbnacional/terralivre16/terralivre16artigo6.pdf. Acesso em 01/05/2006.