Lei 11.689/08: Novo Júri

 

 

Lara Gomides de Souza (Defensora Pública do Estado do Tocantins, especialista em Direito Processual)

 Luiz Lopes de Souza Junior (Advogado)

 Luma Gomides de Souza (Acadêmica do 10º período do Curso de Direito)

 

 

 

Foi aprovada, no último dia 09 de junho, a lei nº. 11.689/08, que trata acerca das alterações no procedimento do Tribunal do Júri. O projeto começou a ser discutido no ano de 2001, por meio de uma iniciativa do Poder Executivo, que nomeou uma comissão de juristas, presidida pela professora Ada Pellegrini Grinover, para a criação de propostas tendentes a reformular o Código de Processo Penal, buscando mais eficácia em suas medidas e celeridade nos processos. Dentre os projetos elaborados, estava o de nº. 4.203/01, que dizia respeito especificamente ao Tribunal do Júri.

Algumas alterações sugeridas pelo projeto foram aplaudidas em âmbito doutrinário, no entanto, em sua maioria, houve críticas, que desencadearam o oferecimento de quatro substitutivos, sendo que, a nosso ver, alguns apresentavam propostas melhores que a do texto original – como é o caso do substitutivo apresentado pelo Deputado Flávio Dino. A redação da Lei 11.689/08 demonstra, no entanto, que não houve aprovação total de nenhuma das propostas apresentadas.

Inicialmente, o legislador quis aplicar ao Tribunal do Júri o que parece ser uma tendência do processo penal, qual seja, a criação de uma fase preliminar contraditória. De acordo com o projeto de lei 4.203/01, após o oferecimento da peça acusatória, o réu deveria ser citado para apresentar defesa preliminar, no prazo de 10 dias. A denúncia ou queixa só seria recebida ao final da instrução criminal, após oferecimento das alegações finais da acusação e defesa. Sem dúvida, a hipótese poderia causar certos problemas, considerando que o indivíduo estaria respondendo a um procedimento sem haver, formalmente, acusação válida. Além disso, sabemos que a prescrição se interrompe com o recebimento da denúncia, o que somente ocorreria meses após o seu oferecimento.

No entanto, a nova redação do art. 406 do CPP põe fim à esta discussão, afirmando que primeiro o magistrado receberá a denúncia ou queixa e somente depois abrirá prazo para a apresentação da resposta escrita do réu. É nesta oportunidade que o acusado apresentará seu rol de testemunhas, que se mantém no máximo de 08 e não 05, como pretendia o projeto de lei.

A audiência de instrução passa a ser una. Deverá ser ouvida a vítima (se possível), as testemunhas de acusação e defesa e os peritos. Seguem-se, no mesmo ato, as acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, caso sejam necessários. Somente após tudo isto é que se ouvirá o acusado. Acreditamos que a mudança poderá trazer inconvenientes neste ponto, pois o réu terá oportunidade de assistir toda a produção de provas para somente depois prestar suas declarações. Terá chance, portanto, de elaborar uma defesa mais convincente e não necessariamente verídica.

As críticas não param por aí. Encerrada a etapa de produção de provas, mas ainda na mesma audiência, será concedido prazo para oferecimento das alegações finais, que passam a ser orais. Será concedido, portanto, 20 (vinte) minutos para acusação e defesa, respectivamente, prorrogáveis por mais 10 (dez) nos dois casos. Sem dúvida, esta alteração trará prejuízos incalculáveis à defesa do acusado. É na fase de alegações finais que o advogado tentará convencer o juiz a não levar o caso à apreciação dos jurados, a desclassificá-lo, desqualifica-lo, entre outras teses. Para embasar cada uma destas hipóteses será necessária a realização de um aprofundado estudo, tanto doutrinário quanto jurisprudencial, tentando demonstrar ao juiz o equívoco do argumento acusatório.

Ou seja, todo este trabalho se torna impossível diante da obrigatoriedade de alegações orais. Seria necessário que o defensor já levasse pronto para a audiência um roteiro com todos os principais pontos que deverão ser abordados para fundamentar a tese previamente escolhida. No entanto, esta hipótese também se mostra de difícil realização, posto que, todas as provas constantes dos autos até então são provenientes do inquérito policial, podendo ser alteradas na fase judicial – o que não raras vezes acontece. Assim, o mais provável é que só se vislumbre efetivamente eventual tese defensiva durante a audiência de instrução, minutos antes do oferecimento das alegações finais.

O art. 412 fixa o prazo máximo para a conclusão da instrução: 90 (noventa) dias. Fica clara, portanto, a intenção legislativa de empreender celeridade ao processo à todo custo. No entanto, data vênia, também discordamos da referida previsão. Na Europa, onde se mantém um invejável sistema judiciário, casos complexos como homicídios qualificados podem ter duração de até quatro anos (considerando somente a fase de instrução). Como poderíamos, diante de todos os problemas enfrentados pelo Judiciário brasileiro, fazer um trabalho satisfatório em apenas 90 dias?

Bastaria pensarmos no abarrotamento dos fóruns das grandes comarcas como São Paulo, Vitória e Rio de Janeiro, cujo volume de trabalho nas varas do Júri é estrondoso. Acreditamos que, em que pese as boas intenções legislativas, a fixação deste curto prazo máximo não será cumprido na prática e só servirá para embasar pedidos de habeas corpus por excesso de prazo.

Em relação à decisão de pronúncia, não se vislumbra grandes alterações. De acordo com o atual Código de Processo Penal, em se tratando de crime inafiançável, a intimação da decisão de pronúncia teria de ser sempre pessoal ao réu. Caso o mesmo não fosse encontrado, o processo ficaria suspenso, assim como o prazo prescricional, para que não houvesse prejuízo a nenhuma das partes. De acordo com a nova redação, se o acusado se encontrar em local incerto e não sabido, poderá ser intimado da pronúncia por edital, ainda que se trate de crime inafiançável. Sem dúvida, esta é outra alteração que favorece a celeridade, mas prejudica sobremaneira o direito de defesa do acusado, que fica impossibilitado de apresentar recurso.

Na fase de preparação do processo para o julgamento em plenário, determina-se que o juiz faça relatório suscito acerca do constante dos autos, ordenando que o mesmo seja incluído na pauta de julgamentos. De acordo com o texto do projeto de lei nº 4.203/01, este relatório seria enviado a cada um dos 25 jurados sorteados. No entanto, a previsão não foi mantida pelo legislador no momento da edição da lei.

Estabeleceu-se ainda que o jurado que tiver feito parte do Conselho de Sentença nos doze meses que precederam a publicação da lista geral, deverá ser excluído da mesma. A medida também poderá se mostrar de difícil implementação nas comarcas pequenas, onde não se dispõe de um grande número de possíveis jurados.

Quanto ao desaforamento, além das hipóteses já previstas pela legislação processual penal atual, acrescentou-se que o pedido poderá ser feito em razão de excesso de serviço do foro, quando o julgamento não tiver sido realizado dentro do prazo de seis meses à contar do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Além disso, o artigo fala em deslocamento para comarcas da mesma região, e não do mesmo Estado, como faz o atual texto legislativo. Assim, poderíamos ter um fato ocorrido no Tocantins, sendo julgado por alguma comarca de Goiás – fato que também poderá causar alguns inconvenientes.

O número de jurados convocados para comparecer na seção de julgamento sobe de 21 para 25. Nota-se que, apesar deste aumento, não se alterou o quantum mínimo necessário para instalação da sessão, qual seja, quinze jurados presentes. Quis, pois, o legislador, diminuir a quantidade de julgamentos adiados por estouro de urna. No ato de convocação deverá ser incluída a cópia dos art. 436 a 446 da Cártula Processual Penal, que tratam da função dos jurados. A idade mínima sofre redução para 18 anos de idade.

A presença do réu passa a ser dispensável sempre que o mesmo estiver solto, desde que tenha sido devidamente cientificado da ocorrência do julgamento. Desapareceu a figura do libelo acusatório, como peça iniciadora da segunda fase do procedimento do júri. Conseqüentemente, some também a obrigatoriedade de sua leitura em plenário.

O uso das algemas está proibido, salvo situações excepcionais, descritas em leis. O texto do substitutivo ao projeto de lei 4.203/01, apresentado pelo deputado Flávio Dino, trazia previsão notória também no sentido de, em regra, proibir o uso de algemas. No entanto, acrescentava que caso as mesmas fossem utilizadas em razão da segurança, o promotor ficaria proibido de mencionar tal fato como elemento caracterizador da periculosidade do agente. Também não poderia haver menção à sentença de pronúncia ou a eventual exercício do direito ao silêncio.

Os argumentos ministeriais utilizados nos debates deverão estar de acordo com os limites da pronúncia. O prazo de duração dos mesmos sofreu alteração: uma hora e meia para acusação, destinando-se igual período para defesa; uma hora para réplica e igual tempo para tréplica. A intenção foi a de se dividir de forma mais eqüitativa o tempo.

A quesitação é um dos pontos mais modificados pela nova lei, sendo também, a nosso ver, o ponto que trará maior quantidade de críticas e nulidades. O objetivo do legislador foi o de simplificar o momento da quesitação, no entanto, acabou criando um procedimento integrado por cinco perguntas simplistas demais em comparação com a complexidade da matéria. A primeira pergunta versará sobre a materialidade do fato, enquanto a segunda será quanto à autoria ou participação no delito, sendo ambas respondidas com um mesmo jogo de cédulas (SIM ou NÃO).

Em seguida, o juiz perguntará se os jurados desejam absolver o acusado. A quarta e quinta pergunta versará, respectivamente sobre a existência de causa de diminuição e de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena. O que nos preocupa mais é o terceiro quesito, que parece não distinguir as teses defensivas. Assim, o que ocorreria em casos de legítima defesa com excesso culposo? Como se quesitaria a tese de lesão corporal seguida de morte? Mesmo com relação à tese de legítima defesa pura, haveria problemas, posto que o instituto é cercado de inúmeras nuances que devem ser analisadas de forma aprofundada, sendo que no atual sistema, sua quesitação se divide em inúmeros questionamentos.

Acreditamos que a mudança em relação ao terceiro quesito não forçaria o jurado a pensar sobre o tema que se discute. Facilita, sem dúvida, seu trabalho. Mas a quê custo? Enfim, em que pese o dinamismo das mentes que elaboram referido projeto e aprovaram de forma definitiva a lei, acreditamos que as mudanças, em grande parte, somente servirão para abarrotar ainda mais os Tribunais de Justiça e Superiores com recursos argüindo nulidade e inconstitucionalidades.

Alterações como a da audiência una, alegações finais orais e da quesitação ferem de forma clara o princípio da ampla defesa, principalmente ao se tratar de Tribunal do Júri, onde a defesa do acusado deve ser plena. Não estamos negando a importância do princípio da celeridade, no entanto, certas garantias não poderão ser sacrificadas em prol daquele. A Lei 11.689/08 ainda está em prazo de vacatio legis e já estamos esperando pelo advento de Ação Direta de inconstitucionalidade que questione algumas de suas normas, rogando a Deus para que o Judiciário tenha mais juízo que o Legislativo.

 

 

Lara Gomides de Souza (Defensora Pública do Estado do Tocantins, especialista em Direito Processual)

 

Luiz Lopes de Souza Junior (Advogado)

 

Luma Gomides de Souza (Acadêmica do 10º período do Curso de Direito)