O ESTADO E O PODER DE TRIBUTAR

 

DANIEL FARIA-CORRÊA

Procurador do Município de São Leopoldo;

1ª edição: São Leopoldo (RS) – 02/06/2009

 

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. Formação do Estado e necessidade de tributação.

 

 

I – Questão relevante decorre a respeito do poder de tributar do Estado.

 

II - Passemos à análise do tema.

 

Estado é concebido com a existência de quatro elementos: soberania, território, povo (população) e governo[1].

 

Nos primórdios, o homem vivia isolado ou agrupado em tribos ou famílias. Pela necessidade de agrupamento, foi o homem se reunindo em tribos. Cícero afirmou:

 

“A primeira causa da agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inatos; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum.”

 

É mister ao homem se associar a outros indivíduos, quer pelas necessidades recíprocas, quer pela cooperação entre os indivíduos, quer pela possibilidade de se beneficiar pela união dos conhecimentos, experiências e produções. Já dizia o ditado popular: “a união faz a força”. Conforme sintetiza Gisele Leite[2]:      

 

“Aristóteles dissera que só os indivíduos de natureza vil ou superior procuram viver isolados, Santo Tomás de Aquino afirma que a vida solitária é exceção, que pode ser enquadrada numa de três hipóteses: excellentia naturae, quando se tratar de indivíduo notavelmente virtuoso, que vive em comunhão com a própria divindade, como ocorria com os santos eremitas; coruptio naturae, referente aos casos de anomalia mental; mala fortuna, quando só por acidente, como no caso de naufrágio ou de alguém que se perdesse numa floresta, o indivíduo passa a viver em isolamento.”

 

Mariano Júnior[3] ministra que, em um dado momento histórico, as pessoas passam a se relacionar, passando a existir divisão entre as atividades, notadamente o surgimento de líderes ou diretores do grupo. Dessa forma, esse grupo humano se torna um povo. Pontifica ainda:

 

“O homem, pela sua cultura, prepara modos de convivência, transforma relações sociais, por necessidade cria outros tipos de relações; e no decorrer do tempo, em conseqüência a todas as dificuldades que seu grupo enfrenta, criam-se reuniões de relações sociais, as instituições desse povo.”

 

Dessa forma, imperiosa se fez a união dos indivíduos em sociedade, posteriormente dando azo à formação do Estado. Hugo de Britto Machado[4] assevera ter sido importante o surgimento do Estado, com o escopo de estabelecer regras de condutas. Consoante conceitua GUSMÃO[5], Estado é:

 

“a organização jurídica do poder destinada a proporcionar, em determinado território, ordem, paz social, segurança e desenvolvimento a um povo nele fixado.”

 

Pela teoria da origem familiar do Estado, este se originou com o desenvolvimento e ampliação da família.

 

Pela Teoria da Origem contratual do Estado, este se originou pela formação de uma convenção entre as partes. Nesse sentido, Rousseau aponta a celebração de um contrato social, apontando a igualdade entre os homens.

 

Pela Teoria da origem violenta do Estado, conforme Jean Bodin, o Estado surge da violência dos mais fortes.

 

Desimportando a teoria adotada para a formação do Estado, a tributação se faz imperiosa, uma vez que este desenvolve atividade financeira, com o escopo de atender às necessidade coletivas.

 

A Constituição Federal em seu artigo 173 aponta a regra da liberdade de iniciativa, sendo vedado ao Estado se entregar à exploração direta de atividade econômica pelo Estado, a qual somente é permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Hugo de Britto Machado[6] assevera não ser próprio do Estado o exercício da atividade econômica. Aponta:

 

“Diz-se que o Estado exercita apenas atividade financeira, como tal entendido o conjunto de atos que o Estado pratica na obtenção, na gestão e na aplicação dos recursos financeiros de que necessita para atingir os seus fins.”

 

Considerando a impossibilidade de o Estado intervir na economia afora os casos do artigo 173 da Constituição Federal, precisa o Estado da tributação[7], a fim de realizar os fins sociais. Conforme Hugo de Britto Machado[8], a tributação é a única forma de impedir a estatização da economia e permitir a existência de uma economia capitalista. Adverte Hugo Machado no sentido de que a carga tributária não poderá ser excessivamente elevada, o que desestimularia a iniciativa privada. Hugo de Britto Machado[9] pontifica:

 

“No exercício de sua soberania, o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta.

(...) é relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado.. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão, portanto.”

 

Hugo de Britto Machado[10] rechaça entender-se a relação tributária como relação de poder. Assevera que grande parte da doutrina aponta que os contribuintes consentem com a instituição dos tributos, através de seus representantes no Parlamento.

 

No Brasil, a distribuição das competências tributárias vem disciplinada pela Constituição Federal nos artigos 153 a 156. A tributação apresenta alguns princípios jurídicos, os quais são utilizados para proteger o contribuinte. Podemos destacar os princípios da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da competência, da capacidade contributiva, da vedação ao confisco e o da liberdade de tráfego. [11]

 

 Mariano Júnior[12] assevera, a propósito das funções da tributação, sua finalidade de permitir ao Estado obter os recursos necessários para “cobrir as despesas com os encargos públicos.” Ainda, importa ao Estado agir com proporcionalidade. A esse respeito, citamos Daniel Westphal TAYLOR[13]:

 

“A premissa de que todo ato que emana do Estado deve ser dotado de proporcionalidade é aceita hoje, sem maiores discussões, como princípio constitucional. Sinal disso é que, ao contrário do que ocorre com outros assuntos polêmicos, onde a doutrina habitualmente caminha solitária, o consenso em relação ao princípio é, há décadas, compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal. De fato, a Corte, que inicialmente admitia apenas a sindicabilidade dos atos administrativos [13] e judiciais [14], paulatinamente passou a acolher também a tese de que mesmo os atos legislativos são passíveis de ter sua constitucionalidade analisada sob o viés da proporcionalidade [15]. Portanto, hoje é pacífico que o referido princípio projeta sua força normativa sobre qualquer ato que emana do Estado, tenha ele natureza administrativa, judicial ou legislativa.”

 

Trata-se de dever fundamental o pagamento de tributos[14], porquanto se constitui em forma de contribuir com o gasto público.

 

Em síntese, podemos obtemperar no sentido de que a tributação permite ao Estado a realização de suas atividades essenciais, notadamente de dar cumprimento a todos os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.

 

III - Dessarte, imperiosa se fez a união dos indivíduos em sociedade, posteriormente dando azo à formação do Estado, sendo a tributação necessária para que o Estado realize as suas atividades essenciais, a fim de permitir a harmonia e o bom convívio social.

 

 

CURRÍCULO RESUMIDO

 

DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA

 

·         Procurador do Município de São Leopoldo-RS (1º colocado no concurso);

·         Autor do livro PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO ESPECIAL, Editora Núria Fabris;

·         Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de Souza, Editora Núria Fabris;

·         Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP);

·         Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP);

·         Bacharel em Direito pela PUC-RS;

·         Página pessoal: http://www.fariacorrea.com

·         Professor de Direito Constitucional do Curso ADMI (Porto Alegre-RS)

 


 

[1] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense, 22ª ed., 1997, p 335.

[2] LEITE, Gisele. Teoria Geral do Estado. Brasil, Publicado no Recanto das Letras em 08/04/2007, Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/441989. Acesso em 11/11/2007.

[3] MARIANO JÚNIOR, Júlio. Op. Cit., p.17.

[4] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 28ª ed., 2007, p. 56.

[5] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p 335.

[6] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 28ª ed., 2007, p. 56.

[7] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 56.

[8] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 56.

[9] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 59.

[10] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 59.

[11] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit., p. 63.

[12] MARIANO JÚNIOR, Júlio. Op. Cit., p.17.

[13] TAYLOR, Daniel Westphal. A decretação antecipada da prescrição e o princípio da proporcionalidade. Uma relação necessária. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1610, 28 nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10707>. Acesso em: 28 nov. 2007.

[14] IVO, Gabriel. O Princípio da Tipologia Tributária e o dever fundamental de pagar tributos. IN: Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 - Estudos Comemorativos aos seus Vinte Anos. Coordenador: Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar. Porto alegre: Nuria Fabris, 2008, p. 41.