A responsabilidade civil aquiliana e o menor, segundo o Código Civil de 2002

 

* Edson Teixeira de Melo 
 

     O tema a que nos propomos examinar teve nascedouro no artigo 928 do Código Civil de 2002, ao destacar que o incapaz responde pelos prejuízos que causar, responsabilidade extracontratual,  se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. No parágrafo único do mesmo artigo, ressalva que a indenização prevista deverá ser eqüitativa e não poderá ser exigida se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. O Código Civil de 1916 não trazia nenhum dispositivo a respeito da responsabilidade civil direta do menor.

     Algumas questões levantam-se sobre o tema, impondo uma análise sistemática dos dispositivos, partindo-se da Constituição Federal, lei maior à qual todo o ordenamento jurídico deve obediência.

     O artigo 228 da Constituição Federal destaca que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitando-se às normas da legislação especial. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 112, já previa a aplicação ao adolescente, dentre outras medidas, da obrigação de reparar o dano. No entanto, utiliza a palavra adolescente, ou seja, nos termos do artigo 2º, a pessoa entre doze e dezoito anos de idade.

     O Código Civil de 1916, em seu artigo 1.521, dispunha que os pais de filhos menores que estivessem sob seu poder e em sua companhia eram também responsáveis pela reparação civil. O atual Código Civil, em seu artigo 932, com pequenas alterações gramaticais, mantém a mesma disposição, acrescentando, no entanto, a responsabilidade objetiva dos pais pelos atos praticados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

     Conforme os dispositivos acima citados, os pais são responsáveis pela reparação civil decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores, o que na verdade é um complemento ao poder dever imposto pelo poder familiar.

     É óbvio que a intenção do legislador civilista caminha no sentido do ressarcimento pleno do dano causado a outrem. Também é natural e justo que o próprio causador do dano respondesse pela indenização. Ocorre, no entanto, que muitas situações restariam sem ressarcimento dado as circunstâncias peculiares de cada agente causador do dano.

     Assim, o artigo 928 do novel Código Civil estabelece uma regra polêmica, em meu entendimento, mas coerente com os avanços da sociedade moderna. A idéia de que um dano causado a outrem possa ficar sem ressarcimento parece chocar mais que a responsabilização subsidiária dos incapazes de indenizar os danos a que derem causa, desde que isto não represente ameaça à sua própria sobrevivência, quando os seus responsáveis não estiverem obrigados a fazê-lo ou não possuírem recursos para tanto.

     No ministério de Sergio Cavalieri Filho, a violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, o de reparar o dano. E define, em seguida, a responsabilidade civil como um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.

     Para o referido autor, o novo Código Civil, no título que figura em cima do seu art. 927, categoriza o dever de indenizar como uma obrigação, criando uma nova modalidade obrigacional, a obrigação de indenizar.

     A responsabilidade dos pais pelos atos praticados pelos filhos é objetiva, mas se poderá opor como defesa a ausência dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, como denominado pela doutrina francesa: um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico de forma voluntária, um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa, e por último, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade.

     Vejamos os pressupostos acima elencados na dicção do artigo 186 do Código Civil de 2002: 
 

     Na responsabilidade civil, no ministério de Sílvio de Salvo Venosa, o centro de exame é o ato ilícito. O dever de indenizar vai repousar justamente no exame da transgressão ao dever de conduta que constitui o ato ilícito.

     Embora de difícil conceituação, a culpa não impõe dificuldade de compreensão e identificação nas relações sociais. Em sentido amplo, culpa é a violação de um dever jurídico. José de Aguiar Dias (1979, v. 1: 136) apud Silvio de Salvo Venosa assevera: 
 

     Da mesma forma, Rui Stoco (1999: 66): 
 

     Por outro lado, somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito provocar um dano injusto ou, modernamente dizendo, uma lesão a um interesse tutelado pelo direito.

     Caio Mario da Silva Pereira apud Silvio de Salvo Venosa: 
 

     Também o nexo de causal ou nexo de causalidade é o liame que une a conduta do agente ao dano. Assim, é por meio da análise do nexo de causalidade que identificamos quem foi o causador do dano. Ressalte-se que se o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima, por caso fortuito ou de força maior, não há o dever de indenizar.

     Outras causas excluem igualmente a culpabilidade do agente e, conseqüentemente, o dever de indenizar, como o estado de necessidade, a legítima defesa e o exercício regular de direito.

     Estas matérias poderão ser argüidas pelo menor que tem seu patrimônio ameaçado de sofrer diminuição decorrente de indenização por responsabilidade civil aquiliana, nos termos do artigo 928 do Código Civil.

     A culpa exclusiva da vítima elide o dever de indenizar, porque impede o nexo causal, conforme anteriormente por construção doutrinária e jurisprudencial, atualmente pela dicção do artigo 945 do Código Civil.

     O caso fortuito e a força maior já encontravam previsão excludente no artigo 1.058 do Código Civil de 1916 e, atualmente, no artigo 393 do novo Código.

     O artigo 188 do Código Civil de 2002 assevera não constituírem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, além da deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.

     Concluímos, assim, que a alteração introduzida pelo artigo 928 do Código Civil é polêmica, choca-se com a disposição do artigo 942, mas atende à necessidade de proteção à dignidade da pessoa humana, dá mais tranqüilidade às relações sociais, pois a reparação do dano visa não somente à compensação em dinheiro pelo dano causado, mas também a um incentivo à não transgressão das regras sociais tuteladas coercitivamente pelo Direito. Os menores de 18 anos são inimputáveis a principio, mas poderão responder pelos danos a que derem causa se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, com a ressalva do parágrafo único do mesmo artigo, de que a indenização prevista deverá ser eqüitativa e não poderá ser exigida se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. 
 

Bibliografia 
 

DINIZ, Maria Helena. Professora e jurista. Novo Código Civil Comentado. Coord. de Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2003. 
CAVALIERI FILHO, Sergio. Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 
STOCO, Rui. Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tratado de Responsabilidade Civil. 5. ed. Revista dos Tribunais, 2001. 
VENOSA, Sílvio de Salvo. Juiz aposentado e advogado. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 3. ed. V. 4. São Paulo: Atlas, 2003.

* Edson Teixeira de Melo é sócio do escritório Ferreira e Melo Advogados Associados, professor universitário, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito do Terceiro Setor. E-mail: emelo@ferreiraemelo.com.br. 
 
 

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