É POSSÍVEL UTILIZAR O BAFÔMETRO NAS EMPRESAS PARA APLICAÇÃO DE JUSTA CAUSA POR EMBRIAGUEZ?

 

Autora: Giane Wantowsky, sócia-advogada do escritório Ricardo Becker, Pizzatto & Advogados Associados, especialista em Direito Empresarial e Planejamento e Gestão de Negócios.

 

Elaborado em 24 de Outubro de 2005

giane@direitoempresarial.com.br

 

É comum o questionamento a respeito da possibilidade do uso do bafômetro para a constatação de embriaguez no local de trabalho, visando à aplicação de justa causa enquadrada no artigo 482 alínea “f” da Consolidação das Leis do Trabalho.

A legislação vigente não possui regulamentação específica em relação ao uso do bafômetro nas organizações, tendo em vista ser matéria recente. A jurisprudência dominante é divergente em relação ao tema, existindo dúvidas acerca de ser ou não possível a realização do teste, como elemento probatório.

O problema na realização do teste esbarra nos princípios constitucionais da inviolabilidade da vida privada e da intimidade, pelos quais ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Mas como mencionado anteriormente, a matéria é controvertida. A decisão de aplicação ou não do bafômetro é subjetiva e comporta riscos, como por exemplo, uma ação de indenização por danos morais caso o funcionário submetido ao teste sinta-se ofendido em sua integridade física e moral.

O artigo 482 e as alíneas da CLT enumeram taxativamente as causas de justa causa do empregador para com o empregado, incluída a embriaguez em serviço.

Justa causa é o conjunto de elementos que permite ao empregador ou empregado dar por encerrado o contrato de trabalho, deixando, o empregado quando der causa à despedida, de ter direito à multa de 40% referente aos depósitos fundiários dentre outras verbas pertinentes à rescisão contratual.

Compõem a justa causa elementos subjetivos e objetivos.

O elemento subjetivo caracterizador da justa causa é a adoção de determinada conduta ou prática de certo ato, eivado de culpa - negligência, imprudência, imperícia - ou dolo por parte do empregador ou do empregado.

São requisitos objetivos: Tipificação Legal - Os motivos ensejadores da justa causa devem estar prescritos em lei.

 Gravidade do Ato Praticado - A relação de emprego tem como base a confiança recíproca entre empregador e empregado, de forma que para caracterizar a justa causa é necessário que a fidúcia seja abalada.

Imediação - Por este requisito têm-se como essencial a imediatidade da aplicação da penalidade no momento da constatação da prática de conduta ou ato ensejador da justa causa, sob pena de incorrer o empregador em perdão tácito, assim, não há como caracterizar dispensa por justa causa quando decorre um período de tempo entre a conduta e a aplicação da dispensa.

Proporcionalidade - A dispensa por justa causa é uma conseqüência do poder disciplinar do empregador, cabendo a este quantificar a penalidade de acordo com a gravidade da conduta do empregado. Assim, faltas leves devem ser punidas mediante advertência verbal ou por escrito e somente as faltas que afetem a confiança do empregado ou empregador podem caracterizar a justa causa.

Forma - A legislação pátria não prevê uma forma para a comunicação da dispensa por justa causa, mas veda a anotação do motivo da rescisão do contrato de trabalho na carteira de trabalho.

Há que se considerar, entretanto, que a prova da existência de justa causa é ônus do empregador, cabendo ao empregado apenas a prova da negativa da conduta tipificadora.

Não se pode esquecer, no entanto, do poder diretivo e disciplinar do empregador, autorizado pelo artigo 2º da CLT. Sendo o obreiro um trabalhador subordinado, está sujeito ao poder de direção do empregador. Este poder potestativo é que permite conduzir as atividades desenvolvidas pelo empregado sempre em benefício de uma melhor produtividade e com o menor custo possível. Assim, tanto o poder de direção como o de subordinação do empregado (dever de obediência) são inerentes ao contrato de trabalho.

O poder disciplinar decorre imediatamente do poder de direção. A sanção disciplinar pelo empregador visa impor ordem, regularizar comportamentos e advertir empregados que não estejam observando os limites impostos pelo contrato de trabalho. Dizem respeito a qualquer falta ocorrida no âmbito da empresa, relacionado com o serviço. A sanção disciplinar pode ter um efeito meramente pedagógico, como ocorre com a advertência verbal ou escrita, ou mesmo punitiva, como suspensão sem vencimentos e a ruptura por justa causa.

Ao contrário do Direito Penal, em que a pena encontra-se vinculada ao ato ilícito, a sanção disciplinar na esfera trabalhista não é obrigação imposta ao empregador, mas mera faculdade, tanto que se admite a figura do denominado "perdão tácito" se ausente o quesito "imediatidade".

Em relação específica à embriaguez, a jurisprudência majoritária entende que a embriaguez, desde que comprovada enseja da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, sem prescindir, contudo, de advertências ou suspensão para caracterizar a reincidência.

Assim, por cautela, recomenda-se que diante de vestígios de embriaguez a empresa proceda a sanções pedagógicas, como advertências verbais e escritas, seguidas de suspensão disciplinar, para somente então aplicar a justa causa. Informo que se trata de meu posicionamento, pois existem doutrinadores e entendimentos jurisprudenciais divergentes, posicionando-se no sentido de que tendo o empregador penalizado o funcionário pelas faltas havidas, com advertência e suspensão, não pode considerá-las novamente como motivo para a dispensa por justa causa, pois é cediço não ser cabível dupla penalidade por um ato do empregado.

Recente tendência doutrinária considera a embriaguez como doença e, por conseqüência, deve o empregador buscar soluções alternativas, como encaminhar o obreiro para avaliação médica no INSS ou mesmo para exame no Instituto de Medicina Legal ou campanhas de saúde e segurança no trabalho (SIPAT- Semana Interna de Prevenção de Acidentes de trabalho) para sensibilização dos profissionais. Este aspecto ainda suscita divergência na doutrina.

 

Portanto, a justa causa motivada pela embriaguez é divergente entre os doutrinadores e jurisprudências, necessitando de prova cabal para sua comprovação.

No tocante ao uso do bafômetro, a legislação nada menciona, sendo a jurisprudência árida sobre a hipótese. Contudo, os raros julgados encontrados apontam no sentido de que não fere a intimidade dos empregados a adoção do aparelho para medir o teor alcoólico, desde que com intuito de zelar pelo bom desempenho das atividades no trabalho, evitando acidentes pessoais ou a terceiros.

Para o uso do bafômetro, caso assim o empregador deseje, recomenda-se que o empregador formule um regulamento interno para adoção do bafômetro visando ao conhecimento de todos os empregados, dando ciência das sanções aplicadas ao trabalhador caso apure-se elevado teor alcoólico no período de labor.

O empregado não é obrigado a realizar o teste, mas nesse caso haverá indícios de que se encontra em estado de embriaguez, devendo ser tomada outras medidas cabíveis, bem como proceder registro de todos os atos praticados, inclusive com prova testemunhal, a fim de comprovar o real estado do funcionário, advertindo-o do ato praticado. Importante frisar também, que esses indícios não serão necessariamente prova cabal de que o funcionário encontrava-se embrigado, torna-se conveniente outras provas do real estado do funcionário, como prova testemunhal.

Deve-se, entretanto, tomar cuidado na aplicação de referido teste, uma vez que, o funcionário poderá sentir-se constrangido a realizá-lo e poderá ingressar futuramente com uma ação de indenização por danos morais.

 Como última ressalva, em não havendo obrigatoriedade do exame, mas também por não ser justo que aquele que se conduz de forma ilícita venha furtar-se da justiça, no caso de o suspeito negar-se a realizar o exame, sugere-se a produção de outras provas ou outros exames, mas isso não afasta possível ofensa à integridade física e moral.

É importante proceder com cautela em relação ao tema, possibilitando uma averiguação com prudência a fim de aplicar a devida punição.  Acredita-se ser possível a adoção do bafômetro na empresa, mas essa medida deve ser tomada apenas se o funcionário tiver prévio conhecimento da possibilidade da realização do exame.

Não se sugere sugerimos a aplicação diária ou mensal do uso do bafômetro devido às divergências e repercussões sobre o tema. Por fim, a empresa deve guiar-se com a devida prudência, evitando qualquer situação constrangedora para as partes, na busca sempre pacífica de uma solução justa, sem com isso atingir-lhes os direitos que a Constituição resguarda.