ATA NOTARIAL COMO PROVA NO PROCESSO CIVIL

 

SUELENE COCK CORREA CARRARO[1]
(Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense – Unipar.)

Resumo

Trata-se de um artigo jurídico abordando a ata notarial como prova no processo civil. Objetivou-se apresentar estudos sobre a importância da ata notarial para as pessoas em seu cotidiano, buscando não apenas debate sobre o tema mas, e principalmente, contribuir com sua divulgação. Longe de se investigar algo novo, buscou-se definir a ata notarial, apresentar sua fundamentação legal, suas principais características e, de forma didática, direcionando o estudo para sua concepção enquanto prova processual, focalizando sua função e importância social, enquanto mais um instrumento de auxílio à efetivação da justiça, dado seu valor jurídico, não apenas enquanto prova no processo civil, que por si só já seria o bastante. Para tanto, inicia-se a investigação apresentando breve menção sobre a origem e o conceito de ata notarial e a sua normatização no sistema brasileiro, para então verificar como este documento pode ser utilizado de forma a beneficiar a sociedade brasileira.

Palavras-chave

Direito Processual Civil; Direito Constitucional; Lei dos Cartórios; Prova Documental; Documento Público; Ata; Documento; Ata Notarial; Serviços Notariais e de Registro; Notário; Tabelião.

Abstract

One is about a legal article approaching the act notary as test in the civil action. It was objectified to present studies on the importance of the notary act for the people in its daily one, searching not only debate on the subject but, e mainly, to contribute with its spreading. Far of if investigating something new, one searched to define the notary act, to present its legal recital, its main characteristics and, of didactic form, directing the study for its conception while it proves procedural, focusing its function and social importance, while plus an instrument of aid to the do of justice, data its legal value, not only while it proves in the civil action, that by itself already it would be sufficiently. For in such a way, it is initiated soon inquiry presenting mention on the origin and the concept of notary act and its norm in the Brazilian system, for then verifying as this document it can be used of form to benefit the Brazilian society.

Key-Words

Civil Procedural Law; Constitutional Law; Law of the Notary's Offices; Documentary Evidence; Public Act; Act; Document; Notary Act; Notary Services and of Register; Notary; Notary.

1 INTRODUÇÃO

Não é de hoje que o Brasil vem sofrendo intensa atividade legislativa para desespero de quantos pretendem cumprir rigorosamente suas leis. Faz parte da cultura deste país o excesso de leis e as dificuldades de serem conhecidas, quanto mais cumpridas e atendidas. Talvez seja essa a razão da Lei dos Cartórios ser ainda pouco conhecida e estudada. A citada Lei dos Cartórios é a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994[2], instituída para regulamentar o artigo 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro.

A referida lei trata, em seu artigo 7º, inciso III, que aos “tabeliães de notas compete com exclusividade”, além da prática de outros atos, “lavrar atas notariais”.

Com o advento da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, criou-se um novo ato notarial, denominado “ata notarial”, cuja lavratura compete exclusivamente aos notários.

Muito embora ainda pouco conhecida e utilizada pela população em geral, ou pelo menos não explorada como deveria em decorrência de sua extremada utilidade em diversas situações, a ata notarial é um instrumento que vem sendo estudado pelo notariado brasileiro desde o início dos anos setenta, quando começaram a serem abertas as relações do notariado brasileiro com outros países[3].

Extrai-se, desta constatação, que, se passou a fazer parte do ordenamento jurídico em 1994, mas desde 1970 vem sendo estudado, não é inovação da Lei dos Cartórios. Na verdade, trata-se de um ato já praticado desde muito pelos cartórios brasileiros, eis que foi introduzida no ordenamento após ter seu uso consolidado pelos notários[4] como prática costumeira. Neste sentido, é possível afirmar que a ata notarial, no ordenamento jurídico brasileiro, nasceu da fonte de direito, denominada “costume”.

Desta forma, além de uma prática recente na história do notariado brasileiro, a ata notarial, desde a Lei nº 8.935 de 1994, passa a ter sua lavratura como ato privativo do tabelionato de notas. Até então este instrumento era pouco difundido.

Em decorrência do desconhecimento da população de que a ata notarial constitui elemento de prova para ações judiciais, muito embora ao tempo decorrido desde a edição da lei referida são relativamente poucas as atas notariais lavradas nos cartórios brasileiros, cuja não utilização reflete na quase ausência de jurisprudência sobre essa temática.

Portanto, a ata notarial enquanto narração objetiva de fato presenciado ou verificado pelo notário, sem seu juízo de valor, e sendo o notário detentor da fé pública, a ata adquire singular importância para o processo civil brasileiro, se constitui em uma pré prova para o poder judiciário.

Apenas como exemplo ilustrativo do que se pretende confirmar, a ata notarial pode ser utilizada em inúmeras ações relativas a locação de imóveis, para testar o estado de conservação do mesmo; em casos de acidente de trânsito, para retratar a ocorrência, enfim, em inúmeras situações. No entanto, é importante frisar que a ata notarial não se deve prestar para lavratura de fatos ilícitos e nem mesmo imorais.

A ata notarial é o instrumento pelo qual o notário, com sua fé pública, autentica um fato, descrevendo-o em seus livros. Sua função primordial é tornar-se prova em processo judicial, mas pode e deve ainda servir como prevenção jurídica de conflitos.

Neste trabalho, objetiva-se apresentar estudos sobre a importância da ata notarial para as pessoas em seu cotidiano, buscando não apenas debate sobre o tema mas, e principalmente, a divulgação. Para tanto, longe de se investigar algo novo, buscou-se definir a ata notarial, apresentar sua fundamentação legal, suas principais características e, de forma didática, direcionando o estudo para sua concepção enquanto prova processual, focalizando sua função e importância social, enquanto mais um instrumento de auxílio à efetivação da justiça, dado seu valor jurídico, não apenas enquanto prova no processo civil, que por si só já seria o bastante.

Oportuno trazer o pensamento de BERNARDINO[5] que, ao tratar da importância da ata notarial para o direito imobiliário, apresenta certa preocupação em relação à remuneração do tabelião de notas, competente exclusivo para a lavratura do ato notarial. Segundo ele:

Talvez o grande entrave para a utilização rotineira do ato notarial seja a remuneração do tabelião - que no Estado de São Paulo não alcança R$ 30,00 - desestimulando sua divulgação pelos cartórios de notas. De qualquer modo está aí um instrumento poderoso para agilizar certas pendências que ocorrem no setor de locação de imóveis.

Com essas considerações introdutórias, passa-se a analisar a ata notarial como prova no processo civil brasileiro. Para tanto, considera-se imprescindível iniciar os estudos apresentando breve menção sobre a origem e o conceito de ata notarial e a sua normatização no sistema brasileiro, para então verificar como este documento pode ser utilizado de forma a beneficiar a sociedade.

2 ATA NOTARIAL NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

Antes da análise do tema proposto, importa apresentar a fundamentação normativa do instituto em tela no direito positivo brasileiro, informado pelo método histórico-funcionalista.

A atividade notarial remonta à Antigüidade, podendo-se dizer, nas palavras de FISCHER[6], que “a ata notarial se confunde com a própria existência da atividade notarial”. Para o citado tabelião:

As terminologias escribano, escribae, e notario, tinham, na sua essência, diferentes significados, mas todos estes vocábulos possuíam elementos comuns, relacionados a uma pessoa que tinha a qualidade de registrar acontecimentos. Da mesma forma a ata notarial se assemelha com a escritura pública, na medida em que ambas têm função de registrar, documentar[7].

Fazendo um retrocesso histórico, VOLPI NETO[8] lembra alguns textos bíblicos que mencionam o registro de acontecimentos, desde momentos remotos, ainda antes da descoberta da escrita:

No princípio era o verbo [...] e os gestos que marcavam as manifestações de vontade, os atos públicos eram praticados nas portas da cidade e no paço municipal onde se encontravam a administração e a Justiça. Nesse tempo, as expressões de vontade eram marcadas por rituais, compostos por palavras, gestos e expressões[9].

 

Nesta época romana, “os documentos eram aceitos pela manufirmatio, pela qual, depois da leitura feita pelo notarius , passava-se à mão pelo pergaminho em sinal de sua aceitação”. Antes da escrita, “os negócios se realizavam em público, para que as assembléias fossem o elemento vivo probante daquele ato”. Mais tarde, com o surgimento da escrita, as manifestações de vontade e os fatos passaram a serem gravados quase que exclusivamente em papel.

Com a escrita, veio então o tempo da materialização da prova jurídica. Pela sua segurança, os documentos escritos constituem importante meio de prova, embora não excluam outros, no sistema de livre convicção, eis que devem ser examinados em cotejo com as demais provas.

No Código de Processo Civil brasileiro em vigor, a partir do artigo 364, trata da “prova documental”. A expressão “prova”, do latim proba, de probare, significa, em sua origem, demonstrar, reconhecer, formar juízo de, convencer, tornar crível, estabelecer uma verdade, comprovar. Para a filosofia é aquilo que serve para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração, ou seja, o que mostra ou confirma a verdade de um fato[10]. Por sua vez, o “documento” é o instrumento representativo de um fato ou acontecimento. Segundo CARNELUTTI[11], documento é “uma coisa capaz de representar um fato”. Conquanto possa apresentar defeitos, inegavelmente se constitui, em conseqüência de sua estabilidade, como a forma mais segura de perpetuar a história dos fatos. Como decorrência, a subscrição de documentos tornou-se hegemônica, provocando uma clara dicotomia entre a prova oral e a escrita. A prova documental passou a ser definida em oposição à prova oral, ou seja, aquilo que é palpável, representativo, material.

Muito embora o “documento” em sentido lato, compreende não apenas os escritos, mas “toda e qualquer coisa que transmita diretamente um registro físico a respeito de algum fato, como desenhos e fotos”, Quando se fala especificamente da “prova documental”, ou seja, documentos no sentido estrito, “cuida-se dos documentos escritos, que são aqueles em que o fato vem registrado através da palavra escrita, em papel ou outro material adequado” [12].

Por sua vez, a prova documental é classificada em: documento público e particular, conforme provenham de repartições públicas ou sejam elaborados pelas próprias partes. Ressalte-se que “documento” é gênero a que pertencem todos os registros materiais de fatos jurídicos e “instrumento” é, apenas, aquela espécie de documento preparado pelas partes, no momento mesmo em que o ato jurídico é praticado, com a finalidade específica de produzir prova futura do acontecimento[13].

Conforme disposição do artigo 364 do Código de Processo Civil, o documento público faz prova não apenas da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença[14]. Portanto, existe presunção legal de autenticidade do documento público, entre as partes e perante terceiros, fato que decorre da atribuição de “fé pública” conferida aos órgãos estatais[15].

Ainda segundo o artigo 364 do Código de Processo Civil, os documentos públicos podem ser: judiciais, quando elaborados por escrivão, com base em atos processuais ou peças dos autos; administrativos, quando oriundos de outras repartições públicas; e notariais, quando provenientes de tabeliões ou oficiais de registros públicos, e extraídos de seus livros e assentamentos.

É seguindo o caminho da subdivisão: “prova documental – documento público – notariais” que se chega à ata notarial, um dos diversos documentos públicos notariais que pode ser utilizado como prova documental no processo civil.

Portanto, ata notarial se presta para materialização de algo com intuito de resguardar o direito do detentor na sua mais alta validez.

Muito embora seja considerada a ata notarial, como visto, uma prova documental e, em decorrência da fé pública do tabelião de notas, com competência exclusiva para lavratura da ata notaria, e, portanto, com grande força probante, “são poucos os operadores do direito que se utilizam desta ferramenta poderosa”[16].

Atualmente, a previsão da ata notarial no direito brasileiro decorre de texto constitucional. Dispõe o artigo 236 da Constituição Federal de 1988[17] que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. No parágrafo 1º deste artigo encontra-se que “lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”. Em seguida prevê o parágrafo 2º que “lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”. Por fim o parágrafo 3º determina que “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.

Para regulamentar esse dispositivo, editou-se, em 1994, a Lei nº 8.935, de 18 de novembro[18], conhecida como “Lei dos Cartórios”, que dispõe sobre serviços notariais e de registro, atribui aos tabeliães competência (exclusiva) para lavrar atas notariais, em seu artigo 7º, inciso III, facultando-lhes a realização das gestões e diligências para isso necessárias ou convenientes (artigo 7º, parágrafo único).

Na previsão da referida Lei dos Cartórios, o artigo 6º, incisos II e III e o artigo 7º, incisos I, II e especificamente o inciso III, com o manto do artigo 236 da Constituição Federal de 1988 dispõem, verbis: Artigo 6º: aos notários compete: [...] II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos. Artigo 7º: aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I - lavrar escrituras e procurações, públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; [...].

Trata deste tema, também, o artigo 364 do Código de Processo Civil[19], segundo o qual “o documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.

Ressalte-se, no entanto, que a ata notarial não substitui a prova, mas qualifica o evento, principalmente perante o poder judiciário, face ao caráter público e imparcial do tabelião.

Em suma, a ata notarial consiste em um recente instrumento notarial aprovado pela legislação federal, ainda pouco desenvolvido no sistema brasileiro, cujo participante vem ser apenas o tabelião ou aquele que seja determinado para tal fim.

Nas atas notariais, não existe a figura do outorgante, o tabelião relata aquilo que vê, ouve, verifica e conclui, com seus próprios sentidos e própria opinião, não devendo haver interferência de quem quer que seja.

Portanto, a ata notarial, nada mais é do que a narração objetiva de uma ocorrência ou fato, presenciado ou constatado pelo notário, que revestido da fé pública, pode constituir-se em pré-prova para os processos judiciais, conforme expresso no artigo 215 do Código Civil de 2002[20], segundo o qual “a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena”, cujo procedimento está previsto no inciso III do já citado artigo da Lei dos Cartórios.

3 ACEPÇÕES DOUTRINÁRIAS DE ATA NOTARIAL

Depois da breve síntese apresentada no tópico anterior, pode-se dizer que a ata notarial consiste em um documento através do qual o tabelião relata tudo aquilo que presenciou ou conduziu. É um instrumento que relata com fidelidade o que aconteceu e vale como testemunho, garantindo autenticidade ao negócio.

O tabelião de notas, também chamado de “notário”, enquanto agente delegado do poder público, tem competência para dar forma jurídica aos negócios estabelecidos pelas partes, de maneira que eles estejam de acordo com a legislação vigente e que haja equilíbrio contratual, pois é tarefa do notário esclarecer e orientar as partes antes de assinar os atos.

Portanto, a ata notarial é o testemunho oficial de fatos narrados pelos notários no exercício de sua competência em razão de seu ofício. Todavia, é salutar considerar que, muito embora diante desta noção, a princípio poder-se-ia imaginar que estariam, na expressão “ata notarial”, incluídas todas as escrituras, atente-se para a diferença de que as escrituras, por via de regra, estabelecem uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas, cuja declaração nem sempre é feita a juízo exclusivo do notário, mas, sim, diante dos elementos negociados que foram ajustados.

De forma específica e exclusiva, a constituição da ata notarial se dá por diversos elementos realizados livremente pelo notário, diante de sua perspectiva e sensibilidade, segundo o seu parecer, independentemente de posições contrárias, ou seja, é o testemunho segundo o qual o notário relata fatos que vê e sente, diante de elementos por ele escolhidos.

Conforme VOLPI NETO[21], as atas notariais têm, como primeira idéia “documentar acordos,  surgido pela necessidade do uso de documentos firmados por autoridade, ou seja, sob a fé pública, para que seu conteúdo obtenha crédito entre as partes e terceiros”. E, segundo este jurista:

Esse primeiro pressuposto, é gênese da teoria que distingue ata de escritura, ambas suportadas pela fé pública. É preciso que se diga, que há um certo terreno nebuloso nesse tema, onde alguns autores divergem. Porém a nosso ver essa distinção é importante, principalmente para o direito notarial brasileiro, onde há uma grande confusão entre uma e outra. Aliás, diga-se de passagem sua distinção é bastante clara em nossa lei 8.935 de 1994, artigo 7º, preservando a boa doutrina.

Finaliza profetizando que “para qualquer estudo referente ao tema, portanto acho importante definir bem essa linha entre ata notarial e escritura pública”.

Para confirmar este entendimento, basta voltar a “visão” às origens, quando os atos não eram assinados pelas partes, por que não o sabiam ou por que o suporte era rudimetar.

Assim, a rigor os escribas eram chamados para constatar fatos e transcrevê-los, fossem contratos ou simplesmente acordos entre a comunidade. Portanto, o sentido e uso das atas notariais é arraigado à própria origem da profissão do notário e, dentro dessa gênese, o conceito de constatação de fatos é muito mais importante, do que a transcrição da vontade das partes que veio em segundo tempo (escrituras)[22].

Conforme TESHEINER[23], “a ata notarial distingue-se da claramente da escritura pública: esta, a conter declarações de vontade; aquela, a conter o testemunho de fatos presenciados pelo notário”.

Da doutrina utilizada para o desenvolvimento deste estudo, constata-se que a maioria dos juristas que escreveram sobre “ata notarial” utilizam a definição de IPIENS[24], e, via de regra, a defendem como um dos conceitos mais completos de ata notarial já formulado.

Na síntese do conceito de IPIENS[25], a ata notarial é o instrumento público autorizado por notário competente, a requerimento de uma pessoa com interesse legítimo e que, fundamentada nos princípios da função imparcial e independente, pública e responsável, tem por objeto constatar a realidade ou verdade de um fato que o notário vê, ouve ou percebe por seus sentidos, cuja finalidade precípua é a de ser um instrumento de prova em processo judicial, mas que pode ter outros fins nas esferas: privada, administrativa, registral, e, inclusive, integradores de uma atuação jurídica não negocial ou de um processo negocial complexo, para sua preparação, constatação ou execução.

Segundo RODRIGUES[26], a ata notarial não é tão utilizada como poderia ser em benefício da sociedade em geral. Para o citado escrevente, “o instrumento em tela é pouco conhecido e utilizado pelos operadores do direito e clientes mais habituados aos serviços notariais”. Lembra ainda que:

Prevista em legislação infraconstitucional, a normatização se deu primeiramente no Rio Grande do Sul, através de provimentos da Corregedoria Geral de Justiça, em 1990. E a partir de 1994, passou a integrar o capítulo II, seção II, da Lei nº 8.935, que rege as atividades dos notários e registradores, atribuindo ao notário à exclusividade de lavratura da ata notarial.

 

Compartilhando do entendimento de TESHEINER[27], entende-se inegável a importância e utilidade prática da ata notarial, sobretudo para comprovação em juízo de fatos relevantes para a decisão da causa. O citado jurista cita, como exemplo ilustrativo, a consignação em pagamento. Nas suas palavras, a consignação em pagamento tem lugar se o credor, sem justa causa, recusa receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma. Proposta a ação, pode o réu alegar, na contestação, que não houve recusa, fato cuja prova, como fato constitutivo, incumbe ao demandante. Ao invés de depender de duvidosa prova testemunhal, pode o devedor comprovar a recusa mediante ata notarial, que é prova testemunhal pré-constituída e com fé pública.

Este é apenas um exemplo dentre tantos outros fatos que podem ser documentados através de ata notarial, solvendo inúmeros problemas com que se defrontam partes, necessitadas de fazer prova de suas alegações. Portanto, as atas notarias têm largo emprego no processo civil, o que falta é divulgação, é o conhecimento de sua existência e utilidade, não apenas entre a população, mas de forma mais urgente, entre os profissionais de direito, principalmente advogados. Sem dúvidas, a ata notarial constitui uma revolução no processo civil.

4 CARACTERÍSTICAS DA ATA NOTARIAL

Ata notarial é um ato unilateral declaratório do notário. Trata-se de uma resenha ou relato por escrito elaborado com segurança, procurando sempre a narrativa de fatos com riqueza de detalhes que possam caracterizar o fato ocorrido por meio de uma simples leitura.

BARDALLO[28] ensina que a ata notarial é caracterizada pela atitude passiva do notário, ou seja, o notário deve transcrever o que houve e vê (apreensão sensorial) não excluídos o olfato e tato, e sem maiores solenidades. Já SEGOVIA[29] assevera que a ata carece do sedentarismo da escritura, e pelo contrário, se particulariza pelo “desenvolvimento ambulativo”. É por essas características que a ata notarial difere da escritura, eis que a escritura, teoricamente, é instantânea (artigo 134 do Código Civil de 2002), enquanto que a ata notarial admite sua consecução de forma estendida. Significa dizer que, segundo VOLPI NETO[30]:

Na prática isso significa que o notário não está obrigado a redigir a ata no momento em que presencia o fato, visto que a grande maioria das atas são feitas em diligências,  podendo o notário fazer suas anotações para posteriormente redigi-las em seu tabelionato.

Além dessa característica, outra distinção entre ata notarial e escritura consiste no fato de que a ata caracteriza uma narração e a escritura uma redação. Nessa, o notário transcreve a vontade das partes, naquela narra os fatos que presencia[31].

Outra característica é que, para que seja procedida a lavratura da ata notarial, deve haver requerimento, uma vez que o notário, por via de regra, não age de ofício, devendo haver solicitação para sua prática. Este requerimento poderá ser feito no próprio corpo da ata ou em apartado, e, se na própria ata, não terá o requerente o direito de aceitar ou não o que dali consta, devendo apenas preocupar-se com o requerimento e não com seu conteúdo. Deve ser assinada pelo notário e por este lavrada, podendo, entretanto, designar um funcionário para a prática do ato.

Quanto à classificação das atas notariais, em decorrência da grande variedade de tipos, é praticamente impossível apresentar uma classificação dos fatos juridicamente protegidos, o que se pode fazer, no entanto, é citar alguns exemplos ilustrativos de cabimento. Assim, como exemplos de sua utilidade podem-se citar: comprovação do estado geral de um imóvel na hora de alugar ou vender; comprovação da entrega de uma determinada soma em dinheiro; constatação do conteúdo de um cofre, por ocasião de sua abertura; comprovação da existência ou não de fundos em uma conta bancária; dentre outros.

No entanto, frise-se, o notário não poderá narrar fatos que não sejam de sua competência exclusiva, e muito menos atos ilícitos como constatação de um assalto e assassinatos. Poderá agir sempre quando verificar que seja lícito o objeto. Mesmo assim, diante da imensa quantidade de fatos juridicamente amparados, o notário procurara classificar as atas notariais por tipo.

Conforme constatação de BUSSIÉRE[32] a doutrina nacional não traz referências á classificação das atas notariais, somente na estrangeira poderá ser encontrada alguma matéria a respeito do assunto, destacando-se, entre elas, as materiais, as formais, as típicas e as atípicas.

Na síntese do citado autor, as materiais são aquelas que afetam fatos jurídicos que, por sua índole, não há como qualificá-los como contrato. Já as formais consistem naquelas em que a lei estabelece uma manifestação própria, singular e precisa, como, por exemplo, aprovação de testamento cerrado ou ata de depósito perante o notário. Por sua vez, as típicas são atas previstas em lei, com efeito e regulamentação especial, como, por exemplo, as atas de protesto de título e de casamentos. Por fim, as atípicas são aquelas que, embora não previstas no ordenamento jurídico, são possíveis de serem realizadas, uma vez que possuem objeto lícito, agente capaz e fatos admitidos em direito.

Em suma, “o trabalho do notário em matéria de ata é principalmente autenticante, mesmo que desapareça a atividade de jurista enquanto analizador[33]”. BUSSIÉRE[34], além da classificação genérica apresentada, constata a existência de diversas atas que podem ser elaboradas pelo notário como, por exemplo:

a) as atas de mera percepção, que são aquelas em que o notário expressa o pensamento adquirido pelos seus próprios sentidos (constatação de entrega de um documento ou a retificação unilateral de um erro material cometido em ato notarial). Segundo BUSSIÉRE[35] esta:

É a mais pura manifestação de ata notarial, pois trata-se daquela em que o notário se limita a transcrever conforme a percepção sensorial adquirida quanto ao fato ocorrido. No entanto, neste tipo de ata, tem que se abster de formulações a título de juízo pessoal quanto a determinados acontecimentos, sem que para tal possua conhecimentos técnicos suficientes, no sentido de preservar a genuína função notarial. Por ser missão do notário a de dar fé aos fatos, atos e manifestações de vontade ocorrentes em sua presença, não deverá emitir juízo de valor. Deve limitar-se à narração do que haja percebido, não devendo, de maneira alguma, realizar uma atividade passiva, porque tem que se esforçar ao máximo, a fim de obter perfeita identificação da coisa e exata captação da realidade.

Além disso:

Na lavratura desta espécie de ata, o notário não poderá excluir nenhum preceito legal e deve conhecer a primazia do sentido do que foi visto e apreciado como fonte de evidência. Assim agindo, o notário lavrará uma ata com maior efeito, sendo sua presença fundamental, permitindo o convencimento para verificação da situação jurídica e identificação do objeto[36].

b) as atas de controle e percepção, aquelas em que o notário não se limita à narração de um resultado que haja percebido, mas, também, fazendo um controle da legalidade de sua atuação, mediante a qual chegou à conclusão.

c) atas de manifestação e declaração de fatos próprios do notário, que são os fatos narrados e testemunhados pelo notário diante de sua pessoa, que, por erro ou omissão, deixou de fazer constar de atos notariais de declaração de vontade que tenha realizado. O citado jurista salienta, no entanto, que “não se aplica essa regra nas declarações e disposições de última vontade, pois se trata de direito personalíssimo e de difícil comprovação”.

E finaliza:

Nesta qualidade de ata, poderá o notário proceder a retificações de erros materiais cometidos na lavratura de ato jurídico, por exemplo, retificar os números de um RG ou CGC/MF erroneamente anotados ou declarar o negócio jurídico realizado, desde que não perfeitamente relatado anteriormente[37].

 

5 ATA NOTARIAL COMO PROVA NO PROCESSO CIVIL

Antes de se abordar, especificamente, a ata notarial enquanto prova no processo civil, importa identificar as funções da ata notarial, ou seja, sua utilidade e finalidade.

Como já apresentado, a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, criou um novo ato notarial, chamado “ata notarial”, de competência exclusiva dos notários. No entanto, da análise do texto da referida lei, percebe-se que o legislador não definiu e nem conceituou o que vem a ser “ata notarial”, como também não estatuiu para que finalidade ela se presta.

Utilizando-se do entendimento RIBEIRO[38], passa-se a expressar o entendimento doutrinário sobre o que chamou de “novel instrumento”. O referido autor iniciou sua exposição particularizando a expressão “ata notarial”, apresentando o significado da palavra “ata”.

No sentido laico, “ata”, do latim acta, que significa “coisas feitas”, é o registro escrito no qual se relata o que se passou numa sessão, convenção, congresso, como, por exemplo, ata da reunião dos condôminos ou da convenção dos advogados, dentre muitos outros[39]. Também pode ser definida como sendo “o registro de uma obrigação contraída por alguém, como, por exemplo, a ata da venda do apartamento”[40].

No sentido jurídico, “ata” é definida como sendo “registro escrito de fatos ou ocorrências e resoluções tomadas em sessão de diretoria, conselho consultivo e deliberativo” [41]. Significa dizer que esta expressão, tanto no sentido jurídico como no laico, serve para designar, em sentido genérico, o ato pelo qual se registra por escrito tudo o que ocorre em certas reuniões ou solenidades, promovidas por associações, por sociedade ou entidade qualquer[42].

Portanto, pode ser compreendida como “o registro exato e metódico das deliberações tomadas em uma reunião de sociedade, associação ou corporação de qualquer espécie, que vai assinada ou autenticada pelas pessoas que presidiram à sessão (reunião)”. Representa, assim, “os assentos, que se determinam após a sessão de qualquer entidade, relativos às resoluções tomadas, para que se conserve escrito sob registro” [43].

Já a palavra “notarial” deriva de nota, que significa, neste sentido, “registro”, ou notar, que quer dizer “lançar no livro (escritura) de notas pelo notário (tabelião)”[44]. Portanto, o adjetivo “notarial” vem a significar que a ata se fez por notário e sob o seu testemunho, sendo que a função da “ata notarial” é a de “tão-somente registrar, documentar e comprovar atos e fatos já existentes”[45].

Na tentativa de buscar a efetiva finalidade da ata notarial, conforme imaginada no direito brasileiro, CENEVIVA[46], interpreta que:

Ata, na linguagem comum, é o relatório de fatos ocorridos e de resoluções adotadas numa reunião formal ou informal, para satisfação de objetivos de direito público ou privado. O termo surge qualificado pelo adjetivo “notarial”, no inciso III do artigo 7º. Trata-se do mesmo relato genérico porém, garantido pela fidelidade na narrativa dos eventos. A neutralidade e a rigorosa vinculação à verdade são essenciais, convindo que o delegado reproduza fielmente as declarações pronunciadas pelas partes, embora possa orientá-las, na área de sua competência estrita, a respeito do que pretendem fazer constar da ata.

Portanto, conforme enfatiza RIBEIRO[47] “a ata notarial não é ato de iniciativa do notário”, eis que este, “para praticá-lo isto é, lavrar a ata notarial, necessita de ser provocado por algum interessado em deixar consignado ou registrado em livros do Serviço Notarial algum ato ou fato ocorrido”[48].

Neste sentido, a acepção de ata notarial recebe significativa ampliação, eis que, mais do que registrar o relato de atos ou fatos ocorridos, ou de resoluções adotadas em uma reunião ou assembléia, pode ser utilizada para documentar o estado e as condições de bens que vão ser entregues a seus novos proprietários, por terceiras pessoas, a fim de prevenir responsabilidades, dentre outras situações que irão surgindo, conforme a familiarização e conhecimento do tema for abrindo horizontes.

Por outro lado, a ata notarial não pode ser utilizada como instrumento para retificação ou correção de erros em escrituras públicas ou em qualquer outro ato praticado no Serviço Notarial e nem para aditamento ou mesmo para ratificação de tais atos, em caso de omissão de algum elemento ou requisito que deles devia constar. Esse é o entendimento de RIBEIRO[49], sob o argumento de que para essas hipóteses, “há necessidade de ser lavrada escritura de reti-ratificação ou de aditamento, conforme o caso, colhendo-se as assinaturas dos interessados” (sic).

Conforme o citado jurista:

Se um notário lavrar, eventualmente, uma ata notarial, cuja finalidade seja reti-ratificar ou aditar ato lavrado anteriormente, tem-se então aí não uma “ata”, mas sim uma escritura de retificação, ou de ratificação, ou de aditamento, conforme seja a hipótese. Isso porque, na interpretação dos atos jurídicos, não se leva em conta o rótulo ou o título que lhe é dado, mas o seu conteúdo, a sua essência[50].

 E conclui:

Afora os casos de relato de atos ou fatos ocorridos e de resoluções ou deliberações adotadas em uma reunião formal ou informal, ou de registro de condições ou estado de conservação de bens, quer para servir de prova, quer para prevenir responsabilidades, não vemos qualquer outra função a que se possa valer do novel instrumento ata notarial[51].

Até este momento, apresentaram-se origens, a normatização, as características e se buscou identificar a função, a aplicabilidade e a importância da ata notarial para a sociedade brasileira. A partir de agora se passa a analisar a ata notarial enquanto meio de prova no processo civil.

RODRIGUES[52], ao tratar da ata notarial como meio de prova, e utilizando-se de embasamento teórico de diversos autores estrangeiros, escreve que:

O poder certificante do notário é uma faculdade que a lei lhe dá para, com sua intervenção, evitar o desaparecimento de um fato antes que as partes o possam utilizar em proveito de suas expectativas. A fé pública é, em todo o momento do negócio jurídico, o caminho mais efetivo para a evidência. Tudo se reduz à intervenção notarial que, com sua presença ou sua atuação, soleniza, formaliza e dá eficácia jurídica ao que ele manifesta ou exterioriza no instrumento público, seja este escriturado ou não. Isto se relaciona, também, com o poder certificante do notário, o que permite às partes em forma voluntária, escolher a forma e o modo de resolver seus negócios; neste caso, como afirma Gatán, a função notarial pode considerar-se como jurisdicional. O notário, dentro de sua ampla gama de faculdades, logrará, com sua intervenção, estabelecer a prova pré-constituída, que há de servir de pauta legal, no momento em que seja necessário solicitá-la

Conforme o direito espanhol e peruano, ainda na constatação de RODRIGUES[53], quando o notário "constata, verifica, escuta, vê, observa", salva futuros vazios e fotografa a verdade, constituindo, sua afirmação traduzida em um papel, um documento público perfeito. E conclui:

Quero dar a maior importância às atas notariais, como instrumento público em sua mais alta validez; têm mais simplicidade que o instrumento formal, vale como a escritura propriamente dita, e há de servir em juízo, na oportunidade de se estabelecerem os direitos, de se abreviarem procedimentos de peritagem, e de outros trâmites relacionados com as pretensões de quem tem o justo direito, muitas vezes, aliás, turvado no seu aspecto de verdade. As atas notariais, conforme o direito espanhol, têm por objeto a comprovação e fixação de fatos notórios, sobre os quais poderão ser fundados e declarados direitos e qualidades com transcendência jurídica.

Inegável, ante todo o exposto, a utilidade da ata notarial como meio de prova no processo civil. A ata notarial, por sua natureza, se reveste de especial importância para obter-se uma produção antecipada de provas de boa qualidade e credibilidade, com presteza, sem ficar o interessado na dependência de movimentar o aparato judiciário que deve ser preservado para a solução de contendas de maior complexidade e não solucionáveis pelos mecanismos mais simples[54].

É evidente que o Código de Processo Civil oferece mecanismos para a demonstrar a verdade ou falsidade de fato conhecido ou controvertido ou para convencer da certeza de ato ou fato jurídico. Permite, inclusive, a produção antecipada de provas, que se dá no bojo de circunstâncias especiais, com o intuito de se preservar a veracidade de afirmação ou fato. Como exemplo ilustrativo, cita-se o livro III do referido código, que trata do “processo cautelar”, cuja seção VI, do seu capítulo II, trata de um conjunto de medidas preconizadas sob a epígrafe de “produção antecipada de provas” e que se reduzem a três, enumeradas no artigo 846, a saber: interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame pericial[55]. Portanto:

O interrogatório e a inquirição antes da propositura de uma demanda ou na fase inicial desta são providências previstas para as hipóteses de a parte ou a testemunha ter de ausentar-se do lugar, ou ainda de haver justo receio, por motivo de idade ou moléstia grave, de não mais existir ou estar impossibilitada de depor ao tempo em que a prova possa vir a ser produzida[56].

Constituem cautelas pertinentes, razoáveis e louváveis, disso não restam dúvidas. No entanto, como é conhecido, o sistema jurídico brasileiro é extremamente forma e o emperramento do serviço judiciário, muitas vezes não atingem o resultado que se propugna alcançar pela falta de agilidade necessária.

Ante esta inegável realidade, emerge a instituição da ata notarial, que pode e deve ser difundida, como um instrumento a acrescer esse rol de cautelas, e que é capaz, pela sua função já identificada, auxiliar na concretização rápida e efetiva da tão esperada justiça.

Trata-se aqui, especificamente, da ata notarial de declaração, seja de interesse próprio, seja testemunhal, como contribuição efetiva do tabelionato de notas a fim de agilitar e preservar a formação da prova no processo judiciário, desde que amparada nas premissas de urgência por causa de viagem, de idade avançada ou de moléstia grave, verificadas ao prudente arbítrio do tabelião.

Outro tipo de ata notarial que também pode ser utilizada é a ata notarial de presença, quando a produção antecipada de prova pericial, ou seja, a tradicionalmente conhecida vistoria ad perpetuam rei memoriam, prescindindo da presença física do juiz em diligência, pode e deve ser difundida e praticada sob a modalidade de ata notarial de presença, mediante a qual o tabelião de notas, deslocando-se dentro da circunscrição de sua competência territorial, verifica in locu a existência de um fato e o relata minuciosamente, com o auxílio de quem esteja presente e queira colaborar; mais ainda, se for o caso, com a participação de perito ou peritos que lhe esclareçam as questões técnicas e, se convier, emitam laudo ou laudos a fazer parte integrante da ata[57]. Portanto, é inegável, ante todo o exposto, a importância da ata notarial como meio de prova no processo civil.

Todavia, mais do que sua imprescindível utilização do instrumento público notarial como meio de prova pré-constituída, o que é um dos aspectos importantes de sua natureza, e que por si só já justificaria a escolha deste tema para debate e divulgação, o que se defende é que a relevância da ata notarial, na realidade atual, se sobrepõe à função meramente probatória, que pressupõe litígio potencial a dar-lhe ou a lhe negar respaldo. Neste particular, SILVA[58] consegue extrair a essência do instituto em tela ao proclamar que:

O instrumento público notarial existe e é eficaz por si mesmo, faz realizar o direito na normalidade da vida social e, acima de tudo, sua qualificação e respeitabilidade, pela certeza e segurança a ele inerentes, são fatores de prevenção de litígio. Então, mais que meio de prova pré-constituída, o instrumento público notarial vale pelo que é, desde o momento em que se concretiza, e já nasce com o destino de harmonizar as pessoas em suas relações jurídicas no meio social.

Percebe-se, desta forma, que não apenas a sociedade brasileira, mas inclusive os profissionais ligados, de alguma forma, à esfera jurídica, muito já perdeu e ainda tem a deixar de ganhar pela absoluta falta de conhecimento sobre os instrumentos que o sistema jurídico oferece em benefício de toda a coletividade, e que, se aplicados como podem e deveriam ser, contribuiriam não somente com o resgate da credibilidade do sistema judiciário como um todo, mas na própria pacificação e segurança social.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o estudo, que foi de extremada importância para o conhecimento desse valoroso instrumento público, e principalmente pela divulgação e disseminação de conhecimentos, muito embora se tenha consciência de que nada foi acrescido ou inovado, mas apenas ressaltado, reconhece-se que a ata notarial é uma prática recente na história do notariado brasileiro e por essa razão basilar ainda pouco utilizado.

Constatou-se que foi a Lei nº 8.935 de 1994 foi a responsável pela definição a lavratura da atas notariais como ato privativo do tabelionato de notas. Até então este ainda era um instrumento pouco difundido, mesmo dentro do notariado.

Considera-se, portanto, extremamente positiva e necessária a valorização e o reconhecimento da sociedade brasileira e do poder judiciário sobre a importância e a relevância da atuação dos tabeliães. Na medida em que o judiciário encontra-se profundamente emperrado em todos os setores, incapaz de atender às demandas, emerge a ata notarial como instrumento para que a sociedade possa atingir o equilíbrio há muito almejado.

Neste contexto, é de suma importância a ação de um delegado do serviço público, dotado de fé pública, na medida em que ele tem competência e credibilidade para retratar uma situação de fato que pode ajudar qualquer cidadão, tanto na área jurisdicional como em outras atividades. Portanto, deve-se apoiar e valorizar a qualidade deste instrumento público.

Verificou-se que a utilidade da ata notarial no meio jurídico é abrangente. Na esfera civil, a ata notarial pode ser utilizada em inúmeras ações relativas à locação de imóveis. Esse instrumento pode dar fundamento em casos como reclamações de moradores na desocupação de um imóvel, para atestar o estado de conservação do mesmo.

No âmbito processual civil, embora o Código de Processo Civil forneça o instrumento da produção antecipada de provas, é de conhecimento geral no mundo jurídico que se trata de um recurso não tão ágil como deveria ser e que demanda alto custo e tempo. Se esta prova for substituída por uma ata notarial, já que o tabelião tem a competência para descrever com minúcias o estado em que se encontra o bem, o processo resultaria muito mais dinâmico, eficaz e menos oneroso.

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[1] (Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense – Unipar.).

[2] BRASIL, Legislativo. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o artigo 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro - Lei dos Cartórios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8935.htm>. Acesso em: 15.Mar.2005.

[3] VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial de documentos eletrônicos. Disponível em: <http://www.internetlegal.com.br/artigos/>. Acesso em: 16.Mar.2005.

[4] Entenda-se como “notário” o oficial público de notas, tabelião, incumbido de elaboração de escrituras públicas, como contratos e outros atos jurídicos previstos em lei. Os notários gozam de fé pública. No desenvolvimento serão utilizadas as expressões; “notário”, “tabelião de notas” ou simplesmente “tabelião”, ambas com o mesmo significado, como único oficial público competente para lavratura de ata notarial.

[5] BERNARDINO, Álvaro. A ata notarial e a locação de imóveis. Disponível em: <http://www.poolimobiliario.net/materias/102022200087637.php>. Acesso em: 16.Mar.2005.

[6] FISCHER, José Flávio Bueno. Ata notarial e as novas tecnologias. Disponível em: <http://www.tabelionato.com.br/atanotarial.asp>. Acesso em: 15.Mar.2005.

[7] Idem, ibidem.

[8] VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial de documentos eletrônicos... Op. cit.

[9] João, capítulo I e Gênesis, capítulo XIII, versículos 8 a 18. Apud VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial de documentos eletrônicos... Op. cit.

[10] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 491.

[11] CARNELUTTI. La prueba civil. Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 13. ed., v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 440.

[12] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., pp. 440.

[13] Idem, ibidem, pp. 440-1.

[14] BRASIL, Legislativo. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil brasileiro. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm>. Acesso em: 15.Mar.2005.

[15] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., pp. 442.

[16] RODRIGUES, Felipe Leonardo. Op. cit.

[17] BRASIL, Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 14.Mar.2005.

[18] BRASIL, Legislativo. Lei nº 8.935... Op. cit.

[19] BRASIL, Legislativo. Lei nº 5.869... Op. cit.

[20] BRASIL, Legislativo. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 14.Mar.2005.

[21] VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial: essa nobre desconhecida. Disponível em: <http://www.internetlegal.com.br/artigos/>. Acesso em: 16.Mar.2005.

[22] VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial: essa nobre desconhecida... Op. cit.

[23] TESHEINER, José Maria. Op. cit.

[24] IPIENS, José Antonio Escartin. El acta notarial de presencia en el proceso. In: Revista del Notariado. nº 399, p. 176. Citado pelos seguintes autores, dentre outros: ARMELA Cristina Noemi. Tratado de derecho notarial, registral e inmobiliario. p. 957. RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata notarial e sua eficácia na produção de provas com fé pública do tabelião no ambiente físico e eletrônico. In: IRIB – Boletim Eletrônico nº 1158 - Ano IV - Editores: Fátima Rodrigo e Sérgio Jacomino. São Paulo, 3 de junho de 2004. TESHEINER, José Maria. Ata notarial como meio de prova: uma revolução no processo civil. Disponível em: <http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas17082004f.htm>. Acesso em: 16.Mar.2005.

[25] IPIENS, José Antonio Escartin. El acta notarial de presencia en el proceso. In: Revista del Notariado. nº 399, p. 176. TESHEINER, José Maria. Op. cit.

[26] RODRIGUES, Felipe Lonardo. Op. cit.

[27] TESHEINER, José Maria. Op. cit.

[28] BARDALLO, Julio R. Revista del notariado, nº 708. Buenos Aires, 1969. Apud VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial: essa nobre desconhecida... Op. cit.

[29] MARTINEZ SEGOVIA, Francisco. Las actas notariales em la legislacion”, ante-projeto da Lei Notarial Argentina. Apud VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial: essa nobre desconhecida... Op. cit.

[30] VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial: essa nobre desconhecida... Op. cit.

[31] Idem, ibidem.

[32] BUSSIÉRE, Renaldo Andrade. Ata notarial. Disponível em: <http://www.cartorio6oficio.com.br/atas.htm>. Acesso em: 15.Mar.2005.

[33] GARCIA, Julia Siri. Cuestiones de técnica notarial em materia de actas. Montevideo, publicaciones jurídicas, associacion de Escribanos del Uruguay, 1995. Apud VOLPI NETO, Ângelo. Ata notarial: essa nobre desconhecida... Op. cit.

[34] BUSSIÉRE, Renaldo Andrade. Op. cit.

[35] Idem, ibidem.

[36] BUSSIÉRE, Renaldo Andrade. Op. cit.

[37] Idem, ibidem.

[38] RIBEIRO, José. Ata notarial: qual é a sua função? Disponível em: <http://www.anoregpr.org.br/jornais/15/pag10.htm>. Acesso em: 15.Mar.2005.

[39] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário AURÉLIO. São Paulo: Nova Fronteira. p. 152.

[40] COZZOLINO, Andréa; et alli. Mini dicionário LUFT. 3. ED. São Paulo: Ática, 1991. p. 60.

[41] GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Op. cit. p. 98.

[42] SILVA, De Plácido e. Op. cit., p. 90.

[43] RIBEIRO, José. Op. cit.

[44] COZZOLINO, Andréa; et alli. Op, cit., pp. 444-5.

[45] RIBEIRO, José. Op. cit.

[46] CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e registradores comentada. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 49

[47] RIBEIRO, José. Op. cit.

[48] “Por exemplo: é possível solicitar-se a lavratura de uma ata notarial para documentar as condições de integridade de lataria e de pintura de um automóvel adquirido, de alto custo, e que vai ser entregue em outra localidade, por terceira pessoa, para comprovar o seu real estado de conservação no momento em que o automóvel é entregue ao transportador. Ou ainda: registrar as condições e aspectos físicos de um animal caro, de raça, vendido e que vai ser entregue, por transportador, ao adquirente, em localidade distante” (RIBEIRO, José. Op. cit.).

[49] RIBEIRO, José. Op. cit.

[50] Idem, ibidem.

[51] Ibid.

[52] RODRIGUES, Felipe Leonardo. Op. cit.

[53] Idem, ibidem.

[54] SILVA, João Teodoro. Ata notarial. Disponível em: <http://www.6oficiobh.not.br/doc/10.doc>. Acesso em: 15.Mar.2005.

[55] BRASIL, Legislativo. Lei nº 5.869... Op. cit.

[56] SILVA, João Teodoro. Op. cit.

[57] SILVA, João Teodoro. Op. cit.

[58] Idem, ibidem.