A CONSTITUIÇÃO DE 1967
Paulo
Gustavo Bastos de Souza - Estudante
Amparada
no artigo 157 da Constituição de
I – Liberdade de iniciativa;
II – Valorização do trabalho como condição da dignidade humana;
III – Função social da propriedade;
IV – Harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;
V – Desenvolvimento econômico;
VI – Repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
Usando de terminologia pouco rigorosa, proclama o artigo 145 que a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social. Significam tais expressões a adoção da doutrina denominada economia do bem estar, que modernamente buscou corrigir o automatismo da economia de mercado e os desajustamentos sociais por meio da política anticíclica, na repartição harmônica da renda nacional e das instituições de serviço social.
Atingem a várias dezenas as inovações da Constituição de 1967 em face do que dispunha a Carta Política de 1946. Não apenas em face das normas institucionais preexistentes à promulgação do novo texto porque, na sua expressiva maioria, tais inovações já constavam nos Atos Institucionais baixados pelo Poder Revolucionário ou de Emendas Constitucionais por ele sugeridas e aprovadas pelo Congresso.
Serão apresentadas não pela ordem cronológica de sua possível relevância, mas reunidas em grupos formados pelos temas onde as mesmas se concentram e se equivalem quase todos e por assim dizer aos pontos nevrálgicos da ação reformista promovida pelo Governo, com o indispensável apoio do Poder Legislativo. São eles:
a) Reforço do Poder Executivo;
b) Dinamização do processo legislativo;
c) Eleições e partidos políticos;
d) Disciplinamento da ação econômica-financeira;
e) Funcionalismo público;
f) Ordem Social;
g) Incursões na órbita estadual;
h) Assuntos municipais;
i) Outras inovações.
Em síntese, as principais inovações são as seguintes:
a) Expedição, pelo Presidente da República, de decretos-leis sobre segurança nacional e finanças públicas;
b) Elaboração, pelo Presidente, de leis delegadas;
c) Iniciativa dada ao Presidente para submeter Emendas Constitucionais ao Congresso Nacional, nas mesmas condições estabelecidas para o Senado e a Câmara;
d) Competência exclusiva do Presidente da República para a iniciativa de leis que disponham sobre matéria financeira, com prejuízo da competência cumulativa anteriormente conferida à Câmara dos Deputados;
e) Interferência do Executivo, através da sanção ou do veto, nos projetos de anistia, que pela Constituição de 1946, ficavam restritos ao âmbito parlamentar;
f) Decretação do estado de sítio pelo Presidente da República, e não mais pelo Congresso Nacional, embora submetido a este o ato presidencial, no prazo de 5 dias.
Visando à dinamização do processo legislativo, a Constituição de 1967 adotou as seguintes providências inovadoras:
a) Fixação do prazo fatal de sessenta dias para a tramitação de Emendas Constitucionais e redução, para maioria absoluta, do “quorum” de dois terços anteriormente exigidos para sua aprovação;
b) Fixação dos prazos, também fatais de 45 e 40 dias, respectivamente, para os projetos de iniciativa do Presidente da República que devem ser examinados, separadamente, pelas duas Casas do Legislativo e para os que o Chefe do Poder Executivo, se julgar urgente à medida, solicite serem apreciados em sessão conjunta do Congresso;
c) Aprovação automática dos projetos de iniciativa do Poder Executivo que não forem votados nos prazos referidos na alínea anterior;
d) Providência para evitar falta de quorum: perda de mandato do parlamentar que deixar de comparecer, em cada período de sessão legislativa, a mais de metade das sessões realizadas na Casa a que pertencer.
e) Rejeição automática dos projetos de lei que receberem parecer contrário, quanto ao mérito, de todas as Comissões da Câmara ou do Senado;
f) Delegação a Comissão Especial do Congresso ou de qualquer de suas Casas para elaboração de projetos de leis (delegação interna), os quais serão logo enviados à sanção, salvo se, no prazo de dez dias, a maioria dos membros da Comissão ou um quinto da Câmara ou do Senado requerer a sua votação pelo plenário.
Em
matéria de eleições, a inovação registrada é a do artigo 76 da Constituição,
que estabelece o pleito indireto para a escolha do Presidente da República.
Quanto
à vida partidária, a ação inovadora da Constituição de 1967 se faz sentir
através dos itens VII e VIII do artigo 149:
a)
Exigência, para a
organização e funcionamento dos partidos políticos de dez por cento do
eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por
cento em cada um deles, bem como de
dez por cento de deputados em, pelo menos, um terço dos Estados e dez por cento
de senadores;
b)
Proibição de coligações
partidárias.
Disciplinamento
da ação econômica-financeira
A reformulação e o disciplinamento da ação econômica-financeira do
país, aí incluindo o novo sistema tributário, constituem, sem dúvida, um traço
vigoroso dos esforços desenvolvidos pelo Governo Revolucionário e que se
refletiram com nitidez no texto constitucional de 1967, depois de haverem
transitado por diversos atos, emendas, leis ordinárias e outros procedimentos
oriundos do mesmo governo Pela qualidade e quantidade das modificações feitas,
que foram amplas e profundas, pode-se dizer que esse é um dos fundamentos da
nova filosofia impressa pelo governo à Constituição por ele projetada.
A matéria das reformulações efetuadas a partir de 1964, nesse vasto e,
até então, tumultuário campo de ação governamental (conhecido como pandemônio
fiscal), pode ser encarada, para clareza de exposição, sob quatro
aspectos:
a)
Novo sistema tributário;
A
rigor, não se trata, no caso, apenas de inovações da Carta Política vigente,
em relação às Constituições anteriores, mas de ampla reforma, urdida dentro
de um sistema tanto quanto possível racional, que vinha sendo reclamado de há
muito e com insistência, a fim de proporcionar “às atividades econômicas em
particular, e a todos os cidadãos em geral, a segurança de que a cobrança ou
imposição de tributos é, antes, um meio de conseguir-se a realização das
tarefas do Estado, do que um instrumento de inquietação e de dúvidas, em
detrimento da comunidade.”
Procurando
melhorar nesse setor a realidade brasileira, que não era tida como das melhores
por certos analistas da matéria, embora outros a elogiassem, a legislação do
Governo Revolucionário, fixou na nova Carta Política 15 impostos a serem
cobrados pela União, os Estados e os Municípios, enfeixando-os em quatro
grupos que, embora tenham figurado expressamente da Emenda Constitucional nº
18, não foram mencionados no texto de
24 de janeiro e que alguns consideram destituídos de consistência científica:
Impostos sobre o comércio exterior; sobre o patrimônio
e a renda; sobre a produção e a circulação; especiais.
Os
dois impostos sobre o comércio exterior são o de importação e o de exportação,
ambos atribuídos à União.
Os
quatro impostos sobre o patrimônio e a renda são: o imposto sobre a
propriedade territorial rural (decretado e cobrado pela União, mas com o
seu produto transferido aos Municípios); o imposto sobre rendas e proventos
de qualquer natureza (atribuído à União com o estabelecimento de quotas
para os Estados e Municípios); o imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana (atribuído aos Municípios) e o imposto sobre a
transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e
acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem
como sobre direitos à aquisição de imóveis (atribuído aos Estados).
Os
cinco impostos sobre a produção e a circulação encontram-se assim fixados: imposto
sobre produtos industrializados (da União); imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias, inclusive lubrificantes e combustíveis
líquidos, realizadas por produtores, industriais e comerciantes (dos Estados,
com 20% para os Municípios); imposto sobre operações de crédito, câmbio,
seguro ou relativos a títulos ou valores mobiliários (da União); imposto
sobre serviços de transporte e comunicações, salvo os de natureza
estritamente municipal (União) e o imposto sobre serviços de qualquer
natureza, não compreendidos na competência tributária da União ou dos
Estados; definidos em lei complementar (dos Municípios).
Os
quatro impostos especiais são: o imposto sobre a produção, importação,
circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos
e gasosos (da união, com 40% para os Estados, Distrito Federal e Municípios);
imposto sobre produção, importação e distribuição ou consumo de energia elétrica
(da União, com 60% para os Estados, Distrito Federal e Municípios), imposto
sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais do País (da
União, com noventa por cento para os Estados, Distrito Federal e Municípios) e
o imposto de guerra (atribuídos exclusivamente à União), que os
instituirá temporariamente, em caráter extraordinário, estejam ou não
compreendidos na sua competência tributária e que serão suprimidos
gradativamente, quando cessadas as causas que determinaram a cobrança.
B)
Medidas de Caráter Financeiro e Orçamentário;
Ao
lado e em complementação da reforma tributária, incluíram-se na Lei Magna de
1967 dispositivos de ordem financeira que já constavam da legislação
revolucionário anterior e outros, atinentes ao Orçamento da União, que, pela
sua repercussão, merecem ser incluídos no rol das inovações constitucionais.
Quanto
ao Orçamento propriamente dito, a nova Lei Fundamental se inspirou nos Atos
Institucionais nº 1 e 2 e nos Atos Complementares nº 18 e 21, porém foi mais
rigorosa. Estabeleceu, dentre outras coisas:
-
Instituição de orçamentos
plurianuais de investimentos, na forma prevista em lei complementar, para as
despesas de capital;
-
Consignação de dotações
plurianuais para a execução dos planos de valorização das regiões menos
desenvolvidas do País;
-
Inclusão no Orçamento
das receitas e despesas relativas a todos os Poderes, órgãos e fundos, tanto
da administração direta quanto da indireta;
-
Ressalva de que a inclusão
da receita e despesa dos órgãos da administração indireta será feita em
dotações globais, sem prejudicar-lhes a autonomia na gestão dos respectivos
recursos;
-
Proibição de qualquer
vinculação tributária a determinado órgão, fundo ou despesa, ressalvados os
impostos únicos e as disposições de leis complementares;
-
Obrigatoriedade da
elaboração do Orçamento sem déficit, ou, mais fortemente ainda, exigência
de que o montante da despesa autorizada em cada exercício financeiro não seja
superior ao total das receitas estimadas para o mesmo período;
-
Proibição de que a
despesa de pessoal da União, Estados ou Municípios exceda 50 por cento das
respectivas receitas correntes;
-
Restrições diversas à
elaboração orçamentária a cargo do Congresso;
-
Remessa do projeto de lei
orçamentária à Câmara, pelo Poder Executivo, até 31 de Julho, e sua
promulgação automática, como lei, se o Poder Legislativo não o tiver
devolvido para sanção até 30 de novembro.
C)
Sistema de Fiscalização Financeira e suas Modificações
Declara-se que a fiscalização financeira e orçamentária da União será
exercida pelo Congresso Nacional, não exclusivamente pelo Tribunal de Contas,
mas através de controle externo (com o auxílio do Tribunal) e dos sistemas de
controle interno do Poder Executivo, instituídos em lei.
Quanto à organização do Tribunal de Contas, a inovação a destacar é
a que impõe a seus ministros os mesmos impedimentos prescritos para os
ministros do Tribunal Federal de Recursos, uma vez que já desfrutavam as mesmas
garantias, prerrogativas e vencimentos a esses atribuídos. Com o acréscimo, não
poderão mais os integrantes do Tribunal exercer, ainda que em disponibilidade,
qualquer outra função pública, salvo um cargo de magistério, tampouco
exercer atividade político-partidária.
D)
Inovações na Ordem Econômica
No que tange ao setor econômico, especificamente considerado, há três
inovações da mais alta significação a assinalar na Constituição de 1967:
-
A preferência dada às
empresas privadas para, com o estímulo e apoio do Estado, organizar e explorar
as atividades econômicas;
-
As medidas constantes
relacionadas com a reforma agrária (desapropriação de latifúndios mediante
pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública,
com cláusula de exata correção monetária e providências decorrentes);
- A intervenção federal nos Estados quando verificada a adoção, por qualquer deles, de medidas ou planos econômicos ou financeiros que contrariem as diretrizes estabelecidas pela União através de lei.
Na seção referente aos funcionários, a Constituição de 1967 é fértil em novidades, tendentes, várias delas, a não permitir distorções no chamado sistema de mérito, graças à prescrição do concurso, quase sem exceções, para o ingresso no serviço público civil As mais significativas mudanças são:
- Exigência de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, para efeito de nomeação, com duas únicas ressalvas: nomeação para cargos em comissão e admissão temporária de servidores para obras ou contratados para funções de natureza técnica ou especializada, casos em que, se aplica a legislação trabalhista;
- Proibição de vinculações ou equiparações de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal de serviço público;
- Permissão para que sejam acumulados dois cargos privativos de médico;
- Expressa declaração de que a proibição de acumular se estende a cargos, funções ou empregos em autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista;
- Permissão aos aposentados para acumular os proventos da aposentadoria com a remuneração de cargos eletivos e em comissão ou proveniente de contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados;
- Extinção da vitaliciedade atribuída pelas Constituições anteriores aos titulares de ofício de justiça e professores catedráticos
- Proibição de qualquer efetivação ou estabilidade, como funcionário, sem a prestação de concurso público;
- Aposentadoria voluntária aos 30 anos (em vez de 35) para as mulheres funcionárias;
- Afirmação de que os proventos da inatividade em caso nenhum poderão exceder a remuneração percebida na atividade;
- Extensão aos funcionários dos Poderes Legislativo e Judiciário, assim como aos dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, de todo o disposto na seção referente ao funcionalismo federal;
- Concessão de estabilidade aos servidores da União, dos Estados e dos Municípios, da administração centralizada ou autárquica que, à data da promulgação da Constituição, contém, pelo menos, cinco anos de serviço público.
Ordem Social
Merecem destaque as seguintes inovações relacionadas com os direitos trabalhistas:
- Integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e excepcionalmente na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos em vez de participação direta nos lucros, como previsto na Carta de 1946
- Obrigatoriedade do voto nas eleições sindicais;
- Proibição de greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.
Incursões na órbita
estadual
A nova Lei Magna, restringindo os termos clássicos em que costumava conceituar a Federação, promove repetidas incursões na área tida como intocável dos Estados-membros, com o fito, principalmente, de retirar-lhes algumas liberdades que viciosa e reiteradamente se transmudavam em liberalidades, quando não atingiam os limites da própria libertinagem.
Dentre outras, coloca-se em evidência as que se seguem:
- Intervenção federal nos Estados que deixam de entregar aos Municípios as quotas tributárias a eles destinados;
- Respeito, nas Constituições e leis estaduais, aos seguintes princípios estabelecidos na Constituição Federal: forma de investidura nos cargos eletivos; processo legislativo; elaboração orçamentária e fiscalização orçamentária e financeira, inclusive na aplicação dos recursos recebidos da União e atribuídos aos Municípios; normas relativas aos funcionários públicos; proibição de pagar a deputados estaduais mais de dois terços dos subsídios atribuídos aos deputados federais; emissão de títulos da dívida pública nos limites estabelecidos por lei federal;
Assuntos Municipais
De referência aos Municípios, vale destacar os seguintes preceitos inovadores:
- Fixação em lei complementar (federal) dos requisitos mínimos de população e renda pública e forma de consulta prévia às populações locais para a criação de novos municípios;
- Eleições municipais incoincidentes com as eleições gerais para Governador, Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativas;
- Nomeação pelo Governador, com prévia aprovação da Assembléia, dos Prefeitos das capitais e dos Municípios considerados estâncias hidrominerais em lei estadual, e bem assim, pelo Presidente da República, dos Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional por lei de iniciativa do Poder Executivo;
- Intervenção do Estado nos Municípios, quando a administração local não prestar contas a que esteja obrigada na forma da lei estadual;
- Fixação do número máximo de vereadores (21), guardada proporcionalidade com o eleitorado do município;
- Restrição à remuneração dos vereadores, com a regra de que somente os das capitais e dos Municípios de população superior a cem mil habitantes serão remunerados dentro dos limites e critérios fixados em lei complementar;
- Possibilidade de criação, mediante lei complementar, de regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade sócio-econômica, visando à realização de serviços de interesse comum.
Para concluir, mencionaremos as seguintes inovações:
- Institucionalização de leis complementares à Constituição, as quais, pelo artigo 53, se diferenciam das outras leis ordinárias pela exigência de maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso para sua aprovação;
- Novo conceito de segurança nacional, pela qual devem velar todas as pessoas naturais ou jurídicas, nos limites definidos em lei (artigo 89);
- Manutenção dos juízes federais restaurados pelo Ato Institucional nº 2;
- Localização em Pernambuco e São Paulo dos dois Tribunais Federais de Recursos, cuja criação poderá ser feita por lei complementar;
- Extinção do Conselho Nacional de Economia.
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Paulo
Gustavo Bastos de Souza - Estudante do 7º Semestre do curso de Direito da
Universidade Federal do Ceará