ANÁLISE DO ART. 45 DA LEI 8.213/91, EXTENSÃO DO ACRÉSCIMO AOS DEMAIS SEGURADOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Autor: Saulo Oliveira do Nascimento
A questão proposta a ser enfrentada está em torno da desigualdade trazida pelo art. 45 da lei 8.213 de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. O mencionado artigo concede um acréscimo de 25% ao valor de aposentadoria em favor do aposentado por invalidez que necessitar de assistência permanente de outra pessoa.
Vejamos o que dispõe o citado artigo:
Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).
Tal acréscimo é concedido APENAS para o segurado aposentado por invalidez que necessite de assistência permanente de terceiros.
Ou seja, os outros segurados, na atual conjuntura, não possuem o direito a este acréscimo, tais como os aposentados por tempo de contribuição, aposentados por idade, por aposentadoria especial, etc.
No entanto, o fato do acréscimo de 25% ser garantido apenas aos aposentados por invalidez, vai de encontro ao que preceitua o princípio da isonomia, perpetuado pela Constituição Federal de 1998.
Não há razão para somente os aposentados por invalidez terem direito a tal vantagem. Ora, o aposentado por idade, por exemplo, muitas vezes possui algumas doenças que o debilitam durante os anos e, conseqüentemente, necessitará do auxílio de terceiros e terá que desembolsar um valor para o pagamento dos serviços prestados por estes.
Os aposentados por idade, por tempo de contribuição, ou os segurados que recebem qualquer outro benefício previdenciário, estão sujeitos às dificuldades da vida, assim como os aposentados por invalidez. Qualquer um deles, antes ou após sua aposentadoria, pode necessitar de assistência permanente, principalmente com o passar do tempo, em que a idade avançada vai trazendo dificuldades da velhice.
Conforme explanado, o dispositivo é manifestamente contrário ao princípio da isonomia insculpido no caput do art. 5º da Carta Maior. Vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[...]
Sobre o princípio da isonomia/igualdade, o advogado Hélder Gonçalves Dias Rodrigues, citando o Juiz Edgard Antonio Lippmann Junior, em decisão proferida na apelação cível n.º 1998.04.01.030971-0/RS do TRF da 4ª Região, inserindo parênteses à decisão para adaptá-la à matéria ora abordada, assim ensinou:
a) DIREITO AO TRATAMENTO ISONÔMICO
O Eminente Juiz EDGARD ANTONIO LIPPMANN JUNIOR, mutatis mutandis, dispondo sobre o princípio da igualdade perante a lei, Magistralmente, Lecionou:
“A doutrina e a jurisprudência já firmaram entendimento no sentido de que o princípio da igualdade perante a lei, é um princípio dirigido ao legislador e ao julgador, exigindo que as normas jurídicas não contenham distinções que não sejam autorizadas pela própria Constituição Federal. Ao afirmar que todos são iguais perante a lei, a Constituição assegura a isonomia, mas tanto ela, como a lei infraconstitucional pode desigualar. É pacífico na doutrina a afirmação que o princípio da isonomia consiste em tratar igualmente os desiguais na medida em que se desigualam.
No caso que se apresenta para julgamento, o problema está em saber se os apelantes são iguais ou desiguais (...), sendo necessário investigar o fator de discriminação utilizado na norma e se há correlação entre esse elemento de discriminação e o efeito jurídico atribuído à norma. O problema da isonomia só pode ser resolvido a partir da consideração elemento discriminador x finalidade da norma.
Em análise aos documentos coletados aos autos verifico que fator de discriminação da norma contida no artigo (... 45 da Lei é dar benefício à pessoa inválida que necessitar da assistência permanente de outra pessoa...), e a finalidade da norma é beneficiar esses (... inválidos...) com uma pensão especial. A conclusão a que chego é que a norma constitucional ao excluir os (... segurados que recebem o Benefício Assistencial...), apresentou uma restrição casuística que visivelmente afronta o princípio da isonomia.
Não há dúvida que o nosso sistema não admite a adoção de normas singulares, individuais que visem restringir direitos. Segundo o constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional pg. 626), a lei restritiva inconstitucional é toda norma que imponha restrições aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou de várias pessoas determinadas, ou ainda, que imponha restrições a uma pessoa ou a um círculo de pessoas que, embora não determinadas, podem ser determináveis. No caso específico, os (... Aposentados inválidos e os beneficiários da Assistência Social Inválidos... ) requerem do legislador tratamento isonômico.”[1]
Não bastasse tal contrariedade, o artigo 45 da lei 8.213/91 infringe, também, os princípios da uniformidade e equivalência dos benefícios da seguridade social, também insculpidos na Carta Magna e no Art. 4º, II, Dec. 3.048/99:
CF/88
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
DECRETO 3.048 DE 1999
TÍTULO IV -
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Art. 4º A previdência social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
Sobre os supracitados princípios, Sérgio Pinto Martins aborda que:
Não deixa de ser o princípio da uniformidade um desdobramento do princípio da igualdade, no sentido da impossibilidade de serem estabelecidas distinções.
A uniformidade vai dizer respeitos aos aspectos objetivos, às contingências que irão ser cobertas. A equivalência vai tomar por base o aspecto pecuniário ou do atendimento dos serviços, que não serão necessariamente iguais, mas equivalentes, na medida do possível, dependendo do tempo de contribuição, coeficiente de cálculo, sexo, idade etc.
Menciona ainda o preceito constitucional que a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços são atinentes às populações urbanas e rurais. O conceito de população é mais amplo, valendo para todo o sistema de seguridade social (previdência social, assistência social e saúde), abrangendo por analogia o pescador e o garimpeiro.[2]
Conforme pudemos ver, os princípios da uniformidade e equivalência de dos benefícios são amplos, não havendo razão alguma para que o acréscimo estipulado no art. 45 da lei 8.213/91 não seja estendido a todos os segurados que venham a necessitar de assistência permanente.
Sob este entendimento, o Senador Paulo Paim propôs projeto de lei n.º 270 do Senado em 2004 (atualmente remetido à Câmara dos Deputados), o qual insere nova redação ao art. 45 da Lei nº 8.213 de 1991, incorporando como beneficiários do referido aumento, além dos aposentados por invalidez, já contemplados, também os aposentados por idade, por tempo de contribuição, ou ainda aqueles em regime de aposentadoria especial, desde que tenham sido acometidos de doença ou deficiência que lhes façam necessitar de auxilio permanente de outra pessoa.
Importante, neste momento, que seja transcrita a brilhante justificativa apresentada pelo Senador para a propositura do projeto de lei suprareferido:
“JUSTIFICAÇÃO
O art. 45 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social) dispõe que o valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25%.
Isso significa que a lei concede tal benefício apenas para aqueles que foram aposentados por invalidez, negando-o para aqueles que, após a aposentadoria, venham a contrair doença ou passem a ser portadores de deficiência física e, conseqüentemente, venham a necessitar, de fato, da mesma assistência.
Tal diferenciação é um contra-senso, além de contradizer um dos preceitos básicos da seguridade social: uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (art. 194, § único, II, da Constituição Federal). Ademais, torna-se ainda mais injusta quando se considera que os aposentados por idade e por tempo de contribuição (inclusive os que têm aposentadoria especial) contribuem igualmente para o custeio da Previdência Social.
Há que se atentar, entretanto, para o caso específico do segurado especial (distinto daquele que tem aposentadoria especial, ou seja, concedida com menor tempo de contribuição por razões vinculadas à insalubridade e a outras condições correlatas). Neste caso, a aposentadoria por idade ou invalidez, restrita ao valor de um salário mínimo, é subsidiada, na medida em que é concedida apenas com a comprovação do exercício de atividade rural por determinado período de tempo. Ou seja, não há, necessariamente, contribuição para o custeio do sistema previdenciário, razão pela qual tal segurado não tem, como os demais, direito a outros benefícios previdenciários. Desse modo, também não cabe estender para ele a complementação de 25% sobre o valor de sua aposentadoria.
Do exposto, fica evidente a necessidade de corrigir a injustiça que vem sendo impetrada contra os aposentados por idade, por tempo de contribuição e contra aqueles a quem foi concedida aposentadoria especial, quando esses ficam doentes ou passam a ser portadores de deficiência física que os impedem de sobreviver sem a assistência permanente de outra pessoa.
A presente proposição cumpre tal papel, ou seja, corrige essa injustiça. Ela permite a complementação de 25% no valor da aposentadoria para todos os aposentados (exceto para o aposentado especial) que, por razões decorrentes de doença ou deficiência física, necessitem permanentemente de ajuda externa.
Em vista dessas considerações, creio estar evidente o elevado alcance social do projeto de lei, razão pela qual solicito o apoio dos nobres parlamentares.”
Diante de todo o discorrido, percebe-se o tratamento desigual que o art. 45 da lei 8.213/91 dispensa aos beneficiários da Previdência Social, privilegiando o aposentado por invalidez com um acréscimo de 25% na sua aposentadoria, deixando de estender tal benefício aos demais segurados.
O tratamento desigual estabelecido pelo legislador traz, da mesma forma, a inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana. O desrespeito, a não observância da isonomia entre as pessoas, a injustiça perpetuada pela lei, o tratamento não igualitário, em nada condiz com o referido princípio fundamental sobre o qual está fundado o Estado Democrático de Direito.
Neste passo, Alexandre de Moraes ensina que a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo a concepção ao respeito pelas pessoas constituintes de uma sociedade.[3]
Portanto, frente a todos os argumentos acima expostos, o acréscimo de 25% em comento deve ser estendido a todos os segurados da previdência social, sob pena de violação aos princípios da isonomia/igualdade, da uniformidade e equivalência dos benefícios e da dignidade da pessoa humana, todos assegurados pela Constituição Federal de 1998.
NOTAS
[1] Rodrigues, Hélder Gonçalves Dias. Artigo: Acréscimo de 25% Sobre o Benefício das Pessoas Que Necessitam de Auxílio de Terceiros. Publicado em 17 de agosto do ano de 2004, no site: www.rodrigues.adv.br/artigos/aposentadoria_por_invalidez_acrescmo.doc
[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 53-54
[3] Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. Ed. Atlas – 2003. 2ª Ed. p.128.