ABSOLVIÇÃO POR NÃO EXISTIR PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO E A SUA AMPLA REPERCUSSÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 386, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DE PARTE DO ARTIGO 126, DA LEI Nº 8.112/90 -(Regime Jurídico Único do Servidor Público Federal).
MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS, ADVOGADO no Rio de Janeiro- RJ-Brasil; Autor dos Livros (dentre outros): “O Contrato Administrativo”. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002; “O Limite da Improbidade Administrativa: – O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92”. 2. ed., revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005; “Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada : Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União” 2. ed., revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005; Vice Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP; Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Membro do IFA – International Fiscal Association; Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Co-Coordenador da Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divulgação Oficial do IADP); Colaborador permanente de diversas “Revistas de Direito” Brasileiras e Estrangeiras, com artigos doutrinários jurídicos bem como, de “Revistas Eletrônicas de Direito” no Brasil e Exterior; Colaborador de Jornais de grande circulação Brasileiros; Parecerista; Conferencista/Palestrante.
SUMÁRIO: I.- CONSIDERAÇÕES INICIAIS. II. – DA ABSOLVIÇÃO POR NÃO EXISTIR PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS. III. – DA VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA COISA JULGADA –INCONSTITUCIONALIDADE DE PARTE DO ARTIGO 126, DA LEI Nº 8.112/90. IV. – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO VI, DO ARTIGO 386, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. V.- DA BUSCA DA VERDADE E DA CERTEZA – DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA. VI. – CONCLUSÃO.
Quando o servidor público passa a ser objeto de investigação criminal ou administrativa é costumeiro e habitual em relação à sua pessoa que ocorra a “inversão” de todos os princípios, subprincípios, regras, direitos e garantias fundamentais constitucionais. Tal prática ocorre ainda hoje haja vista o preconceito subjacente existente em alto grau em nosso Estado Democrático de Direito. Esta realidade plausível e explícita se sustenta, com base nos costumes e na praxis. Passa o referido servidor a ser tido como “persona non grata”, inclusive e principalmente em seu ambiente social e de trabalho (se deste não for afastado), configurando explicitamente casos de punição antecipada.
Contudo a referida prática viola gravemente e injustamente os mais comezinhos princípios fundamentais constitucionais, processuais penais e principalmente as “liberdades civis individuais” do servidor público. Nesse sentido aduz Roscoe Pound:[1] “Em obra recente sobre a Corte Suprema, o falecido Ministro Jackson diz-nos que na Grã-Bretanha “observar as liberdades civis é boa política e transgredir os direitos dos indivíduos ou da minoria é má política”. Acrescenta ainda: “Não posso dizer que nos Estados Unidos assim seja”. Daí conclui que a Corte Suprema precisa dispor do apoio de opinião pública vigorosa e esclarecida se quiser preservar as liberdades civis. [...] Qualquer infração considerável dos direitos garantidos do indivíduo ou da minoria parece importar em muito mais do que repelir um pronunciamento de ética política em instrumento político. Importa em desafio à lei fundamental, em anulação da lei estabelecida sobre a qual repousa a manutenção da segurança geral.”
Como dito anteriormente, existe em nosso País o preconceito subjacente com a inversão de princípios e preceitos contidos no nosso ordenamento jurídico justamente por parte de quem deveria ser isento deste tipo de conduta, tais como as Autoridades dos Três Poderes, o cidadão comum e a imprensa escrita e falada. Apesar de nossa Lei Fundamental prever o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5o, LVII), da necessidade do órgão acusador provar que o servidor público investigado/acusado é responsável pela prática do fato ilícito que lhe é imputado (CPP, art. 156, primeira parte) –“a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”-, do princípio do contraditório e da ampla defesa esta como decorrente do “due process of law” (CF, art. 50, LV) e do grandioso e absoluto princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), os mesmos são totalmente desrespeitados. Tem-se presenciado Comissões Disciplinares utilizarem de suas prerrogativas para devassar os atos, inclusive financeiro-econômicos de pessoas inocentes, no afã de encontrar um elemento de convicção para dar suporte à uma futura punição. Quando não é encontrado nenhum indício de irregularidade disciplinar contra o servidor público investigado, a Comissão exige que ele prove a inocência do que lhe é imputado pela investigação, mesmo sem ter uma acusação formal contra o referido servidor sendo que este, por consegüinte desconhece do que está sendo acusado. Violam-se assim suas garantias e direitos fundamentais constitucionais e suas liberdades civis, em atitude e formação cultural despótica, absolutista, arbitrária, autoritária, antidemocrática e inconstitucional.
Este sistema de apuração e de julgamento na instância administrativa não é o mais recomendável, pela ausência de uma técnica jurídica específica e pela não observância do procedimento legal previsto para tal fim, sem cumprimento rigoroso do disposto na Lei Fundamental e infraconstitucional que regulam a matéria.
Assim, quando se investiga um mesmo fato ilícito na esfera administrativa disciplinar e na penal, apesar delas serem independentes e autônomas, deverá o julgamento do Poder Judiciário repercutir na outra instância, quer pela supremacia da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), quer pelo princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), pouco importando se a absolvição do servidor público ocorrer por reconhecimento na sentença pela inexistência do fato, ou da autoria, por não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (CPP, art. 386, IV) e até mesmo por não existir prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, VI).
Este reflexo da decisão penal no processo administrativo disciplinar é uma conseqüência lógica da paz social e da segurança jurídica, subprincípio constitucional, visto que não é coerente e nem jurídico que o título judicial prolatado na esfera criminal não tenha os seus efeitos reconhecidos na esfera administrativa disciplinar máxime quando o ilícito investigado e julgado é o mesmo ocorrido na esfera administrativa.
O legislador infraconstitucional reconhece a supremacia do Direito Penal sobre o Direito Administrativo Disciplinar quando o ilícito penal investigado é o mesmo para fins de prescrição da pretensão punitiva, regulando-se a mesma pela legislação penal, além de estabelecer que será afastada a responsabilidade administrativa do servidor público no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou da autoria, consoante se depreende do disposto no art. 126, da Lei nº 8.112/90 e nos demais Estatutos dos Servidores Públicos Estaduais e Municipais.
Contudo para fins de absolvição do servidor público quando esta ocorrer com fundamento na inexistência de prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, VI), o reflexo penal na instância administrativa disciplinar não surte efeitos jurídicos abstraindo-se a eficácia da absolvição criminal para permitir que o procedimento administrativo disciplinar condene o servidor público pelo mesmo fato, emitindo um juízo de valor contrário ao do título declaratório judicial penal.
Esta grave e inconcebível inconstitucionalidade vem se tornando uma praxe na Administração Pública pois, pela premissa da independência das instâncias é desconsiderada a carga declaratória do título judicial penal, como se fosse lícito e jurídico tal desapreço, desconsideração e descaso aos efeitos da coisa julgada material,[2] quando a absolvição se dá por falta/inexistência de prova.
O princípio é o mesmo quando o Poder Judiciário anula demissões ou outras sanções administrativas, prevalecendo o respeito absoluto à coisa julgada material prevista em nosso ordenamento jurídico. A decisão contida no título declaratório, após o trânsito em julgado possui eficácia e imutabilidade, não sendo discutida e questionada, simplesmente ocorrendo o seu cumprimento pela Administração Pública.
Desta forma, é inadmissível juridicamente e vilipendia nosso ordenamento jurídico o fato de prevalecer a aplicação de uma sanção disciplinar ao servidor público, pela prática de um ilícito disciplinar no âmbito Administrativo se ele é absolvido criminalmente, por não existir prova suficiente para a sua condenação. Ora, se o ilícito investigado e julgado é o mesmo e o acusado se presume inocente, até que haja transitado em julgado a sentença penal condenatória, não há como sustentar e fundamentar a sua responsabilidade na instância administrativa disciplinar face a absolvição pelo Estado-Juiz, pouco importando as hipóteses utilizadas para fundamentar tal decreto de improcedência da denúncia (CPP, art. 386, I “usque” VI).
Isto porque o ius puniendi que pertence ao Estado diante da prática de um ilícito penal transforma-se de abstrato em concreto, surgindo desta feita a pretensão punitiva do Estado que de acordo com Fenech significa:[3] “De todo lo dicho, y ampliando el concepto anteriormente dado, podemos concluir que entendemos por pretensión punitiva el acto procesal consistente en una declaración de voluntad, fundada em los hechos objeto del proceso, em virtud de la cual se solicita la actuación de titular penal del órgano jurisdiccional, em relación com alguna de las funciones atribuídas a éste, frente a otra persona, invocando la conformidad de lo pedido con lo dispuesto en el derecho objetivo, para lograr la garantía de la observancia de uma norma positiva que se afirma infringida em um caso concreto.” Deste modo, o ius puniendi pertencente ao Estado encontra o seu limite na sentença penal prolatada pelo Estado-Juiz e após o trânsito em julgado material projeta-se sobre todo o ordenamento jurídico.
Se a sentença declara a absolvição do servidor público, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado e o ilícito investigado é o mesmo, não haverá resíduo tanto na esfera criminal como na administrativa na disciplinar, eis que é característica da coisa julgada material consagrar “princípio fundamental destinado a resguardar a incolumidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas.”[4]
Nesse particular, deixamos consignado: “Assim, uma vez decidido pelo juízo criminal de que não houve crime contra a Administração Pública, e não havendo resíduo que justifique a punição administrativa, prevalece a decisão judicial, mesmo porque cabe ao Poder Judiciário resolver a existência de crime. Ademais, como instância revisora dos atos extrajudiciais, cuja decisão final prevalece como versão definitiva dos fatos, o Poder Judiciário é o único garantidor dos direitos das pessoas, de modo a pacificar litígios. Não há nisso violação ao princípio da independência das instâncias.”[5]
O presente tema é relevante, extremamente complexo, polêmico e deve merecer profunda reflexão de todos os operadores do Direito, principalmente os Administrativistas e Penalistas pois está em discussão um dos maiores patrimônios do servidor público que é o da sua segurança da relação jurídica com o Poder Público.
Não é concebível que o servidor público inocentado na esfera penal possa sofrer uma sanção, pelos mesmos fatos, na esfera administrativa disciplinar. Isto é totalmente inconstitucional e inadmissível, visto que a persecução criminal do Estado encontra na sentença penal o seu limite. Deste modo, quando o ilícito for o mesmo e tiver também uma previsão penal, a sentença de absolvição tem o poder de definir a situação jurídica levada a apreciação do Magistrado, radiando seus efeitos para todo o sistema jurídico.
O processo penal estabelece uma “paz jurídica colocada em crise pelo crime ou apenas pela suspeita da prática do crime enquanto uma das suas finalidades, manifesta uma preocupação de segurança jurídica, que passa não apenas por condenar os culpados, mas também por absolver os inocentes.”[6]
Nesse sentido, como a prova[7] possui a força de estabelecer a verdade de um fato, a sua inexistência ou falta, acarreta no âmbito sancionatório, a absolvição do acusado, inclusive em face da incidência da presunção de que todos são inocentes até que se prove ao contrário.
Sendo certo, que a repercussão da sentença criminal[8] para os demais ramos do direito é uma conseqüência lógica da unidade do sistema jurídico, criado para estabelecer a devida segurança jurídica para toda a sociedade. A falta de prova –e ou insuficiência desta- não é fundamento para a condenação criminal, não podendo subsistir outra conclusão no processo administrativo disciplinar, visto que nesta última esfera ela não é independente daquela quando se trata de apuração/investigação e imposição de sanção sobre um mesmo fato ilícito.
O Direito Penal intervém em todos os ramos do Direito quando se trata da ilicitude criminal para estabelecer a paz jurídica para toda a comunidade, passando a constituir, segundo Jorge de Figueiredo Dias, como “o cordão umbilical que liga o direito administrativo ao direito penal”.[9]
Depende, portanto, o direito administrativo (normas primárias) das normas secundárias (direito penal) que são estabelecidas para “conferir protecção e efetividade às normas primárias, assegurando o seu cumprimento através de sanções de espécie particular.”[10] Apesar de todo ilícito ofender um bem juridicamente tutelado pelo Estado, quando envolve a esfera penal, a absolvição do denunciado faz desaparecer a imputação que lhe foi feita pelo representante do Órgão do Ministério Público, qual seja, a prática de um fato típico e antijurídico, pois o Juiz forma sua livre convicção após a ampla análise do conjunto probatório (CPP, art. 157). Se a prova para a condenação inexiste ou é insuficiente, ela também o será na instância administrativa disciplinar quando se tratar de um mesmo ilícito penal, pois o reflexo da primeira sobre a segunda é a conseqüência lógica da instância judicial sobre a administrativa (extrajudicial).
Pensar de modo diverso é negar peremptoriamente os efeitos materiais da carga declaratória do título judicial penal que ao não reconhecer a existência da prática de um ilícito, retira a certeza plena de uma punição administrativa disciplinar sobre a mesma situação jurídica que foi decidida pelo Poder Judiciário, além de ser vilipendiado o princípio constitucional da presunção de inocência que somente será ultrapassado se houver sentença criminal condenatória transitada em julgado.
Desse modo, a doutrina como a jurisprudência devem refletir sobre a hipótese jurídica aqui analisada, para estabelecer a devida e necessária segurança jurídica para todos os servidores públicos que são acusados da prática de um ilícito e respondem concomitantemente a processo penal e a processo administrativo disciplinar, com base no mesmo fato delituoso.
II. – DA ABSOLVIÇÃO POR NÃO EXISTIR PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
O ius puniendi do Estado não é concretizado de forma irresponsável, tendo em vista que a época do processo inquisitório já se encerrou em nossa história e na atualidade vivemos em um Estado Democrático de Direito,[11] com amplas garantias processuais, tornando-se aquele (só que hoje acusatório) um instrumento ético da busca da verdade real de um determinado fato.
É garantido tanto ao Estado-Administração como ao servidor público acusado a possibilidade de produzirem provas lícitas, dentro de um procedimento, capazes de demonstrarem certeza absoluta do que se alega.
Como fonte objetiva da verdade, a prova é necessária para demonstrar a existência ou a inexistência da veracidade da acusação e dirige-se ao juiz para formar o seu convencimento, a sua convicção.
Por esta razão é que o processo penal tem que reunir em seu bojo, ser instruído, com prova suficiente e confiável para abstrair-se do conjunto probatório a certeza da prática de um ilícito penal. Do contrário, havendo dúvida quanto ao fato jurídico denunciado, deve o julgador absolver o acusado.
Nesse sentido, o artigo 157, do Código de Processo Penal dispõe que o “juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”.[12]
Vige no processo penal o princípio do livre convencimento motivado, ou o descobrimento da verdade real como fundamento da sentença, –sistema da livre investigação de provas- segundo o qual a prova é a responsável pelo estágio psicológico do julgador. Sendo que a falta ou a inexistência da prova retira a certeza do delito cuja prática foi imputada ao servidor público, faltando fundamento para a condenação.
Não devendo olvidar-se do princípio do “favor rei” significando que ocorrendo conflito entre o jus puniendi do Estado e o jus libertatis do denunciado deve haver favorecimento deste último ou seja, na dúvida, deve sempre prevalecer e imperar o interesse do mesmo (in dubio pro reo).
No âmbito do processo civil, a maioria das vezes o Juiz pode satisfazer-se com a verdade formal -(direitos disponíveis)-. “No processo penal, porém, o fenômeno é inverso: só excepcionalmente o juiz penal se curva à verdade formal, quando não disponha de meios para assegurar a verdade real (CPP, art. 386, inc. VI).[13] -(itálico no original)-
Assim, após apreciar e analisar livremente a prova, não pode o juiz ficar recalcitrante em absolver o réu se presentes uma das hipóteses estabelecidas nos incisos do art. 386, do CPP.[14]
Somente a prova robusta e certeira, sem qualquer resquício de dúvida é capaz de fundamentar uma condenação com privação de liberdade ou de direitos. Do contrário, a falta de evidência, não materializada pela solidez da prova, retira a faculdade de punição, pois não se condena em dúvida ou na falta de certeza.[15]
Cabe ao Representante do Órgão do Ministério Público (Estadual ou Federal) estabelecer a certeza da responsabilidade do acusado, através do desenvolvimento do conjunto probatório, no decorrer da instrução processual, capaz de revelar e provar a prática de um determinado fato típico e ilícito.
Sobre a dinâmica da palavra prova, Pietro Castro[16] aduz: “la prueba es la actividad que desarrollan al juez a la convicción de la verdad de una afirmación o para fijarla a los efectos del proceso. Con el término prueba se indica también el medio que sirve para probar, el recebimiento del mismo y el resultado de la prueba.”
De sua parte, Francesco Carnelluti[17] ensina: “la palabra prueba, como tantas del lenguaje jurídico, no tiene un solo significado; se llama prueba no sólo al objeto que sierve para el conocimiento de un hecho sino también el conocimiento que este hecho proporciona.”
Estas concepções sobre o significado da palavra prova foram reconhecidas por Eisner,[18] quando ele diz que “la palabra prueba se usa en múltiples sentidos: tanto indica el medio por el cual se intenta demostrar, como el procedimiento para probar, cuanto el resultado de lo que se haya probado.”
As definições tradicionais históricas de prova podem ser sintetizadas por Jeremy Bentham,[19] como: “En el sentido más lato que pueda darse a esa palavra, se entiende por prueba un hecho que se da por supuesto como verdadero, y se considera como debiendo servir de motivo de credibilidad acerca de la existencia de otro hecho.”
Demolombe,[20] manifesta que “la palabra prueba, en su acepción general, significa la demonstración de la verdad de un hecho.”
Ainda na esfera das definições históricas, Bonnier[21] aduziu: “Las pruebas son los diversos medios por los cuales llega la inteligencia al descubrimiento de la verdad.”
Por fim, Manresa y Navarro[22] recorda que esta acepção estabelece que “probar el hecho es averiguar su certeza y realidad, es demonstrar la existencia de ciertos actos humanos o de acontecimientos naturales, de los cuales se derivan los derechos y obligaciones que se ventilan en el juicio.”
Encerrando-se o ciclo das definições jurídicas tradicionais da escola histórica, se observa que os autores modernos atribuem outra orientação ao tema, voltada à efetividade da prova na relação processual, como se verifica no posicionamento do Jurista espanhol Jaime Guasp:[23] “Las simples alegaciones procesales no bastan para proporcionar al órgano jurisdicional el instrumiento que éste necessita para la emissión de su falha. El juez, al sentenciar, tiene que contar con datos lógicos que le inspiren el sentido de su demisión, pero no con cualquier clase de datos de este caráter, sino sólo con aquellos que sean o, por lo menos, le parezcan convincentes, respecto a exactitud y certeza. Tiene que haber, pues, una actividad complementaria de la puramente alegatoria, dirigida a proporcionar tal conocimiento, actividad que, junto con la anterior, integra la instrucción del proceso, se denomina prueba.”
Eduardo Couture[24] também adere ao mesmo sentido de prova definido anteriormente por Guasp.
Na esfera penal, a matéria probatória assume uma grande relevância, pois o Direito Penal e o Direito Processual Penal possuem instrumentos drásticos para o cidadão que viola a norma penal –dentre outros- uma função imputativa e a previsão de uma sanção como conseqüência da referida violação.
Esta função de retribuição ao autor de um delito, através da aplicação da sanção penal imposta pelo Estado, tendo como um dos objetivos dar exemplo para a sociedade a fim de que o cidadão evite a prática de novos delitos, é drástica e pode chegar a acarretar a privação de liberdade do réu por um longo período de tempo, para que o ato criminoso praticado não fique impune.
Desta forma, o mínimo que se exige do Estado é a produção de uma robusta e sólida prova do ilícito -em tese- praticado pelo servidor público, devendo a mesma ser produzida à quem cabe a acusação ou seja, o representante do Órgão do Ministério Público (Estadual ou Federal) -(“dominus litis”)-, no decorrer da instrução processual, bem como a responsabilidade e a prudência de provar os fatos descritos na Denúncia (já que a ofereceu).
Nesse sentido, em seu “Tratado da Prova em Matéria Criminal”, C. J. A. Mittermaier[25] estabeleceu a seguinte síntese: “Os motivos que guiam o legislador ao traçar as regras da prova, são os mesmos motivos gerais que presidem a toda a organização do processo criminal. São: 1º, o interesse de todo o culpado; 2º, a proteção devida às liberdades individuais e civis, que por efeito do processo criminal podem ser gravemente comprometidas; 3ª, por último e como conseqüência, a necessidade de nunca castigar a um inocente.”
Por seu turno, o Jurista italiano Paolo Tonini[26] discorrendo sobre a prova faz o seguinte silogismo judiciário que precede à sentença: “As questões referentes à matéria da prova penal são compreendidas com mais facilidade se levarmos em consideração que a finalidade a que as provas são destinadas é a de viabilizar a decisão sobre a responsabilidade penal do acusado.”
De forma simples e objetiva, Cafferata Nores,[27] estabelece a seguinte função da prova em matéria criminal: “La prueba es el medio más confiable para descubrir la verdad real y, a la vez, la mayor garantia contra la arbitrariedad de las decisiones judiciales. La búsqueda de la verdad sobre los hechos contenidos en la hipótesi acusatoria (el llamado ‘fin inmediato del proceso’) debe desarrollarse tendiendo a la reconstrucción de aquéllos. La prueba es el medio más seguro de lograr esa reconstrucción de modo comprobable y demonstrable, pues la inducirá de los rastros o huellas que los hechos pudieron haber dejado en cosas o personas, o de los resultados de experimentaciones o de inferencias sobre aquéllos. Además, conforme al sistema jurídico vigente, en las resoluciones judiciales sólo se podrá admitir como ocurridos los hechos o circunstancias que hayan sido acreditados mediante pruebas objetivas, lo cual impide que aquéllas sean fundadas en elementos puramente subjetivos.” –(aspas no original)-
No entendimento de Julio Fabbrini Mirabete:[29] “Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa, é necessário que adquira a certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidades dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova. Nesse sentido, ela se constitui em atividade probatória, isto é, no conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz para averiguar a verdade e formar a convicção deste último. Atendendo-se ao resultado obtido, ou ao menos tentado, provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.”
-(negrito e aspas no original)-
Para César Dario Mariano da Silva:[30] “Sem dúvida nenhuma, a prova é o âmago do processo. É através dela que as partes tentarão demonstrar em Juízo a ocorrência de um fato e, excepcionalmente, o direito, [...]. Enquanto a prova do fato é dirigida à percepção do Juiz, com o intuito de formar a sua convicção, a prova do direito encaminha-se à inteligência do julgador, visando a aplicação do direito correspondente.”
Para encerrar o presente ciclo de definições do conceito de prova, cita-se a posição de Paulo Rangel:[31] “... podemos conceituar prova como sendo o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa.”
Portanto, somente através da prova, produzida livremente e lícitamente no processo penal é que o Magistrado formará a sua convicção sobre a pretensão punitiva deduzida em Juízo ou seja, se a mesma é procedente ou improcedente sendo certo que nesta última hipótese, o réu será inocentado da prática do delito descrito na denúncia, o qual lhe foi imputado.
Essa determinação do Magistrado, de colher a prova para estabelecer a sua convicção pode ser resumida em três sistemas:[32] o da convicção íntima; o da prova legal e o da persuasão racional.
Sendo assim, a prova tem que ser suficiente, robusta e sólida para demonstrar a plausibilidade da tese defendida pelo representante do Órgão do Ministério Público Estadual e ou Federal, do contrário, in dubio pro reo, pois não se admite uma condenação baseada em indícios. Ou, o Magistrado possui a certeza, através das provas produzidas no decorrer da instrução processual, que o réu é culpado, ou do contrário, ele é obrigado a absolver o mesmo.
O que ocorre com certa freqüência é quando um servidor público é acusado de um ilícito penal, e por consegüinte é processado criminalmente e quando chega o momento da prolação de sentença, na sua fundamentação, o juiz afasta a autoria ou nega o fato, mas quando ele adentra na parte dispositiva, quase sempre, reconhece a ausência de prova suficiente para a condenação como fator preponderante do seu decisum, grafando o disposto no artigo 386, inc. VI, do CPP, como fundamento da decisão.
Ora, inexistindo a prova suficiente para a condenação criminal, onde o rigor jurídico é extremamente elevado do que o estabelecido em uma Comissão Disciplinar e sendo o mesmo ilícito objeto de investigação, resulta como lógico e óbvio que a prova deve ser insuficiente também na esfera disciplinar, para fins de condenação e conseqüente aplicação de sanção administrativa disciplinar.
Apesar de ser lógico tal raciocínio, a prática tem demonstrado uma realidade totalmente diferente, pois em nome de uma independência de instâncias, a falta/insuficiência de prova criminal para uma condenação penal não é acolhida no processo administrativo disciplinar e mesmo o réu (servidor público) sendo absolvido do crime que lhe foi imputado, ele poderá perder o seu vínculo público, sendo demitido, com base no mesmo ilícito penal, desta feita pelo julgamento do processo administrativo disciplinar.
Assim, tem-se a seguinte incoerência, que é a consistente no fato de que a absolvição penal não surte efeitos jurídicos na instância disciplinar quando na parte dispositiva do julgado o Juiz fundamenta a sua decisão no disposto nos incisos IV ou VI, do artigo 386, do CPP.
Isto porque, o art. 126, da Lei nº 8.112/90, bem como os Estatutos de servidores públicos estaduais e municipais somente permitem o reflexo da instância penal absolutória quando o título judicial afasta o fato ou a autoria. Simplesmente, pela atual sistemática infraconstitucional são desprezados os efeitos da coisa julgada material e da presunção de inocência do servidor público absolvido por falta/inexistência de provas. Esta inconstitucionalidade é flagrante e vem ocorrendo com freqüência, inclusive com o apoio da jurisprudência. É necessário uma melhor reflexão sobre o tema, sob pena do réu inocentado através de sentença penal ter os efeitos da coisa julgada alterada, tendo em vista que a falta/inexistência de provas de um ilícito criminal tem como uma das conseqüências mantê-lo primário, se não houver outra condenação.
Assim, a primariedade do réu absolvido por falta/inexistência de provas não pode sofrer prejuízo na instância extrajudicial, visto que ela será sempre dependente do que for decidido judicialmente.
III. – DA VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA COISA JULGADA –
INCONSTITUCIONALIDADE DE PARTE DO ARTIGO 126, DA LEI Nº 8.112/90
O art. 126, da Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico Único do Servidor Público Federal) estabelece que a responsabilidade administrativa do servidor público será afastada na hipótese apenas de absolvição criminal que negue a existência do fato ou de sua autoria, deixando de admitir a absolvição por não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (CPP, art. 386, IV) e por não existir prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, VI).
Tal situação se afigura como inconstitucional e violadora de preceitos infraconstitucionais constitucionalizados, pois o inciso LVII, do art. 5º, da CF é claro em estabelecer que: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Funciona a presunção de inocência como um dos direitos mais fundamentais para a sociedade e para o cidadão em específico, sendo que ela nasceu dos ideais da Revolução Francesa (1789-1799) como uma forma de acabar com o processo penal inquisitivo do Antigo Regime, que passou a ser acusatório.
Os princípios informadores da presunção de inocência também desde suas origens estão presentes na Constituição não escrita dos ingleses e se traduzem na garantia de certeza para um veredicto condenatório: beyond any reasonable doudt.
E pela Emenda V, da Constituição dos Estados Unidos da América, se reconheceu o direito a todo cidadão ao due process of law, que segundo interpretação da Suprema Corte daquele país, pressupõe a presunção de inocência, verbis: “Nadie puede ser condenado si la acusación no há probado su culpabilidad más allá de cualquier duda razonable”.
Estas influências, foram suficientes para que o art. 9º, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se positivasse, de uma vez por todas, preconizando pela necessidade de se estabelecer a presunção de inocência nos seguintes termos: “Tout homme étant présumé innocent jusqu’à ce qu’il ait été déclaré coupable [...].”[33]
A referida Declaração resulta de um triunfo das lições de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, (dentre outros) que havia afirmado em sua obra publicada em 1764, “Dei Delitti e delle Pene”, a necessidade de se conferir aos acusados direitos e garantias.
Quanto à presunção de inocência, erigida a preceito fundamental do cidadão, assinala Beccaria:[34] “A um homem não se pode chamar culpado antes da sentença do juiz, nem a sociedade pode negar-lhe a sua protecção pública, senão quando se decidir que violou os pactos com os quais se outorgou. Qual é, pois, o direito, senão o da força que dá potestas ao juiz para impor uma pena a um cidadão enquanto há dúvidas se é réu ou inocente? Não é novo esse dilema: ou o crime é certo ou incerto. Se certo, não convém que se lhe aplique outra pena diferente daquelas que se encontram previstas na lei, e é inútil a tortura porque inútil a confissão do réu; se é incerto, não se deve atormentar um inocente, pois ele é, segundo a lei, um homem cujos direitos não estão provados.”
Depois da Segunda Grande Guerra Mundial, se produziu na Europa a constitucionalização dos direitos fundamentais da pessoa humana e a tutela de garantias mínimas que deve guarnecer todo o processo judicial.
Tendo a nossa Constituição Federal positivado o princípio sub oculis todo o ordenamento infraconstitucional, aí incluído não só o Direito Penal, o Direito Processual Penal como o Direito Administrativo, estão obrigados “a absorver regras que permitam encontrar um equilíbrio saudável entre o interesse punitivo estatal e o direito de liberdade”,[35] dando plena ênfase a sua aplicabilidade.
Funciona, portanto, o princípio da presunção de inocência como um elemento essencial em todo ordenamento jurídico,[36] aí incluído o Direito Administrativo.
Desta maneira, como o estado de inocência gera presunção juris tantum, após o título judicial que absolve o acusado, inclusive pela falta/insuficiência de prova, a aludida presunção se torna um dogma, assumindo a posição de certeza (juris et de jure).
Adquirindo a certeza da inocência pelo título judicial penal, não vemos como ele poderá ser alterado na instância administrativa disciplinar. A redação de parte do art. 126, da Lei nº 8.112/90 é inconstitucional por limitar o princípio da presunção de inocência no âmbito administrativo e deixar de fora do seu raio de ação a absolvição por falta/insuficiência/inexistência de provas. A absolvição, independente da parte dispositiva da sentença penal, gera o reflexo imediato e positivo para a sociedade de que o réu não era culpado da imputação que lhe fora feita pelo representante do Ministério Público Estadual e ou Federal.
Em abono ao que foi dito, Miguel Angel Montañés Pardo,[37] se baseando em decisões do Supremo Tribunal Constitucional da Espanha, ensina: “La extensión del derecho a la presunción de inocencia al âmbito administrativo sancionador garantiza ‘el derecho a no sufrir sanción que no tenga fundamento en una previa actividad probatória sobre la cual el órgano competente pueda fundamentar un juicio razonable de culpabilidad’ (STC 212/1990), dado que toda resolución sancionadora ‘requiere a la par certeza de los hechos imputados, obtenidas mediante pruebas de cargo, y certeza del juicio de culpabilidad sobre los mismos hechos, de manera que el artículo 24.2 CE rechaza tanto la responsabilidad presunta y objetiva como la inversión de la carga de la prueba en relación con el presupuesto fáctico de la sanción’ (STC 76/1990, antes citada).” –(aspas no original)-
No mesmo sentido, Jorge de Figueiredo Dias[38] preconiza a inconstitucionalidade material de toda lei ordinária que viole as garantias de defesa do acusado, bem como da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença criminal: “As duas normas constitucionais mais importantes neste domínio, são o art. 32,1, proclamando que ‘o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa’, e o art. 32,2, segundo o qual ‘todo o argüido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença de condenação.’ Daqui resulta que toda a lei ordinária que afete o ‘conteúdo essencial’ (art. 18, 2) destas garantias padeça de inconstitucionalidade material.” -(aspas no original)-
Na mesma direção, seguiu a decisão do HC nº 29.588/SP,[39] sob a relatoria do Min. Paulo Medina: “...O princípio da presunção de inocência constitui garantia individual de porte constitucional, que não pode ser destruído por mera presunção de culpa, sob pena de configurar punição antecipada, vedada pelo ordenamento jurídico vigente [...].”
Não resta dúvida que o reflexo da decisão penal no Direito Administrativo sancionador é uma conseqüência da subordinação dos atos administrativos ao resultado produzido na via judicial, quando os fatos jurídicos forem os mesmos e previstos como ilícitos penais.
A responsabilidade disciplinar do servidor público pode ser oriunda de uma violação de normas estabelecidas tanto no Direito Administrativo, como no Direito Penal. Esta violação de deveres funcionais estabelece a infração disciplinar, que como visto, pode gerar múltiplas incidências (disciplinares e penais). Constituindo-se na violação de um ou mais deveres, a cujo cumprimento o servidor público se encontra vinculado, a infração disciplinar é formal, decorrente de uma ação ou de uma omissão ocasionada em razão da função exercida.
Quando se tratar de um ilícito previsto como crime, a ordem jurídica une o Direito Administrativo ao Direito Penal para que uma mesma ilicitude, com reflexos nas duas instâncias, seja decidida pelo Poder Judiciário, afim de estabelecer a devida segurança jurídica e a paz social.
Esta solução decorre do caráter subsidiário do Direito Penal, que, de acordo com a unidade da ordem jurídica (unidade de ilícitos criminais e administrativos), submete-se a um único Regime Jurídico Constitucional.
Segundo este entendimento, um simples ato administrativo pode funcionar como causa de exclusão da ilicitude criminal, bem como a declaração de inexistência ou da falta de prova de um ilícito penal possui o efeito de retirar a tipicidade de uma infração disciplinar. Isto porque estamos direcionando o problema para o fato considerado como ilícito no âmbito penal que também se desdobra no Direito Administrativo como uma infração disciplinar.
Assume grande relevância o que afirmamos quando se infere que compete tanto ao legislador como ao intérprete do direito a tarefa de harmonizar as diferentes condições violativas, à luz dos princípios da hierarquia normativa, para que seja aplicada a norma mais adequada ao fato concreto.
Esta harmonização do direito é uma obrigação quando se trata de um mesmo fato investigado, mesmo que ele reflita em dois campos distintos do direito. Esta imbricação visa privilegiar o princípio da igualdade como valor de justiça, pois não é jurídico, crível e nem moral, que o servidor público seja absolvido perante o Direito Penal e condenado pelo Direito Administrativo pelo mesmo e idêntico fato ilícito.
Esta deformidade jurídica acaba por desmerecer e desacreditar o próprio Direito Administrativo Disciplinar, que existe para tutelar a Administração Pública, visto que declarado inexistente o ilícito penal, por não restar provado, não há como ser alterado este dogma na instância extrajudicial (administrativa).
O princípio da unidade da infração disciplinar foi concebido pelo Direito Administrativo com a finalidade de proteger a capacidade funcional da Administração Pública, “o qual impõe a consideração global das diferentes violações de deveres cometidas por um agente administrativo, atenta até a continuidade da relação”,[40] aplicando-se, via de conseqüência, esta orientação quando houver reflexo para outra esfera do direito, quando o ilícito investigado for o mesmo.
Admitir o isolamento de uma infração disciplinar prevista como ilícito pelo ordenamento jurídico, pelo fato das instâncias serem independentes, viola o subprincípio constitucional da segurança jurídica. Por esta razão é que o legislador infraconstitucional estabeleceu a ligação estreita do Direito Penal ao Direito Administrativo quando é afastada a autoria ou negado o fato ilícito investigado (art. 126, da Lei nº 8.112/90). Sucede, que ao deixar de aplicar os reflexos de uma absolvição criminal se os fundamentos da parte dispositiva da decisão penal forem por exemplo, os contidos nos incisos IV ou VI, do art. 386, do CPP fere-se o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), visto que o servidor público é e será sempre inocente, até que haja sentença criminal condenatória transitada em julgado. Assim sendo, a absolvição criminal possui a finalidade de declarar a inexistência formal de um determinado ilícito.
Mesmo sendo independentes, a instância administrativa é obrigada a respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da presunção de inocência, dentre outros, como defendido corretamente por Luís Vasconcelos Abreu:[41] “O que importa, porém, é verificar o respeito pelas exigências decorrentes do princípio constitucional da presunção de inocência, designadamente aferir da proporcionalidade das conseqüências jurídicas [...] atentos os resultados que com o mesmo se obtêm, tendo presente a autonomia dos ilícitos disciplinar e penal, e, conseqüentemente, dos respectivos processos. Ora, a referida independência não se compadece com automatismo, violadores do princípio da proporcionalidade, do qual decorre a exigência de um juízo em concreto acerca da adequabilidade, necessidade e proporcionalidade proveniente dita, ou seja, ponderação dos custos e benefícios, numa óptica disciplinar [...].”
Em nossa 2ª edição dos “Comentários à Lei nº 8.112/90”[42] deixamos bem claro que o pensamento jurídico atual estabelece o fim do dogma da incomunicabilidade das instâncias, pois elas se relacionam e se influenciam em algumas hipóteses legais. Uma delas é quando o servidor público é absolvido da prática de um ilícito penal, pois que são apagados os resquícios da culpa funcional na esfera administrativa se os fatos investigados forem os mesmos. Bem como o provimento de um determinado recurso administrativo pode retirar a ilicitude penal, atitude de uma prematura representação criminal do órgão administrativo, exemplo: sonegação fiscal, crime contra o sistema financeiro nacional, etc.
Isto porque, o lançamento tributário ou a autuação administrativa, pendente de recurso por parte do contribuinte servidor público, para a instância competente, suspende a exigibilidade do crédito tributário, fazendo com que inexista ilícito penal ou administrativo, até o exaurimento da respectiva instância interna. No caso de provimento do recurso sub oculis, fica caracterizado, por completo, a inexistência do ilícito, tanto penal quando administrativo.
Essa nova fase do Direito Público afasta a ultrapassada visão de que a independência das instâncias possui a força de não deixar penetrar uma na outra, com as necessárias influências, pois o direito visa uma solução justa.
Como forma de evitar sanções injustas e despropositadas, o ius puniendi do Estado, manifesto através de seus órgãos (instâncias), fica limitado pelo direito e pela proporcionalidade dos seus atos: “Para la protección de dichos intereses el Estado se reserva la capacidad de crear y ejecutar sanciones, en aquellos supuestos en que una conducta dañe o incumpla las prescripciones derivadas de las normas jurídicas. Es el donominado ius puniendi estatal, que se manifesta a través de diversos órganos y dentro del marco jurídico delimitado por el orden constitucional, de ahí necesidad de coordenación ‘para que todos los conjuntos normativos que incidan en una misma realidad se edifiquen sobre un global y claro conocimiento de la misma y tiendan hacia metas idénticas o armónicas’, así como de determinación de los condicionamientos que inciden en dicha capacidad. De esta forma se evitarán situaciones injustas o lesivas de los derechos individuales, como puede ser la imposición de una sanción desproporcionada en función del daño cometido, situación proyectada en lo principio tradicionalmente denominado ne bis in idem.”[43] –(itálico e aspas no original)-
Ainda, em defesa da unidade fundamental do direito, quando é debatido o direito sancionatório, Enrique R. Aftalión,[44] sustenta também posição de supremacia do Direito Penal: “... la tesis que sostengo-de la unidad fundamental de todo el Derecho Representativo: delitos y faltas, leyes penales nacionaes y disposiciones locales – encuentra un sólido fundamento en esa continua recurrencia a las normas de la Parte General del Código Penal, recurrencia que es un dato de nuestra experiencia jurídica, de nuestro Derecho tal como es vivido y aplicado por los jueces.”
Esta unidade da pretensão punitiva do Estado através do direito ganhou contorno de solidez na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direito Humanos, que mais preocupada com os valores humanos, estabeleceu limites à possibilidade do Poder Público punir duplamente sobre o mesmo ilícito disciplinar e penalmente. Isto se dá pelo fato das infrações penais e administrativas não terem diferença ontológica entre si.
Em nosso Direito brasileiro, também não há diferença ontológica e sim dogmática, visto que o art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal[45] considera como crime a infração penal a que a lei comina com a pena de reclusão ou de detenção,[46] se depreendendo que a sua regulação se faz pela lei penal, ao passo que a infração disciplinar que não esteja classificada como tal é regulada pelas normas do Direito Administrativo. Sendo que a plena autonomia do Direito Administrativo[47] se estabelece quando o ilícito é puramente disciplinar, sem se desdobrar em ilícito criminal.
Constituindo subespécies do ius puniendi estatal, os princípios do Direito Penal se aplicam ao Direito Administrativo disciplinar, “con ciertos matizes o modulaciones.”[48]
Referendando o que foi analisado, Fábio Medina Osório,[49] aduz: “Não há diferenças substanciais que separam o ilícito penal do ilícito administrativo, mas apenas o critério dogmático. Assim o é, também, no direito brasileiro, em que vinga o critério dogmático da sanção carcerária prevista no art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal, cujo comando estabelece claramente a linha que separa ilícitos penais e administrativos.”
Assim, o ius puniendi do Estado deve ser compatibilizado com os preceitos fundamentais que são concedidos para tutelar o direito de liberdade da coletividade, ou em outras palavras, havendo a declaração judicial de inocência de um servidor público, que foi processado por ter praticado –em tese- determinado ilícito penal, que também serve de suporte para a instauração do processo administrativo disciplinar, ela deve refletir, como conseqüência legal do que foi decidido no âmbito penal.
O respeito ao texto constitucional é que dá validade aos atos estatais, constituindo-se em obrigação para as normas legislativas infraconstitucionais. O procedimento administrativo deve respeitar a prova produzida no decorrer da instrução criminal, ou seja, da instância judicial, pois ela serviu de base para a sentença penal, quer absolutória, quer condenatória.
Os princípios e as normas constitucionais possuem grande valor normativo, constituindo-se à própria realidade jurídica, com reflexos em todos os ramos do direito. E o ato administrativo discricionário, em seu todo, fica vinculado aos critérios objetivos dos princípios constitucionais, não como uma forma de limitação, mas sim como um aperfeiçoamento da medida a ser adotada. Este respeito constitucional assume particular relevo no âmbito disciplinar, posto que somente será possível verificar a existência de uma infração prevista como crime se a sentença penal não absolver o réu. A partir do momento em que a presunção de inocência só pode ser elidida após o “Trânsito em Julgado de Sentença Penal Condenatória”, falta reserva de Constituição para a instância administrativa disciplinar estabelecer o contrário.
O princípio da supremacia da Constituição se exprime também pela reserva de constituição, que segundo J. J. Gomes Canotilho[50] se revela através de dois princípios: o princípio da tipicidade constitucional de competência e o princípio da constitucionalidade das restrições a direitos, liberdades e garantias: “O princípio fundamental do estado de direito democrático não é o de que a Constituição não proíbe é permitido (transferência livre ou encapuçada do princípio da liberdade individual para o direito constitucional), mas sim o de que os órgãos do estado só têm competência para fazer aquilo que a Constituição lhes permite [...] No âmbito dos direitos, liberdades e garantias, a reserva de constituição significa deverem as restrições destes direitos ser feitas directamente pela Constituição ou através de lei, mediante autorização constitucional expressa e nos casos previstos pela Constituição.”
Esta reserva de Constituição (Verfassungsvorbehalt) vincula os órgãos legislativos, que apesar de serem dotados de discricionariedade peculiar à função política que exercem, dentro da margem de ação permitida pela Constituição, estão obrigados a cultuar os princípios fundamentais estabelecidos na Lei Fundamental.
Os direitos fundamentais asseguram a liberdade e a dignidade humana, como dito por Konrad Hesse:[51] “Los derechos fundamentales deben crear y mantener las condiciones elementares para asegurar una vida en liberdad y la dignidad humana.”
Fica, via de conseqüência o Estado limitado pelos direitos fundamentais do cidadão, como inclusive é explicitado por Juarez Freitas:[52] “De conseguinte, imperativo esclarecer que da subordinação dos agentes públicos à lei e ao direito a discricionariedade resulta invariavelmente vinculada aos princípios constitutivos do sistema e aos direitos fundamentais.”
Em vista disto, a parte do art. 126, da Lei nº 8.112/90 que não permite o reflexo da decisão criminal que absolve o servidor público por não existir prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, VI) é inconstitucional por afrontar o princípio da presunção de inocência e a coisa julgada material da sentença penal.
Quanto à eficácia no Direito Penal da sentença absolutória a doutrina entende haver duas espécies: absolvição própria e absolvição imprópria.
A absolvição própria é aquela que a sentença penal libera o denunciado da imputação. Por sua vez, já a absolvição imprópria é definida por Maurício Zanoide de Moraes et al,[53] como: “a sentença penal que, a despeito de conhecer causa excludente de culpabilidade (inimputabilidade), o que pelo legislador de 1984 elimina o crime (fato típico, antijurídico e culpável), não deixa de reconhecer a prática de um injusto penal (ato típico e antijurídico) praticado pelo acusado e que gera a necessidade de aplicação de uma medida legal para seu tratamento, a ‘medida de segurança’ (art. 386, parágrafo único, III, c/c os arts. 96 a 99, do CP).” –(aspas no original)-
Portanto, o caso sub oculis versa sobre os efeitos da eficácia de sentença penal qual seja, o que possui os efeitos da absolvição própria.
Ora, a decisão judicial faz coisa julgada “acarretando a proibição de outra decisão sobre a mesma causa em outro eventual processo.”[54]
Ou, segundo Claus Roxin:[55] “El agotamiento de la acción penal, originada por la cosa juzgada material, repercute como un impedimento procesal amplio (jurisprudencia constante desde la sentencia RGST2, 347; cf BGHST5, 328; BverfGE3, 251); un nuevo procedimiento es inadmisible, una nueva sentencia de merito está excluida: ne bis in iden (= bis de ladem re ne sit actio). Si, no obstante, de merito, ella es nula, según la opinión dominante. Es indiferente para ello que el fallo firme sea condenatoria o absolutoria. El art. 103, II, GG, proibe también la realización simultánea de dos procesos por el mismo hecho; por consiguiente, también es inadmisible una duplicación de la orden de detención por el mismo hecho y contra el mismo imputado (BGHS 38,54). La cosa juzgada material sirve a la protección del, como ya lo demuestra su aseguramiento a través de un derecho básico (cf. Art. 103, III, y 93, I, nº 4ª, GG); con ello se reconoce jurídico-fundamentalmente su interés a ser desejado en paz después del dictado de una decisión de mérito que ya no es más impugnable. La cosa juzgada cumple, a la vez, una función sancionatoria: el risgo de que quede excluida la posibilidad de un esclarecimiento posterior de los hechos a través de investigaciones complementarias debe llevar a los órganos de la persecución pena a una realización realmente meticulosa ya una valoración correcta del hecho [...].” -(itálico no original)-
Ora, se a coisa julgada material imutabiliza o tipo penal que foi objeto de apreciação no processo penal, impedindo que haja nova acusação sobre o mesmo fato, não resta dúvida que o mesmo ilícito penal que é investigado na instância administrativa supletivamente, fica prejudicado após o esgotamento da via judicial. Não se admite, pela coisa julgada, que ocorra posição diferente da que é estabelecida no título judicial. Como as instâncias situam-se paralelamente, no caso de uma demissão ou de outra sanção administrativa aplicada após a regular tramitação do processo administrativo disciplinar, antes da conclusão definitiva do processo penal, a decisão desta última esfera penal deverá repercutir integralmente, servindo de base de uma futura revisão administrativa, que poderá ser a requerimento do servidor punido ou ex officio.
O que é inadmissível é a não repercussão do título judicial na esfera extrajudicial (administrativa) se a conseqüência do decisum é trazer paz para a sociedade e certeza sobre os fatos litigiosos, estabilizando as relações jurídicas dos servidores com o poder público. Assim, a absolvição deve abarcar o objeto do processo e sua totalidade, inclusive as sanções ou conseqüências acessórias, como se infere, inclusive, das lições de Claus Roxin:[56] “La cosa juzgada abarca tal objeto procesal en su totalidade. Abarca también las sanciones acesorias y las consecuencias accesorias [...]. La cosa juzgada abarca el hecho bajo todos los puntos de vista jurídicos.”
Como o Direito Administrativo Disciplinar utiliza-se supletivamente do Direito Penal quando se trata de ilícito penal ele passa a ser acessório, visto que compete ao Poder Judiciário julgar o ilícito levado à sua jurisdição.
Dessa forma, a coisa julgada sobre os fatos e fundamentos vinculados no provimento judicial que afastou a responsabilidade penal do acusado, mesmo que por não existir prova suficiente para a condenação, a teor do art. 5º, XXXVI, da CF, retira o resíduo[57] da instância disciplinar.
Desqualificar o título judicial, como o disposto em parte do art. 126, da Lei nº 8.112/90 faz, quando é absolvido o réu por não existir prova de ter o mesmo concorrido para a infração penal ou por não existir prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386, incisos IV e VI) é inadmissível, tendo em vista que o acusado, sobre o ilícito julgado, se encontra em estado de inocência, não existindo a certeza absoluta tão necessária e imprescindível para qualquer punição administrativa.
A inexistência de prova suficiente ou a falta de provas do fato delituoso acarreta a absolvição do servidor acusado, devendo ser aplicada a carga declaratória do julgado na jurisdição administrativa, que, como dito alhures, é acessória: “Quanto à independência das instâncias civil, penal e administrativa, tal independência não tolhe a influência da coisa julgada penal no Juízo Civil e na jurisdição administrativa. As aludidas instâncias são efetivamente distintas, não só para os efeitos do direito disciplinar, mas, igualmente, para os efeitos da coisa julgada penal na instância criminal.”[58]
Também adere à este posicionamento (presente ótica), embora sob outro fundamento, Nelson Hungria:[59] “Pena administrativa e pena criminal: - Se nada existe de substancialmente diverso entre ilícito administrativo e ilícito penal, é de negar-se igualmente que haja uma pena administrativa essencialmente distinta da pena criminal.”
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho também ratifica o que foi dito pela doutrina clássica: “Com efeito, na absolvição por falta de provas (in dubio pro reo), a opção é dada pela própria lei, em face de não ter o juiz - e a acusação - produzido provas capazes de fundar um juízo condenatório. E tanto é vero o acertamento que a sentença absolutória, na hipótese, passa em julgado materialmente. Destarte, a regra é que a atividade jurisdicional de acertamento dos casos penais é indeclinável”.[60] –(itálico no original)-
Tem-se que a coisa julgada é pois a verdade material de um determinado direito, se projetando entre as partes para reger determinada relação jurídica. In casu, a absolvição, por falta/inexistência de provas, de um ilícito penal, se projeta também para a instância administrativa, que não poderá desconsiderar seus efeitos.
O poder-dever de punir encontra limites na própria conduta do acusado, que se não cometer ilícito previsto pela lei penal estará imune a respectiva condenação, mesmo na instância administrativa, tendo em vista que a coisa julgada afasta qualquer resíduo de responsabilidade penal sobre os mesmos fatos, apesar de discutidos em instâncias independentes.
A intercomunicação das instâncias é uma conseqüência lógica da segurança jurídica, pois mesmo elas sendo independentes, a responsabilidade penal e administrativa do servidor público quanto à autoria da conduta não é objetiva e sim subjetiva. Sem a prova de sua responsabilidade criminal, o processo criminal onde o servidor público foi denunciado não poderá ter outro desfecho senão a absolvição; fato este que reflete na jurisdição administrativa, quando o ilícito penal for o mesmo, pois só se pune com certeza. Sendo que a presunção de certeza é elidida pelo julgado penal, no âmbito administrativo disciplinar.
Por esta razão é que o Estado Democrático de Direito efetua o devido controle da legalidade no âmbito administrativo, quando se trata da aplicação de penalidades disciplinares.
Nestas condições, parte do artigo 126, da Lei nº 8.112/90 é inconstitucional, por afrontar também a coisa julgada material do título penal (CF, art. 5º, XXXVI).
IV. – DA INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO VI, DO ARTIGO 386, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O artigo 386, VI, do Código Processo Penal estabelece que o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva da sentença, desde que reconheça, não existir prova suficiente para a condenação.
Da maneira como está redigido o inciso VI, do art. 386,[61] há uma inversão do princípio da presunção de inocência, tendo em conta que a inexistência/falta de prova para a condenação não deve ser interpretada como um favor para o acusado e sim como a conseqüência da fragilidade, insubsistência e imprudência da acusação, que apenas se baseou em meros indícios, que são rastros, para o oferecimento da Denúncia, incapazes de por si só servirem de suporte a uma sentença penal condenatória
A inadequada e errônea redação do inciso VI, do art. 386, do CPP é ainda resquício de uma legislação ultrapassada, por não ter sido recepcionada pela atual Constituição Federal de 1988, tendo em vista que as normas jurídicas não são dirigidas à tutela da inocência e sim à repressão do delito. Contudo, inexistindo a produção de provas na instância criminal a denúncia é acéfala e merece o devido repúdio jurídico, devendo ser julgada totalmente improcedente.
Portanto, o conteúdo do disposto no inciso VI, do art. 386, do CPP, tal qual foi também demonstrado no art. 126, da Lei nº 8.112/90, ofende o princípio da presunção de inocência.
Isto porque, não se pode deixar de registrar que a redação do citado inciso VI, do art. 386, do CPP, da maneira que ela se encontra, abstrai o fato de que o acusado foi indevidamente constrangido por uma inadequada, imprudente e inoportuna denúncia, cujos fatos nela descritos não foram provados robustamente no decorrer da instrução criminal e deste modo não tendo condições de demonstrar através de provas certeiras e seguras a existência do ilícito penal imputado ao réu.
Pensamos como o professor Damásio E. de Jesus[62] quando ele defende o posicionamento de que o réu deveria ser absolvido por não haver prova do fato tido como ilícito penal e não como ocorre pela insuficiência da prova: “Cremos que o art. 386, VI, do CPP, que prevê como motivo de absolvição ‘não existir prova suficiente para a condenação’, é incompatível com o princípio do estado de inocência. Se há nos autos a exigência da prova de um fato a ela apresenta dúvida razoável, esse fato deve ser considerado não-provado. O réu precisa ser absolvido porque não há prova do fato e não porque a prova é insuficiente. A redação da disposição, porém, dá a entender que o juiz está fazendo um favor ao acusado: há prova contra ele, mas só não se profere sentença condenatória porque ela é insuficiente.” –(aspas no original)-
Araken de Assis[63] também não deixou passar o presente tema desapercebido, como se infere: “O art. 386, VI, do Código de Processo Penal, cuja constitucionalidade é posta em dúvida atualmente, chancela a absolvição do réu inexistindo prova suficiente à condenação.”
Atestando que a redação do inciso VI, do art. 386, do CPP, afronta o princípio da presunção de inocência, Vicente Greco Filho,[64] consignou: “VI – Não existe prova suficiente para a condenação. Já se cogitou que a redação deste inciso violaria a presunção de inocência instituída como regra pela Constituição de 1988. De fato, da forma como está redigido, o dispositivo pode dar a entender que, do ponto de vista do juiz, o acusado seria presumivelmente culpado e somente não é condenado porque as provas são insuficientes. Ainda que se deva repelir essa impostação, a questão é de aperfeiçoamento redacional, porque, sem provas, não é possível condenação, podendo o juiz continuar a fundamentar sua decisão no inciso comentado.”
Não resta dúvida que a redação do inciso VI, do art. 386, do CPP, não é das mais adequadas, sob os prismas da boa técnica legislativa e jurídico, pois o princípio da presunção de inocência estabelece uma regra de valor insuperável que é a de que tanto o órgão judiciário como o texto legislativo não considere em desfavor do indivíduo uma presunção inversa à citada, que seria em tese da a responsabilidade penal.
E a atual redação do citado inciso é justamente a de que mesmo que o réu seja declarado inocente, não há a declaração expressa de que não foi violado o tipo penal descrito na Denúncia mas sim que a prova não é suficiente para uma condenação.
Uma das conseqüências da presunção de inocência é exatamente a garantia de certeza e de segurança, cabendo o ônus da prova ao órgão estatal e não aquele a quem se atribuiu a prática de um ilícito. Desta forma, a causa de absolvição prevista no inciso VI, do art. 386, do CPP, contraria a aludida previsão constitucional, merecendo veemente crítica de Damásio E. de Jesus:[65] “Princípio do estado de inocência e a insuficiência de provas. Cremos que o art. 5º, LVII, da CF, que instituiu o princípio segundo o qual o réu, enquanto não transitada em julgado a sentença condenatória, deve ser considerado inocente, revogou o inc. VI do art. 386 do CPP. Se a acusação se propõe a provar um fato e, ao término da instrução, paira ‘dúvida razoável’ sobre a sua existência, ‘não pode ser tido como provado’, i. e., deve ser considerado inexistente, não provado [...] Da forma como consta do inciso, porém, dá o texto a entender que há prova no sentido da ocorrência do fato, só que insuficiente para a condenação.” –(aspas e negrito no original)-
Mesmo não defendendo de forma explícita a inconstitucionalidade do art. 386, VI, do CPP, Fernando da Costa Tourinho Filho[66] atesta que não é “favor rei” absolver por falta de prova o acusado: “VI – não existir prova suficiente para a condenação. Aqui não se trata de um favor rei. Que favor estaria o Juiz fazendo ao réu absolvendo-o por falta de prova? Para que o juiz possa proferir um Decreto condenatório é preciso haja prova da materialidade delitiva e da autoria. Não havendo, a absolvição se impõe. Evidente que a prova deve ser séria, ao menos sensata. Mais ainda: prova séria é aquela colhida sob o crivo do contraditório. Na hipótese de na instrução não ter sido feita nenhuma prova a respeito da autoria, não pode o Juiz louvar-se no apurado na fase inquisitorial presidida pela Autoridade Policial. Não que o inquérito não apresente valor probatório; este, contudo, somente poderá ser levado em conta se na instrução surgir alguma prova, quando, então, é lícito ao Juiz considerar tanto as provas do inquérito quanto aquelas por ele colhidas, mesmo porque, não fosse assim, estaria proferindo um decreto condenatório sem permitir ao réu o direito constitucional do contraditório. Idem se as únicas provas colhidas forem as palavras de co-réus. É possível até tenham eles razão, mas nem por isso deverão suas palavras se sobrepor ao preceito constitucional que exige regular contraditório. [...] Uma condenação é coisa séria; deixa vestígios indeléveis na pessoa do condenado, que os carregará pelo resto da vida como um anátema. Conscientizados os Juízes desse fato, não podem eles, ainda que, intimamente, consideram o réu culpado, condená-lo, sem a presença de uma prova séria, seja a respeito da autoria, seja sobre a materialidade delitiva.” –(itálico no original)-
Realmente, a insuficiência/falta de provas possui o efeito de desqualificar a acusação. Sucede que da maneira como foi posto pelo legislador infraconstitucional, ocorre o inverso, por ser retirada a qualidade da absolvição, pelo fato de constar a insuficiência de prova como o fundamento e não a inexistência do próprio fato ilícito sub judice.
A partir do momento em que a convicção do juízo criminal inclina-se pela inexistência ou insuficiência de prova dos fatos descritos na Denúncia, deveria ser instantânea a repercussão na esfera disciplinar, mais em face da citada falha legislativa, não é o que ocorre na prática. Esta correta avaliação de que não existe prova suficiente para uma condenação penal, corresponde, na prática, a autêntica negativa de autoria, pois o que não é provado é tido como inexistente, sendo certo, que compete à acusação ser responsável e prudente no oferecimento da Denúncia penal, bem como provar a responsabilidade penal do Denunciado. Sendo absolvido o servidor acusado, com o fundamento no disposto pelo inciso VI, do art. 386, do CPP, na parte dispositiva do julgado deve prevalecer a inexistência de resíduo administrativo que justifique a punição do servidor público na jurisdição administrativa.
Classificada a conduta do servidor público por ter praticado um dos crimes contra a administração pública, previstos no Código Penal justifica-se o exame dos fatos na via judicial e administrativa, independentemente. Na medida em que, na esfera penal, os mesmos fatos foram exaustivamente debatidos, no decorrer da instrução criminal, tendo o juízo criminal concluído que não existia prova dos fatos, o reflexo é imediato para a jurisdição administrativa, tendo em vista que não se trata simplesmente de verificar se o acusado é culpado ou inocente, se teria agido desta ou daquela maneira, mas muito mais do que isso, cuida-se de perquirir sobre a própria ocorrência dos fatos e, por conseqüência, da existência ou da inexistência do ato ilícito que lhe foi imputado.
Devem ser salvaguardados todos os direitos do servidor público absolvido por insuficiência/falta de provas, eis que milita em seu favor a presunção de inocência já não mais com os efeitos juris tantum e sim juris et de jure, pois os fatos tidos como ilícitos inexistem, não podendo servir de suporte para o desdobramento da jurisdição administrativa.
Nesse sentido, o Direito Penal, como ciência, vem evoluindo para exigir que o procedimento penal respeite os direitos humanos, e segundo Otfried Höfe,[67] só nas culturas arcaicas não se respeitava o princípio do in dubio pro reo, quando não estiver suficientemente demonstrado um ilícito penal: “... la regla de la carga de la prueba aplicable, el principio in
dubio pro reo, forma parte de la herencia de justicia de la humanidad, y probablemente viene siendo reconocida desde que hay Derecho procesal penal. Sólo en culturas muy arcaicas, e incluso en este caso, no de modo generalizado, sino sólo en el caso de los procesos por sacrilegio, la carga de la prueba está del lado del presunto sacrílego. Sin embargo, el superar aquellos tiempos supone un progreso que cabe exigir a cualquier cultura jurídica.”
Sobre o princípio do in dubio pro reo e as provas, Jorge de Figueiredo Dias,[68] em acertado posicionamento assim aduz: “A presunção de inocência tem também um significado muito importante no que se refere às provas, e que apela para o princípio in dubio pro reo. Com efeito, segundo o princípio da investigação a cargo do tribunal, todos os fatos relevantes para a decisão (quer respeitem ao ato criminoso, quer à pena), que levantem uma ‘dúvida razoável’ ao tribunal, não podem ser tidos como provados. Uma vez que este princípio da investigação oficiosa encarrega o tribunal de reunir, ele mesmo, todas as provas indispensáveis à decisão, daqui se segue que a falta destas não pode prejudicar o argüido: um ‘non liquet’ em matéria de prova deve sempre ser previsto em favor do argüido.” -(aspas e negrito no original; sublinhado nosso)-
Não provados os fatos, existe a autêntica negativa de autoria de determinado ilícito penal, visto que não foi provada a sua prática.
Nessa circunstância, causa perplexidade, pela evidente contradição, admitir conclusões divergentes entre as esferas administrativa e penal pois, embora seja inegável a independência entre as citadas instâncias, como inclusive ratificado, tanto pela doutrina como pela jurisprudência dominante, essa liberdade não pode chegar ao ponto de uma delas – a administrativa – considerar existente um fato que o Judiciário entende inexistir. Não é possível tamanha discrepância quando as provas examinadas dizem respeito ao mesmo fato e objeto, sofrendo, inclusive um rigor mais dilatado e amplo na esfera judicial. Em tal situação fica seriamente comprometida a motivação do ato administrativo, sobretudo quando se trata de ato punitivo, com graves conseqüências para o seu destinatário, mesmo porque prevalece o princípio do in dúbio pro reo, como conseqüência do que não é provado é tido legalmente como inocorrido, inexistente.
Sendo assim, como o art. 143, da Lei nº 8.112/90, dispõe que a autoridade que “tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata...”, somente a prova robusta buscará a verdade real, cristalizada pelas evidências/provas do cometimento por parte do servidor público de fato ilícito ou proibido pelo ordenamento jurídico. A falta de prova, gera, portanto, a absolvição do acusado na esfera penal.
Apropriado foi o comentário da Jurista Maria Thereza Rocha de Assis Moura:[69] “Da mesma forma, inúmeras são as decisões absolutórias fundadas na existência de indícios, que revelam a inocência do acusado, ou que, pelo menos, são insuficiente para formar o convencimento do julgador. Poder-se-á objetar que os indícios condizem ao perigo do erro judiciário [...] o importante é que a sentença traduza a certeza moral do magistrado, retirada da análise de todo conjunto probatório”.
Assim, uma vez decidido através de sentença pelo juízo criminal de que não houve a prática de ilícito contra a Administração Pública, e não havendo resíduo que justifique a punição administrativa, prevalece a decisão judicial, mesmo porque cabe ao Poder Judiciário decidir ou não sobre a existência de um crime, observado o devido processo legal e as garantias à ele inerentes. Ademais, como instância revisora dos atos extrajudiciais, cuja decisão final prevalece como definitiva sobre os fatos, o Poder Judiciário é o único garantidor e protetor dos direitos dos cidadãos, de modo a pacificar litígios. Não há nisso violação ao princípio da independência das instâncias.
A independência das instâncias não é sinônimo de indiferença, como averbado por Luís Vasconcelos Abreu:[70] “Processo penal e procedimento disciplinar não se encontram de ‘costas voltadas um para o outro’. A conhecida independência não é sinônimo de indiferença, nomeadamente da entidade administrativa relativamente à sentença criminal.” –(aspas no original)-
Inexistindo resíduo para a punição do servidor público, ele deve ser “posto a salvo” de uma injusta e indevida punição na esfera administrativa.
Portanto, a absolvição por não existir prova suficiente para a condenação possui caráter absoluto ou erga omnes da coisa julgada na jurisdição penal, projetando-se no sistema jurídico como forma a estabilizar as relações e buscar a paz social.
Ainda em compasso lento, alguns julgados, e não são a maioria, já admitem a inexistência de resíduo para a punição disciplinar do servidor público que é absolvido por inexistência/falta/ausência de provas: “Administrativo. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Demissão. Capitulação dos fatos como crime. Absolvição na esfera penal por ausência de prova dos fatos, sentença absolutória da qual não houve recurso. Repercussão na esfera cível. Possibilidade. Inexistência de resíduo para punição. Reexame dos fatos pelo Judiciário. Questões relevantes que a comissão de processo disciplinar não levou em consideração. Endosso de cheque. Inexistência. Pressuposto equivocado que embasou a motivação do ato administrativo. Nulidade do ato. I. Estando caracterizado que a demissão do servidor público deu-se por ato que configuraria ilícito, não só administrativo, mas também penal, e uma vez absolvido ele no processo penal por inexistência de prova dos fatos, impõe-se considerar essa circunstância na esfera cível, visto que a conclusão do juízo criminal corresponde, em verdade, à autêntica negativa de autoria, pois o que não é provado é tido legalmente como incorrido. II. Segundo abalizada doutrina, ontologicamente, os ilícitos penal, administrativo e civil são iguais, pois a ilicitude jurídica é uma só. ‘Assim não há falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto do ilícito penal’ (cf. Nelson Hungria, “Ilícito administrativo e ilícito penal”. RDA, seleção histórica, 1945-1995, p. 15). III. O Judiciário pode reexaminar o ato administrativo disciplinar sob o aspecto amplo da legalidade, ou seja, para “aferir-se a confirmação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais de Direito” (Seabra Fagundes, “O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário”, p. 148 e segs.) e, para isto, é imperioso que examine o mérito da sindicância ou processo administrativo, que encerra o fundamento legal do ato, podendo verificar se a sanção imposta é legítima, adentrando-se no exame dos motivos da punição. IV. Resultando das provas dos autos, que são as mesmas produzidas no processo administrativo disciplinar e no processo criminal, que o ato de demissão do servidor público carece de motivação compatível com o que se apurou, ante a ausência de elementos probatórios dos fatos imputados a ele, revela-se inválido o ato administrativo, mesmo porque a Comissão de Processo Disciplinar partiu de um pressuposto equivocado, que seria endosso do cheque que não existiu. V. Apelação e remessa necessária improvidas.”[71] –(aspas no original)-
No mesmo sentido: “Administrativo e processual civil. Demissão de servidor público. Absolvição criminal. Ausência de provas. Efeitos sobre a esfera administrativa. Execução. Correção monetária. Juros de mora. - Pacífico o entendimento de que somente a absolvição criminal fundamentada na negativa da autoria ou da existência de crime faz, automaticamente, coisa julgada nas esferas cível e administrativa. - Entretanto, é possível que elementos revelados ao longo do processo penal possam evidenciar a ilegalidade da demissão do servidor, ainda que resulte, afinal, em mera absolvição por ausência de provas, pois, ainda que inexistente o aludido efeito automático da decisão criminal, não se pode desconsiderar, peremptoriamente, fatos que poderão vir a influenciar no controle jurisdicional do ato administrativo.[...] A sistemática utilizada na EBCT no controle dos valores recebidos exigia que as importâncias entregues ao tesoureiro acusado fossem precedidas de recibo nos livros contábeis próprios desta empresa. Não verificado o recebimento das faturas, inexistindo o devido registro, não há como concluir ser o servidor o autor da infração. - Ademais, fatos como a dúvida quanto ao próprio valor tido como desviado e a ausência de diligências administrativas no sentido de descobrir se as faturas foram ou não quitadas vêm a infirmar a condenação do servidor, ante a inexistência de qualquer motivo concreto, além do simples exercício do cargo de tesoureiro, que viesse a apontá-lo como o autor da infração. Cumpre, portanto, reconhecer a ilegalidade de sua demissão. - Descabimento da retroatividade dos efeitos da anulação do ato demissionário ao momento da suspensão preventiva do agente público, tratando-se de mero procedimento administrativo cautelar. - Execução das quantias vencidas na forma do art. 730 do CPC, cumprindo, por outro lado, ser procedida a imediata implantação e pagamento da pensão da autora. - Correção monetária incidente desde quando devidas as parcelas diante do caráter alimentar das prestações. - Tratando-se a reintegração de reconhecimento da ilegalidade da demissão, os juros de mora são devidos desde a publicação no órgão oficial do ato administrativo que a efetivou. Remessa necessária e apelo da União Federal improvidos. Parcial provimento ao recurso da parte autora.” [72]
Não resta dúvida que os julgados ainda são escassos não na qualidade e sim na coragem de enfrentar um tema tão delicado e complexo quanto o presente, visto que o Direito Administrativo Sancionatório é um dos mais injustos, incorretos e desigual e o cidadão/servidor público não pode ficar refém de um texto legal (CPP, art. 386, VI) tão carente de tecnicismo jurídico. É necessário que a jurisprudência tenha mais coragem em suas decisões, bem como a doutrina mude seu posicionamento arcaico, para que o princípio da presunção de inocência não caia no ostracismo, sem aplicabilidade prática.
Conforme analisado e demonstrado cabalmente a redação do inciso VI, do art. 386, do CPP colide com o princípio da presunção de inocência, tornando-se, via de conseqüência, inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
V. – DA BUSCA DA VERDADE E DA CERTEZA – DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA
Objetivam a instância penal e a administrativa apurar a verdade, para, em nome da segurança jurídica, aplicar a melhor tipificação legal a espécie colocada sob investigação.
Esse equilíbrio do poder pelo direito é o traço marcante da evolução dos tempos, que não admite mais a insegurança jurídica como uma forma de opressão ou de regência de vida dos cidadãos.
A sociedade se rebelou contra o Estado Absolutista há muitos séculos, retirando da bainha o governo da espada, para dar lugar ao governo da Lei.
Aliás, o professor da Universidade de Erlangen-Nürnberg, Reinhold Zippelius, com muita autoridade, já dizia: “Nas origens do moderno Estado Constitucional e de Direito está também o postulado de uma limitação dos poderes através de um equilíbrio dos poderes. Esta exigência tornou-se efectiva na Inglaterra no contexto da Revolução Gloriosa (1688), impondo-se depois progressivamente também no Continente e sobretudo na elaboração da Constituição norte-americana. De uma forma menos espetacular ocorreu a divulgação do princípio de acção do Estado deve realizar-se, por princípio, de acordo com leis universais [...] A exigência de a acção do Estado se realizar de acordo com leis universais, surge com um preceito da razão, da igualdade de tratamento, da democracia e da segurança jurídica: de acordo com a filosofia moral de Kant, a universidade de uma norma de conduta era o critério da sua justiça”.[73]
Assim, em tempos atuais, visa o direito sancionador do Estado buscar a verdade de um determinado fato, tido em tese como ilícito, para após todo o esgotamento do devido processo legal, com ampla chance de defesa do Denunciado, posicionar-se com segurança jurídica para toda a sociedade. Essa segurança jurídica é resultado do conjunto probatório, fundamentado em provas lícitas colhido no decorrer da instrução criminal, sem contaminação da “árvore envenenada”, onde, de acordo com a materialidade do fato, a Administração Pública traça o devido caminho legal.
Não se deve punir o inocente, pois só a certeza, construída por fatos e provas robustas, é que é capaz de afastar a presunção de inocência do servidor público.
Desde a época de Immanuel Kant que os filósofos construíram os fundamentos da justiça penal, como o princípio da igualdade no pagar o mal com o mal (Wiedervergeltungsrecht, Jus talions). Sabemos que tal princípio é problemático, sob o ponto de vista do ideal supremo da Justiça, que não se resolve somente pela demonstração da origem histórica da pena e nem pela natureza formal, ou seja, o delito deve ser reprimido não pela violência do ato e sim pela pertinência lógica da justiça.
Qualquer ação, tida em tese, como delituosa, não deve ser presumida ou intuída, tem que ser provada, segundo a regra de Direito Penal.
O julgador, tanto o administrativo como o penal, busca na certeza a segurança jurídica.
Somente a verificação da verdade, exteriorizada pela prova, é que possui o escopo de impor a certeza do cometimento ou não de um delito. A presunção funciona em sentido contrário a da certeza.
No campo sancionatório, visam o processo administrativo disciplinar e o penal buscar o mesmo ideal de justiça, pois apesar de independentes, as instâncias possuem o compromisso da busca da verdade, através da certeza se houve ou não uma infração prevista como crime pelo ordenamento legal.
Consignada a importância da prova na busca de uma evidência de liquidez e certeza sobre determinado direito material, no campo das sanções, mesmo as instâncias penais e administrativas sendo independentes, elas possuem o compromisso recíproco de buscarem, na verdade real, o elucidamento dos fatos colocados sob suas jurisdições. Se os fatos forem os mesmos, com desdobramentos criminais, não resta dúvida que dada a competência da instância penal ela radiará efeitos sobre a instância administrativa, que não segue o mesmo rigor técnico que a outra. Ou seja, na apuração disciplinar, a instância administrativa não possui autonomia para imortalizar suas decisões com o manto da coisa julgada. Pelo nosso sistema jurídico somente a instância judicial é que tem em suas decisões finais a garantia da coisa julgada, como forma de estabilizar as relações intersubjetivas, trazendo segurança jurídica para toda a sociedade e para o servidor público.
Para conhecer e julgar uma ação humana é preciso que se possibilite ao acusado toda a garantia que lhe é dada quando ele está sob a jurisdição da instância penal, onde a verdade dos fatos é exteriorizada pelos elementos de convicção (provas). Na instância Administrativa, em muitas ocasiões o acusado tem que litigar, em primeiro lugar, com o próprio sistema inquisitório de uma Comissão Disciplinar, não muito preocupada com a busca da verdade real, pois quase sempre vem com um roteiro já rascunhado. Nessa condição, o servidor tem que provar que é inocente, invertendo-se, de forma inconstitucional, a presunção de inocência. Portanto, necessária se faz a certeza absoluta da soberania da instância judicial sobre a administrativa, ainda mais quando se trata do Direito Penal.
A instância Administrativa visa punir, para que os fatos averiguados não se repitam. Já a instância penal, tem como um dos objetivos apurar e provar não só a intenção do agente público, como e sobretudo, afastar a presunção de inocência através de provas lícitas e robustas, objetivando tutelar os interesses do Estado.
Não foi em vão que Giorgio Del Vecchio ensinava: “Para conhecer uma ação humana, é preciso considerar-lhe não só o aspecto externo e o efeito físico, mas também o elemento psíquico ou interno: a vontade e a intenção”.[74]
Este aspecto externo do ato humano, conjugado com o psíquico (vontade e intenção) que Del Vecchio informa, somente será aferível em um sistema de produção contundente de provas, verificadas no sistema judiciário, onde o procedimento se desenvolve com rigorismo, técnicas e formalidades estabelecidas, em nome da segurança jurídica, para apurar a verdade dos fatos e punir o verdadeiro culpado. Havendo ausência de provas configura-se a autêntica negativa de autoria de um ilícito penal, pois o que não é legalmente provado é considerado como incorrido.
Na esfera Administrativa, nem sempre os responsáveis pela apuração dos fatos (Comissão Disciplinar) são Bacharéis em Direito, não estando presente no acompanhamento do procedimento o representante do Ministério Público como Órgão acusador e fiscal da lei. O erro no julgamento administrativo é possível e na maioria das vezes viável e certeiro, sendo que o próprio Poder Judiciário vem anulando inúmeras decisões proferidas pelo Administrador Público, com base em apurações sumárias ou com flagrante cerceamento de defesa e violações de demais princípios constitucionais e garantias fundamentais. Por não serem técnicos e não seguirem o rigorismo formal de um procedimento, existe grande diferença, no aspecto qualitativo, de uma instância para outra. Razão pela qual, todos os atos administrativos são passíveis de revisão judicial, não ocorrendo o mesmo quando se invertem os fatores, tendo em vista que a instância administrativa é obrigada a acatar as determinações da instância judicial.
Sobrepondo-se a esfera judicial sobre a administrativa, não resta dúvida que suas decisões também se projetam na esfera administrativa, em todos os sentidos, sem limitações ou divergências, quando os fatos apurados são os mesmos.
Assim, sob este dogma, a segurança jurídica exige que sobre os mesmos fatos apurados, a instância Administrativa se curve à Judicial, em homenagem ao direito e à justiça.
Essa decantada homenagem ao ideal de Justiça tão sonhado por Alexis de Tocqueville se exterioriza na certeza, elemento indispensável na aplicação das sanções. Sendo certo, que essa certeza é demonstrada pelas provas, fiel companheira da segurança jurídica.
Quando se verifica o comportamento funcional do servidor público, está em jogo um dos elementos mais preciosos do sistema, que é colocar de lado a arbitrariedade da apuração dos fatos investigados para dar lugar ao Direito, com a ampla possibilidade do investigado demonstrar que não cometeu um ato tido como ilícito pelo ordenamento jurídico. Ou melhor, no campo sancionatório, compete ao Estado, em sentido lato, demonstrar que o servidor público descumpriu um dever funcional ao qual estava vinculado. Esta demonstração se faz através das provas lícitas, única maneira de dar suporte a uma condenação. Se elas inexistem, como manter a possibilidade e viabilidade de uma acusação?
Não pode haver a imposição de uma sanção se não for demonstrada, por provas sólidas e robustas, a responsabilidade do servidor público investigado/acusado.
Advirta-se, quando se fala de arbitrariedade em face do Direito se entende que é algo negatório a este, contrapondo radicalmente, consoante lição de Luís Recaséns Siches: “...cuando se habla de arbitrariedad frente al Derecho, se entiende que es algo negatorio de éste, algo que se le contrapone radicalmente. Pero adviérta-se también que la calificación arbitrario no se aplica a todos los actos que son contrarios al Derecho, sino solamente a aquellos que proceden de quien dispone del supremo poder social efectivo y que se entienden como antijurídicos; es decidir, a los actos antijurídicos dictados por los poderes públicos, con carácter inapelable.”[75]
A livre declaração de um ilícito, feita por um Juiz de direito, não é construída com base na criação intelectual do subscritor da peça de acusação e sim, deve levar em conta o conjunto probatório com os fatos e argumentos desenvolvidos pelas partes, todos confrontados com a realidade processual: “El trabajo de juez, para juzgar, consiste, después de todo en una confrontación entre o modelo preparado por el legislador y el hecho ocurrido en la realidad, confrontación de la cual nace un sí o un no: existe o no existe un delito. El resultado de este trabajo se llama declaración de certeza del delito.”[76]
À luz destes posicionamentos, se constata que quando os homens elaboraram o Direito, estavam certos que ele deveria estabelecer valores superiores, como a Justiça, resultado de uma segurança jurídica estabelecida para toda a sociedade, como um instrumento capaz de instituir a paz e o convívio pacífico entre os cidadãos.
Assim, somente a certeza absoluta do cometimento de um ilícito é que expressa a segurança da aplicação de uma sanção imposta pelo Estado, seja a mesma corporal, privativa de liberdade, restritiva de liberdade, pecuniária e restritiva de direitos, dependendo do caso concreto. E esta certeza vem extraída da prova sólida e robusta, única capaz de afastar dúvidas e criar convicções para o julgador. Em relação ao Direito Administrativo Disciplinar, quando a prova é insuficiente, precária ou inconclusiva, fica claro que não poderá a jurisdição Administrativa atribuir-lhe a validade que ela não ostenta. Sendo certo, que diante da insuficiência da prova, a acusação que paira sobre o servidor público/investigado não pode subsistir.
E Baruch Spinoza, citado por Luís Recaséns Siches, afirmou em seu Tratado teológico-político (op. cit. ant., p. 220-221), que: “La verdadera aspiración del Estado no es otra que la paz y la seguridad de la vida. Pos lo cual, el mejor Estado es aquél en el que los hombres viven armónicamente y cuyas leyes son respetadas.”
Não resta dúvida de que o convívio humano desperta disputas, onde o Direito é acionado para garantir a segurança de todos. E “la seguridad es el valor fundamental de lo jurídico...”,[77] sendo certo, que “sin seguridad no hay derecho, ni bueno, ni malo, ni de ninguna clase.”[78]
Assim sendo, para haver a certeza de um ilícito penal ou administrativo, deverão ambos estarem robustamente provados, pois somente esta certeza é que respalda a aplicação da sanção correspondente. Não se admite mais que em pleno século XXI se verifique a aplicação de sanções por “ouvir dizer” ou por “parecer que é assim”, tendo em vista que o direito moderno e constitucionalizado se projeta na segurança jurídica. O passado foi capaz de praticar muitas injustiças, em nome indevidamente do Direito e da Justiça que os tempos atuais não toleram mais. Aqui, no campo da sanção, mesmo independentes, as instâncias possuem divisores que não são impenetráveis, tendo em vista que o Direito e a segurança jurídica são os caminhos necessários para o imbricamento das esferas, pois ao se depararem sobre o mesmo fato jurídico, devem conviver harmonicamente, com o objetivo de exteriorização da verdade, para punir o culpado e absolver o inocente. O “medo”, por parte do Julgador, da absolvição às vezes traz a falta/inexistência de prova como fundamento na parte dispositiva da sentença. Nestes casos, como nos que afastam a existência do fato ou da autoria, o reflexo para a instância administrativa é imediato, conseqüência da segurança jurídica e da certeza de que não se pode punir (em qualquer esfera) aquele servidor contra o qual não se tem prova contundente do ato ilícito/infração disciplinar que porventura tenha praticado.
Não funciona este princípio para proteger o criminoso ou o servidor público suspeito, ímprobo e devasso, e sim para privilegiar o direito sancionatório que não poderá ser concretizado em caso de dúvida ou de incerteza. E não venham dizer os que não comungam da presente hóstia, que a independência das instâncias autoriza a condenação, na esfera Administrativa, do servidor absolvido por não existir prova suficiente para a condenação/por não existir prova de ter concorrido para a infração penal/falta de evidência (ou prova) da sua responsabilidade na instância penal. Tendo em vista, que a instância Penal é revestida de formalidades, garantias fundamentais e princípios constitucionais não observados de forma isenta na instância Administrativa. O valor da declaração de certeza consiste na necessidade de comprovação do delito. A natureza constitutiva de declaração de certeza do delito deriva da necessidade de punir o infrator e não o servidor público inocente. Somente existe o ilícito quando o juiz o declara, pois na falta ou ausência de prova suficiente, como subsistir uma demissão fulcrada em uma pena administrativa, onde o Poder Judiciário nega a existência de prova para a punição?
A nova fase do Direito Administrativo, constitucionalizado, já não permite mais aplicação de sanções baseadas em meros indícios, sem comprovação da autoria ou materialidade do ilícito através de robustas e sólidas provas.
VI. – CONCLUSÃO
O Estado Democrático de Direito é concretizado pelo conjunto de princípios fundamentais e das regras constitucionais que foram estabelecidos como garantias dos cidadãos que terão liberdades, igualdades e segurança jurídica, competindo ao Poder Judiciário garantir a efetividade da ordem jurídica.
E Gustav Radbruch[79] recorda que “a independência dos Tribunais não é outra coisa senão a liberdade da ciência, transferida para a ciência prática do direito.”
Assim, não configurado um tipo penal, é retirada a ratio essendi do crime,[80] mesmo que ele esteja descaracterizado pela ausência ou insuficiência de prova. Sendo que o tipo penal surgiu no final do século XVIII, traduzido na idéia da doutrina alemã de tatbestand, como conseqüência de uma técnica de legislar capaz de produzir segurança para a sociedade. E a teoria finalista da ação considera que o conceito do ilícito penal se incula aos elementos objetivos do tipo e da culpa, se não incidir causa que justifique a conduta.
Essa segurança jurídica deve proporcionar a restauração da ordem jurídica quando violada. Nessa circunstância, Baptista Machado[81] estabelece a importância da necessidade da garantia conferida ao Direito pelo funcionamento do aparelho judicial e pelo poder coercitivo do Estado.”
Funciona o Poder Judiciário como o guardião da ordem jurídica,[82] projetando os princípios fundamentais, preceitos e regras Constitucionais no Direito, como forma de controlar o Poder e evitar arbitrariedades e abusos indevidos.
O exercício da função jurisdicional tem como pressuposto declarar eficaz ou não determinado ato jurídico, intervindo o Magistrado para estabelecer a devida segurança na situação contenciosa.
E, quando a Constituição estabelece que ninguém será considerado culpado até que haja trânsito em julgado de sentença criminal, se verifica que a absolvição de um servidor público da prática de um ilícito penal por falta de prova suficiente como nas outras hipóteses legais tratadas nos incisos do art. 386, do CPP, possui a força de retirar a eficácia da validade do ilícito penal que fora imputado ao réu, refletindo tal situação para todo o ordenamento jurídico.
Nesta circunstância, a absolvição por não existir prova suficiente para a condenação, a que alude o inciso VI, do art. 386, do CPP deve refletir na jurisdição administrativa, pelo fato do ilícito penal e o ilícito administrativo serem ontologicamente iguais.[83] Sendo certo, que declarado não existente o ilícito penal pela falta de prova, o reflexo na instância administrativa é uma conseqüência da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), bem como do princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII).
Por outro lado, a redação do art. 126, da Lei nº 8.112/90, é parcialmente inconstitucional, por excluir o reflexo da absolvição por falta de prova (CPP, art. 386, VI) no processo administrativo disciplinar. Este ato inconstitucional ofende o que vem estabelecido em nossa Lei Fundamental, pois não se admite o fracionamento da verdade. Ela foi objeto de verificação no juízo criminal e se materializa no respectivo decisum. Assim temos a verdade como justiça; a justiça como verdade.
Sendo certo que o problema da verdade para C. Lahr[84] pode gerar as seguintes situações: “Num Estado de ignorância: A verdade é para ele totalmente desconhecida; num Estado de dúvida: Ela ainda se apresenta como simplesmente possível, porque a inteligência hesita entre o sim e o não, porque são em número igual as razões a favor e as razões de sinal contrário; Num Estado de opinião: É, neste caso, apenas provável, pelo que a adesão da inteligência é mais ou menos firme, de tal sorte que não exclui o risco de errar; Num Estado de certeza: Ela surge, então, em plena evidência.”
Não resta dúvida, que “o juiz só pode condenar, pois, diante de um Estado de certeza, quando a verdade surge, então, em plena evidência”.[85] Portanto, ausente a certeza da materialidade de um ilícito penal ou de sua autoria, bem como reconhecida a falta ou insuficiência de prova não há como subsistir outro entendimento sobre o mesmo fato, na jurisdição Administrativa.
Em concordância com o que foi dito, observa François Rigaux:[86] “Em matéria penal, o réu deve ser declarado culpado ou inocente: a categoria da dúvida não permite mitigar a pena ou atenuar os efeitos civis de uma absolvição quando a falta civil está estritamente enquadrada na falta penal. A decisão da jurisdição repressiva cria uma presunção absoluta de culpa ou de inocência. [...] Todavia, assim como o juiz ou júri fixou, nos limites do caso que lhe compete, a fronteira entre a certeza e a dúvida, cuja determinação em termos gerais é impossível, é o princípio do terceiro excluído que recobra seus direitos: a dúvida aproveita ao réu, in dubio pro reo. A lógica do processo penal reproduz no nível do julgamento sobre a regra já aplicada à escolha da norma. Como o princípio nullum crimen sine lege e a rejeição do argumento de analogia em matéria penal, a obrigação que cabe ao juiz de absolver o réu cuja culpa parece-lhe duvidosa dá satisfação a uma norma substancial das constituições liberais, garantindo o princípio primado da liberdade individual sobre qualquer ação de um órgão do Estado.”
Da mesma forma, a redação do inciso VI, do art. 386, do CPP, também padece de vício de inconstitucionalidade, por estabelecer na insuficiência/inexistência de prova uma verdadeira inversão do princípio da presunção de inocência, como se o réu fosse privilegiado por essa deformidade jurídica. A absolvição por não existir prova suficiente (falta de prova) demonstra a fragilidade, a imprudência e a arbitrariedade de uma acusação penal.
Esta grave falha legislativa deverá ser revisada para que não se eternize o descumprimento de normas fundamentais, em homenagem à segurança jurídica de que fala J. J. Gomes Canotilho:[87] “Estes princípios têm que ser entendidos como base do complexo edifício do Estado de direito. [...] A Segurança e a confiança recortam-se, apesar de tudo, como dimensões indeclináveis da paz jurídica.” -(itálico no original)-
A decisão absolutória no processo criminal (seja qual for o seu fundamento) deve projetar-se sobre a jurisdição administrativa para estabelecer a justiça, tendo em conta que o ilícito administrativo é um minus em relação ao Direito Penal. Por outro lado, a decisão judicial põe termo a uma situação jurídica conflituosa, onde é estabelecida a verdade real, resultante da coisa julgada. Assim, é necessário que o ato jurisdicional tenha os seus efeitos imutabilizados, de modo que possa resolver a situação contenciosa.
E para haver estabilidade nas relações jurídicas, elas devem ser resolvidas, em última instância, pelo Poder Judiciário, pois senão teríamos repetições, pelas mesmas partes, dos mesmos conflitos, tornando intermináveis as situações jurídicas contenciosas. Razão pela qual, o art. 468, do Código de Processo Civil estabeleceu uma presunção absoluta de verdade, com “força de lei nos limites da lide e das questões decididas.”
Em assim sendo, deverá haver uma devida evolução tanto da doutrina como da jurisprudência, no sentido de não se admitir mais que um servidor público inocentado na jurisdição penal, por não existir prova suficiente para a sua condenação (falta de prova do ilícito cuja prática lhe foi imputada), possa ser condenado na esfera administrativa disciplinar pelo mesmo fato.
O subprincípio constitucional da segurança jurídica não permite mais que estas punições injurídicas sejam levadas à efeito, pois o Estado resolve situações jurídicas através do poder jurisdicional, exatamente para estabilizar o direito e a justiça, elementos primordiais em uma sociedade livre e justa e implantar a paz social e a certeza jurídica no Estado Democrático de Direito.
[1] POUND, Roscoe. Liberdade e garantias constitucionais. 2. ed. São Paulo: IBRASA, 1976. p. 1.
2 “[...] Fala-se, então, em coisa julgada, significando tal expressão que o pronunciamento se tornou inalterável, adquiriu a qualidade da imutabilidade. Coisa julgada, pois, significa decisão imutável e irrevogável. Traduz, como bem diz Liebman, a imutabilidade do comando que emerge da sentença. [...] a coisa julgada material, ou simplesmente a coisa julgada, torna imutável o comando proveniente da sentença, de sorte que em nenhum outro juízo poderá a mesma causa ser debatida entre as mesmas pessoas. Tornando-se inimpugnável, a decisão adquire uma qualidade especial, mais intensa e mais profunda, tornando imutáveis a decisão e seus efeitos, quaisquer que sejam (cf. Liebman, Efficacia ed autorità della sentenza, Padova, 1935. p. 40). Tal qualidade se projeta dentro e fora do processo [...].” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 20. ed., revista, modificada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1998. v.4, p. 284-285).
Aprofundar no mesmo Autor também sobre os Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada.
[3] FENECH, Miguel. Derecho Procesal Penal. 2. ed. Madrid: Editorial Labor S.A., 1952. p. 484-485.
[4] STF, RTJ, 163/195.
[5] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. p. 639.
[6] VILELA, Alexandra. Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Direito Procesual Penal. Coimbra: Coimbra Ed., 2000. p. 25.
[7] “Considera-se prova todo o meio de chegar ao conhecimento de um direito, de um facto, à demonstração da sua verdade.” (FABREGUETTES, M.P. A Lógica Judiciária e a Arte de Julgar. Tradução de: Henrique de Carvalho. Porto: Oficinas Movidas à Eletricidade, 1914. p. 63).
[8] Jorge de Figueiredo Dias, após citar o início de um “direito penal policial”, estabeleceu o direito penal tradicional como o de justiça. (DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas Básicos da Doutrina Penal: Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal. Sobre a Doutrina Geral do Crime. Coimbra: Coimbra Ed., 2001. p. 138).
[9] Id.
[10] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal : Parte Geral. Coimbra: Coimbra Ed., 2001. t. 1, p. 15.
[11] “O princípio básico do Estado de Direito é o da eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a conseqüente garantia de direitos dos indivíduos perante esses poderes.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Cadernos Democráticos, Coleção Fundação Mário Soares. Lisboa: Edição Gradiva, 1999. p. 9).
[12] “Prova é o pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na formação através do processo no espírito do julgador da convicção de que certa alegação singular de fato é justificavelmente aceitável como fundamento da mesma decisão.” (MENDES, João de Castro. Do conceito de Prova em Processo Civil. Seleção Jurídica Portuguesa. Lisboa: Ática, 1961. v. 17. p. 741).
[13] CINTRA, Antônio Carlos de Araujo ; GRINOVER, Ada Pellegrini ; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 8. ed., revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 64.
[14] “O art. 386 do Código de Processo Penal dispõe: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato; II – não haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato infração penal; IV – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; V – existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts. 23, 20, caput, primeira parte, e p. 1º, primeira parte; art. 22; art. 26 e art. 28, p. 1º., do Código Penal); VI – não existir prova suficiente para a condenação;”
[15] “A finalidade suprema e substancial da prova é a verificação da verdade.” (MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Tradução de: Ricardo Rodrigues da Gama. Campinas: LZN, 2003. p. 123).
[16] CASTRO, Pietro. Manual de Derecho Procesal Civil. t.1, p. 285, apud FALCÓN, Henrique M. Tratado de La Prueba. Buenos Aires: Astrea, 2003. p. 21.
[17] CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Procesal Civil. Tradução de: Sentís Melenco. Buenos Aires: Ejea, 1973. p. 257.
[18] EISNER, Isidoro. La prueba en el proceso civil. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1964. p. 32.
[19] BENTHAM, Jeremy. Tratado de Las Pruebas Judiciales. Tradução de: M. Osorio y Florit. Buenos Aires: Ajea, 1971. t.1, p. 23.
[20] DEMOLOMBE, Charles. Cours de Code Napoleón. Paris: Auguste Durand Libraire, 1869. t. 29, p. 311.
[21] BONNIER, José Eduardo. Tratado teórico-práctico de las pruebas en el derecho penal. Madrid: Reus, 1928. t. 1, p. 5-6.
[22] NAVARRO, José M. Manresa y. Comentários à la Ley de Enjuiciamento Civil. Madrid: Reus, 1881. t. 3, p. 282.
[23] GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. Madrid: Civitas, 1998. p. 344.
[24] COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesual Civil. Buenos Aires: Depalma, 1951. p. 124.
[25] MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. 4. ed. Tradução de: Herbert Wüntzel Heinrich. Campinas: Bookseller, 2004. p. 22.
[26] TONINI, Paolo. A prova no Processo Penal Italiano. Tradução de: Alexandra Martins e Daniela Mróz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 46.
[27] NORES, José I. Cafferata. La Prueba en el Processo Penal. 5. ed. Buenos Aires: Depalma, 2003. p. 5-6.
[28] GRINOVER, Ada Pellegrini ; FERNANDES, Antonio Scarance ; FILHO GOMES, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 97.
[29] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16. ed., revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2004. p. 274-275.
[30] SILVA, César Dario Mariano da. Provas Ilícitas. 2. ed., revista e atualizada. São Paulo: LEUD, 2002. p. 13.
[31] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 413.
[32] Cf. INELLAS, Gabriel César Zaccharia de. Da Prova em Matéria Criminal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 39.
[33] “A todo homem se presume inocente até que seja declarado culpado.” –tradução livre-.
[34] BECCARIA, Cesare. De los delitos y de las penas. 2. ed. Bogotá: Themis, 1990. p. 21.
[35] FONSECA, Adriano Almeida. O princípio da Presunção de Inocência e a sua Repercussão Infraconstitucional. Jus Navigandi, Teresina, a.4, n. 36, nov. 1999, Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=162>.Acesso em: 10 out. 2005.
[36] “Com efeito, a partir do momento em que tem acolhimento constitucional, elevado à categoria de direito fundamental, e pese embora o facto de a presunção de inocência se encontrar localizada dentro das garantias constitucionais do processo penal, a referida presunção terá que estar presente em qualquer tomada de decisão administrativa ou jurisdicional, relacionadas com a conduta dos cidadãos e de cuja aplicação se faça derivar um resultado sancionatório ou limitador de direitos. Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/90, de 7 de junho de 1990, que declara a presunção de inocência aplicável ao processo disciplinar, julgando inconstitucional a norma do Regulamento Disciplinar que consente a perca total de vencimento do funcionário suspenso em virtude de processo disciplinar.” (VILELA, Alexandra. Op. cit. ant., p. 11).
[37] PARDO, Miguel Angel Montañés. La Presunción de Inocencia : Análisis Doctrinal y Jurisprudencial. Madrid: Aranzadi Editorial, 1999. p. 54.
[38] DIAS, Jorge de Figueiredo. A Proteção dos Direitos do Homem no Processo Penal. Revista da Associação dos Magistrados do Paraná, Curitiba, nº 19, p. 37-60.
[39] STJ, Rel. Paulo Medina, HC nº 29588/SP, 6ª T., DJ de 29.09.2003, p. 355.
[40] ABREU, Luís Vasconcelos. Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As relações com o Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1993. p. 46.
[41] Ibid., p. 93-94.
[42] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei 8.112/90 Interpretada e Comentada : Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União. 2. ed., revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. p. 681 e ss.
[43] VILLALBA, Francisco Xavier de León. Acumulación de sanciones penales y administrativas. Barcelona: Bosch, 1998. p. 29.
[44] AFTALIÓN, Enrique R. Derecho Penal Administrativo. Buenos Aires: Ediciones Arayú, 1955. p. 14.
[45] Decreto-Lei nº 3.914, de 9.12.41.
[46] “Art. 1º - Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente.”
[47] “A autonomia do poder disciplinar só se entende com os fatos que constituem exclusivamente, faltas disciplinares” (HUNGRIA, Nelson. Ilícito Administrativo e Ilícito Penal. In: Seleção Histórica da Revista de Direito Administrativo: 50 anos de Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 1-150, p. 20, 1945-1995).
[48] CUTONDA. Blanca Lozada. Las Fronteiras del Código Penal de 1995 y el Derecho Administrativo Sancionador. Cuadernos de Derecho Judicial. Madrid: Conselho General del Poder Judicial, 1997. p. 51.
[49] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 108.
[50] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 247.
[51] HESSE, Konrad. Significado de los Derechos Fundamentales. In: Manual de Derecho Constitucional. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2001. p. 93.
[52] FREITAS, Juarez. Controle dos Atos Vinculados e Discricionários à Luz dos Princípios Fundamentais. In: Rorek, Luiz Paulo ; Giorgis, José Carlos Teixeira (Orgs.). Lições de Direito Administrativo : Estudo em homenagem a Octário Germano. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 23.
[53] MORAES, Maurício Zanoide de ; FRANCO, Alberto Silva ; Stoco, Rui. Código de Processo Penal e a sua Interpretação Jurisprudencial. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 3, p. 1587.
[54] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1991. p 300.
[55] ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. 25.ed. Tradução de: Gabriela E. Córdoba e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2000. p. 436.
[56] Ibid., p. 437.
[57] “Réus absolvidos por falta de prova. Inexistência de resíduo para que a punição subsistisse – Súmula 18. Recurso conhecido e provido.” (STF, Rel. Min. Hermes Lima, RE nº 53.250/PB, 2ª T., DJ de 16.05.65, p. 1132).
[58] CAMPOS, Francisco. Funcionário Público : Pena Disciplinar : Jurisdição Penal e Jurisdição Administrativa. In: Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. p. 357.
[59] HUNGRIA, Nelson. Op. cit. ant., p. 17.
[60] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução Aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, Curitiba, n. 28, p. 109-138, 1999.
[61] “inciso VI – não existir prova suficiente para a condenação.”
[62] JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 8ª ed., atualizada e aumentada. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 639.
[63] ASSIS, Araken de. Eficácia Civil da Sentença Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 111.
[64] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 295-296.
[65] JESUS. Damásio E. de. Op. cit. ant., p. 225.
[66] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1, p. 846-847.
[67] HÖFFE, Otfried. Proto-Derecho Penal: Programa y cuestiones de un filósofo. In: ESER, Albín et al (coords.). La Ciencia del Derecho Penal ante el Nueno Milenio. Tradução de: Manuel Cancio Melia. Valência: Tirant lo Balnch, 2004. p. 360.
[68] DIAS, Jorge de Figueiredo. A Proteção dos Direitos do Homem no Processo Penal. cit. ant., p. 37-60.
[69] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A Prova Penal por Indícios no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 2.
[70] ABREU, Luís Vasconcelos. Op. cit. ant., p. 117.
[71] TRF- 2ª Região, Rel. Des. Fed. Antônio Cruz Netto, Ap. Cível nº 283.714, 2ª T., DJ de 3.9.2003, p. 178.
[72] TRF-2ª Região, Rel. Des. Fed. Sérgio Feltrin Corrêa, Ap. Cível nº 158.972, 2ª T., DJ de 17.1.2002.
[73] ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3. ed. Tradução de: Karin Praefke – Aires Coutinho. Lisboa: Serviço de Educação Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 387.
[74] VECCHIO, Giorgio Del. Direito, Estado e Filosofia. Lisboa: Libraría Editora Politécnica Ltda., 1952. p. 289.
[75] SICHES, Luís Recaséns. Vida Humana, Sociedad y Derecho. 3. ed. México: Editorial Porrúa, 1952. p. 211-212.
[76] CARNELUTTI, Francesco. Leccione sobre el proceso penal. Tradução de: Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Libreria el Foro, 2002. t. I, p. 146.
[77] SICHES, Luís Recanséns. Op. cit. ant., p. 225.
[78] Id.
[79] RADBRUCH, Gustav. En Fin del Derecho. El Hombre en el Derecho. In: Conferencias y artículos seleccionados sobre cuestiones fundamentales del derecho. Buenos Aires: Depalma, 1980. p. 118.
[80] O Código Penal define crime consumado, no artigo 14. I-: “Art. 14. Diz-se o crime: I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;”
[81] MACHADO, J. Baptista. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra: Almedina, 1989. p. 55.
[82] “... função jurisdicional que restaura a legalidade, clima normal na vida do Estado.” (FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 12.
[83] Cf. HUNGRIA, Nelson. Op. cit. ant., p. 15.
[84] LAHR. C. Manual de Filosofia. Porto: ed. Apostolado da Imprensa, 1969. v. 1, p. 677.
[85] NASSIF, Aramis. Sentença Penal: O desvendar de Themis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 125.
[86] RIGAUX, François. A Lei dos Juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 74.
[87] CANOTILHO, J.J. Gomes. Estado de Direito. cit. ant., p. 75.