Direito da Recuperação de empresas e falências
Aspectos gerais da nova lei de recuperação de empresas e falências
Autor: Robson Zanetti - advogado
A nova lei de recuperação de empresas nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, vem a regular a recuperação extrajudicial, judicial e a falência nos trazendo algumas mudanças importantes na atual legislação falimentar, conforme vemos de forma geral:
1) Mudanças de termos e suas implicações. A lei de falências e concordatas foi revogada pela Lei nº 11.101, que "Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade econômica regida pelas leis comerciais, e dá outras providências". Seria melhor que o texto começasse falando da recuperação extrajudicial, da recuperação judicial e da falência nessa ordem, pois o primeiro caminho para se tentar solucionar as dificuldades econômicas e financeiras do devedor seria a recuperação extrajudicial e não a recuperação judicial.
2) A nova lei visa principalmente a recuperação da média e grande empresa, sendo a recuperação das empresas de pequeno porte e microempresas vista de forma secundária. A nova lei de recuperação de empresas e falência está mais preocupada com a recuperação das médias e grandes empresas, criando para essas um procedimento ordinário e submetendo as empresas de pequeno porte e microempresas a um procedimento especial, semelhante a antiga concordata preventiva, dilatando o máximo do prazo atual de pagamento dos credores quirografários de 24 para 36 meses, podendo ser prorrogado por mais um ano.
3) Desaparecem as concordatas preventiva, suspensiva e a continuidade dos negócios do falido. As concordatas preventiva e suspensiva e a continuidade dos negócios do falido após a declaração da falência que eram mecanismos de recuperação judicial da empresa, passam a dar lugar a um único processo, chamado de recuperação que ocorre sempre antes da falência.
4) Nasce a recuperação extrajudicial. A recuperação extrajudicial é uma tentativa do devedor resolver seus problemas com os credores sem que haja grande necessidade de uma forte intervenção judicial, a não ser quando seja necessário para sobrevivência da empresa.
Com a antiga legislação o empresário que propusesse dilatar o prazo de pagamento de suas dívidas e pede remissão de seu débito poderia ter sua falência declarada e isso não ocorrerá mais com a nova legislação aonde os credores serão chamados extrajudicialmente para negociar seus créditos com o devedor.
Na prática o processo de recuperação extrajudicial representa a primeira tentativa de solução amigável das dívidas do empresário e assim surgem muitos escritórios se auto-intitulando especialistas nesse tipo de negociação, devendo os devedores estarem atentos.
5) Da recuperação judicial. Não sendo possível a recuperação extrajudicial o próximo passo será a busca da recuperação judicial. Neste caso ocorrerá uma maior intervenção judicial e o devedor deverá apresentar um plano de recuperação judicial e irá negociá-lo com os credores reunidos em assembléia. O devedor deverá ser um bom negociante. Os credores poderão rejeitar o plano de recuperação, propondo ou não alterações. No primeiro caso o devedor se submete a aceitá-las, pois, caso contrário, poderá ser declarada sua falência se as modificações não forem abusivas, como ocorre, de forma geral, no segundo caso, ou seja, o destino da empresa passa para as mãos dos credores e não fica unicamente nas mãos do devedor, como ocorreria com a concordata, onde o devedor seguindo o que estava estabelecido na lei se propunha a pagar seus credores à vista, em 6, 12,18 e 24 meses. Não existe mais um prazo limitado para os pagamentos, assim pode ser apresentado um plano propondo o pagamento da dívida em 10 anos.
O devedor que não podia pedir concordata pela falta de preencher certos requisitos legais, com a atual legislação poderá. Assim, por exemplo, o comerciante tendo título protestado por valor relevante, não podia pedir concordata e com a nova legislação, o empresário poderá.
6) A falência. A falência poderá ser pedida pelo próprio devedor, pelo credor ou ela decorrerá da decisão que julgue improcedente o pedido de recuperação judicial; pela não aprovação do plano de recuperação judicial e ainda da conversão de um processo de recuperação judicial em falência quando uma obrigação essencial do empresário for descumprida, como por exemplo, pela não apresentação do plano de recuperação judicial. Para o pedido de falência será necessário, no mínimo, crédito equivalente a 40 salários mínimos.
7) A cessão da empresa. Nasce o instituto da cessão da empresa após a falência. Desta forma, o legislador procura preservar a empresa, ou seja, toda a atividade organizada do empresário para que ela possa ter continuidade após a falência. Não é a pessoa jurídica que é cedida e sim a empresa, por isso que a sucessão trabalhista e a sucessão tributária irão desaparecer permitindo que uma pessoa possa comprar uma empresa, sem comprar o passivo da pessoa jurídica. Desta forma, muitos negócios surgirão para investidores que querem comprar empresas falidas sem adquirir o passivo. É importante que a atividade seja mantida, caso contrário, se a empresa for comprada somente para ser extinta, a lei não estará sendo respeitada, tendo em vista que a finalidade na nova lei é a de manter a atividade organizada em funcionamento.
8) Pessoas submetidas a nova lei.- Estão sujeitos a recuperação extrajudicial, judicial e a falência o empresário. Os termos utilizados no projeto "empresário" e "sociedade empresária" não parecem ser os mais corretos, pois o empresário pode exercer a atividade individualmente ou sob a forma de sociedade, ou seja, quando se fala em empresário se engloba a figura do empresário individual e da sociedade empresária, tornando-se esse segundo termo " sociedade empresária " repetitivo. A grande novidade é que a nova legislação passa a ser aplicada às companhias aéreas.
9) Pessoas não submetidas a nova lei de recuperação de empresas e falências. Não estão sujeitos a nova lei de recuperação de empresas e falências a empresa pública e a sociedade de economia mista, instituição pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores e o profissional liberal e à sua sociedade de trabalho.
10) Da suspensão das ações e execuções contra o devedor. As ações e execuções contra o devedor não são suspensas no caso de pedido de recuperação extrajudicial, somente são suspensas, de forma geral, por ocasião do deferimento do processamento da recuperação judicial e da decretação da falência. As execuções de natureza fiscal e a cobrança dos adiantamentos de contrato de câmbio, por exemplos, não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. No procedimento especial, as ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano não são suspensas.
O credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, não terá seu crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de 180 dias, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial, ou seja, a suspensão para esses últimos credores somente ocorre pelo prazo de 180 dias, chamado período de observação, nada impedindo que o bem possa ser apreendido pelo credor fiduciário após essa fase.
Também não estão suspensas as ações relativas a créditos decorrentes de financiamento de valores a receber, garantidos por penhor sobre direitos creditórios, por títulos de crédito, valores mobiliários e aplicações financeiras.
11) Obrigação de informação. As ações de natureza trabalhista na falência terão prosseguimento com o administrador judicial que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo. Na antiga legislação falimentar não estava estabelecido que o devedor publicasse seu estado de dificuldade formalmente, isto ocorre com a nova lei para que supostamente facilite o credibilidade do devedor. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social ( INSS ) serão intimados pessoalmente para que acompanhem o processamento do pedido de recuperação judicial. Os sócios ilimitadamente responsáveis também serão atingidos pelos efeitos da falência e por isso deverão ser citados para apresentar contestação.
12) Direito de prioridade de recebimento dos créditos no processo de recuperação extrajudicial. No processo de recuperação extrajudicial não existe nenhuma ordem legal para o recebimento dos créditos, o pagamento deverá ser feito conforme ficar acordado entre o devedor e seu(s) credor(es) sujeito ao processo.
13) A exclusão de créditos do processo de recuperação extrajudicial. Não estão obrigados a participar do processo de recuperação extrajudicial os créditos derivados da legislação do trabalho, acidentes de trabalho e de natureza tributária, o crédito decorrente de adiantamento de contrato de câmbio destinado a exportação, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, não terá seu crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão das ações e execuções, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
14) Direito de prioridade de recebimento dos créditos no processo de recuperação judicial. Havendo débitos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial esses devem ser pagos no prazo de 30 ( trinta ) dias até o limite de 5 salários mínimos por trabalhador. O saldo deverá ser pago no prazo de 1 ( um ) ano juntamente como o crédito decorrente de acidentes de trabalho. De forma geral os demais créditos serão pagos conforme estiver previsto no plano de recuperação judicial. O crédito tributário está excluído podendo ser cobrado fora do plano, sendo que legislação específica deverá estabelecer o parcelamento. O crédito que estiver fora do concurso de credores não participa da escala de recebimentos com os credores concursais.
15) A exclusão de créditos do processo de recuperação judicial. Estão excluídos do processo de recuperação judicial o crédito tributário, os decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio destinado a exportação e o do titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, não terão seus créditos submetios aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva.
16) O período de observação. O período de observação constitui-se num lapso temporal de 180 dias concedido pelo legislador para que seja analisada a viabilidade da continuidade dos negócios do empresário e durante essa fase o credor não pode vender ou retirar do estabelecimento do devedor bens de capital essenciais a sua atividade empresarial porque poderia dificultar ainda mais suas dificuldades econômico e financeira. Aqui também estão incluídos bens móveis e imóveis não precisando estar necessariamente dentro do estabelecimento do devedor, como por exemplo, um veículo utilizado para transporte de mercadorias.
17) Direito de prioridade de recebimento de crédito diante de um processo de falência. Os créditos extraconcursais não concorrem com os créditos concursais quando é declarada a falência. Assim, do ponto de vista prático, num primeiro momento são pagos os créditos extraconcursais e depois os créditos concursais. Logo, temos a seguinte ordem de pagamento.
Créditos extraconcursais: 1º.- Terão prioridade de recebimento os créditos extraconcursais, por ex. adiantamento de contrato de câmbio.
Créditos concursais: 2º.- Em segundo lugar ( ou primeiro sob o ponto de vista concursal e assim por diante), vêm o crédito derivado da legislação do trabalho, limitado a 150 salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente de trabalho. 3º.- Em terceiro lugar o crédito com garantia real, limitado até o valor do bem gravado. 4º.- Em quarto lugar o crédito tributário, independentemente de sua natureza e tempo de constituição, exceto as multas tributárias. 5º.- Em quinto lugar o crédito com privilégio especial. 6º.- Em sexto lugar o crédito com privilégio geral. 7º.- Em sétimo lugar o crédito quirografário, incluídos como novidades: o saldo dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento, como ocorre com o crédito com garantia real; os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite de 150 salários-mínimos; as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias e os créditos trabalhistas cedidos a terceiros. 8º.- Por último, o crédito subordinado.
18) A exclusão de créditos na falência. Os pedidos de restituição são feitos de forma paralela ao recebimento dos créditos acima mencionados e não concorrem com esses, assim por exemplo, o adiantamento de contrato de câmbio é devolvido ao credor sem que ele concorra com os créditos concursais.
19) Mudança dos órgãos. Institui-se a Assembléia Geral de Credores, responsável por decidir entre outros, sobre a continuidade dos negócios do falido na recuperação judicial e na falência; pela melhor forma de buscar a satisfação de seus créditos. Ela é formada por credores titulares de créditos decorrentes da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente do trabalho, titulares de créditos com garantia real e titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
Desaparecem os termos utilizados no processo de concordata "comissário" e no processo de falência "síndico", substituídos pelo administrador judicial, nomeado com a abertura do processo de recuperação judicial e falência e do gestor judicial, quando o administrador for afastado dos negócios durante o processo de recuperação judicial.
Cria-se o Comitê de Credores, responsável, entre outras, pela fiscalização da gestão do devedor. Ele é formado por um representante indicado pelos credores trabalhistas; um representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais e um representante da classe de credores quirografários e com privilégios gerais. Cada classe conta com dois suplentes.
20) Finalidade da recuperação judicial. A recuperação judicial do devedor visa a continuidade dos negócios das empresas viáveis, a manutenção de empregos e o pagamento dos credores. Enquanto que a legislação antiga se preocupava somente com aspectos formais para declarar a falência da empresa, a atual lei não é tão formalista como a atual porque ela se preocupa com a função social da empresa dentro do seu meio de atuação.
21) Da abertura do processo de recuperação judicial. Anteriormente o devedor apresentava ao juízo uma proposta de pagamento que era feita a seus credores seguindo as condições estabelecidas na lei para realização de pagamentos. Uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos na legislação, o julgador, sem ouvir ninguém, determinava a abertura do processo de concordata. Tal situação permanece no caso da recuperação judicial de pequenos empresários.
22) Da apresentação do plano de recuperação judicial. Com a nova lei, o devedor apresenta seu pedido e tem até 60 dias para apresentar um plano detalhado de recuperação dizendo de que forma o empresário vai se recuperar e pagar seus credores. O processo de recuperação judicial é aberto por uma fase preparatória e conservatória que permite uma análise profunda da situação econômico, financeira, patrimonial e social da empresa para ver se é possível sua recuperação.
No plano, sendo necessário, o devedor mencionará se haverá cisão, incorporação, fusão ou cessão de quotas ou ações da sociedade, substituição total ou parcial dos administradores, aumento do capital social..., ou seja, de que forma ele pretende se recuperar, devendo comprovar a seus credores.
23) Da possibilidade de ser requerida recuperação judicial com débito tributário. Após a aprovação do plano de recuperação judicial aprovado pela assembléia-geral de credores ou se não houve oposição dos credores ao plano apresentado pelo devedor, esse apresentará certidões negativas de débito tributário. Essa exigência dificultará muito a recuperação das empresas porque uma empresa em dificuldades quase sempre possui passivo tributário, fato este que vem sendo reconhecido pelos nossos tribunais ao não exigir a certidão em tal momento.
24) Do deferimento da recuperação judicial. Uma vez processada a recuperação judicial com a aprovação do plano de recuperação, o empresário permanecerá sob observação judicial, em princípio, somente por dois anos. Após este período, o processo é retirado da justiça. O plano pode ser revisto se houverem modificações substancias na situação econômico-financeira do devedor.
25) Do descumprimento das obrigações do devedor em recuperação judicial. O devedor que deixava de cumprir com suas obrigações pecuniárias no processo de concordata tinha, em situações normais, sua falência declarada. Com a nova lei não somente pelo descumprimento de obrigações pecuniárias, mas também pelo descumprimento de outras obrigações essenciais ele terá declarada sua falência, como por exemplo, da não realização de uma fusão que era considerada essencial para a recuperação da empresa pelos credores ao aprovarem o plano de recuperação judicial.
26) Da nulidade dos atos praticados pelo devedor que prejudicam os credores. A atual lei aumenta o prazo que era de 60 para 90 dias do período suspeito, tornando inoponível perante a massa liquidanda certos atos praticados pelo devedor que venham a prejudicar os credores, como a constituição de garantia real ou alienação de bem do ativo imobilizado. Este é o efeito real do processo coletivo, fazendo com que o patrimônio global do devedor sirva como garantia para pagamento dos credores.
27) Da responsabilidade penal. A nova lei é mais rigorosa no aspecto penal tipificando novos crimes e aumentando as penas, dando ensejo a prisão preventiva do devedor e ou de seus representantes.
28) Da venda dos bens do devedor falido. Com a futura lei, os bens arrecadados do devedor serão vendidos de forma mais rápida para pagar os credores porque não é necessário esperar a formação do quadro geral de credores para ocorrer a venda.
29) Da indisponibilidade de bens particulares dos réus. A responsabilidade solidária e ilimitada dos controladores e administradores da sociedade limitada, estabelecidas nas respectivas leis, bem como a dos sócios comanditários e do sócio oculto, previstas em lei, poderá ser engajada com a decretação da falência tornando seus bens indisponíveis.
30) Do prazo para defesa. O prazo para defesa no processo de falência aumentou de 24 horas para 10 dias. Essa alteração não é muito significativa, pois no mínimo o prazo deveria ser de 15 dias devido a gravidade do processo falimentar. Dentro desse período a novidade é que o devedor poderá apresentar o plano de recuperação judicial para demonstrar que sua dificuldade é passageira e não é irreversível.