CASAMENTO
RELIGIOSO DE EFEITOS CIVIS
SUELENE COCK CORREA CARRARO[1]
Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense – Unipar
Resumo
Trata-se,
nesse artigo, dos efeitos civis do casamento religioso. Muito embora o Código
Civil de 1916 não tratasse especificamente dos efeitos civis do casamento
religioso, a Lei de Registros Públicos previa que o casamento religioso, para
ter efeito civil, deveria ser registrado em até trinta dias, no Registro Civil
das Pessoas Naturais. A gratuidade da celebração não estava prevista no Código
Civil de 1916, somente na Constituição Federal de 1988. Já o Código Civil de
2002 prevê expressamente o registro civil do casamento religioso e aumenta o
prazo de registro para noventa dias. Prevê também a gratuidade da celebração
para todos sendo que as pessoas pobres são isentas das despesas do casamento
civil (habilitação, registro e primeira certidão).
Palavras-Chave
Direito
Civil; Direito de Família; Casamento; Casamento Civil; Casamento Religioso;
Habilitação; Registro.
Abstract
It
is treated, in this article, of the civil effect of the religious marriage. Much
even so the Civil Code of 1916 did not deal with specifically the civil effect
of the religious marriage, the Law of Public Registers foresaw that the marriage
religious, to have civil effect, it would have to be registered in up to thirty
days, in the Civil registry of individuals. The gratuitousness of the
celebration was not foreseen in the Civil Code of 1916, only in the Federal
Constitution of 1988. Already the Civil Code of 2002 express foresees the
register civil of the religious marriage and increases the stated period of
register for ninety days. It also foresees the gratuitousness of the celebration
for all being that the poor people are exempt of the expenditures of the civil
marriage (qualification, register and first certificate).
Key-Words
Civil
law; Family law; Marriage; Civil Marriage; Religious Marriage; Qualification;
Register.
1
INTRODUÇÃO
O casamento é o ato pelo qual um homem e
uma mulher se unem para formar uma família. Dois que se fundem num, para
compartilhar os momentos bons e os momentos ruins, felicidades e tristezas. Mas,
apesar dos momentos ruins e das tristezas, se a união estiver, realmente,
calcada no puro amor, tudo, absolutamente, tudo é superável. Por mais que se
tente, não há como negar a natureza sagrada do casamento. Seja ele realizado
sob os auspícios da Igreja ou não.
Mas, a verdade é que, legalmente, existem
condições para que o casamento seja válido. Para que seus efeitos legais se
verifiquem. Assim, há condições que podem torná-lo nulo ou anulável. São
os impedimentos. Neste trabalho será tratado, especificamente, de um desses
impedimentos capaz de anular o casamento: o erro essencial quanto à identidade
do outro cônjuge.
O matrimônio é um negócio jurídico de
caráter contratual, no qual se distinguem três elementos fundamentais: a
capacidade jurídica dos contraentes, assegurada por todos os requisitos
prescritos pela lei e, em particular, da ausência de impedimentos; a apresentação
de um consentimento válido por parte de ambos os nubentes; e a observância dos
ritos formais para a realização do casamento.
Portanto, o casamento civil é um contrato
público entre duas pessoas que assumem perante a autoridade judicial (juiz de
paz, em cartório de Registro Público) certos compromissos formais de colaboração
e fidelidade: assistência mútua, procriação, sustento e educação de
filhos. A lei exige sempre, certas condições mínimas de habilitação, como a
maioridade (ou autorização de pais ou responsáveis legais dos cônjuges).
Atualmente, na grande maioria dos países,
apenas o casamento civil produz plenos efeitos legais. No entanto, de modo
geral, a maioria dos códigos civis incorpora preceitos estabelecidos pela tradição
religiosa. E, mesmo em nações de regime declaradamente materialista, persiste,
pelo menos em parte da população, o costume de secundar o casamento civil com
uma cerimônia religiosa.
Consciente de que o casamento religioso,
sem efeitos civis, é mera união estável valendo apenas como prova da intenção
de casar, o legislador civil brasileiro decidiu por reconhecer efeitos civis ao
casamento religioso.
Trata-se, neste artigo, do casamento
religioso para efeitos civis, que é consiste no casamento celebrado perante
autoridade religiosa, sendo que na referida cerimônia é feito um termo que
deverá ser posteriormente levado ao Cartório onde foi feito a preparação dos
papéis de casamento, para o devido registro.
2
CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO CASAMENTO
Do latim medieval, casamentu, o
matrimônio permite o estabelecimento de uma nova casa[2].
O casamento nada mais é do que a união lícita e permanente entre o homem e a
mulher. A tradição judaico-cristã consagrou o casamento monogâmico, isto é,
a proibição de o homem ou de a mulher possuírem mais de um cônjuge.
Entretanto, a antropologia cultural atesta
que várias sociedades consagravam, como ainda consagram, a poligamia, gênero
que inclui duas espécies: a poligamia (pluralidade de esposas) e a poliandria
(pluralidade de maridos).
No dizer de BEVILÁQUA[3],
o casamento é:
O
contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem
indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a
mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e
O casamento ingressa na história da
humanidade como processo de socialização. Historicamente tem-se tentado
naturalizar o casamento, mas no fundo ele nada mais é do que uma instituição
social, tal qual a propriedade privada.
Falar “casamento” é sinônimo de
dizer história ou cultura. Cada sociedade esculpiu um ou mais modelos
institucionais para operacionalização de ações relativas à familiaridade e
à conjugalidade.
Devido à influência judaico-cristã no
ordenamento jurídico brasileiro, não é possível se afastar da citação de
MODESTINO[4],
ao mencionar a trilha da decodificação do sentido de casamento para as
sociedades ocidentais. Diz ele que o casamento é a “conjugação do homem e
da mulher; que se associam para toda a vida, a comunhão do direito divino e do
direito humano”.
O que se vê aqui são as matrizes do
casamento sexista, indissolúvel e portal entre o divino e o profano. Durante
muitos séculos esse foi o único modelo vislumbrável pelas sociedades ditas
civilizadas.
Quanto à sua celebração e validade, os
países dividem-se em estratos que vão desde a validade exclusiva do casamento
religioso à secularização do instituto, aceito o registro das cerimônias
religiosas, com efeito, civil. No Brasil vigora esse último sistema[5].
No Brasil de hoje, a conceituação de
casamento ainda congrega querelas acerca da contratualidade ou não do
instituto, mas não comporta mais a indissolubilidade e não atribui
possibilidade de diferenciação entre os cônjuges e entre as formas de filiação.
Sem dúvida avanços na conceituação da instituição matrimonial.
Ao nível internacional o casamento, na óptica
da Organização das Nações Unidas (artigo 16, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos), funda-se na perspectiva da distinção de sexos entre os
nubentes, na ausência de limitações raciais, religiosas ou afetas à
nacionalidade, sendo garantida a sua possibilidade de dissolução.
Assevera ainda o referido postulado que a
validade do casamento está adstrita à existência de liberdade aos nubentes na
sua assunção.
Enfim, o casamento é o contrato de
direito de família que visa a promover a união entre homem e mulher, conforme
a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se
prestarem assistência recíproca.
Ensina DINIZ[6]:
“O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se
unem, segundo as formalidades legais, para obter o auxílio mútuo material e
espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica, e a constituição
de uma família”. Segundo importante corrente ideológica do início do século
18, o casamento seria um mero contrato, cuja validade e eficácia decorreriam
exclusivamente da vontade das partes.
Tal concepção, segundo informa ROGRIGUES[7],
“representava uma reação à idéia de caráter religioso, que visa no matrimônio
um sacramento”. Uma reação a tal entendimento partiu da idéia de que o
matrimônio seria uma instituição[8],
vale dizer, constitui um conjunto de regras impostas pelo Estado, que forma um
todo e ao qual as partes têm apenas a faculdade de aderir, pois, uma vez dada
referida adesão, a vontade dos cônjuges se torna impotente e os efeitos da
instituição se produzem automaticamente. Três são as finalidades do
casamento : 1) disciplinar as relações sexuais entre os cônjuges ; 2)
proteger a prole ; 3) mútua assistência. É a mesma idéia esculpida na encíclica
CASTI CONNUBI, do Papa Pio XI : "Matrimonii finis primaris est
procreatio atque
Infelizmente, hoje, com o incremento
acelerado do número de divórcios, e com a campanha interminável dos meios de
comunicação em defesa da desagregação familiar, vejam-se as novelas do horário
nobre, dificilmente tais metas são cumpridas, e o resultado as estatísticas
comprovam : jovens desajustados e uma sociedade em frangalhos.
Duas correntes doutrinárias procuram
revelar a natureza do casamento: a institucionalista ou supra-individualista e a
contratualista. A primeira vê no casamento um estado que nasce espontaneamente
entre as partes, pois que fruto da própria índole humana, mas que recebe da própria
lei forma e efeitos. A segunda identifica no casamento mero contrato, concepção
esta oriunda do direito canônico, e de forte matiz individualista.
Do casamento se originam, para os cônjuges,
relações de natureza pessoal, ou seja, direitos e deveres recíprocos e
patrimonial, que consiste nos regime de bens adotado. O casamento religioso
equivalerá ao civil, desde que obedecidas as prescrições legais. O casamento
apresenta uma tipologia das mais vastas, ligada à antropologia e ao direito.
Casamento é um contrato no âmbito do
direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher,
conforme a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole
comum e se prestarem mútua assistência. Trata-se de ao complexo onde estão os
elementos volitivo e institucional.
Note-se que até 28 de junho de 1977 o
casamento, no direito brasileiro, era indissolúvel, o que foi alterado pela
Emenda Constitucional no 9, instituindo-se o divórcio no Brasil.
3
CASAMENTO NO DIREITO BRASILERIO
Sintetizando informações obtidas na
bibliografia utilizada para esse estudo, constata-se que, historicamente, do
ponto de vista da sistemática constitucional brasileira, só a família
imperial mereceu a atenção da Constituição Política do Império no Brasil,
nos artigos 105 a 115. A primeira Constituição republicana, de 1891,
limitou-se a declarar, no artigo 72, parágrafo 4o, que a “República
só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”, preceito
este que serviu de desate para a polêmica, em torno da anterior legitimidade do
casamento religioso, quando a Igreja Católica estava unida ao Estado, durante o
Império, sendo o catolicismo a religião oficial deste, na disposição do
artigo 5o, da Carta Política de 1824.
Mais tarde, sob a República, o casamento
religioso acabou tendo efeitos civis, desde que satisfeitas certas formalidades
legais, imposição da Lei no 1110, de 23.05.1950.
A influência religiosa perdurou, de
maneira mais acentuada, com relação ao casamento, no que tocou a
indissolubilidade deste, aspecto este que foi expressamente declarado no texto
da Constituição de 1934, em seu artigo 144, e mantido nas Cartas Políticas
subseqüentes, até o advento da Emenda Constitucional no 9, de 28 de
junho de 1977, que ensejou a promulgação da Lei 6.515, de 26 de dezembro de
1977, admitindo o divórcio e dando outras providências, coroando uma longa
batalha pela introdução deste instituto na legislação brasileira.
Não obstante, a Constituição de 1969
manteve o estigma obscurantista e preconceituoso, ao proclamar que “a família
é constituída pelo casamento”, em seu artigo 175, estigmatizando a família
natural constituída pela união livre, até porque existem impedimentos legais
para a celebração do casamento, em determinados casos.
Dispôs ainda a Constituição de 1969,
seguindo a sistemática anterior que a legislação especial disporia sobre a
assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a
Quando da institucionalização da
Constituição de 1988, o constituinte percebeu que uma nova Constituição não
pode seguir mantendo sistemática antiga. Deve, além de buscar adequar-se à
realidade da nação, servir de instrumento para adequar a nação à realidade
do mundo contemporâneo, motivando o povo à modernidade. A de 1988, no capítulo
dedicado à família, atingiu este duplo desiderato ao reconhecer a mutação do
modelo de família, impossível de continuar mascarada, e ao impor normas
igualitárias e antidiscriminatórias, do mais amplo alcance social. Sua adequação
começa logo no primeiro artigo, o 226, que dispõe: “A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”.
A inovação está em que, até então,
todas as constituições brasileiras estabeleciam que família legítima era só
a constituída do casamento. Condicionavam a existência legal de uma família
ao casamento.
Sem dúvida que o casamento continuará
sempre como a forma ideal de união, por ter seu elenco de direitos e deveres,
constituindo uma sociedade conjugal disciplinada por um regime de bens certo, e
com procedimentos regulares de dissolução. Mas, já era tempo, também, de se
deixar de condicionar a família
ao casamento civil.
Os ritos sociais e religiosos,
formalizando ou sacramentando uniões, variavam e variam na conformidade da
cultura de sua época, dos usos e costumes locais e de cada credo, sempre, porém
identificando-se como família. Ressalte-se que desde os tempos remotos, quando
os primeiros humanos começaram a povoar a terra, tão antes da criação do
casamento civil, sempre existiu família, independentemente deste.
A família é o grupo social agregado pelo
vínculo do parentesco, e esses laços preexistiram à mais remota cerimônia de
casamento, ainda que apenas simbólica, porque o casamento se funda sobre a família,
antes que a família sobre o casamento.
Por serem naturais, estes laços são tão
eternos quanto independentes de leis que assim o digam. Normas concubinárias e,
principalmente, o instituto do casamento civil, que também passaram a
identificar como “família”
o respectivo casal, são figuras fictas, criadas pela inteligência para
conceituações sócio-jurídicas.
Por isso que é mais racional o atual
texto constitucional, que sepulta as redações anteriores que traduziam a ficção
de família como apenas a constituída pelo casamento.
Explica MORAES[10]
que, na verdade, por suas origens, o direito civil brasileiro foi codificado com
um enfoque nobiliárquico e canônico, privilegiando, de um lado, os interesses
dos senhores da terra enquanto coronéis da política e capitães do latifúndio
rural e, de outro, os bem-nascidos e as pessoas que se portassem dentro dos
ditames da Igreja.
Por força dos interesses destes grandes
eleitores é que os congressistas sempre legislavam considerando família apenas
a constituída pelo casamento, assim excluindo qualquer possibilidade jurídica
da Justiça acolher alguma pretensão de concubina, e o casamento, por sua vez,
mantido indissolúvel, ou seja, quase sagrado, numa forma indireta de considerar
desprezível qualquer outra união, com ênfase a adulterina.
Os mesmos interesses constrangeram à
negativa de conseqüências civis à paternidade espúria. Protegia-se com um véu
legal a libertinagem daqueles senhores então inatingíveis nos seus bolsos
pelos filhos extra-matrimoniais que punham no mundo, assim desobrigados de
alimentá-los e tendo seus espólios protegidos contra a indesejada
multiplicidade de herdeiros.
O novo Código Civil, em consonância com
o estabelecido na Constituição Federal de 1988, traz significativas inovações.
Por exemplo, como a Constituição Federal estabelece no artigo 5º, inciso I, a
igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, reafirmando-a, no
direito de família em seu artigo 226, parágrafo 5º, o artigo 1.509 do novo Código
Civil prevê que: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima”. Deste modo, no Título
I, Subtítulo II, Capítulo VI do Livro do Direito de Família, a expressão
“pátrio poder” dá lugar a expressão poder familiar, a ser exercido
igualmente pela mulher e pelo marido.
Ainda em consonância com o estabelecido
na Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 2º, o artigo 1.512 do
novo Código Civil prevê que: “O casamento religioso, que atender às exigências
da lei para a validade do civil, equipara-se a este, desde que inscrito em
registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração”.
Saliente-se que o Código Civil de 2002
denomina “casamento” o ato civil e “matrimônio” o ato religioso.
Mais adiante, em seu artigo 1.556, suprime
o texto do anterior inciso IV do artigo 219 do Código Civil de 1916. Com isso,
acaba a autorização legal para o marido pedir a anulação do casamento se
descobrir que a mulher não era mais virgem.
Isto também ocorre em face da disposição
constitucional que expressa a igualdade entre os homens e mulheres, não cabendo
mais em nosso ordenamento jurídico civil a possibilidade de anular-se o
casamento com base na alegada ignorância de defloramento da mulher. É que não
sendo possível verificar-se a virgindade do homem, seria tratamento desigual
exigir prova de virgindade da mulher.
Muito embora tenha sido suprimido o texto
que constava do inciso VII do artigo 183 do Código Civil de 1916, que impedia o
casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu, por tal condenado, o novo Código
Civil assume sua característica conservadora ao manter o adultério entre os
motivos para perda de guarda dos filhos na separação judicial.
Além disso, e ainda sobre o casamento, o
Código Civil de 2002 adequando-se ao artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição
Federal, extingue o conceito de “casamento
legítimo” para aceitar também a união estável como entidade
familiar. No entanto, diferencia essa união estável do concubinato. A
primeira, é a união informal existente há pelo menos cinco anos entre pessoas
que não sejam impedidas legalmente de casar. A união com filhos será estável
após três anos. A segunda, é tratada como uma relação adulterina, não
gerando direitos para quaisquer dos concubinos.
Portanto, os conviventes em união estável
terão direito a herança o que já é parcialmente permitido pela Lei nº
9.278, de 10 de maio de 1996, ao passo que a concubina não terá.
4
CASAMENTO RELIGIOSO DE EFEITOS CIVIS
O casamento civil surgiu, dentre outros
fatores, da preocupação da Igreja Católica com os casamentos clandestinos e
da necessidade de parametrização, normatização da matéria, uma vez que com
o nascimento do anglicanismo católico passaram a não reconhecer os casamentos
celebrados por protestantes e vice-versa.
O casamento cristão, ao contrário do que
se poderia imaginar, não é tão antigo quanto o Cristianismo. O casamento tal
como conhecemos atualmente é uma invenção medieval e se casar na Igreja só
se tornou prática corrente no século XIII[11].
CAHALI[12]
traz um panorama jurídico-religioso da época:
A
princípio, a ação da Igreja visou apenas a moralização do casamento do
ponto de vista religioso. Porém, à medida que se foi desenvolvendo o direito
canônico e, sobretudo, à medida que aumentava o poder espiritual e político
da Santa Fé, começou a atribuir-se competência legislativa e jurisdicional.
As primeiras medidas datam do século IX. Paulatinamente foi aumentando a sua
ingerência até que finalmente o Concílio de Trento (1563) afirmou
definitivamente sua competência.
Os casamentos, até meados de 1500, eram
civis, reservados ao seio familiar. Mas isto não quer dizer, em absoluto, que
as celebrações religiosas não existiam. “De repente direito e rituais até
então civis tornam-se eclesiásticos. O direito matrimonial ingressa na competência
da Igreja, que entende legislar e julgar soberanamente sobre a matéria”[13].
Nos moldes atuais[14],
o casamento civil foi instituído na Holanda, em 1580. Naquele país, todos os não
calvinistas deveriam se casar perante o magistrado civil; aos judeus,
dispensava-se e, aos calvinistas, facultava-se.
Não há concordância entre os estudiosos
sobre a época precisa em que se operou a importante transformação da troca
dos papéis; mas existe uma certa concordância em fixar, no século XI, o início
da supremacia da Igreja na esfera até então reservada ao interesse privado. Na
Idade Média, o casamento percorria a segunda fase importante de sua evolução.
Inicialmente, restrito à esfera religiosa sob total dependência da Igreja.
Resta, ainda, uma terceira e definitiva fase: a da supremacia incontestável do
Estado[15].
Com o advento da Independência do Brasil
em 1822, o país necessitava de legislação própria. O Brasil precisava
crescer, expandir. Para isso, o país viu-se obrigado a recorrer à imigração,
que trouxe um choque cultural muito grande entre os que aqui aportaram e aos
brasileiros.
As uniões advindas destes relacionamentos
não encontravam guarida nas leis eclesiásticas e, por isso, eram
marginalizadas.
Com a Lei no 1.144, de 11 de
setembro de 1861, houve a permissão para o casamento de pessoas não católicas.
O enlace deveria ser celebrado segundo o ritual religioso professado pelos
nubentes.
Esta lei conferiu “efeitos civis aos
casamentos religiosos realizados pelos não católicos desde que estivessem
devidamente registrados”[16].
Para tanto, criou-se um registro estatal para atender à situação dos não católicos.
Nessa época, o Brasil contava com três
formas de casamento: a) o católico, observando todas as prescrições do Concílio
de Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia; b) o misto, mesclando
disposições católicas e de outros credos; e c) o não católico, conforme a
Lei no 1.144 de 11.09.1861, conferindo aos juízes competência para
decidir todas as questões relativas à matéria.
Foi bastante difícil a conscientização
da população, sobretudo a rural, acerca da necessidade do ato civil. O povo
continuava prestigiando somente o casamento religioso, constituindo verdadeiras
uniões estáveis, para usar a linguagem jurídica atual.
A Constituição de 1934[17]
inaugurou um capítulo reservado a disciplinar a matéria familiar. No
artigo 146, dispunha, in verbis:
O
casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante
ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública
ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento
civil, desde que perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na
verificação dos impedimentos e no processo da oposição, sejam observadas as
disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será
gratuito e obrigatório.
A Constituição de 1946, no parágrafo 1º,
confirmava o reconhecimento do casamento religioso. A partir daí,
surge em 1950, legislação regulamentando o casamento religioso com efeitos
civis.
Em consonância com o estabelecido na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 2º, o artigo
1.512 do Código Civil de 2002 prevê
que “o casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade
do civil, equipara-se a este, desde que inscrito em registro próprio,
produzindo efeitos a partir da data de sua celebração”.
Em relação à terminologia, o novo Código
denomina “casamento” o ato civil e “matrimônio” o ato religioso. Tendo
em vista a previsão constitucional para o casamento religioso com efeitos
civis, o novo Código Civil, lei ordinária, não tem força para extingui-lo.
E, realmente não o fez.
O procedimento que era disciplinado parte
na Lei no 1.110 de 1950 e parte na Lei no 6.015 de 1973,
passa a ser regulado nos artigos 1.515 e 1.516 do Código Civil de 2002. O
deslocamento das normas regulamentadoras do casamento religioso com efeitos
civis da Lei no 1.110 de 1950 e Lei no 6.105 de 1973 para
o corpo do Código Civil de 2002 demonstra sua valorização pelo legislador.
Aqui, será, obrigatoriamente, visto por todos que se depararem com o direito de
família, já que está, topograficamente, logo nos primeiros artigos no Livro
IV.
De pronto, o Código Civil de 2002 parece
resolver problema apontado acerca da natureza do registro. Para a validade do
casamento religioso é mister a inscrição no registro, donde se conclui que
ele é da substância do ato. O artigo 1.516, no parágrafo 1º do novo Código
Civil cuida da habilitação prévia e no 2º da habilitação posterior.
No casamento religioso com efeitos civis
mediante habilitação prévia, constata-se que o prazo para o registro foi
dilatado de trinta e noventa dias. Os legitimados para requerê-lo continuam os
mesmos do artigo 3º, da Lei no 1.110 de 1950 e artigo 73 da Lei no
6.015 de 1973, ou seja, a autoridade religiosa celebrante ou qualquer
interessado.
Transcorridos os noventa dias sem qualquer
manifestação das partes legitimadas a requerer o registro, bastará submissão
a nova habilitação para que o casamento religioso seja registrado.
Pelo Código Civil de 2002, os nubentes
ficarão de posse do certificado de habilitação, válido por noventa dias, o
que implica na possibilidade de efetivação ou não do registro. Aliás, isto dá
margem a duas oportunidades para a não regulamentação do casamento religioso:
a primeira, senão quiserem se submeter à habilitação, a segunda, se não
requererem o registro.
Determina o novo Código Civil a nulidade
absoluta para o “registro civil do casamento religioso se, antes dele,
qualquer dos consorciados houver contraído com outrem o casamento civil”[18].
O artigo 1.515 coloca como requisito para a validade do casamento religioso sua
inscrição no registro. Em se tratando de habilitação prévia, a inscrição
no registro pode ser pedida pelo celebrante ou qualquer interessado.
Diante disso, a morte de um deles,
levando-se em consideração que a cerimônia religiosa é relevante
juridicamente, não será empecilho para que o casamento religioso seja
registrado, surtindo todos os efeitos legais cabíveis desde a data da celebração,
se requerido no prazo legal.
Por sua vez, no caso da habilitação
posterior, a lei ordena o requerimento do casal. Assim, o óbito de um dos
nubentes impedirá que o casamento religioso produza qualquer efeito jurídico.
Em face do exposto, buscou-se demonstrar
que o casamento religioso com efeitos civis tem amparo constitucional e na
legislação ordinária, há mais de cinqüenta anos, podendo ser mais um
instrumento a unir homens e mulheres pelos laços do amor, afeto, fidelidade e
amizade, para a consecução de seus objetivos mais íntimos.
Entretanto, lacunas existem. O Código
Civil de 2002 não resolveu alguns problemas de maneira expressa. Cabe aos que
buscam fazer ciência jurídica, ordenar as normas e interpretar a lei diante da
lacuna, porque é indubitável que a tarefa mais importante do jurista consiste
em apresentar o direito sob uma forma ordenada ou sistemática, para facilitar o seu conhecimento, bem como seu
manejo por parte dos indivíduos que estão submetidos a ele, especialmente
pelos que o aplicam.
Parece evidente que a função do
cientista do direito não é mera transcrição das normas, já que estas não
se agrupam em uma ordem, em um todo ordenado, mas sim a descrição, a
interpretação, que consiste, fundamentalmente, na determinação das conseqüências
que derivam de tais normas.
O casamento religioso e seus efeitos civis
aparecem pela primeira vez na Constituição de 16 de julho de 1934, sendo
admitido plenamente em 1937, através da Lei 379, de 16 de janeiro. Mais
adiante, a Lei nº 1.110, de 23 de maio de 1950, regulou seu reconhecimento,
seguido pela Lei nº 6.015 e ainda pelo Novo Código Civil.
O casamento civil reveste-se de
formalidades antecedentes ou preliminares, concomitantes e subseqüentes. As
formalidades preliminares são as chamadas habilitantes. É a própria habilitação
matrimonial que consiste no meio pelo qual os nubentes perante o oficial do
registro, com fiscalização do órgão do Ministério Público e homologação
do Juiz de Direito, reúnem e satisfazem os requisitos necessários para a
realização do casamento civil válido.
As formalidades concomitantes se processam
perante o presidente do ato que é o juiz de paz. São formalidades do momento
da celebração do casamento: o Juiz ao ouvir dos pretendentes a afirmação de
que persistem no propósito de casarem-se, declara efetuado o casamento nos
termos do artigo 1.535 do código civil, formulando: "de acordo com a
vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e
mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados".
Este é o momento da efetivação do
casamento civil, a partir deste instante, para seu desfazimento só caberá ação
de anulação ou nulidade.
As formalidades subseqüentes, são a leitura da ata respectiva e as devidas
assinaturas no termo do casamento.
Extrai-se, da análise da legislação
pertinente, que são necessários alguns requisitos para o preparo de habilitação ao casamento civil. Trata-se da apresentação
de documentos que deverão ser levados ao cartório pelos próprios nubentes, no
prazo mínimo de 30 e no máximo de 90 dias antes do casamento. Os documentos são
os seguintes:
a) para os
solteiros: certidão de nascimento
(original ou fotocópia autenticada); b) para os divorciados: certidão de
casamento com averbação do divórcio (original ou fotocópia autenticada) e
certidão da partilha de bens (extraída na Vara de Família do Fórum).
C) para os viúvos: certidão de
casamento e certidão de óbito
do cônjuge falecido (original ou fotocópia autenticada); d) para os menores
de 18 anos: comparecer os pais com documento de identidade, se um deles
for falecido trazer certidão de óbito (original ou fotocópia autenticada).
O pedido de habilitação é processado
pelo Cartório do Registro Civil do subdistrito de residência de qualquer um
dos “noivos” e a sua celebração, ao invés de ser presidida pelo juiz de
casamentos o será por autoridade religiosa de igreja escolhida pelos nubentes,
desde que legalmente constituída Depois da celebração religiosa será lavrada
ata, assinada pelo celebrante, os contraentes e as testemunhas que
necessariamente será apresentada
no Cartório habilitante com a firma do celebrante reconhecida dentro do prazo
de trinta dias da cerimônia religiosa devendo este prazo estar dentro dos três
meses que os contraentes teriam para se casarem em Cartório. Esta ata será
registrada no livro competente, expedindo-se daí a certidão de casamento.
Com o Código Civil de 2002 em vigor, o prazo
para o registro deste casamento passa a ser de 90 dias a partir da data da
celebração.
Ressalte-se que tanto o pedido de habilitação
para o casamento quanto a manifestação de vontade podem ser feitas através de
procurador, nomeado para este fim, devendo, a procuração ser feita por
instrumento público em Tabelião de Notas com poderes específicos para
casamento, constando da mesma o regime de bens a ser adotado. Mas o instrumento
deverá ser público e terá validade por noventa dias a partir da data da
lavratura.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não cabe mais, na concepção atual da
sociedade e do direito, o casamento como um celeiro de moralidade e
estabilidade, na forma indissolúvel. Se ainda fosse visto como o único meio
para a geração da familiaridade, apenas confirmaria um sentimento hipócrita e
se estaria agindo de forma desonesta para com os que o praticam.
DIAS[19]
afirma que, “como cabe ao direito regular a vida, e sendo essa uma eterna
busca de felicidade, impossível que não reconheça o afeto como um vínculo
que não serve só para gerar a vida, eis que conforme diz Silvio Macêdo, o
amor é um valor jurídico”. Daí o papel não só do legislador, mas também
dos operadores do direito de adequarem os institutos jurídicos à vida.
Pode-se dizer que o direito de família no
Brasil é hodiernamente um direito constitucionalizado. Não fora a inclusão na
Constituição Federal de 1988, de uma série de princípios acerca da
familiaridade e estes talvez ainda restassem não protegidos.
Mais do que uma instituição de ordem
patrimonial o casamento é um instituto fundado em relações afetivas, logo se
sucumbe ao viés contratualista igualando-se aos objetos da ordem das obrigações,
perdendo sua dimensão de desejo.
Pelas leis
brasileiras somente os solteiros, viúvos e divorciados poderão se casar. Os
solteiros, mas menores só poderão se casar com a autorização dos pais ou
tutores.
Se no Código
Civil de 1916 o casamento podia ser
celebrado mediante procuração com poderes especiais e sem prazo para o mandato
e nem da revogação (artigo 201), pelo Código Civil de 2002, o casamento pode
celebrar-se mediante procuração por instrumento público, com validade
restrita para noventa dias (artigo 1.542 parágrafo 3º) e prevê a
revogação do mandato por instrumento público (artigo 1.542 parágrafo 4º).
Quanto à idade núbil,
no artigo 183 do Código Civil de 1916 era de 16 anos para a mulher e de 18 anos
para o homem, mas o legislador civil de 2002 preferiu equiparar a idade núbil
do homem e da mulher aos 16 anos de idade (artigo 1.517).
Muito embora o Código
Civil de 1916 não tratasse especificamente dos efeitos civis do casamento
religioso, a Lei de Registros Públicos, em seus artigos 71 a 75, previa que o
casamento religioso, para ter efeito civil, deveria ser registrado em até
trinta dias, no Registro Civil das Pessoas Naturais.
A gratuidade da celebração
não estava prevista no Código Civil de 1916, somente na Constituição Federal
de 1988, no artigo 226, parágrafo 1º: “o casamento é civil e gratuita a
celebração”.
Já o Código Civil de
2002 prevê expressamente o registro civil do casamento religioso e aumenta o
prazo de registro para noventa dias (artigos 1.515 e 1,516). Prevê também a
gratuidade da celebração para todos (artigo 1.512) sendo que as pessoas pobres
são isentas das despesas do casamento civil (habilitação, registro e primeira
certidão, artigo 1.512, parágrafo único).
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro: Ed. Rio,
1976.
CAHALI,
Yussef Said. Do casamento. In: Enciclopédia
Saraiva do Direito, v. 13. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
DIAS,
Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
DINIZ,
Maria
LEITE,
MORAES,
Alexandre Pouchain de. O direito de família e o novo código civil
brasileiro. Disponível
em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=520>.
Acesso em: 17.Mar.2005.
RODRIGUES,
Sílvio. Direito de família. V. 6. São Paulo: Saraiva, 1994.
WALD,
[1]
(Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense – Unipar, campus de
Cianorte-PR. Escrivã da Vara Cível e Distribuidora Judicial designada da
Comarca de Terra Boa – Estado do Paraná).
[2]
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro: Ed. Rio,
1976. p. 35.
[3]
Idem, ibidem, p. 35.
[4]
BEVILÁQUA, Clóvis. Op. cit.
[5]
DINIZ, Maria
[6]
DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p.
44.
[7]
RODRIGUES, Sílvio. Direito de família. V. 6. São Paulo: Saraiva,
1994. p. 36.
[8]
PLANIOL e RIPERT. Traité Pratique de Droit Civil Français.
Apud RODRIGUES, Sílvio. Op. cit.,
pp. 36-8.
[9]
Encíclica CASTI CONNUBI. Apud RODRIGUES, Sílvio. Op. cit.,
p. 38.
[10]
MORAES, Alexandre Pouchain de. O direito de família e o novo código
civil brasileiro. Disponível
em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=520>.
Acesso em: 17.Mar.2005.
[11]
CAHALI, Yussef Said. Do casamento. In: Enciclopédia
Saraiva do Direito, v. 13. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. pp.
455-60.
[12]
Idem, ibidem, p. 455.
[13]
LEITE,
[14]
Na atualidade, no direito brasileiro têm-se o sistema do casamento
religioso obrigatório, civil obrigatório, civil facultativo e o civil
subsidiário. O casamento civil obrigatório é o sistema que, atualmente,
abrange a imensa maioria dos países. Para que o casamento surta efeitos na
esfera civil, há que ser realizado perante autoridade estatal. Assim, pouco
importa a fé professada pelos nubentes. Eles deverão preencher todos os
requisitos apontados pela legislação civil para que sua união matrimonial
produza efeitos civis. No que concerne à celebração religiosa, esta valerá
apenas para fins de credo pessoal dos nubentes. Já para o sistema do
casamento facultativo, consoante a própria denominação, os nubentes podem
optar pelo casamento civil ou religioso. Tanto num quanto noutro, o Estado
conferirá todos os efeitos civis cabíveis. O casamento civil subsidiário
caracteriza-se pela adoção de um Direito matrimonial religioso, pelo
Estado. Somente as pessoas que não professem aquela fé possuem o direito
ao casamento civil.
[15]
LEITE,
[16]
WALD,
[17]
A Constituição de 1937 é omissa acerca do assunto.
[18]
Artigo 1.516, parágrafo 3º.
[19]
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 74.