CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
Leonardo Carraro Poubel
O presente trabalho tem como objetivo precípuo o estudo do direito tributário coercitivo, em função do vasto campo de tributos existentes na legislação brasileira, que viabilizam e facilitam atividades lesivas à ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, em sentido amplo.
Inúmeras foram as Leis elaboradas e vigentes no País que regulavam e tipificavam as formas de lesão aos bens tributários, principalmente Leis específicas, como exemplo, crimes de sonegação fiscal, apropriação indébita, Código Penal etc.
A coerção proposta pelo direito tributário abrange não somente o processo administrativo tributário coercitivo, como também o direito tributário coercitivo em âmbito criminal, trabalhando unidos na apuração dos crimes contra a ordem tributária, na dependência um do outro, ou seja, o processo administrativo tributário coercitivo, apurando e quantificando a lesão propriamente dita à ordem tributária, e o direito tributário coercitivo em âmbito criminal como instrumento para a aplicação das penalidades cabíveis ao transgressor.
Observamos a estreita comunicação e, muito comum, a confusão entre o direito tributário coercitivo e o direito penal tributário, porém, exigindo-se uma apurada análise madura destes ramos do direito, como são propostos, para se evitar interpretações equivocadas da legislação em vigor, que trata do tema.
Com o constante desenvolvimento da sociedade e a exaustiva carga tributária praticada em nosso Pais, necessário tornou-se, ao legislador, elaborar normas coercitivas que integrassem o sistema tributário de forma independente da legislação penal, evitando-se a constante ocorrência dos equívocos ora constatados na interpretação da Lei. E assim o fez, na iminência de propiciar ao operador do direito uma interpretação exata da essência da Lei n.º 8.137, de 27.12.90 ( Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências).
Ou seja, afastou-se da seara do direito penal, questões exclusivamente de ordem tributária, sem deixar, é claro, de fazer uso das normas criminais em momento oportuno, como exemplo, os crimes funcionais contra a ordem tributária, previstos no Decreto-Lei nº 2.848, de dezembro de 1940 – Código Penal, Título XI, Capítulo I.
Portanto, o marco inicial e crucial desta distinção foi a promulgação da Lei n.º 8.137, de 27.12.90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, de forma consciente e serena para a interpretação do instituto do crime contra a ordem tributária, sem a imposição e influência maléfica das normas do direito penal.
Com a presente legislação aspirando sua real essência, qual seja, a regulamentação das condutas ilícitas contrárias ao ordenamento tributário, tornou-se possível observar quais atividades serão consideradas ilícitas e, conseqüentemente, passíveis de sanção pelo Estado.
Constituição Do Crime Tributário.
O Caput do art. 1º da Lei disciplina que “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório,...” Grifoss nossos...
Observa-se que o Sr. Legislador propôs um desafio ao intérprete da Lei, quando menciona que o ato de suprimir ou reduzir tributo é que constitui o crime tributário. E foi claro o sentido da Lei quando disciplinou a forma de constituição do crime tributário ao apresentar suas duas (2) espécies, quais sejam, em razão da supressão de um tributo, contribuição social e seus acessórios e em razão da redução de um tributo, contribuição social e seus acessórios.
Coube ao doutrinador interpretar e explorar o termo supressão de tributo, para a constituição do crime tributário, chegando-se á conclusão que as condutas ilícitas descritas nos incisos I usque V do art. 1º, são formas adequadas de supressão de tributos, condutas estas, portanto, consideradas ilícitas e, conseqüentemente sujeitas à sanção de pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
As formas de supressão de tributos caracterizadores de crimes tributários são apresentados nos seguintes incisos do art. 1º, verbis...
Art. 1º omissis...
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Existe, ainda, na doutrina, questão referente aos tipos do art. 1º, da Lei 8.137/90, quando questionam a natureza das condutas para a configuração propriamente dita do crime; se são crimes materiais ou formais. Neste ponto há frontal divergência entre a doutrina dominante e aquilo que os tribunais têm decidido.
Questão pacífica, portanto, serem materiais as normas dos incisos do art. 1º da referida Lei, justamente para determinar que o momento da consumação do delito, ou seja, restará configurado o crime tributário quando do resultado propriamente dito da conduta ilícita, ou seja a supressão do tributo.
Diferentemente, ainda, na doutrina, questão referente aos tipos dos incisos do art.º2 , da Lei 8.137/90, quando questionam a natureza das condutas para a configuração propriamente dita do crime; se são crimes materiais ou formais. Neste ponto há frontal divergência entre a doutrina dominante e aquilo que os tribunais têm decidido.
Questão pacífica, portanto, serem formais as normas dos incisos do art. 2º da referida Lei, justamente para determinar que o momento da consumação do delito independe do resultado, ou seja, restará configurado o crime tributário mesmo que não produza resultados no plano externo, e sim meramente a intenção de reduzir do tributo será considerada ilícita e passível de sanção.
Na mesma linha de raciocínio, coube, também, ao doutrinador, interpretar e explorar o termo redução de tributo, para a constituição do crime tributário, chegando-se á conclusão que as condutas ilícitas descritas nos incisos I usque V do art. 2º, são formas adequadas de redução de tributos, condutas estas, portanto, consideradas ilícitas e, conseqüentemente sujeitas à sanção de pena de detenção de 6 (seis) a 2 (cinco) anos, e multa.
E as formas de redução de tributos caracterizadores de crimes tributários são apresentados nos seguintes incisos do art. 2º, verbis...
Art. 2° omissis...
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Extinção da punibilidade.
A extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária (sonegação fiscal) era disciplinada pelo artigo 14 da Lei n.º 8137/90 que determinava que o pagamento do débito tributário feito antes do recebimento da denúncia criminal era causa excludente da punibilidade, mas foi revogado pelo art. 98 da Lei n.º 8.383/91. O art. 34 da Lei nº 9.249/95, contudo, voltou a admitir a mencionada extinção da punibilidade.
Quanto à extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita previdenciária, temos que o § 2o , do artigo 168-A do Código Penal determina que "é extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal."
Neste diapasão, é importante observar que o autor de um crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal) poderia ter extinta a sua punibilidade, desde que pagasse o débito tributário até o recebimento da denúncia. Quanto ao crime de apropriação indébita, o autor do crime só teria a extinção de sua punibilidade se efetuasse o pagamento do débito fiscal até o início da ação fiscal.
Ocorre que a partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003 a extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária ganhou novo regramento. O dispositivo que trouxe a inovação foi o artigo 9º, in verbis:
Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
Frise-se que o dispositivo legal supracitado não faz qualquer menção ao recebimento da denúncia, silenciando, outrossim, quanto ao momento processual em que o pagamento integral do débito pode ser feito, com a conseqüência extinção da punibilidade.
Neste sentido, aquele contribuinte que cometeu qualquer um dos crimes acima mencionados poderá ver sua punibilidade extinta, desde que ultime o pagamento do tributo devido, mesmo que seja após o recebimento da denúncia.
Competência
A competência para julgar os crimes contra a ordem tributária é estabelecida pelo tributo que sofreu a lesão, que poderá ser da União (Justiça comum Federal) ou do Estado-membro ou Município (Justiça comum Estadual).
Responsabilidade Penal
A responsabilidade pela prática dos delitos contra a ordem tributária é idêntica à do direito penal comum. O legislador, neste caso, apenas deu especial destaque ao crime cometido através da pessoa jurídica, que é a regra tratando-se de delitos fiscais.
Desta forma, “quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 11, da Lei nº 8.137/90)
Conclusão
Ante todo o expendido, podemos concluir que definitivamente o direito tributário coercitivo deve ser interpretado de forma independente do direito penal, nos crimes contra a ordem tributária, o que vem sendo pacificado na doutrina e jurisprudência brasileira.
Embora intimamente ligados, a individualização dos meios coercitivos do direito tributário tem eficácia visível nos tribunais e entre os doutrinadores tributaristas, observamos a independência deste poder coercitivo aplicado na legislação nacional.
Referências Bibliográficas
Rosa Junior, Luiz Emygdio Franco da. – Manual de direito financeiro & direito tributário – Rio de Janeiro, Renovar, 2000.
Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.