O DANO ESTÉTICO NA ATIVIDADE DO MÉDICO
Publicado no CD-ROM JURIS SÍNTESE, n° 29, Mai/Jun, de 2001, da Editora Síntese – Porto Alegre – RS.
Autor: Neri Tadeu Camara Souza
Na área de atuação do médico a possibilidade de advirem dos seus procedimentos médico-hospitalares dano estético é bastante plausível. Desde seqüelas por procedimentos cirúrgicos, como podemos encontrar na cirurgia plástica estética, até seqüelas por queimaduras. Ou, outras lesões quando o paciente se encontre internado ou esteja fazendo uso de medicamentos tópicos que venham a desencadear reações indesejáveis, prejudicando com suas alterações a aparência física.
O dano estético é aquilo que agride a pessoa nos seus sentimentos de auto-estima, prejudicando a sua avaliação própria como indivíduo. Denigre a imagem que tem de si. Por isto não precisa estar exposto, ser externo, nem ser de grande monta para que caracterize-se a seqüela física como dano estético. Mesmo deformidades em áreas íntimas da pessoa que, dificilmente, nas situações sociais estejam expostas à vista de terceiros, caracterizam o dano estético já que a presença de alterações físicas, mesmo que diminutas, têm conscientizada sua presença pelo portador e sabe este que em situações de maior intimidade com outras pessoa as mesmas aflorarão, tornar-se-ão visíveis. Isto lhe traz um indizível sofrimento interno, psicológico. Até em situações cotidianas, hoje em dia , já que na sociedade moderna o uso de pouca roupa é bastante freqüente, haverá exposição destas alterações na aparência, causando constrangimento ao seu portador, variável de indivíduo para indivíduo, mas sempre presente. "O dano estético melindra a imagem da pessoa, deformando seus bens físicos exteriores, geralmente visíveis ou descobertos. Modifica duradouramente as funções orgânicas ou motoras, transformando a boa aparência, ou o porte físico, ou a voz da vítima. Pode, ainda, provocar aleijões com força de impedir o lesado de exercer o trabalho que desempenhava antes do infortúnio. Dano estético tem incidência ampla. Não é apenas o aleijão, mas qualquer deformidade pequena que importe em afeamento, ou que represente para a vítima um motivo de desgosto, de indisposição, de inferioridade ou de desconforto. A constante visão do ferimento não é essencial, podendo servir para um montante maior na reparação. A localização, porém, pode ter enorme significado para determinadas pessoas. Uma cicatriz no rosto de bela modelo, disputada para desfiles internacionais, não terá equivalência com o golpe na face de bronco caipira" (Arnaldo Marmitt, DANO MORAL, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1999, p.122).
É cada vez mais presente, em nosso ordenamento jurídico, o entendimento de que estas lesões são passíveis de indenização. Pode-se, até, entender que um tratamento médico não surta os efeitos desejados ou não tenha uma evolução para a cura. Convém lembrar que Medicina vem do grego "medeor": aquele que cuida e, que Hipócrates já estabelecia, "primum non nocere": primeiro não prejudicar. É, pois, fácil de entender que não possa haver piora na aparência do paciente quando se submeta à procedimentos médicos, principalmente cirurgia plástica estética – embelezadora, via de regra. Ou, que vá se submeter a um tratamento médico, por vezes internado, e saia deste tratamento com lesões outras que não as advindas da doença, prejudicando a sua aparência física, a sua estética. Lesões estas, da aparência, que podem se situar em partes do corpo sem nenhuma relação com a doença para a qual buscou tratamento.
Cabe lembrar que o dano estético é espécie do dano moral que é o gênero. Constitui-se o dano estético em modalidade do dano moral que lesa um dos direitos da personalidade: a aparência física. "Direitos da personalidade são os direitos inerentes ao ser humano, ou faculdades jurídicas, cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos (Limongi França, RT 370/1). Não são apenas os previstos em lei. São todos aqueles direitos subjetivos que têm por objeto bens constituídos por certos atributos ou qualidades físicas ou morais do ser humano, as projeções físicas e morais do homem" (Arnaldo Marmitt, DANO MORAL, Aide Editora, Rio de Janeiro, 1999, p.8).
O dano estético portanto está entre os direitos personalíssimos. O titular do direito de ação é, pois, o próprio lesado. "No Brasil só é parte legítima para pleitear indenização a vítima da ofensa, da qual resultou o dano" (Miguel Kfouri Neto, RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998, p.95). Não se admite a renúncia antecipada a este direito, apenas, é cabível o não exercício do direito de ação em caso de dano estético. Cabe ao lesado provocar a prestação jurisdicional. "Quanto ao dano estético, que é lesão à integridade física de alguém (direito da personalidade) e, portanto, bem fora do comércio, não vai ser admitida nenhuma convenção visando a sua não ressarcibilidade, tanto em seus aspectos morais quanto materiais (pois aqui não se admite o princípio do "volenti non fit injuria"). Em outras palavras, o prejuízo estético deve ser sempre indenizado, mesmo que tenha se originado no contrato, pois sua proteção extrapola o próprio acordo de vontades" (Tereza Ancona Lopez, O DANO ESTÉTICO, Editora RT: São Paulo, 2.ed., 1999, p. 58).
Para se caracterizar o dano estético a alteração tem que ser definitiva, permanente, pois em não o sendo caracterizar-se-ia o enriquecimento ilícito por parte do beneficário da indenização, posto que, além do ressarcimento poderia ter, posteriormente, corrigida a deformidade que lhe afligia. Sempre, se tendo em mente que ninguém pode ser obrigado a submeter-se à uma cirurgia, mesmo que seja para corrigir um dano estético. Portanto a avaliação do dano estético deve ser o mais retardada possível, sem prejuízo da correta prestação jurisdicional, mas levando-se em conta a necessidade de irreversibilidade no dano apresentado para não se configurar, a posteriori, uma indenização indevida. Para que haja dano estético indenizável, necessário se torna que a modificação na aparência, a transformação, não seja passível de reversão.
Tem que ser imaterial o dano estético. Não passível de quantificação em pecúnia, o que permitiria o ressarcimento caracterizando um dano material. E, como já dito, tem que ser o dano estético imutável, até por novos procedimentos cirúrgicos, pois, senão o que cabe, é a restauração ad integrum da aparência do lesado.
O dano estético é avaliado autonomamente do dano moral. Como a Súmula 37, do Superior Tribunal de Justiça ("São cumuláveis as indenizações por dano moral e dano material oriundas do mesmo fato") já cristalizou a cumulabilidade do dano moral com o dano material, também, encontra-se firmemente estabelecido na jurisprudência que o dano estético tem indenização independente do dano moral, não estando incorporado neste, apesar de do mesmo ser espécie. Assim, o médico que, culposamente, provocar um dano estético em um paciente deve ressarcí-lo, assume um dever de compensação pelo prejuízo estético. Sempre, é bom lembrar, se deve considerar que a cicatriz, a deformidade, com o passar do tempo, pode ter atenuadas as suas características. Mas se houver restitutio ad integrum da lesão estética, não é descabida a postulação de dano moral pelo período de sofrimento psicológico, experimentado pelo paciente, durante o tempo em que sua aparência esteve prejudicada pela deformidade.
Devido aos avanços da cirurgia estética e reparadora até há quem aceite, atualmente, que o dano estético vai se transformando em uma lesão patrimonial, visto a possibilidade de reversão de lesões que porventura venham a acometer os pacientes. Seria uma agressão aos aspectos estéticos de determinada pessoa. Lesão, esta, reparável e passageira que se resolveria em perdas e danos, ou seja, em um dano material perfeitamente reparável. Entenda-se, que surge um direito ao prejudicado de ser submetido às cirurgias restauradoras, que se tornem imperativas, para a recuperação total dos seus danos estéticos. E, também, fique bem estabelecido, que manobras protéticas ou similares para ocultar lesões deformantes não implicam em haver recuperação integral das lesões antiestéticas. Cabe nestes casos a reparação pecuniária dos danos estéticos, visto permanecerem os sintomas de sofrimento psicológico do paciente que se vê obrigado a conviver com estas alterações na sua aparência, apesar do uso de próteses.
Diz, como Relator, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar em REsp 65.393 -RJ - 4.ª T. - j. 30.10.1995 - DJU 18.12.1995:
"Tenho, pois, que a exclusão da indenizabilidade do dano estético e da negativa de sua cumulatividade com o dano moral, assim como referido no v. acórdão, causa ofensa ao disposto no art. 21 do Dec. 2.681/12. Aliás, contraria também o Enunciado XLI do mesmo E. TJRJ: "São cumuláveis as indenizações por dano estético e dano moral, oriundas do mesmo fato" (João Casillo, Dano à Pessoa, RT, 2.ª ed.,p67). Neste E. Superior Tribunal de Justiça, a C. 3ª Turma, em acórdão da relataria do eminente Min. Waldemar Zveiter, já assim decidiu: "Admissível a indenização, por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda que derivados do mesmo fato" (REsp. 40.259/RJ, de 25.04.1994)".
No mesmo julgamento do Recurso Especial 65.393 – RJ – 4ª T, afirma o Exmo. Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira:
"A primeira, por entender possível a coexistência de indenizações resultantes de dano estético e dano moral no sentido estrito, uma vez que no dano moral lato sensu se situa o dano estético".
Ainda no mesmo Recurso Especial, agora é o Exmo Sr. Min. Barros Monteiro quem diz:
"Sr. Presidente, convenci-me de que há possibilidade de serem devidas as duas parcelas concomitantemente, desde que comprove o autor que, além do dano estético, sofreu efetivamente um dano moral stricto sensu".
Cabe salientar o que diz o, já citado acima, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, desta vez como Relator, no Recurso Especial n° 164.126(98/0009993-0)- RJ:
"A legislação aplicável está nos artigos 21, do Decreto 2.681, de 1912, e 1.538 do Código Civil, além das disposições da Constituição de 1988. que admite a indenização pelo dano moral.
Reza o artigo 21 do Dec. 2.681/1912, sobre a responsabilidade civil das estradas de ferro:
"Art. 21 - No caso de lesão corpórea ou deformidade à vista da natureza mesma e outras circunstâncias, especialmente a invalidez para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, deverá ser pelo juiz arbitrada uma indenização especial".
No artigo 1.538 do Código Civil, no capítulo relativo à liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos, está consignado:
"Art. 1538 - No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.
§1° - Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.
A Constituição da República prevê especialmente a indenização pelo dano moral, no artigo 5°, incisos V e X:
- "V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização pelo dano material, moral ou à imagem";
- "X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Diante dessa legislação, podemos estabelecer que o nosso ordenamento jurídico admite a indenização pelo dano moral, sendo que o dano estético dá causa a uma indenização especial, na forma do parágrafo primeiro, do artigo 1.538 do Civil , e do artigo 21, do Dec. 2.681/12, este especificamente aplicável ao caso, que é de acidente ferroviário.
No âmbito dos danos à pessoa, comumente incluídos no conceito de dano moral, estão a dor sofrida em conseqüência do acidente, a perda de um projeto de vida, a diminuição do âmbito das relações sociais, a limitação das potencialidades do indivíduo, a "perdre de jouissance de vie", tudo elevado a um grau superlativo quando o desastre se abate sobre a pessoa com a gravidade que a fotografia de fl. 13 revela. Essas perdas, todas indenizáveis, podem existir sem o dano estético, sem a deformidade ou o aleijão, o que evidencia a necessidade de ser considerado esse dano como algo distinto daquele dano moral, que foi considerado pela sentença. E tanto não se confundem que o defeito estético pode determinar, em certas circunstâncias, indenização pelo dano patrimonial, como acontece no caso de um modelo".
assunto tem diversas facetas. Vejamos o que nos diz Luiz Roldão de Freitas Gomes, em seu artigo publicado no Site da Internet "http//buscalegis.ufsc.br", em maio de 2001, Da Liquidação do Dano na Responsabilidade Civil: "O juiz, diante de uma deformidade, poderia além da reparação por dano moral, conceder uma específica pelo dano estético? A reparação pelo dano estético estaria submetida na reparação do dano moral? Ela inequivocamente contém no mínimo, um aspecto de reparação pelo dano moral, pois, se a pessoa perdeu um braço, a mulher se feriu no rosto e tem a sua aparência modificada, tais pessoas vão trazer consigo muitas vezes complexos e sentir, do ponto de vista psicológico, certas diminuições, dificuldades, embaraços de que antes não padeciam e refletem uma restrição no plano subjetivo condizente com a reparação do dano moral. Mas decorrem de um dano que se deu fisicamente. Indagar-se-ia, então: na medida em que a reparação pelo dano moral já foi concedida lato sensu, a perda de um membro, ou outra deformidade, deveriam acarretar por si mesmas reparação? A matéria é extremamente complexa e ainda não está definida Um critério para reflexão se deve buscar princípio da causalidade. Se o embaraço, as dificuldades, o complexo resultante, em resumo, se todas aquelas limitações de ordem subjetiva foram deflagradas exclusivamente pela lesão e a sua reparação abrange apenas a lesão em si e pelo que ela objetivamente representa e objetivamente retirou, suprimiu ou diminuiu na vítima, então esses aspectos de ordem psicológica, que não são levados em conta para ressarcir-se a lesão, ainda que sob fundamento do dano moral, poderiam merecer uma compensação isolada, à guisa de dano estético, além do moral. Sua verificação se prende, porém, a um exame de causalidade, que também não é fácil aferição (sic)".
Transpondo estas verdades para o terreno da atividade médica, temos que, sem dúvida, se impõe a atribuição de indenização por dano estético de uma maneira autônoma do dano moral, quando por ocasião de um julgamento em que esteja presente lesão estética causada no exercício da medicina. Mas sua determinação, individualização, frisamos, é complexa para o agente responsável pela prestação jurisdicional.
Em termos de dano estético, inclusive o pensionamento tem sido adotado pelos Tribunais como forma de indenização. A 6ª Câmara do Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro, recentemente, no Processo n°95.001.04914, deferiu ampla indenização, incluindo nesta o pensionamento por dano estético. A passageira de um ônibus sofreu queimaduras de 2º e 3º graus, por causa de um incêndio no coletivo, em linha regular. Confirmando sentença de Primeiro Grau, a 6ª Câmara reconheceu a responsabilidade objetiva da transportadora. Além de reparação pelo dano moral (300 salários), a empresa responderá por um pensionamento vitalício a título de indenização pelo dano estético. Será constituído um capital, cuja renda garanta e permita o pagamento das prestações futuras da prestação alimentícia.
O dano estético tem sua indenização incorporada à jurisprudência, sendo dominante este entendimento nos nossos Tribunais. Na avaliação jurídica dos atos médicos, não só na cirurgia plástica estética, estas colocações, aqui postas, encontram sua integral aplicação. Do exercício profissional do médico, podem advir lesões de natureza estética no paciente e, se o julgador, embasado nos fatos concretos, à luz do nosso ordenamento jurídico, assim entender, o paciente deve ser indenizado pelo profissional que as causou. Tudo isto, de uma forma autônoma da indenização por dano moral senso estrito, que porventura venha a caber em um determinado caso.
Autor: Neri Tadeu Camara Souza
Advogado – Direito Médico
Médico – Residência Médica em Clínica Médica/Gastroenterologia – Especialização em Administração Hospitalar – Especialista em Gastroenterologia pela Associação Médica Brasileira – Coronel Médico RR da Brigada Militar
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