DO AGRAVO CAMALEÃO

 

         João Moreno Pomar*

Advogado OAB/RS 7.497 e professor

 

       Não é difícil deduzir-se o título deste artigo imaginando que se está mudando o instituto do agravo tal qual o camaleão muda de cor, ou transformando-se um em outro por conveniência do momento histórico ou por incontinência legislativa. O título até poderia ser outro, Do Pobre Agravo, Das Emendas e Remendos do Agravo, ou mesmo, Desagravo ao Agravo.

 

       O regime do agravo disciplinado no CPC/1973 conseguiu se sustentar até o momento em que os tribunais, mudando a tradição do direito, não tiveram outra alternativa senão a de admitir o manejo do mandado de segurança para dar efeito suspensivo aos agravos - que proliferavam em face de liminares estimuladas pelo novo status dos provimentos acautelares - e, assim, indiretamente, cassar decisões antecipatórias que ao juízo colegiado não se mostravam adequadas ao momento ou não representavam a melhor aplicação do direito.

 

       Naquele contexto foi que a Lei nº 9.139 de novembro de 1995, buscando frear a euforia da concessão de liminares no processo cautelar e as enxurradas de mandados de segurança que as atacavam, permitiu a interposição do agravo diretamente ao órgão recursal ad quem tornando célere a revisão do julgamento. A exposição de motivos daquela lei criticava o texto vigente fundamentando que "em primeiro lugar a atual sistemática não enseja meio hábil de evitar o manejo de mandados de segurança nas inúmeras hipóteses de decisões abusivas e teratológicas, com possibilidade de danos de difícil ou incerta reparação" e, "em segundo lugar, e sobretudo, é criticada justamente a morosidade no seu processamento, inclusive contribuindo para injustificáveis paralisações das causas, procrastinando-lhes o desfecho e a solução dos litígios, em ofensa ao princípio da celeridade".

 

       Naquele momento, entretanto, já estava vigendo há quase um ano a Lei nº 8.952/94 que modificara o art. 273 do CPC para autorizar a antecipação de tutela de direito material e, embora a advertência de J. J. Calmon de Passos, também já se fazia do instituto o mesmo uso exagerado que fora feito das medidas cautelares. Os pedidos antecipatórios começavam, então, a abarrotar as mesas e prateleiras dos tribunais com agravos de instrumento contra as decisões concessivas ou denegatórias. Olvidaram os mentores daquela lei que para o pretenso titular de um direito lesado a sua alegação sempre justificará o pedido de liminar, seja pelo tempo efetivamente necessário à tramitação do feito ou pelo evidente descompasso da estrutura do Estado para atender com agilidade as demandas que a sociedade multiplica com o crescimento populacional, a mudança de valores e as complexas relações jurídicas da atualidade.

 

         Assim, para represar a demanda recursal, mais uma vez a alquimia legislativa rebuscou a fórmula processual para novamente mudar a lei, num recrudescimento do processo democrático pelo qual cabe às partes requerer, ao juiz julgar e ao inconformado recorrer, e editou a Lei nº 11.187/05 para então, limitar o acesso direto do recorrente ao órgão recursal, excepcionando o agravo de instrumento e generalizando o agravo retido ao reescrever o art. 522 e ditar que das decisões interlocutórias caberá agravo na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

 

         A química mágica da “reforma recidiva” foi temperada com o elemento subjetivo que refoga as tutelas de urgência, o risco de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, requisito tradicional dos provimentos acautelares que as emendas e remendos do CPC estenderam aos antecipatórios de tutela de direito material, à execução provisória e ao efeito da impugnação à nova execução pecuniária. A intenção estava expressa na justificativa do PLS 137, qual seja, “o elevadíssimo número de agravos de instrumento que ingressa nos Tribunais, transformando a instância revisional numa verdadeira instância instrutória dos processos que tramitam na jurisdição a quo” e que “a sobrecarga de trabalho do magistrado de segundo grau, que além do encargo de revisão das sentenças, aliás, mister fundamental do órgão colegiado, perde tempo precioso no exame de agravos, muitos deles inconseqüentes e protelatórios, que poderiam ser interpostos na modalidade retida”.

 

       A prescrição (remédio ou veneno) não se esqueceu de prever os efeitos colaterais fazendo constar naquela justificativa (PLS 137) que “Nos casos em que a parte entenda que a situação em concreto mereça exame imediato pelo Tribunal, poderá interpor agravo de instrumento, sendo que o relator, no momento do juízo de admissibilidade e sem prejuízo do disposto no art. 557 do CPC, poderá convertê-lo em retido, quando não verificar presente o requisito da urgência. Mas essa decisão do relator deve ser irrecorrível, sob pena de ineficácia da alteração legislativa já em vigor”.

 

       Na verdade não são os recursos que retardam a atividade processual, mas, as situações que dão causa à sua interposição; não é a apreciação de recursos que retarda a atividade jurisdicional, mas a falta de estrutura do Estado para atender a crescente demanda forense e assegurar os instrumentos do processo democrático que consagra os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, entre outros. Nenhuma medida que deva integrar aquele inarredável sistema pode ser considerada protelatória. O Estado, responsável pela tutela jurisdicional, é que deve estar apto à imediata contraprestação. Ademais, o duplo grau de jurisdição que entendo está, sim, previsto no art. 5º, LV da CF, é princípio natural do processo democrático que deve ser aplicado não apenas às decisões terminativas, mas a todo ato decisório gravoso - limitativo, coercitivo ou oneroso - ao sujeito da relação jurídica processual.

 

            *Advogado, OAB/RS sob nº 7.497

              Professor de Direito Processual Civil da FURG

              pomar@vetorial.net