RESENHA (*)
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. Malheiros Editores. p.122-179.
Galtiere de Oliveira Carneiro -
Estudante de Direito das Faculdades Jorge Amado, 10° semestre
Eros Roberto Grau é professor da Universidade de São Paulo, sendo também membro da Congregação da FDUSP. Participou de um debate sobre a Constituição de 1988, em uma reunião de ensaios organizada por ele e por Demian Fiocca. Grau, ainda, é orador oficial do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), além de tomar posse da Diretoria de tal Instituto em 2000. No texto, o autor analisa o processo de interpretação/aplicação do direito, partindo da interpretação do direito no seu todo, da finalidade do direito e dos seus princípios. Argumenta que se o direito é definido, enquanto sistema, como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios, é relevante analisar quais princípios comportam tal ordem.
Eros Roberto Grau retrata, inicialmente, como componentes desta ordem, os princípios explícitos – recolhidos no texto da constituição -; os princípios implícitos – resultado da análise de um ou mais preceitos constitucionais, ou conjunto de textos normativos da legislação infraconstitucional; e por fim, os princípios gerais de direito, também implícitos. Tais princípios gerais de direito não constituem criação jurisprudencial, e não preexistem externamente ao ordenamento. Comprova-se, portanto, a sua existência no âmago do ordenamento jurídico, do direito aplicado, na medida em que a autoridade judicial toma-os de modo decisivo para definição de determinada solução normativa. Acrescenta que os princípios – os explícitos e os implícitos – constituem norma jurídica.
Já para Kelsen, o único fundamento de validade da norma individual que expressa a decisão judicial de um caso concreto é o princípio formal, de direito positivo. Para ele, nenhum outro principio fundamenta essa validade. Logo, os princípios morais, políticos ou dos costumes não podem ser chamados de jurídicos, a não ser que influenciem na criação das normas jurídicas individuais.
O autor comenta também que a ultima década do século passado foi marcado, no campo do direito, pelo paradigma dos princípios, o qual introduziu uma “falsa novidade”: a oposição ou contradição entre princípios. Os conflitos e as oposições entre princípios são conflitos e oposições entre normas. A tensão entre princípios é própria ao sistema jurídico. O que torna complexa a compreensão de tal circunstância é o fato da doutrina tradicional ensinar que o direito é dotado de uma universalidade plena, aonde não cabem exceções. Diante disso, o autor posiciona-se de uma forma divergente, ao afirmar que é precisamente o inverso disso o que acontece, já que a inserção do direito no mundo, mediante a sua interpretação/aplicação, realiza-se em plano que não se deve particularizar senão por intermédio da exceção, caso a caso.
Considera, ainda, como aplicações dos princípios, as regras. Entre princípios e regras jurídicas não se manifesta jamais antinomia jurídica. Consequentemente, quando em confronto dois princípios, um prevalecendo sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas. Em suma, as regras que dão concreção ao princípio desprezado, embora permaneçam plena de validade, perdem eficácia em relação à situação diante da qual o conflito entre princípios manifestou-se. Surge a partir de tal situação um dilema, já que inexiste no sistema qualquer regra ou princípio que possa nortear o intérprete a propósito de qual dos princípios, no conflito estabelecido, deve ser privilegiado, qual deve ser desprezado. Isso apenas se pode saber no contexto de cada caso, no âmbito do qual se efetua o conflito.
O autor acrescenta também que a força dos princípios é tão grande que, mesmo em situações revolucionárias, as regras contempladas são retiradas à vigência, na medida em que novos princípios são incorporados pela ordem jurídica. Pela força dos princípios, a interpretação do direito deve ser dominada, já que são eles que conferem coerência ao sistema.
O autor compreende a interpretação do direito tendo o caráter constitutivo, não meramente declaratório, consistindo na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos relativos a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas a fim de solucionar tais casos, por intermédio da definição de uma norma de decisão. Para Roberto Grau, interpretar é dar concreção ao direito. Dessa forma, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade.
O autor faz também uma citação sobre a exposição de Gadamer sobre o pensamento de Aristóteles acerca do processo de interpretação/aplicação do direito: “toda lei se encontra em uma tensão necessária em relação à concreção do atuar, porque é geral e não pode conter em se a realidade prática em toda a sua concreção; a lei é sempre deficiente, não porque o seja em si mesma, mas sim porque, em presença da ordenação a que se referem às leis, a realidade humana é sempre deficiente e não permite uma aplicação simples das mesmas.”.
Roberto Grau nega no seu ensaio a discricionariedade judicial. “O juiz não produz normas livremente”. No entanto, afirma que “o que se tem denominado de discricionariedade judicial é o poder de criação de norma jurídica que o intérprete autêntico exercita formulando juízos de legalidade (não de oportunidade). A distinção entre ambos esses juízos encontra-se em que o juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, precedida subjetivamente pelo agente; o juízo de legalidade é atuação que o interprete autêntico empreende atado, retido, pelo texto normativo e, naturalmente, pelos fatos”. A partir daí, pode-se constatar que a discricionariedade se converte em técnica da legalidade.
O autor aponta ainda as considerações de Hesse a cerca da constituição, cuja força normativa manifesta-se quando se assenta na natureza singular do presente.
Hesse sustenta estar a constituição condicionada pela realidade histórica, motivo pelo qual não se pode separar da realidade concreta do seu tempo. Argumenta que, em face da realidade, a norma constitucional não tem existência autônoma. A sua essência reside na sua vigência. A força que constitui a essência e a eficácia da constituição reside na natureza das coisas, impulsionando-a, conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa. A constituição, segundo Hesse, transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida.
Em síntese, Konrad Hesse, como aponta Roberto Grau, considera que a Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar a pretensão de eficácia. Tendo eficácia, pode, efetivamente, desenvolver-se. No entanto, somente a constituição que se vincula a uma situação histórica concreta e suas condicionantes, dotada de uma ordenação jurídica orientada pelos parâmetros da razão, poderá desenvolver-se. Logo, de acordo com os elementos constitutivos da força normativa da constituição, pode-se afirmar que a constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica, não podendo ser separada da realidade concreta de seu tempo. Ela não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social.
Pode-se verificar, portanto, que o discurso do texto normativo está parcialmente aberto à inovação, mesmo porque o que lhe confere contemporaneidade é a sua transformação em discurso normativo.
O texto de Roberto Grau deixa claro como o significado dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos.