O
ESTADO, O POVO E A SOBERANIA
INTRODUÇÃO
SÉRGIO BAALBAKI *
O presente
trabalho tem por escopo analisar o povo em suas diversas acepções.
É importante estabelecer, outrossim,
as definições de Estado, Nação, População, Povo e Soberania.
Almeja-se fazer sucinta menção, bem
como harmonizar os aspectos subjetivo e objetivo, através dos quais se busca definir o que seja povo.
Será empreendida uma abordagem acerca
do que é chamado por Canotilho
de “Justiça da Constituição”, idéia que está relacionada ao procedimento
utilizado para a sua elaboração, o qual deverá ser justo para que a
Constituição também assim o seja.
Por derradeiro, será objeto do presente
trabalho a perquirição sobre quem detém a titularidade e quem exerce a
Soberania.
Far-se-á, outrossim,
sucinta abordagem acerca da questão referente à proximidade ou não entre a
Constituição Normativa e a realidade constitucional brasileira.
CAPÍTULO 1 – O
ESTADO
1.1 - A ORIGEM DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO ESTADO
Como se sabe, a natureza jurídica do Estado é, obviamente,
de pessoa jurídica de direito público.
Lobriga-se que a aludida concepção de
Estado teve origem nos contratualistas, os quais
estabeleceram a idéia de coletividade ou povo como uma unidade.
A explicação acerca da atribuição de
personalidade jurídica ao Estado se subdivide entre as Teorias Ficcionistas e
as Realistas, sendo certo que as primeiras buscam conceber o Estado como uma
ficção, por razões utilitárias, objetivando-se, pois, tão só conferir-lhe
capacidade.
Entende Savigny[1]
que a atribuição de personalidade ao Estado seria uma ficção em razão de os
sujeitos de direitos serem apenas aqueles dotados de consciência e vontade.
Já os Realistas têm uma concepção científica de Estado.
Entende Georg Jellinek[2],
adepto da concepção Realista, que sujeito, sob a ótica jurídica, é uma
verdadeira capacidade, cuja gênese se encontra na ordem jurídica, sendo o homem
um pressuposto da capacidade jurídica, porquanto o direito se consubstancia em
uma relação existente entre seres humanos.
Portanto, não há, para ele, qualquer óbice em ser
atribuída a qualidade de sujeito de direito à unidade
coletiva em que se consubstancia o Estado.
É curial destacar, ainda, que, segundo o citado
doutrinador:
Se o Estado é uma unidade
coletiva, uma associação, e esta unidade não é uma ficção, mas uma forma
necessária de síntese de nossa consciência que, como todos os fatos desta,
forma a base de nossas instituições, então tais unidades coletivas não são
menos capazes de adquirir subjetividade jurídica que os indivíduos humanos. (GEORG
JELLINEK,2002, p.379).
1.2 – CONCEITO DE NAÇÃO E DISTINÇÃO DE ESTADO
O termo nação possui um forte conteúdo emocional e teve
origem no momento em que os povos europeus almejavam a formação de unidades
políticas dotadas de solidez e estabilidade, possibilitando a cessação do constante
estado de guerra que vigia.
De fato, o artifício de se empregar o
termo Nação, que deflagra reações emocionais no povo, objetivava afastar do
poder os monarcas, responsáveis diretos pelas guerras
intermináveis e, por outro lado, possibilitar que a burguesia conquistasse o
poder político.
Contudo, não há qualquer significação
jurídica possível para a expressão em análise, porquanto não noticia a
existência de um qualquer vínculo jurídico entre os
seus membros.
Ferdinad Tönies[3]
diferencia Estado e Nação no sentido de que aquele estaria associado à idéia de
sociedade, tendo, pois, as seguintes peculiaridades: surgimento por atos de
vontade; a busca de um objetivo; o fato de os seus membros se ligarem através
de um vínculo jurídico e o poder social ser reconhecido pela ordem jurídica.
A Nação estaria, ao contrário, relacionada à idéia de
comunidade, cujas características assim se delineam:
existência independente da vontade; inexistência de objetivo (há somente um
sentimento de preservação); ausência de vínculos jurídicos (existência só de
sentimentos comuns) e inexistência de poder.
Aduz-se, por derradeiro, que no século XVIII usou-se, de
forma imprecisa, o termo Nação para designar o povo, isto na tentativa de
expressá-lo como uma unidade homogênea.
Enfim, estabelecidas as distinções necessárias entre
Estado e Nação não há, pois, como confundi-los.
1.3 – A SOBERANIA
A soberania, segundo Jellinek[4],
traz em sua origem uma concepção política, tendo sido atribuída somente mais
tarde uma conotação jurídica.
Aduz-se que a soberania é, sem dúvida,
a base da idéia de Estado Moderno.
Aristóteles caracterizava a cidade - Estado
em razão de a mesma ser dotada de autarquia, ou seja, ter aptidão para atender
as suas próprias necessidades, o que não se aproximava, contudo, do conceito de
soberania.
Não havia na Antiguidade o ambiente
propício para o desenvolvimento do conceito de soberania pelo fato de não
existir ainda o antagonismo do poder do Estado a outros poderes.
No fim da Idade Média o monarca detinha
supremacia, não sofrendo o seu poder qualquer limitação, sendo tal momento
propício, então, para o desenvolvimento teórico do conceito de soberania.
Jean Bodin é
considerado por muitos como o primeiro teórico a desenvolver o conceito de
soberania, em 1576, através de sua obra intitulada Les Six Livres de la République.
Ele a define, pois, como um poder absoluto e
perpétuo de uma República.
É relevante destacar, porém, que a
primeira utilização da palavra soberania remonta à “Carta de Libertação dos
Burgos Europeus”, os quais se libertaram do jugo dos senhores da terra.[5],
sendo certo que à Bodin se deve a popularização de
tal termo.
Rosseau é
considerado o teórico responsável pela transferência da titularidade da
soberania do monarca para o povo.
Divergem os teóricos quanto ao fato de ser a soberania um
poder do Estado ou uma sua qualidade, sendo certo asseverar, contudo, que a
noção de soberania está associada à idéia de poder.
Distingue-se a soberania como um poder
político, que, sob este aspecto, tem a característica de um poder de fato,
incontrastável, absoluto, de uma concepção jurídica, consubstanciada esta em um
poder de decidir sobre a regra jurídica aplicável por determinado Estado.
É relevante
destacar, ainda, quanto à titularidade da soberania, que existem duas teorias
básicas, quais sejam, as Teorias Teocráticas, segundo
as quais todo poder vem de Deus e que, em última análise, o titular da
soberania é a pessoa do monarca, uma vez que Deus teria concedido o seu poder a
este e as Teorias Democráticas, segundo as quais, a soberania teria origem no
povo, passando a referida teoria por três fases distintas: na 1ª surge como
titular da soberania o povo, não sendo, todavia, integrante do Estado; na 2ª a
titularidade é atribuída à Nação e na última fase afirma-se que o titular da
soberania é o Estado, levando em consideração que o povo participa da formação
da vontade daquele, restando preservado, pois, o fundamento democrático desta
afirmação teórica.
Assinala Fábio Konder
Comparato[6],
que: “A primeira utilização conseqüente do conceito de povo como titular da
soberania democrática, nos tempos modernos, aparece com os norte-americanos.”.
Para ele, a inexistência na sociedade
norte-americana de uma fragmentação consubstanciada em classes sociais,
propiciava mais facilmente a aceitação do povo como titular da soberania.
Hodiernamente a soberania está,
indubitavelmente, relativizada, estando mitigada,
portanto, aquela concepção segundo a qual seria ela um
poder absoluto.
Vale destacar,
nessa linha de raciocínio, que, após o advento da Emenda Constitucional nº 45,
os atos internacionais relativos a direitos humanos passaram a ser reconhecidos
como normas de status constitucional,
desde que observado o processo legislativo para a elaboração da espécie
normativa Emenda Constitucional.
Por fim, aduz o
Professor Rogério Bento que a Soberania ainda se afigura útil atualmente,
especialmente com o escopo de servir como um instrumento civilizador[7].
CAPÍTULO 2 – O
POVO
2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O uso indiscriminado da expressão povo, bem como a carga emocional
que a impregna costuma provocar uma distorção de seu sentido.
É unânime a necessidade do povo como
elemento para a constituição e existência do Estado, sendo certo afirmar, por
isso mesmo, que não é possível a existência do Estado
sem ele, notadamente porque, em última análise, é para ele que o Estado se
forma.
Na Grécia antiga o povo era entendido
como o membro ativo da sociedade política, ou seja, os cidadãos dotados de
direitos políticos.
Em Roma deu-se à expressão povo,
inicialmente, a conotação idêntica àquela da Grécia, mas, posteriormente,
conferiu-se a mesma um elastério de seu significado com o escopo de designar o
Estado Romano.
Estava, portanto, sendo delineada,
nessa época, a significação jurídica próxima a que é dada hoje, uma vez que aos
cidadãos eram atribuídos direitos públicos.
Com o advento da revolução do século
XVIII, momento em que a burguesia estava em plena ascensão, os textos
constitucionais passaram a designar povo livre de qualquer noção de classe,
almejando-se implementar a igualdade e, por outro
lado, eliminar a discriminação então vigente, notadamente através da
implementação do princípio do sufrágio universal.
Iniciou-se, doravante, em âmbito
doutrinário, o anseio de promover a plena extensão da cidadania.
Para tanto, foi de curial importância a
contribuição da doutrina alemã do século XIX, especialmente a dogmática dos
direitos públicos subjetivos, tendo Georg Jellinek[8],
em meados do ano 1900, lançado uma obra que delineou a noção jurídica de povo,
bem como disciplinou a sua participação jurídica no Estado.
Ressalta-se que a Teoria delineada por
Rousseau é de fundamental importância para que seja estabelecida a distinção
entre povo sob a ótica de sujeito em contraposição à idéia de povo como objeto.
2.2 – DISTINÇÃO DE POPULAÇÃO
Não há como ser
confundido o conceito de povo com o de população, uma vez que este designa uma
mera expressão numérica, demográfica ou econômica, a qual compreende o conjunto
de pessoas que vivem no território de um Estado ou que estejam temporariamente
nele.
Portanto, não basta que uma pessoa esteja no território de
um determinado Estado para se subsumir na condição de povo, eis que é
imprescindível, para tanto, que haja um vínculo jurídico especial entre esta
pessoa e o Estado.
2.3 – ROSSEAU: A LIBERDADE, O POVO E O
CONTRATO SOCIAL
Jean-Jacques Rousseau tem como base do seu raciocínio a
noção de liberdade, compreendida ela como um direito e um dever
simultaneamente.
Para ele a liberdade é tida como um
verdadeiro princípio, sendo, por isso mesmo, inalienável e a considera, ainda,
como essência da natureza espiritual do homem.
A efetivação da vontade geral se
viabiliza, segundo ele, através de um contrato social, isto é, mediante uma
livre associação de seres humanos inteligentes, os quais resolvem formar um
tipo de sociedade, a qual passam a prestar obediência.
Dessa forma, o contrato social seria a base legítima para uma comunidade que
deseja viver de acordo com os pressupostos da liberdade humana.
O raciocínio de Rousseau é simples:
propõe ele uma forma de associação na qual cada um unindo-se a todos obedece,
porém, a si mesmo e permanece livre.
Então, a idéia acima exposta se resume
na seguinte passagem do Livro I, do capítulo VI, denominado “do pacto social” do
livro “Do Contrato Social” (2004, pág 26) “Achar uma forma de sociedade que
defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e
pela qual, unido - se cada um a todos, não obedeça todavia
senão a si mesmo e fique tão livre como antes”.
Immanuel Kant assinala, na mesma linha de raciocínio, que:
O ato pela qual um povo se
constitui num Estado é o contrato original.
A se expressar rigorosamente, o contrato original é somente a idéia desse ato,
com referência ao qual exclusivamente podemos pensar na legitimidade de um
Estado. De acordo com o contrato original, todos (omnes et singuli) no
seio de um povo renunciam à sua liberdade externa para reassumi-la
imediatamente como membros de uma coisa pública, ou seja, de um povo
considerado como um Estado (universi). E não se pode dizer: o ser humano num Estado
sacrificou uma parte de sua liberdade externa inata a favor de um fim, mas, ao
contrário, que ele renunciou inteiramente à sua liberdade selvagem e sem lei
para se ver com sua liberdade toda não reduzida numa dependência às leis, ou
seja, numa condição jurídica, uma vez que esta dependência surge de sua própria
vontade legisladora. (IMMANUEL KANT, pág.158).
Assim, aceitando-se a autoridade da vontade geral, o
cidadão não só passa a pertencer a um corpo moral coletivo, bem como adquire
liberdade obedecendo a uma lei que prescreve para si mesmo.
Nessa linha, pelo contrato social o
homem deixa de ter a liberdade natural, que se consubstancia em um direito sem
limites, de cunho instintivo, que o subsume em um verdadeiro estado natural,
para ganhar a liberdade civil, a qual tem como limitação a vontade geral,
tornando-se, pois, um ser racional, moral etc.
Rousseau[9]
propugna, ainda, que o homem não detém poder natural sobre seus iguais,
partindo da premissa que a força não produz direito.
Portanto, segundo o referido pensador,
somente as convenções seriam o fundamento de toda autoridade legítima entre os
homens.
Ainda de acordo com as idéias do
mencionado teórico, a liberdade seria irrenunciável, pois tal ato, caso fosse
possível, implicaria na renúncia da própria condição de homem e uma convenção
que previsse tal possibilidade seria nula, eis que inviável seria estipular de
uma parte a autoridade absoluta e de outra uma não-limitada obediência.
Portanto, não há possibilidade de uma
convenção legítima a ponto de fundamentar a subserviência do povo.
2.4 – ASPECTOS
SUBJETIVO E OBJETIVO DE POVO – DISTINÇÃO E HARMONIZAÇÃO NECESSÁRIAS
A Teoria da Soberania do Povo,
delineada por Rousseau, atribui uma dupla qualidade a todo indivíduo, quais
sejam: a de citoyen
isto é, cidadão ativo que participa da formação da vontade comum e a de sujet, vale
dizer, alguém submetido à vontade do Estado.
A referida Teoria possibilitou a
distinção entre as qualidades subjetiva e objetiva de povo, tendo definido Jellinek[10]
povo, em sentido subjetivo, como um elemento de associação estatal a formar parte
desta, enquanto o Estado é o sujeito do poder público e em sentido objetivo
enquanto objeto da atividade do Estado.
Nessa linha de raciocínio, os
indivíduos, enquanto objeto do poder do Estado, são sujeitos de deveres e
enquanto membros do Estado são sujeitos de direitos.
Assinala o referido doutrinador que
povo, enquanto conjunto dos membros do Estado, possui
significado jurídico e que, enquanto designação da totalidade dos súditos em
oposição ao soberano, oferece um sentido político.
Assim, conclui-se que povo em sentido
subjetivo possui significado jurídico e em sentido objetivo possui significado
político.
É de extrema relevância destacar que
uma pluralidade de homens submetidos a uma autoridade comum, que não possuísse
a qualidade subjetiva de um povo, não seria um Estado, pois a todos lhes
faltaria esse momento que faz da pluralidade uma unidade.
Reside neste aspecto, portanto, a imprescindível
harmonização das concepções subjetiva e objetiva de povo, porquanto o
isolamento dessas definições é um verdadeiro equívoco que não pode ser
admitido, sob pena de desvirtuamento da verdadeira concepção do que vem a ser o
povo em sua essência e, por via de conseqüência, o próprio Estado, sendo certo
asseverar, pois, que o povo é, simultaneamente, membro da formação da vontade
estatal e destinatário dessa mesma vontade estatal.
De fato, tal distinção é possível
apenas no plano hipotético.
Ressalta-se que a subjetividade se
afirma em oposição ao Estado e se exterioriza através do reconhecimento que faz
o Estado ao indivíduo como membro de uma comunidade popular, o que implica no
seu reconhecimento como pessoa, isto é, como um indivíduo detentor de uma
esfera de direito público, sendo este, pois, o fundamento do caráter
corporativo do Estado.
Destaca-se
que todo direito público se referia aos poderes do Estado, cujas funções foram
concebidas como direito de soberania e, pois, os poderes do Estado se opunham
aos súditos e aos Estados estrangeiros como uma soma de direitos.
Aristóteles (1998 apud DALLARI p.103)
afirmava que somente entre homens livres seria possível um direito em sentido
político e que sem este direito não haveria Estado.
Locke (1998 apud DALLARI p.15) postulou,
partindo da idéia do caráter inseparável que tem a liberdade com relação à essência
do homem, as limitações que deveriam ser exigidas do poder do Estado, cujos
fins consistiriam na proteção da vida, da liberdade e da propriedade.
Posteriormente, Blackstone (1998
apud DALLARI p.109 - 114) transforma os princípios limitativos do poder do
Estado em fórmulas jurídicas objetivas e os considera como direitos absolutos
de todos os ingleses, os quais eram derivados do direito natural.
Ressalta-se que toda exigência de
direito público nasce de uma determinada posição da pessoa com relação ao Estado,
a qual se denomina status. Assim, o
reconhecimento do indivíduo como pessoa é o fundamento de todas as relações
jurídicas, pois mediante esse reconhecimento o indivíduo se torna membro do
povo, considerado em seu aspecto subjetivo.
Segundo Jellinek[11],
o corolário do reconhecimento do vínculo jurídico existente entre o Estado e o
povo faz surgir exigências de três diferentes categorias, quais sejam:
exigências negativas, a qual significa que o indivíduo enquanto pessoa está submetido a um poder limitado do Estado através do direito;
exigências positivas, que são aquelas que impõem ações positivas do Estado em respeito aos direitos
individuais e atitudes de reconhecimento, as quais noticiam que em determinadas
circunstâncias há indivíduos que atuam no interesse do Estado, sendo que este
deve reconhecê-lo como órgãos seus. Tal fato se traduz no reconhecimento de
alguém como cidadão ativo.
É relevante destacar, contudo, que
devem ser separadas a exigência individual e a
atividade de um órgão, porque esta última pertence exclusivamente ao Estado, de
forma que a exigência do indivíduo só pode consistir em propor que se admita a
agir como órgão. Ex: a elaboração de uma lei não é um ato individual e sim um
ato superior do Estado.
Destaca-se, por oportuno, que pairam
controvérsias acerca da noção do termo cidadania, sendo encarado por alguns – como Ricardo Lobo Torres - como um vínculo
existente entre os indivíduos e o Estado ou, também, entre indivíduos; como
direito ou, também, deveres.
Aduz-se que a idéia de contrato já foi
mais usual para expressá-la, sendo a noção de status a mais adequada hodiernamente.
Ressalta-se que Friedrich Müller[12],
assinala o povo em três aspectos distintos: como “povo ativo”, como “instância
global de atribuição de legitimidade” e como “destinatário de prestações civilizatórias do Estado”.
O citado autor entende ser o povo ativo
a totalidade dos eleitores e os elegíveis; povo como instância global de
atribuição de legitimidade são os cidadãos do país, os titulares da nacionalidade,
os destinatários dos textos normativos oriundos da atuação do povo ativo ao
eleger os seus representantes e povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado são os habitantes de um território
do Estado, mesmo que sejam estrangeiros ou apátridas, não havendo exclusão de
ninguém.
Assinala Friederich
Müller[13]
que: “Na tradição histórica e política do emprego do conceito, o termo povo não
se reveste de traços inocentes, neutros, objetivos, mas decisivamente
seletivos.”.
É importante destacar que Canotilho[14]
caracteriza o povo como uma “grandeza pluralística”, entendendo estar o seu
conceito deveras distanciado do sentido de cidadão ativo.
Para ele o povo deve ser concebido em
sentido político, ou seja, como grupos de pessoas que agem segundo idéias,
interesses e representações de natureza política.
CONCLUSÃO
As exigências mencionadas acima põem em segurança aqueles
membros do Estado que gozam delas e, desse modo, formam um direito de cidadania
relevante. Daí resulta, pois, uma situação de cidadão ativo.
Não há Estado possível onde não haja
pessoas que possam ter essa gama de exigências mencionada acima.
Deste modo se mostra a maneira mais
clara de conexão entre o povo, subjetivamente considerado e o direito público.
O poder do Estado precisa nascer, de algum modo, do
povo, isto é, o sujeito titular deste poder deve ser membro da comunidade
popular.
Em suma: não existe Estado onde haja
dominação, mas tão somente onde exista coordenação de vontades, isto é, apenas
a vontade do povo confere legitimidade a um Soberano para agir em nome de um
verdadeiro Estado.
Não há, pois, separação possível entre
a condição de povo como sujeito e como objeto, mas mediante a comunidade de
direitos e deveres unem-se entre si os membros de um povo. Essa comunidade
recebe sua expressão jurídica objetiva pela organização do Estado. Por obra
deste poder unitivo, a pluralidade dos membros
constitui a unidade do povo.
Assim, o povo em sentido jurídico não
pode ser pensado fora do Estado.
Portanto, a dissociação da noção de
povo em seus sentidos subjetivo e objetivo somente é possível
no plano hipotético e o isolamento destas situações conduz à equivocada
conclusão de conceber o povo fora do Estado.
De todo o exposto, chega-se à ilação de
que o povo, elemento essencial do Estado, continua a ser componente ativo mesmo
depois que o Estado foi constituído, sendo o povo, destarte, o elemento que
oferece condições ao Estado para formar e externar a sua vontade e, por isso
mesmo, de viabilizar o exercício da Soberania.
Quanto à “Justiça” da Constituição
Brasileira de 1988, aduz-se que foi empreendido um louvável esforço no sentido
de tentar recuperar a legitimidade democrática, através de uma maior participação
do povo em sua elaboração, o que conduz à inexorável conclusão de que a
Constituição de 1988 atingiu um grau maior de Justiça, comparativamente às
Constituições anteriores.
De fato, é importante destacar que
nenhuma Constituição pode ser inteiramente Justa ou Injusta, mas observa-se que
há, em verdade, graus distintos de Justiça.
É relevante destacar, outrossim, que as Constituições se utilizam reiteradamente
da palavra povo com o escopo de legitimar o poder, evidenciando, pois, a
flagrante retórica, que serve reiteradamente de justificativa para qualquer
ação estatal, em detrimento ou em contraposição a uma democracia efetiva.
Para Muller faz-se necessário passar do
campo textual, formal, retórico, através do qual se utilizam as Constituições
da expressão povo, como meio de legitimação apenas, para o plano da realidade,
de forma a conferir ao povo a efetiva inserção no âmbito do poder, cuja
titularidade, enfim, lhe pertence.
Criticam os
doutrinadores a distância flagrante entre a Constituição brasileira de 1988 e a
realidade constitucional.
Entretanto, é importante destacar que a norma só existe
quando não há a desejável coincidência entre o ser e o dever ser.
Sucede, assim, que a Constituição
Normativa, que se caracteriza pelo modo de compreensão e de aplicação do texto
constitucional tem a função de harmonizar uma história de estabilidade /
previsibilidade com a adaptabilidade (realidade constitucional).
E sobre este tema, anota-se que o Poder
Judiciário, segundo o Professor Rogério Bento[15]
, em razão de sua “capilaridade” e de sua função de concretizar o direito é
fundamental para a satisfação da demanda de adaptabilidade, através, exempli gratia, do
fortalecimento do controle de constitucionalidade (jurisdição constitucional
forte, ativa e dispersa) e do controle das políticas públicas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de
2001. Dispõe sobre o regime de Previdência Complementar e dá outras
providências. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 de maio de 2001.
Página 3, Col. 1.
BRASIL.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988.
KANT. Immanuel. A Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
A Doutrina Universal do Direito
MACHADO, Hugo de
Brito. Curso de Direito Tributário, 22.
ed.São Paulo: Malheiros,
2003.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e
Tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
*Professor e Advogado
Graduado pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ
Pós – graduado pela Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ
Mestrando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá– UNESA (Relações Jurídicas Tributárias)
Artigos jurídicos publicados.
[1] SAVIGNY apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 122.
[2] JELLINEK, Georg. Teoria Geral do Estado. Fundo de Cultura Econômica. México: 2002, p. 379.
[3] TÖNIES, FERDINAD apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado,Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 133.
[4] JELLINEK, Georg.
Teoria General Del Estado. Cidade do
México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 401.
[5] Informação extraída da aula do curso de Mestrado da UNESA, ministrada em 11/03/2005, pelo Professor Doutor Rogério José Bento Soares do Nascimento.
[6] COMPARATO, Fábio Konder apud MÜLLER, Friederich.
Quem é o Povo. A questão Fundamental da
Democracia. Max Limonad. 3
ed. 2003, pág. 15.
[7] Informação obtida na aula do curso de Mestrado da UNESA ministrada pelo Professor Doutor Rogério José Bento Soares do Nascimento.
[8] JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 378
[9] ROUSSEAU, Jean-Jacques Rousseau. Do Contrato Social. Martin
Claret, pág 26.
[10] JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 380.
[11] JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 380.
[12] Müller, Friederich. Quem é o povo?. São Paulo: Max Limonad. 2001.
[13] Ibidem, pág. 83.
[14] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1998.
[15] Informação obtida na aula do curso de mestrado ministrada pelo Professor Rogério Bento em 03.06.2005 na UNESA.