João José Leal*
Causou estranheza, a iniciativa do governo de adquirir uma nova Faixa Presidencial, ao preço de R$ 38 mil. A Secretaria de Imprensa da Presidência procurou explicar o elevado preço, informando que a faixa deve ser “composta de 100% de poliamida, dupla face e confeccionada em tecido de cetim cores verde-bandeira/amarelo-ouro/verde/bandeira, em toda a sua extensão, sem emendas ou costuras entre as cores.” Alegou, ainda, que há detalhes em ouro, o que justificaria um preço mais elevado.
Quanto à necessidade de substituição, a alegação é a de que a atual, com 15 anos de uso e que é conservada numa especial caixa de madeira, estaria com o tecido desbotado.
Diante das intensas críticas, que questionam a necessidade de uma nova Faixa, o governo suspendeu a licitação. Informou que houve erros no edital que precisam ser corrigidos. Creio que o importante não é saber se houve erros no texto do edital, mas sim se uma nova Faixa Presidencial é realmente necessária.
Na verdade, este símbolo do poder presidencial é muito pouco usado, tanto que, em seus três anos de mandato, o presidente Lula usou a faixa apenas quatro vezes. Por isso, parece não haver razão para a compra que se revelou tão polêmica.
A não ser que se trate de um mais um capricho do presidente Lula que, acreditando numa incerta eleição, esteja sonhando em reassumir com uma nova e reluzente faixa presidencial.
O governo também recuou na intenção de nomear dois juristas/petistas para STF. Os dois beneficiários das próximas nomeações seriam o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh e o ex-ministro Tarso Genro. O plano causou mal estar e contrariedade em toda a classe jurídica brasileira, especialmente entre os magistrados. No STF, salvo os quatro ministros já nomeados por Lula, a notícia foi recebida como uma afronta à independência do Poder Judiciário. Também a OAB manifestou-se contra a projeto governamental de partidarizar a Suprema Corte.
Diante da forte reação e sentindo que poderia amargar uma desmoralizante derrota no Senado, que tem o poder de rejeitar o nome indicado pelo presidente da República, o governo apressou-se em escalar o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para esclarecer que não está “partidarizando” o STF. O ministro afirmou, ainda, que as “pessoas indicadas por Lula têm sempre uma constante: compromisso com políticas públicas, com a impessoalidade e com a República”.
A intenção do Chefe do Executivo de transformar a suprema corte num tribunal de juízes politicamente engajados com o PT provocou a reação da magistratura e de outras categorias de juristas, que defendem mudanças no critério de escolha dos ministros do STF. A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB entende que o processo de escolha não é democrático e concede ao Presidente da República enorme poder discricionário de nomeação. Segundo os magistrados, atualmente, apenas dois ministros – Carlos Velloso e César Peluso - são originários da magistratura. Com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso, a categoria de juízesmagistrados ficará ainda mais debilitada.
Não creio que o atual critério de escolha dos ministros do STF seja antidemocrática. Este é o procedimento e a prática existente em boa parte das nações do mundo. A Suprema Corte de uma nação democrática deve sempre ser constituída de juristas portadores de um indiscutível e reconhecido notório saber jurídico e de uma irrepreensível biografia ética. São qualidades que podem, seguramente, ser encontradas em muitos magistrados brasileiros. Mas, o que se espera das decisões de um magistrado da Corte Suprema é que tenha uma formação para além do horizonte jurídico, que acaba por ser estabelecido ao longo de uma carreira marcada por restritivas regras de condutas. E, principalmente, - e aqui não vai qualquer desapreço pela relevante função jurisdicional, pois dificilmente poderia ser diferente - por uma forma marcadamente tecnicista de apreensão do verdadeiro sentido do direito contido na norma positiva.
Portanto, não se justifica o movimento em prol da mudança constitucional pretendida pela AMB e outras entidades de classe. É preciso entender que STF tem a função de corte constitucional e deve fundamentar suas decisões na lei e no Direito, mas sem se distanciar de uma hermenêutica jurídica que leve sempre em consideração os direitos individuais do cidadão brasileiro e, acima de tudo, os interesses da comunidade nacional.
Afinal, o Direito, como instrumento de solução de conflitos individuais e coletivos ou de garantia de direitos individuais, somente tem sentido de existir, no plano da legitimidade ética, se cumprir sua impostergável função social de contribuir para a consolidação de uma sociedade democrática e de bem estar social.
O STF exerce uma função jurisdicional em que as categorias éticopolítica e jurídica estarão sempre presentes, num inseparável amálgama de idéias e princípios. Conforme escreveu Miguel Reale, a elaboração de uma norma jurídica não se constitui de mera expressão do arbítrio, mas o produto da experiência jurídica, em cujo processo e em determinado momento, se insere o poder. Por isso, “fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica” (Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994, 5. ed., p. 57).
A lição de hermenêutica do mestre Miguel Reale, sempre correta e atual, torna-se ainda mais indicada e respeitável quando se trata da função jurisdicional da corte suprema: “A norma jurídica não pode ser interpretada com abstração dos fatos que condicionaram o seu advento, nem dos fatos e valores supervenientes, assim como da totalidade do ordenamento em que ela se insere. A sentença deve ser compreendida como uma experiência axiológica e não apenas como um ato lógico redutível a um silogismo” (ob. cit., p. 62).
Além disso, não devemos esquecer que o atual critério apenas permite ao presidente a livre escolha de indicação, cabendo ao Senado a decisão política maior de aprovar ou não a indicação presidencial do futuro ministro. Portanto, o procedimento previsto na própria Constituição Federal parece-me juridicamente legítimo e politicamente adequado.
O que é preciso, sim, é que o atual governo mantenha e até aperfeiçoe a tradição de indicar nomes que apresentem as melhores biografias jurídicas de nosso país. Não somente em termos de idéias e princípios, mas principalmente de prática comportamental.
O que é indispensável para a construção de um país juridicamente democrático é que os futuros ministros do STF sejam homens verdadeiramente comprometidos com a melhor política pública, com a moralidade e a impessoalidade das questões jurídicas da República brasileira. Enfim, que sejam magistrados verdadeiramente comprometidos com um Direito a serviço da Justiça Social.
Quanto à entrevista do ministro Thomaz Bastos, cabe frisar que o mesmo não negou, taxativamente, que os dois petistas não venham a ser indicados para uma futura vaga do STF. Principalmente, Tarso Genro que é um destacado jurista, excelente professor de Direito e que foi sacrificado por Lula, quando escalado para a desgastante missão de suceder José Genoíno, na presidência do PT pós-Delúvio.
Porém, seu engajamento políticopartidário torna sua indicação juridicamente inadmissível e, politicamente, inconveniente. Se viesse a ser nomeado, a suprema corte poderia vir a ser chamada de sPTf. E isto seria uma ameaça ao Estado Democrático de Direito que, a duras penas, está sendo construído em nosso país.
* Professor do Curso de PósGraduação em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI. Ex-Procurador Geral de Justiça e ex-Diretor do CCJ/FURB.