A hermética linguagem jurídica como óbice ao acesso à justiça

 

Renata Araújo Maciel, Advogada OAB/PE 22.361.

 

In premervo calha a feveleta” a expressão em itálico significa numa tradução descompromissada: “Primeiramente cumpre destacar”. Tão vetusta expressão é apenas uma gota no oceano de criptografias incognoscíveis incrustadas no linguajar jurídico seguem-se a ela coisas do tipo: “Ex Nunc, Ex Tunc, Ab Ovo, inaudita Altera Parsetc ...

 

Fica a dúvida: São úteis tais expressões literalmente centenárias? Ou melhor, servem elas para algo que não seja exibir um (a) pedantismo/erudição completamente desnecessário?

 

A resposta é não. E é não pelo simples fato de que não vivemos na Roma dos pretores, e sim no Brasil dos baixíssimos níveis de escolaridade, onde aqueles que mais carecem do apoio jurisdicional ao invés de se depararem com um sistema protetivo de fácil compreensão, contraditoriamente são apresentados a um cerimonioso, formal e assustadoramente hermético conjunto de normas que para eles nada significa.

 

Imagine a expressão de alguém que escuta que o seu processo (que para ele é o mesmo que o próprio direito) foi acometido pela preclusão. Com certeza a tal expressão será de espanto, que por sinal seria a mesma com alguém que venha a descobrir que tradição no direito não é o que passa de pai para filho e sim o que concretiza a compra e venda.

 

Expressões em latim e termos multívocos (como a palavra “tradição”) em nada ajudam a população a entender os direitos que possui, o que por outro lado a alija em uma boa parcela da possibilidade de reivindicá-los.

 

Uma sociedade completamente cega sobre os direitos que lhe assistem não é vantagem para ninguém, muito pelo contrário, só torna mais penoso o trabalho do operador jurídico que, por causa da disparidade entre a linguagem que usa e a que é efetivamente entendida pelo destinatário do direito muitas vezes não conseguirá efetivar o intuito máximo da atividade jurídica que é o de pacificar eficazmente as lides.

 

Cumpre a nós, operadores do direito fazermos a nossa parte, que é tornar inteligível para o maior número de pessoas o fruto do nosso trabalho, sem que tal coisa signifique algum demérito pois o verdadeiro e pleno acesso à justiça só ocorre quando aqueles que dela se valem compreendem tudo o que por ela lhes é ofertado.