Cruzada Doutrinária contra o Homicídio Passional: Análise do Pensamento de Leon Rabinowicz e de Nelson Hungria

João José Leal*

Resumo:

Neste trabalho é feita uma releitura das doutrinas formuladas por Leon Rabinowicz e Nelson Hungria acerca do homicídio passional, visto por ambos como uma grave ameaça à segurança coletiva. Procura-se refletir sobre a validade jurídica do discurso desses penalistas ao tratarem da criminalidade passional e se a preocupação por eles manifestada em relação uma possível e intolerável onda de homicídios passionais, era injustificada.

Analisa-se, também, a posição desses autores quanto a uma hipotética e inadmissível benevolência do Tribunal do Júri no julgamento do homicida passional.

Palavras-chave

Crime Passional - Homicídio – Homicídio Passional – Homicídio Privilegiado -

1. Introdução

Sempre despertou muita discussão entre os penalistas a questão relacionada à punição do autor de um homicídio passional. Ao longo dos tempos, a divergência acirrou ânimos doutrinários. Nos dias de hoje, parece que a polêmica esfriou e o interesse pelo tema já não se manifesta com a intensidade de tempos anteriores. Mas, ainda vale a pena examinar e refletir sobre as posições assumidas por Leon Rabinowicz e Nelson Hungria, em defesa de uma maior e mais efetiva repressão ao autor de um homicídio passional. É o objetivo deste nosso estudo.

2. Homicídio Passional em Face do Código Penal

Quando falamos de homicídio passional, podemos considerar a expressão, no mínimo, sob dois sentidos. Na linguagem tecnicojurídica, homicídio passional é a conduta de causar a morte de alguém, motivada por uma forte paixão ou emoção. Seria o caso, aliás comum, do homicídio praticado por ódio, inveja, ciúme ou intenso amor.

Para o Código Penal brasileiro, a emoção ou a paixão não exclui a culpabilidade de quem fere ou mata uma outra pessoa (art. 28, inciso I). Esta é a regra. Portanto, para o Direito Penal positivado na norma escrita, não há tratamento específico e mais brando para o homicida passional. Ao contrário, pois se entendermos que o ódio, a inveja ou a ambição pode ser fruto de uma paixão incontrolável (ou, ao menos, difícil de ser controlada), temos de admitir que a lei positiva não só não atenua a culpabilidade do agente, mas considera a conduta como uma forma qualificada de homicídio, muito mais grave pela maior quantidade de pena e, também, pelas conseqüências repressivas resultantes do fato ser considerado como crime hediondo.

Assim, quem comete o crime sob a influência de uma forte paixão ou emoção não poderá ser absolvido, seja pelo juiz singular, seja pelo Tribunal do Júri. No máximo, poderá ser contemplado com a causa privilegiadora de redução de pena prevista no § 1º, do art. 121. Mas, só no caso de "violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima".

É preciso reconhecer que, em matéria de política repressiva a essa forma de conduta violenta, o atual Código Penal rompeu com uma prática jurídica anterior. Na verdade, a lei penal anterior a 1940 isentava de pena o agente que tivesse praticado o fato sob a influência de "completa perturbação dos sentidos e da inteligência" (art. 27, § 4º, da Consolidação das Leis Penais – CLP) e que era, por muitos, considerada como uma "válvula de impunidade" dos homicidas passionais.

Para o Direito Penal vigente, a regra é esta: tanto a emoção quanto a paixão (a primeira, uma manifestação do psiquismo ou da consciência humana mais fugaz e passageira, a segunda mais duradoura e prolongada) não excluem a imputabilidade do agente. A doutrina, em regra, não questiona a solução adotada pela lei positiva.

O legislador de 1940 adotou um critério de severidade que, à luz da moderna teoria da culpabilidade atualmente predominante, pode ser questionado. E o fez por motivo de Política Criminal. Simplesmente, ignorou que a paixão intensa pode perturbar a consciência, o discernimento e o autocontrole humanos. Admitida esta possibilidade, é claro que a capacidade de o agente conhecer a natureza ilícita de seu comportamento pode ficar comprometida. Ao menos, ficaria difícil firmar positivamente um juízo de culpabilidade em cima da certeza inequívoca de que o agente poderia ter se comportado conforme a norma penal.

Como acertadamente assinalou Aníbal Bruno, esta é uma realidade que não poderia ser desconsiderada pelo "Direito Penal da culpabilidade baseada no pressuposto de que o atuar do agente seja expressão de normal deliberação da vontade".

Giuseppe Bettiol, apoiado na posição sustentada por Vanini, também critica a posição adotada pelo Código Penal italiano de 1930, que não admite a exclusão da imputabilidade no caso de estados emotivos ou passionais que alteram o psiquismo e que não permitem ao agente o livre exame dos motivos de sua conduta. Para o penalista italiano, o Código de seu país rompeu, sem razão, com a velha doutrina que admitia a exclusão da imputabilidade nas hipóteses de conduta resultante de fortes estados emotivos ou passionais. E conclui que a atual lei penal acabou por criar uma contraditória "ficção de capacidade penal".

A "velha doutrina" a que se refere Giuseppe Bettiol é aquela que vinha influenciando o Direito Penal italiano, desde o começo do Século XIX, e defendida por Francesco Carrara. Em sua clássica obra, referia-se ele às paixões cegas, que agem com veemência sobre a vontade e ultrapassam as resistências da razão, deixando ao intelecto menor poder de reflexão. Para ele, essas formas de paixão "devem ser admitidas como causas minorantes da imputação porque merece escusa quem se deixa arrastar ao mal pelo ímpeto de súbita perturbação". Já as paixões racionantes ou racionais, aguçam os cálculos do raciocínio e deixam ao homem a plenitude do arbítrio, que fica sujeito "à obrigação de recordar as proibições da lei e de refletir sobre as conseqüências das próprias ações".

A esse respeito, parece correta a observação de Sebstian Soler, quando afirma que "es psicologicamente impropio y juridicamente desprovido de objeto todo intento por clasificar abstractamente y a priori las pasiones humanas". Da mesma forma, entende o autor ser inadequado, "todo intento de definir pasiones o emociones como excusables o inexcusables em si mismas y a priori". Para o penalista argentino, o correto é trabalhar com a idéia de que, em certas circunstâncias, determinadas emoções ou paixões poderão realmente excluir a culpabilidade do agente.

A verdade é que, na opção feita pelo legislador de 1940, sem dúvida, prevaleceram razões de Política Criminal: o bem jurídico maior - segurança coletiva – não poderia transigir com a idéia de eventual absolvição do homicida passional, mesmo nos casos de ter o agente se conduzido sob a influência de forte emoção ou paixão. Só haverá redução do juízo de culpabilidade, portanto, quando o agente tiver sido acometido de "violenta emoção" e logo após injusta provocação da vítima.

Prevaleceu, também, conforme já mencionamos, a influência da legislação penal italiana de 1930 e, de um modo geral, dos países europeus com os quais estamos mais identificados em termos de matriz e paradigma ideológicopunitivo.

3. Homicídio Passional no Discurso da Doutrina Penal

Há uma segunda acepção jurídicopenal ou criminológica, de uso relativamente corrente, para a expressão homicídio passional. A doutrina a utiliza para designar, de forma restrita, a conduta do cônjuge traído que, por ciúme ou amor incontrolável ou desvairado, mata o seu cônjuge adúltero ou o amante deste.

Conforme já assinalamos, analisaremos aqui algumas idéias e posições do discurso de Leon Rabinowicz e de Nelson Hungria sobre o tema que ainda desperta interesse na doutrina. Embora tenham se referido ao homicídio passional em seu sentido amplo, ambos os autores dirigiram o foco de suas análises de modo especial ao homicida do cônjuge adúltero. E escreveram páginas eloqüentes de inconformismo e de condenação à condescendência da justiça criminal, principalmente, do Tribunal do Júri, no trato dessa forma de delinqüência violenta.

3.1 Guerra sem Tréguas Proposta por Rabinowicz contra a Epidemia Representada pelo Crime Passional

Leon Rabinowicz foi um defensor exacerbado da idéia de que o homicida passional não pode merecer a absolvição da Justiça Criminal. Em sua clássica obra, publicada pela primeira vez em 1930, escreveu que sua missão era de "remar contra a corrente", por defender uma posição contrária "à opinião geral". Admitia que se propunha a uma espinhosa e difícil missão: "derrubar um velho ídolo – o homicídio passional - solidamente defendido pelo sentimentalismo de uma parte da sociedade".

Declarando uma guerra sem tréguas ao crime passional, esclarece que "não atacamos a forma sublime e verdadeiramente superior do amor, que é o amor afetivo, mas condenamos essa forma brutal, primitiva, animal, do amor, que é o amor sensual que mata". De forma eloqüente, mas pouco científica, faz uma conclamação panfletária: "Exigimos uma severa repressão do chamado crime passional".

Sem citar fontes estatísticas - o que era comum na dogmática penal de sua época – Leon Rabinowicz observa que o cotidiano jornalístico traz informações "de centenas de milhares" sobre crimes atrozes e de intenso grau de violência, cometidos por sensualismo exasperado, para os quais há sempre um júri bastante indulgente para absolver os seus autores. E manifesta sua indignação pelo fato de que há sempre "advogados de grande talento, na tribuna do júri, para apresentar os assassinos como heróis do amor triunfante e como se fossem vítimas inocentes de uma paixão cega".

Analisando, de modo específico, o homicídio praticado pelo marido traído contra a mulher adúltera, o autor escreve que este tipo de criminoso sempre pensa no assassinato e "saboreia, em espírito, o prazer da vingança". E vai além, em seu libelo contra o homicídio por ciúme ou por amor desvairado: "o marido enganado que mata, é um personagem particularmente odioso, porque não mata impelido por seu grande amor, mas por muitas razões que nada têm de comum com esse sentimento e, em primeiro lugar, por medo ao ridículo". Entende que o marido traído mata porque sua honra assim o exige. Na verdade, mata para a assistência.

Prossegue o autor polonês, escrevendo que o crime passional é uma maneira inadmissível de se fazer justiça por suas próprias mãos. Trata-se de conduta criminosa e intolerável porque "o marido que mata a mulher, a amante que mata o amante, erijem-se em juízes da sua própria causa e em executores de uma sentença que não tinham o direito de proferir". Segundo ele, após a humanidade ter abandonado a vingança privada, o crime passional estaria nos conduzindo a ela.

Seu libelo contra uma discutível "vaga crescente de crimes passionais" - imaginava ele uma "verdadeira epidemia" - encerra-se com uma conclamação até certo ponto patética e desprovida de base científica: "É preciso evitar que um historiador dos tempos futuros, que lançará o anátema sobre a Idade-Média, por causa das suas torturas, inquisições e fogueiras, possa envolver a nossa época no mesmo desprezo, possa troçar das nossas leis incapazes e impróprias para lutar contra o assassinato sexual".

Conclui o professor polonês que a "indulgência para com o crime passional deve terminar e ser substituída por uma repressão severa".

A história parece não ter confirmado sua exagerada preocupação com uma possível onda de crimes passionais, que viesse a comprometer a segurança coletiva. Embora Leon Rabinowicz tenha manifestado seu compromisso com uma abordagem científica na elaboração de seu ensaio criminal, a verdade é que o tema foi por ele tratado de forma apaixonada e com base em teorias criminológicas pouco confiáveis.

3.2 Homicídio Passional e Amor-Açougueiro no Discurso de Hungria

O sempre mestre Nelson Hungria também condenou com veemência o autor do homicídio passional. Inicia seu estudo ressaltando que é comum associar esta expressão à idéia de "homicídio por amor", isto é, o homicídio de quem diz ter matado por amor ou por uma paixão incontrolável. Para ele, isto não deixa de representar uma forma deturpada desta nobre virtude humana que é o amor.

Parte do fato de que o amor se contrapõe à conduta criminosa. Hungria vê o amor como um sentimento nobre, que se alimenta de fantasia e sonho, de ternura e êxtase e purifica o nosso próprio egoísmo e maldade. O amor - escreveu ele - não pode "deturpar-se num assomo de cólera vingadora e tomar de empréstimo o punhal do assassino".

Retoma seu discurso apolégico e de sublimação ao amor descrevendo-o como um sentimento de mansuetude, de resignação, de auto-sacrifício e que se afirma como a antítese de sua contraface que seria o crime. E, numa linguagem exageradamente adjetivada e forte, o mestre Hungria recorre a figuras estilísticas para condenar o autor do homicídio passional: "o amor que mata, o amor-Nêmesis, o amor-açougueiro é uma contrafação monstruosa do amor: é o animalesco egoísmo da posse carnal".

Revela-se inflexível e impiedoso em relação a essa categoria de criminosos – "autênticos celerados" - que invocam o amor como escusa e se "julgam paladinos da honra conjugal". Homicidas frios e perversos, matam confiantes na impunidade que "costumam obter da mal-avisada benevolência do tribunal popular do júri".

Sua catilinária chega ao deslize de linguagem (o próprio autor desculpa-se pelo emprego de um termo que considera brutal), quando afirma que "o punhal do Mouro de Veneza só é brandido por aqueles que asselvajam o amor na febre alta dos sentidos e, à menor suspeita de infidelidade da criatura a que vivem enrabichados, desvairam, estuantes de animalidade assanhada."

E finaliza seu rápido, porém, candente e apaixonado estudo sobre o criminoso passional, admitindo que o marido que surpreende a mulher e o tertius em flagrante pode, sem dúvida, invocar o § 1º, do art. 121, do Código Penal, mas aquele que, por simples ciúme ou meras suspeitas, repete o gesto bárbaro e estúpido de Otelo, terá de sofrer a pena inteira dos homicídios vulgares.

4. Homicídio Passional na Atualidade: Equívoco dos Prognósticos de Hungria e Rabinowicz

Os tempos e costumes mudaram. A Justiça Criminal – representada neste caso de competência criminal pelo Tribunal Popular do Júri - já não é tão condescendente com o criminoso passional como nos tempos de Rabinowicz e Hungria. Hoje, ambos poderiam constatar que o assassino-açougueiro do cônjuge ou amante-adúltero, já não atua com a perspectiva de absolvição pela justiça criminal popular, muito menos pela justiça togada. Portanto, a impunidade ou benevolência da justiça criminal, seja a dos jurados, seja dos juízes de toga, salvo casos pontuais ainda censuráveis, já não representa um prognóstico seguro e motivador à violência e à conduta homicida.

A verdade é que, mesmo na época dos autores analisados, não há informações sobre uma "vaga" ou "epidemia" de criminalidade passional, conforme afirmou Rabinowicz, mas sem apoio em informação de estatística criminal válida, referente a qualquer país que tenha sido por ele pesquisado. Comenta apenas vinte casos de homicídio passional, publicados pelos jornais de toda a França – sem dúvida os casos de maior impacto junto à opinião pública – sem esclarecer sobre o período em que os crimes teriam sido praticados. É preciso ressaltar que, à época, aquele país já possuía uma população de mais de 40 milhões de habitantes. Dessa forma, não há evidências da ocorrência de um surto epidêmico de homicídios passionais na França ou em outro país europeu, além dos índices normais em qualquer sociedade de preconceitos, desigualdades, ambições e maldades humanas.

O homicida passional, nos termos em que foi estudado por ambos, embora pudesse cometer crimes de certa perversidade e violência, sempre foi um ocasional. É o que indicam as estatísticas da época e continuam a indicar, apontando para números cada vez menores, dada à forma mais civilizada e de maior compreensão e tolerância, para a solução dos conflitos gerados pelo adultério. Por isso, pode-se dizer que a delinqüência passional, no sentido restrito ao homicida do cônjuge adúltero, nunca chegou a se constituir numa criminalidade quantitativamente expressiva a ponto de representar um problema maior para a segurança coletiva.

Por outro lado, cabe assinalar que os dois penalistas estudados, lamentavelmente, não chegaram a perceber que, já naquela época, o mundo ocidental passava por acentuadas mudanças sociais. Esta afirmação vale para o caso brasileiro, inclusive para as comunidades do interior deste país.

No romance Gabriela, Cravo e Canela – uma excelente crônica da vida e dos costumes da região cacaueira do sul da Bahia – Jorge Amado nos conta que era costume fortemente consolidado absolver o marido ou o amante homicida da mulher adúltera. O romancista relata o fato de ter o Tribunal do Júri da comarca de Ilhéus, pela primeira em sua história, condenado um fazendeiro-coronel por ter assassinado sua amante e o amante desta.

O cronista maior de sua terra natal assinalou este fato para demonstrar que a cidade de Ilhéus, já na segunda década do Século XX, passava por um processo de transformação social, em decorrência do progresso da economia cacaueira. Com isto, a cultura machista foi perdendo força, na mesma proporção em que os "coronéis" representantes da aristocracia rural, dedicada basicamente à cultura do cacau, perdiam o poder político e econômico. O Direito e a Justiça Criminal também se transformavam e a impunidade, até então absoluta, do homicida passional, ou seja, do matador de cônjuge adultero, foi aos poucos arrefecendo. Os "paladinos da honra conjugal", aos poucos, foram conhecendo o caminho da justiça criminal e da prisão.

Neste início do Século XXI, com o auxílio do filtro histórico e das informações estatísticas, podemos constatar o quanto a preocupação de Hungria e de Rabinowicz era desprovida de fundamento. Os homicídios passionais continuam a ocorrer, mas de forma cada vez mais ocasional ou episódica. Em alguns casos, podem representar verdadeiras tragédias que envolvem e aniquilam as bases de toda uma família.

Porém, não é esta a delinqüência que assusta, amedronta e atinge a coletividade de forma significativa e cotidiana. A delinqüência violenta do dia a dia, que gera insegurança e pânico entre os cidadãos, está relacionada ao tráfico de entorpecentes e aos assassinatos que lhe estão associados (aproximadamente, 40% de nossos presos devem sua presença no cárcere ao tráfico) e ao roubo e à extorsão, praticados com violência à pessoa. Também é preocupante o alto índice de homicídio culposos, decorrentes de um trânsito caótico e de motoristas pouco educados para a condução de veículo automotor. Afinal, embora não haja estatística oficial exata, as informações divulgadas nos dão conta de mais de 20 mil mortos nas estradas brasileiras todos os anos. Este, sim, é um fato estarrecedor e que merece medidas preventivas e repressivas eficazes.

Além disso, a delinqüência econômicofinanceira torna-se cada vez mais grave e nociva aos interesses da nação brasileira. Essa forma de delinqüência não faz jorrar o sangue, mas lesa profunda e indelevelmente o bem jurídico protegido – no caso o sistema econômico-financeiro-tributário e previdenciário – em bilhões. São verdadeiras quadrilhas, integradas por criminosos, atuando nos diversos escalões da administração pública e privada, que se entrincheiraram nos meandros do poder para tomar de assalto os recursos públicos.

Este, sim, é um fato do cotidiano criminal brasileiro que nos estarrece e que merece a nossa indignação e reprovação maior.

Nelson Hungria, sem dúvida, foi um dos mais importantes penalistas de nosso país. Mas não conseguiu fazer uma análise subjetivamente desapaixonada e cientificamente correta acerca da dimensão e relevância jurídicopenal do homicídio passional. Quanto a Leon Rabinowicz, embora tenha publicado uma obra que se destacou na literatura jurídica do mundo ocidental, cometeu o mesmo equívoco. Superdimensionou os números relativos à criminalidade passional e seu enorme poder de lesividade, bem como as trágicas conseqüências que daí poderiam advir para o grupo social.

A História demonstrou, mais uma vez, que a análise do fenômeno criminal não pode ser elaborada a partir de idéias preconcebidas. Estas comprometem a necessária imparcialidade do estudioso e podem conduzi-lo a "verdades" que se tornam insustentáveis, quando expostas na inevitável vitrina do processo histórico.

* Livre-Docente em Direito Penal e Professor do Curso de Pós-Graduação em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI. Ex-Procurador Geral de Justiça e Promotor de Justiça Aposentado.

 

 

Bibliografia

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