MONOGRAFIA SOBRE DIREITO AMBIENTAL E A RESERVA LEGAL

Autora: SUELENE COCK CORRÊA CARRARO

 

 

 

 

 

 

 

A RESERVA LEGAL E O MEIO AMBIENTE

 

 

 

 

 

 

 

 

TERRA BOA/PR

 

2005

 

 

 

 

CAPITULO I

 

 

O Bem Jurídico Ambiental, sua natureza jurídica, características e limites constitucionais.

 

A palavra "ambiente" tem origem latina: ambiens, entis: que rodeia. Entre seus significados encontra-se "meio em que vivemos". A palavra "ambiente" indica o lugar, o sítio, o recinto, o espaço, que envolve os seres vivos ou as coisas. Autores portugueses acentuam que a expressão "meio ambiente" não é a mais adequada, entendendo constituir um pleonasmo, porque ambiente e meio são sinônimos e "meio" é precisamente aquilo que envolve, ou seja, o ambiente. "A expressão ‘meio ambiente’ embora redundante, acabou consagrada entre nós".

Para ELY, meio ambiente significa "todo o meio exterior ao organismo que afeta o seu integral desenvolvimento". Na definição de ANTUNES:

Meio ambiente é um bem jurídico autônomo e unitário, que não se confunde com os diversos bens jurídicos que o integram. Não é um simples somatório de flora e fauna, de recursos hídricos e recursos minerais. Resulta da supressão de todos os componentes que, isoladamente, podem ser identificados, tais como florestas, animais, ar etc. Meio ambiente é, portanto, uma res communes omnium, uma coisa comum a todos, que pode ser composta por bens pertencentes ao domínio público ou privado.

Para SILVA, "o meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas". Esse conceito ressalta três aspectos do meio ambiente: o meio ambiente natural, o artificial e o cultural. O meio ambiente natural é aquele que existe independentemente da influência do ser humano, como a flora, a fauna, o solo, a água, em que ocorre a interação dos seres vivos. O meio ambiente artificial, por sua vez, é aquele resultante da interação do ser humano com o meio ambiente natural, ou seja, o espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações e dos equipamentos públicos. O meio ambiente cultural também é fruto da interação do ser humano com o meio ambiente natural, mas com um valor especial adquirido, integrado pelo patrimônio artístico, arqueológico, paisagístico, turístico etc. Adoutrina aponta ainda o meio ambiente do trabalho, que se refere ao local onde as pessoas exercem suas atividades laborais. O meio ambiente do trabalho envolve as instalações físicas do local (ventilação, iluminação natural ou artificial, ruídos, móveis, maquinário etc.) que devem oferecer um ambiente saudável para a prestação do serviço, bem como deve ser minimizada a possibilidade de contato com qualquer agente químico ou biológico que traga riscos à saúde do trabalhador.

No sistema jurídico clássico, os bens se dividiam quanto a sua destinação em particulares e públicos, sendo públicos os bens do domínio nacional pertencentes à União, Estados ou Municípios e particulares os outros que pertencerem às pessoas. Mas a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 225 que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida; ou seja elevou o meio ambiente a bem público.

Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro, a defesa dos bens coletivos e a existência de uma terceira espécie de bem: o bem ambiental. Este bem é caracterizado por não ter uma propriedade definida, isto é, não é interesse único do particular, tampouco é considerado bem público: é um bem comum, coletivo de todo um povo. Concebe-se, portanto, que o bem ambiental de interesse público deve ser separado da definição de bens públicos e privados do Código Civil (artigos 98 e 99). A doutrina entende que a concepção da lei civil de 2002 é destoante do estipulado na Constituição Federal de 1988 que trata o meio ambiente como bem da coletividade e não como "coisa". Quando o texto constitucional se refere a patrimônio público, significa o conjunto de bens públicos, nos quais não está inserido o meio ambiente. O bem ambiental tem como titular a coletividade, não o Estado.

Porém, modernamente, ante o surgimento dos interesses e direitos difusos sacramentados e previstos no artigo 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, está se firmando na doutrina uma outra forma de bem que é o que tem característica difusa, ou seja, aquele em que o proprietário é indeterminável e pertence a toda a coletividade como é o caso do meio ambiente ecologicamente equilibrado e por ter esta característica é considerado como um bem mais amplo do que apenas um bem público.

O meio ambiente, enquanto bem jurídico, é o conjunto que comporta toda a natureza original ou artificial, bem como os bens culturais (paisagens, patrimônio histórico-cultural) correlatos. O conceito contempla, portanto, todos os elementos aptos a proporcionar bem-estar e qualidade de vida para o conjunto da humanidade. Como tal, possui determinadas capacidades e funções próprias: capacidade de uso humano e capacidade funcional ecológica (manutenção do equilíbrio sistêmico), que inclui a capacidade de auto-regulação e de auto-regeneração.

O termo "meio ambiente" deve ser entendido no texto constitucional, em sua acepção ampla, o que não quer dizer totalizadora ou globalista. Tal noção inclui, além dos recursos naturais existentes na biosfera (ar, água, solo, fauna e flora), a relação do ser humano com esses elementos, visando lhe permitir condições de vida satisfatória.

A partir das definições de ambiente trazidas na legislação (Lei nº 6.938 de 1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, define o meio ambiente no artigo 3º, inciso I) e na determinação da Constituição Federal de 1988, pode-se extrair a idéia de "equilíbrio e bem, de conjunto e interação", afastando do conceito de meio ambiente o sentido de "coisa", eis que esta é tudo aquilo que possui existência individual e concreta, que pressupõe separatividade, individualização, idéia diversa da de conjunto.

A natureza jurídica do meio ambiente se estruturou como relação jurídica, na doutrina, versando sobre a proteção de interesses plurindividuais que superam as noções tradicionais de interesses individuais ou coletivos, dado que concernem a bens indivisíveis e inindividualizáveis, que interessam a todos. Para tanto, exige uma visão mais abstrata e comprometida com o todo, além de permanente intervenção popular sustentada pela democracia ambiental. Do conceito jurídico de meio ambiente extraem-se suas características, ou seja, constitui um bem de massa que rompe com a idéia de apropriação individual e instaura a necessidade de limitação das condutas individuais que tendam ao dano ambiental.

Nos últimos tempos, verifica-se uma nova tendência: a interdisciplinaridade. Um dos maiores exemplos dessa realidade encontra-se nos estudos sobre o meio ambiente. Com efeito, não se pode falar das infinitas relações que ocorrem no dia-a-dia da comunidade, fiando-se exclusivamente no conhecimento específico de um determinado ramo do conhecimento. O meio ambiente, nas suas várias dimensões (natural, cultural, artificial etc.) não pode ser explicado e protegido apenas pelo direito, ou pela economia, ou geografia, ou biologia. É urgente a necessidade de se trabalhar com conhecimentos que se interpenetram e se completam.

A Constituição Federal, no artigo 225, caput, dá os parâmetros da proteção jurídica dispondo que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

 

 

 

CAPÍTULO II

 

 

Macrobem e Microbem Ambiental

O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é um macrobem: um bem incorpóreo e imaterial, unitário e integrado, ou seja, além de incorpóreo e imaterial se configura como bem de uso comum do povo. Isso significa que o proprietário, seja ele público ou particular, não poderá dispor da qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional, considerando-o macrobem de todos.

Não obstante ser conceituado e protegido como um macrobem, como um complexo de elementos ambientais que o formam, recebendo disciplina e título jurídico autônomos, também é um microbem: bens ambientais especificadamente considerados, ou seja, os elementos que compõem o meio ambiente (rios, florestas, etc) existem concomitantemente com o macrobem, sendo também tutelados pelo ordenamento jurídico.

Portanto, o conceito de ambiente deve contemplar não só os bens ambientais em si, mas também todas as interações e inter-relações entre os elementos que compõe (abordagem sistêmica - noção de rede de interdependência - "teia da vida"). Isto porque o ambiente é considerado um todo unitário e incorpóreo. Assim, o meio ambiente é juridicamente considerado como "macrobem jurídico" porque: é distinto dos bens corpóreos que o compõe; é um bem inapropriável, indisponível e indivisível; que apresenta titularidade difusa, a qual se projeta para o futuro e atenta para a qualidade de vida de toda a coletividade, aí incluídas as gerações vindouras.

Ao lado do macrobem tem-se o "microbem ambiental", estes sim, são os elementos ambientais individualmente considerados. A princípio, os microbens são apropriáveis, mas não com exclusividade, já que essa parte diminuta compõe o todo, implicando responsabilidades para o proprietário que deverá sempre atentar para a função sócio-ambiental de sua propriedade.

 

Diferença entre meio ambiente e recursos naturais

Meio ambiente é o conjunto dos agentes físicos, químicos, biológicos e dos fatores sociais susceptíveis de exercerem um efeito direto ou mesmo indireto, imediato ou ao longo prazo, sobre todos os seres vivos, inclusive o ser humano (macrobem ambiental) e "recursos naturais" é a denominação aplicada a todas as matérias-primas, tanto aquelas renováveis como as não renováveis, obtidas diretamente da natureza, e aproveitáveis pelo ser humano (microbem ambiental).

 

 

 

 

 

CAPÍTULO III

 

A tutela constitucional do meio ambiente.

A Constituição Federal de 1988 apresenta uma série de preceitos quanto à tutela ambiental. Não apenas reconheceu a existência dos interesses difusos e coletivos, mas também estabeleceu um "sistema de garantia" desses interesses, definindo titulares do direito à proteção e instrumentos jurídicos de proteção, ao conferi-la ao Ministério Público, por intermédio do inquérito civil e da ação civil pública, e ao cidadão, por meio da ação popular.

O objeto da tutela jurídica, o que o direito visa proteger, é "a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida". Ao usar a expressão "sadia qualidade de vida", o legislador constituinte optou por estabelecer dois objetos de tutela ambiental: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, visa uma condição melhor do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, proporcionado por uma vida sadia, que se vêm sintetizados na expressão "sadia qualidade de vida" ou apenas "qualidade de vida". E para que esses dois objetivos sejam alcançados, harmonia e equilíbrio entre o meio ambiente e a sociedade deverão ser o sustentáculo principal.

Portanto, a tutela ambiental não é só tutela da vida, mas uma vida digna e sadia em todas as suas formas. A tutela do meio ambiente, nos moldes explicitados, faz parte não só de uma garantia constitucional e, portanto, com regime de cláusula pétrea, como também diz respeito aos próprios fundamentos e princípios da República, estabelecidos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988.

 

 

 

CAPÍTULO IV

 

Autonomia do Direito Ambiental

A proteção ambiental visa à preservação da natureza em todos os elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto predatório das nações civilizadas. Essa ação destruidora da natureza é universal e milenar, mas vem se agravando em razão do desmedido crescimento das populações e do avanço científico e tecnológico, que propiciou à humanidade a mais completa dominação da terra, das águas e do espaço aéreo. Viu-se, assim, o Estado moderno, forçado a preservar o meio ambiente para assegurar a sobrevivência das gerações futuras em condições satisfatórias de alimentação, saúde e bem-estar. Para tanto, criou um direito novo: o direito ambiental destinado ao estudo dos princípios e regras tendentes a impedir a destruição ou a degradação dos elementos da matureza. Daí o surgimento das limitações de proteção ambiental, sob os aspectos de: a) controle da poluição; b) preservação dos recursos naturais; c) restauração dos elementos destruídos; d) ação civil pública.

No Brasil e nos países que recentemente alteraram suas Constituições, o direito ao meio ambiente equilibrado e sadia qualidade de vida passa a se constituir em um direito fundamental e, como tal, faz com o que o legislador ordinário tenha que estruturar um microssistema de direito ambiental, capaz de dar respostas às novas exigências da sociedade contemporânea.

Muito embora o legislador constitucional, ao inserir o meio ambiente como res communes omnium, não legitimou, exclusivamente, o Poder Público para sua tutela jurisdicional civil, como interesse difuso, apartando-o de uma visão de bem público estrito senso, elencou o bem ambiental como disciplina autônoma e a título jurídico autônomo.

O direito ambiental é autônomo porque:

a) é um sistema, ou seja, seus elementos interagem entre si e com seu entorno, do qual são diferentes e com ele se comunicam. Os elementos componentes desse sistema seriam aqueles relacionados diretamente com as questões ambientais, e o entorno seriam os outros ramos e institutos jurídicos, além de outras áreas do conhecimento;

b) regula o relacionamento da sociedade com o seu entorno, ou seja, tem como objeto o disciplinamento da relação homem-natureza;

c) não é composto somente por leis ou normas: é um sistema de normas, princípios, instituições, estruturas, processo, relações, práticas, ideologias. Abandona o ponto de vista de que só há direito decorrente de lei, para reconhecer que uma infinitude de manifestações possuem caráter normativo. Esse sistema leva à necessidade de se reconhecer a existência de múltiplos momentos de operação jurídica, dos quais quatro se destacam: o legislativo, o judicial, o executivo e o doutrinário.

Portanto, o direito ambiental é disciplina própria, autônoma, horizontalizada em relação às demais disciplinas de direito e de fundamental importância para preservação da dignidade da pessoa humana em face de seu objeto, constitucionalmente garantido: a tutela da vida em todas as suas formas.

Costuma-se ensinar que uma disciplina jurídica tem autonomia, em relação às demais, quando é regida por princípios próprios, assumindo, assim, relevância de ciência. Analisando o denominado "direito ambiental", colhe-se com facilidade a existência de princípios próprios, diversos dos das demais ciências do direito.

Ademais, o direito ambiental não deve ser concebido a partir de um enquadramento rígido, como ocorre com outros ramos do direito. Basta verificar que as normas que o compõem inserem-se nos mais variados diplomas legais e atuam sobre as relações sociais estabelecidas com os elementos do meio de ordem natural, artificial, cultural ou do trabalho.

 

 

 

 

CAPÍTULO V

 

Os Princípios da Prevenção, Precaução, poluidor/usuário-pagador e cooperação, suas características, fundamentos legais, importância e materialização em institutos e instrumentos jurídicos.

 

Os princípios do direito ambiental visam proporcionar para as presentes e futuras gerações, as garantias de preservação da qualidade de vida, em qualquer forma que esta se apresente, conciliando elementos econômicos e sociais, isto é, crescendo de acordo com a idéia de desenvolvimento sustentável.

A busca do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, passa necessariamente por uma série de ações preventiva do direito. Destaca-se no direito ambiental o princípio da prevenção, que busca evitar o dano ou perigo ao meio ambiente, uma vez que, em muitos casos os acidentes ecológicos terão conseqüências irreparáveis.

O princípio da precaução (também chamado de "prudência" e "cautela") estabelece a vedação de intervenções no meio ambiente, salvo se houver a certeza que as alterações não causaram reações adversas, já que nem sempre a ciência pode oferecer à sociedade respostas conclusivas sobre a inocuidade de determinados procedimentos.

Graças a esse princípio, a disponibilização de certos produtos é por muitas vezes criticada pelos vários segmentos sociais e o próprio Poder Público, como aconteceu no recente episódio dos transgêncios, já que não foi feito o Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA, exigência constitucional que busca avaliar os efeitos e a viabilidade da implementação de determinado projeto que possa causar alguma implicação ambiental.

Assim, o princípio da cautela ou da precaução é aquele que recomenda que não se deve fazer intervenções no meio ambiente antes de ter a certeza de que elas não serão adversas para o meio ambiente.

Os Estudos Prévio de Impacto Ambiental EPIAs são estabelecidos pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981) são instrumentos que decorrem desse princípio da precaução.

A necessidade de precaução encontra-se implícita no artigo 170 da Constituição Federal, onde se encontra a determinação clara da necessidade de medidas visando a preservação do meio ambiente, entre outras prescrições. No princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro - ECO 92, a precaução está explícita como essencial para a proteção do meio ambiente: "com o fim de proteger o meio ambiente, os estados devem aplicar amplamente o critério de precaução conforme as suas capacidades. Quando haja perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar a adoção de medidas eficazes em função do custo para impedir a degradação do meio ambiente".

O princípio da preservação pode e deve ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do ambiente. Dando-se prioridade à medida que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. É muito semelhante ao princípio da precaução, mas com este não se confunde. Sua aplicação se dá nos casos em que os impactos ambientais já são conhecidos, restando certo a obrigatoriedade do licenciamento ambiental e do Estudo de Impacto Ambiental - EIA, estes uns dos principais instrumentos de proteção ao meio ambiente.

Enquanto a precaução identifica uma ação cautelosa frente ao risco desconhecido ou a não-ação diante do risco incerto, a prevenção parte da premissa de que o conhecimento prévio existe e que a partir daí torna-se imprescindível agir preventivamente sobre aquilo que tem risco potencial para ocorrer, impedindo sua ocorrência. As prescrições da Constituição Federal de 1988, da Política Nacional do Meio Ambiente e do Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro, justificam não só o princípio da precaução, mas também o da prevenção.

No princípio da prevenção previne-se porque se sabe quais as consequências de se iniciar determinada ato, prosseguir com ele ou suprimí-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muita vezes até da lógica. No princípio da precaução previne-se porque não se pode saber quais as consequências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou consequências. Há incerteza científica não dirimida.

O direito ambiental avalia os danos ambientais não sob a ótica da culpa, mas sob a ótica do risco integral, isto é, diante de situações reais ou potenciais de risco, obrigando a atuação não só para reparar ou mitigar o que já ocorreu, mas também sobre aquilo que tem risco potencial para ocorrer. O direito ambiental tem, pois, três esferas de atuação:

a) a preventiva, que tem sua atenção voltada para o momento anterior, ou seja, para o mero risco potencial; b) a reparatória, que visa restabelecer o status quo ou ressarcir o dano real causado; e c) a repressiva, que visa evitar que o dano real volte a ocorrer.

A reparação e a repressão ambientais cuidam do dano já causado, representando atividades menos valiosas do que a prevenção. Na prevenção, há ação inibidora. Na reparação, há remédio ressarcitório.

Já o princípio do poluidor-pagador ou da responsabilização, destaca a obrigação, por parte do poluidor em corrigir ou recuperar o ambiente suportando os encargos daí resultantes e proibindo a continuação da ação poluente. Esse princípio se exterioriza na responsabilidade civil objetiva do poluidor que determina que existe obrigação de indenizar, independente de culpa, sempre que o agente tenha causado dano significativo ao ambiente em virtude de uma ação especialmente perigosa. No Brasil este princípio está previsto no inciso VII do artigo 4o e no artigo 14, parágrafo 3º da Lei no 6.938 de 1981; na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, princípio 16, na Lei nº 9.433 de 1997 (Lei das Águas) e no artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988.

O referido princípio, consubstanciado no artigo 4º, inciso VII da Lei nº 6.938 de 1981, leva em conta que os recursos ambientais são escassos, portanto, sua produção e consumo geram reflexos ora resultando sua degradação, ora resultando sua escassez. Além do mais, ao utilizar gratuitamente um recurso ambiental está se gerando um enriquecimento ilícito, pois como o meio ambiente é um bem que pertence a todos, boa parte da comunidade nem utiliza um determinado recurso ou se utiliza, o faz em menor escala.

O princípio da cooperação entre os povos expressa a idéia de que para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada especial ênfase á cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e execução da política do ambiente.

Como a poluição pode atingir mais de um país, além do que a questão ambiental tornou-se uma questão planetária, assim como a proteção do meio ambiente, a necessidade de cooperação entre as nações, o princípio da cooperação internacional, tornou-se uma regra a ser obedecida, estabelecendo-se assim mais um princípio norteador do direito ambiental.

A atenção dedicada hoje aos problemas do meio ambiente não é casual. A revolução técnico-científica, o desenvolvimento impetuoso das forças de produção da sociedade condicionaram a intensificação brusca da atividade econômica do homem sobre a natureza, alargando consideravelmente a escala de sua ingerência nos processos naturais. A utilização intensiva dos recursos naturais, a poluição da biosfera do planeta, puseram a humanidade numa série crise ecológica.

Esse novo posicionamento, em âmbito global, fez com que os estados percebessem que a tradicional noção de território soberano estava colocada em xeque. Daí surgiram as idéias de que o ambiente, na verdade, deveria ser tratado como uma questão mundial, embora com ações locais, mas coordenadas. Eis a gênese da cooperação internacional para a preservação do meio ambiente.

Previsão legal: Princípio 2 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92 e Constituição Federal de 1988, em mais de uma passagem: artigo 4º: "a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos (o que inclui o direito a um meio ambiente saudável); IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade". Artigo 225: "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

A diversidade biológica é condição da harmonia entre o homem e a natureza. A extinção das espécies deve ser evitada, por isso o acesso aos recursos naturais deve ser eqüitativo e razoável. Analisando mais atentamente o conteúdo destes princípios, percebemos que a maioria é apenas uma questão de bom senso, de respeito não só a natureza, mas à própria vida.

 

 

 

 

CAPÍTULO VI

Gerações dos Direitos Fundamentais e Posicionamento do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

 

Baseando-se na ordem histórico-cronológica do seu surgimento, vários autores estabelecem sucessivas gerações para os direitos humanos, assim resumidas por MORAIS:

1. Seriam da primeira geração os direitos da liberdade: liberdade religiosa, liberdade política, liberdades civis clássicas como o direito à vida, à segurança, etc.

2. De segunda geração seriam os direitos da igualdade: proteção do trabalho contra o desemprego; direito de instrução contra o analfabetismo; assistência para a invalidez e a velhice; direito à saúde, ao lazer e à cultura, etc.

3. De terceira geração seriam os direitos da fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, etc.

4. De quarta geração seriam os direitos da responsabilidade: promoção e manutenção da paz, promoção e manutenção da autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida defendida pela bioética, etc.; bem como os direitos difusos.

Via de regra a doutrina os classificam como:

a) primeira geração de direitos, que possuem as seguintes características: individuais, civis, políticos e penais e divide-se em ramos do direito civil, direito penal e direito constitucional, por exemplo: habeas corpus, direito ao nome, direito ao voto;

b) segunda geração de direitos, com características basilares de coletivos, sociais econômicos, fazendo parte dos ramos dos direitos do trabalho e previdenciário, como, por exemplo, o direito ao salário, férias, décimo terceiro e demais direitos trabalhistas; e

c) terceira geração de direitos, caracterizados como transindividuais e difusos, formados pelos ramos do direito ambiental, do direito do consumidor, do direito da criança e do adolescente, do direito do idoso, citando-se, como exemplo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito a alimentos de qualidade, o direito à proteção em decorrência da idade etc.

Assim, é possível afirmar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é pressuposto lógico e inafastável da realização do direito à "sadia qualidade de vida" e, em termos, à própria vida. Por isso, ele pode ser exercido por todos, seja coletivamente (interesse difuso), seja pela pessoa humana, individualmente considerada (direito subjetivo personalíssimo).

A Constituição Federal de 1988 afirma que todos têm direito ao meio ambiente, mas não a qualquer ambiente e sim ao meio equilibrado. Integra, portanto, a esfera jurídica dos sujeitos o direito ao equilíbrio ambiental. Desta froma, qualquer um que viole tal normativa, viola direitos subjetivos de sujeitos.

O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é direito subjetivo de ordem material e alcança a seara dos direitos fundamentais, e pode ser um instrumento de realização da personalidade da pessoa em vários sentidos.

Identificam-se, portanto, dupla face na danosidade ambiental, já que seus efeitos alcançam não apenas o ser humano, como, da mesma forma, o ambiente que o cerca. A Lei nº 6.938 de 1981, ao fazer referência a "danos causados ao meio ambiente e a terceiros", prevê expressamente as duas modalidades.

Isso significa que o dano ambiental, embora sempre recaia diretamente sobre o ambiente e os recursos e elementos que o compõem, em prejuízo da coletividade, pode, em certos casos, refletir-se, material ou moralmente, sobre o patrimônio, os interesses ou a saúde de uma determinada pessoa ou de um grupo de pessoas determinadas ou determináveis.

O direito ao ambiente é um direito subjetivo fundamental, de natureza personalíssima, e tendo como função conservar um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado em favor do titular e de terceiros, inclusive de geração futura.

Com a lição de MORAIS, apresenta-se o conceito de direito fundamental de terceira geração:

Protege-se, constitucionalmente, como "direitos de terceira geração" os chamados "direitos de solidariedade ou fraternidade", que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso.

O Supremo Tribunal Federal, consubstanciando com o mesmo entendimento, afirmou: "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração".

Destarte, a primeira característica do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é o direito fundamental de terceira geração, pois cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade atual, como também das futuras gerações, caracterizando, assim, o sentimento de solidariedade.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, antes de mais nada, as pessoas devem-se conscientizar dessa responsabilidade e exigir a punição exemplar não só dos infratores ativos, mas também daqueles que se omitem.

A defesa dos interesses transindividuais, principalmente quando se trata de meio ambiente, de interesses culturais ou de defesa do consumidor e similares, insere-se na luta pela garantia de direitos humanos fundamentais típicos daqueles de terceira geração, haja vista que têm, como ponto de apoio, o mesmo compartilhar de destinos, situações e interesses.

Solidificou-se o entendimento doutrinário de que o interesse a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um interesse transindividual de caráter difuso.

 

 

 

 

CAPÍTULO VI

 

Fundamento Jurídico e legal para a previsão da Reserva Legal e da Área de Preservação Permanente na Legislação Florestal Brasileira

 

A reserva florestal legal é um elemento importante da propriedade florestal, que é constituído por uma área, cujo percentual da propriedade total é definido em lei, variando conforme as peculiares condições ecológicas, em cada uma das regiões geopolíticas do País e que não pode ser utilizada economicamente de forma tradicional, isto é, destinar-se à produção de madeira ou de outra comodity que dependa da derrubada das árvores em pé.

Saliente-se para o fato de que a nova redação do artigo 16 do Código Florestal admite a prática do manejo florestal para a reserva legal.

A área destinada à reserva florestal legal depende da região geográfica do país. Não se confunde com as áreas de preservação permanente que possuem outra destinação legal e ecológica.

Atualmente, a matéria está regida pela Medida Provisória no. 1.966-53, de 23 de agosto de 2000, que promoveu diversas alterações no Código Florestal, dando nova redação ao artigo 1o. da Lei no. 4.771, de 15 de setembro de 1965, em seu inciso III do parágrafo 2o, que passou a estabelecer o seguinte conceito normativo:

"Reserva legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e floras nativas".

A reserva legal caracteriza-se por ser necessária ao uso sustentável dos recursos naturais. Como é sabido, uso sustentável dos recursos naturais pode ser descrito como aquele que assegura a reprodução continuada dos atributos ecológicos da área explorada, tanto em seus aspectos de flora como de fauna. Os recursos naturais são os elementos da flora e da fauna utilizáveis economicamente como fatores essenciais para o ciclo produtivo de riquezas e sem os quais a atividade econômica não pode ser desenvolvida.

O Código Florestal definiu a reserva legal como interesse dos habitantes do país, não como propriedade ou desapropriação, mas como resultado da vontade da coletividade, e de cada indivíduo, em ter uma condição de vida digna e sob condições ambientais ecologicamente equilibrada.

A reserva legal é uma obrigação que recai diretamente sobre o proprietário do imóvel, independentemente de sua pessoa ou da forma pela qual tenha adquirido a propriedade. Desta forma, está ligada à própria coisa, permanecendo aderida ao bem.

O proprietário, para se desonerar da obrigação, necessita, apenas, renunciar ao direito real que possui, mediante a utilização de qualquer uma das formas legais aptas para transferir a propriedade.

Quanto à área de preservação permanente, alguns espaços territoriais e seus componentes foram assinalados na expressiva maioria dos estados brasileiros, como "áreas de preservação permanente" - APP, que são espaços, tanto de domínio público quanto de domínio privado, que limitam constitucionalmente o direito de propriedade, levando-se em conta, sempre, a função ambiental da propriedade (artigo 170, inciso VI da Constituição federal de 1988).

No entanto, é desnecessária a desapropriação da área de preservação permanente, pois a mesma não inviabiliza totalmente o exercício do direito de propriedade. As Constituições estaduais protegem esses espaços por elas delineados, com a garantia de que somente mediante lei, eles poderão ser alterados ou suprimidos (artigo 225, parágrafo 1º, inciso III da Constituição federal de 1988).

A Resolução CONAMA nº 302 de 20 de março de 2002 estabeleceu que a área de preservação permanente - APP tem a "função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas". A área de preservação permanente - APP é constituída pela flora (florestas e demais formas de vegetação - artigo 2º caput e 3º caput do Código Florestal), fauna, solo, ar e águas (Lei nº 4.771 de 1965 e 7.803 de 1989 e ainda Resolução CONAMA nº 303 de 20 de março de 2002).

 

 

 

 

Casos de obrigação de indenização pecuniária devida por imposição ou limitações de natureza ambiental. Jurisprudência Predominante

 

A propriedade privada pode ser afetada por limitações impostas tanto no interesse público como no interesse privado. As limitações no interesse privado são as normas referentes ao direito de vizinhança e constituem objeto do direito civil. Visa regular os direitos e obrigações recíprocas dos particulares. As limitações impostas no interesse coletivo constituem objeto de direito público, mais especificamente de direito administrativo, pois é à Administração Pública que compete o exercício dessa atividade através do poder de polícia. As limitações administrativas visam a proteger ou beneficiar a coletividade, a comunidade, o público em geral.

O Estado brasileiro, mesmo reconhecendo o direito à propriedade privada, não perde o poder de intervir em todos os bens que se encontram em seu território. Como expressão dessa intervenção na propriedade podem-se citar: a desapropriação, a servidão administrativa, a ocupação, a requisição e a limitação administrativa.

Esta última, é forma suave de intervenção na propriedade. É conceituada como toda imposição do Estado, de caráter geral, que condiciona direitos dominiais de proprietário, independentemente de qualquer indenização. A rigor, a limitação administrativa decorre do chamado poder de polícia - definição insculpida no artigo 78 do Código Tributário Nacional, e pode impor três modalidades de restrições: positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (deixar fazer).

Para MEIRELLES, "essas limitações, conquanto possam atingir quaisquer direitos ou atividades individuais, incidem preferentemente sobre a propriedade imóvel, para condicionar seu uso ao bem-estar da coletividade, o que justifica se alinhem maiores considerações sobre as restrições administrativas ao domínio particular. Com tais limitações o Estado moderno intenta transformar a propriedade-direito na propriedade-função, para o pleno atendimento de sua destinação social, através de imposições urbanísticas, sanitárias, de segurança e outros".

Cumpre ressaltar que a limitação administrativa não se origina da função social da propriedade, apesar de serem institutos jurídicos bastante parecidos, inclusive confundidos com certa regularidade. SILVA, ao tratar do tema, afirmar que: "a função social da propriedade não se confunde com os sistemas de limitações da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito do proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade".

Na definição de MEIRELLES, "limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social". Para GASPARINI, é "toda imposição do Estado de caráter geral, que condiciona direitos dominiais do proprietário, independentemente de qualquer indenização".

Como se vê, a doutrina pátria em sua maioria se assenta no sentido da não possibilidade de indenização em matéria de limitação administrativa. Os autores preconizam a impossibilidade de indenização, em matéria de limitação administrativa, diferindo da larga aceitação da aplicabilidade do instituto na servidão, tombamento, requisição, ocupação temporária (em especial quando verificado dano) e desapropriação, que são as outras modalidades de intervenção do Estado na propriedade.

No entanto, esta unanimidade tem sido abalada pela nova visão jurisprudencial emergente no ordenamento brasileiro. Os Tribunais começam a vislumbrar a possibilidade de indenização ao proprietários de imóveis limitados. Neste sentido:

Recurso extraordinário - Estação ecológica - Reserva florestal na Serra do Mar - Patrimônio nacional (artigo 225, parágrafo 4º da Cosntituição federal de 1988) - limitação administrativa que afeta o conteúdo econômico do direito de propriedade - direito do proprietário à indenização - dever estatal de ressarcir os prejuízos de ordem patrimonial sofridos pelo participar - RE não conhecido – "Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. A norma inscrita no artigo 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988 deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo artigo 5º, inciso XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (artigo 225, caput da Constituição Federal de 1988).

Ainda:

Se o poder público retira do bem particular o seu valor econômico, deve indenizar o prejuízo causado ao proprietário, de modo amplo, com justa indenização, no caso, incluindo-se as "matas de preservação permanente", impedida que foi, pelo decreto expropriatório por utilidade publica, a sua destinação natural pelo proprietário.

Portanto, entendem os Tribunais brasileiros que é necessário distinguir a simples limitação administrativa da supressão do direito de propriedade. Neste sentido, a proibição de desmatamento e uso da floresta que cobre a propriedade e interdição de uso da propriedade, só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro, como compensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico.

Assim, se uma limitação (ou tombamento, ou requisição, ou ocupação) infringe dano ao proprietário é necessário que o Estado o repare proporcionalmente ao dano causado.

Segundo TAVARES, o que à primeira vista entrava tal analogia são: a) a evocação da máxima que não obriga a reparação do dano em tese e b) do caráter genérico (não individual ou não específico) da limitação administrativa.

O citado jurista, na análise do primeiro item, ressalta que não há indenização do dano virtual, mas no caso em tela se afigura indelével dano efetivo, base pela qual, propugna-se a possibilidade da indenização. O mesmo ocorre em relação às áreas de proteção permanente instauradas pelas autoridades ambientais. Tal limitação não só diminui o valor real disponível do imóvel como impossibilita o uso dessa propriedade de qualquer outro modo. O dano se efetivou no momento da instituição da limitação. O estudo deve tornar indene o proprietário, ou seja, reparar o dano, buscando aproximar-se o quanto possível do status quo ante. Desapropriação indireta passa a ser, então, toda intervenção do Estado na propriedade que venha a impossibilitar o uso e gozo desse bem, retirando-lhe o conteúdo econômico. Esta desapropriação indireta pode vir "disfarçada" na forma de uma limitação, uma servidão, etc... não importa qual dos nomes afigure no ato estatal, o que importa é a essência.

E enfatiza:

É certo que nestes casos, essa desapropriação visa a instituição de melhoria da qualidade de vida da coletividade - preceito insculpido várias vezes na Constituição Federal de 1988 (artigos 3º, 5º, 225, dentre outros), a que se obriga, inclusive, a ação do Estado (artigo 225, caput). entretanto, esta mesma norma constitucional garante ao cidadão o direito à propriedade e da reparação dos danos decorrentes da atividade estatal. Não há conflito jurídico: desapropria-se a área para instituir um benefício coletivo (área de preservação ambiental permanente), indenizando-se o atual proprietário. O que não pode o poder público é fazer com que um particular custeie, isoladamente, a instituição de um benefício coletivo, com o detrimento de seu patrimônio - que lhe é garantido pela ordem constitucional.

E conclui:

Reputamos acertada a nova visão jurisprudencial sobre o tema da limitação administrativa, que pode ser indenizada - contrariando a majoritária doutrina - e que o instituo da desapropriação indireta ganha novos contornos, seja para modificar o conceito até agora vigente, deletando-o, ou ampliando sua extensão para ganhar os moldes de uma desapropriação-servidão sobre todo imóvel, como explicado durante o texto.

No entanto, alguns juristas entendem que a impossibilidade de exploração econômica das áreas de preservação permanente resulta do instituto da limitação administrativa, portanto, é não-indenizável. Essa é a postura de BAPTISTA, ao criticar a tese de TAVARES, argumentando que:

Por primeiro, a afirmação de que toda limitação administrativa para a preservação ambiental, gera um direito de o proprietário ser indenizado é incorreta - trata-se de um erro que se comete na interpretação do que está no Código Florestal. No seu enteimento, o legislador da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, situou no artigo 16 que a "limitação administrativa" não proíbe o particular de explorar a área recoberta de vegetação. Já no artigo 18, gerou uma "restrição administrativa", porém, ressalvou que para prevalecer, tem que o proprietário ser explorado.

Portanto, não se trata de mera "limitação administrativa", de caráter geral e que todos atingem e sim uma "restrição de algumas propriedades", isto é aquelas que estão localizadas em determinadas áreas, que não foram desmatadas, com o esvaziamento da propriedade pelo ato administrativo, que impede ao recorrente de desmatar a mata que cresce no interior do imóvel que se destina a receber edificações, por se situar na zona urbana, ou mesmo as da zona rural, que têm uma destinação voltada a exploração econômica, restando-lhe um só direito: que é a obrigação de pagar tributos sobre a área que não podem mais explorar economicamente. O fundamento de que não houve ocupação administrativa, não é razão suficiente para afastar a indenização pela afetação da propriedade e da posse dos recorrentes pela servidão administrativa. A solução tem de ser encontrada a partir do que ficou assinalado na Apelação Cível nº 74.076-2: "lícito presumir que sempre há diferença entre uma reserva florestal passível de exploração e outra em que não se permite o corte e a comercialização da madeira".

O fundamento de que não houve ocupação administrativa, não é razão suficiente para afastar a indenização pela afetação da propriedade e da posse do titular do domínio pleno pela servidão administrativa.

Toda a vez que o Poder Público, direta ou indiretamente, produz o esvaziamento econômico do direito de propriedade, fica obrigado a reparar o prejuízo. Não se trata, aqui, de simples limitação administrativa, mas, sim, de interdição da propriedade. É que a limitação administrativa difere tanto da servidão administrativa como da desapropriação. A limitação administrativa, por ser uma restrição geral e de interesse coletivo, não obriga o Poder Público a qualquer indenização: a servidão administra ou pública, como ônus especial a uma ou algumas propriedades, exige indenização dos prejuízos que a restrição acarretar aos particulares; por retirar do particular a sua propriedade ou parte dela, impõe cabal indenização do que foi expropriado e dos conseqüentes prejuízos.

Assim, a restrição ao direito de propriedade, derivada do Código Florestal, que objetiva preservar as matas e se ancora na fundação social da propriedade, não gera o direito à indenização, por ser uma mera "limitação administrativa", que não impede a exploração econômica da propriedade, limita-lhe, tão somente.

Porém, a preexistência de tal restrição administrativa, não exclui a obrigação do Poder Público de indenizar o proprietário da área com cobertura vegetal, quando por interesse público resolve desapropriá-la, sob pena de ser atribuir efeito confiscatório à limitação administrativa, o que não é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A jurisprudência predominante, inclusive do Supremo Tribunal Federal, tem proclamado que o Código Florestal impõe limitações à propriedade privada. Em princípio, é incontestável tal ponto de vista, considerando que as florestas são acessórios do solo. Todavia, as interdições chegam a ser totais em certas hipóteses, tais como aquela de preservação de vegetação permanente. Mas se não são limitações que natureza tem? Segundo MEIRELLES:

Tais reservas ou parques florestais não se confundem com as simples limitações administrativas de desmatamento de determinadas áreas, como são as faixas marginais dos cursos d’água as coberturas das encostas, o contorno das nascentes e outras que o Código Florestal já considera naturalmente de preservação permanente (artigo 2º ), além das que, por ato governamental, sejam incluídas nessa categoria (artigo 3º).

Seriam então servidões? Servidão no direito privado significa o desmembramento de um dos poderes inerentes ao domínio, em benefício de determinado prédio. Já em direito público a servidão não supõe uma relação de prédios, nem desmembramento de domínio, porém, ônus real sobre imóvel privado para assegurar uma utilidade pública.

No caso em espécie, em que o proprietário não pode derrubar ou se utilizar economicamente da cobertura vegetal, por se tratar de reserva permanente, se trata de servidão ou de limitação administrativa?

Para MEIRELLES, é uma restrição pessoal, geral, gratuita, imposta genericamente pelo Poder Público ao exercício de direitos individuais em benefício da coletividade, parece que substancialmente a reserva permanente, constituiria uma servidão, porém nominalmente, limitação administrativa, pois o Código Florestal, em seu artigo 1º, refere-se ao exercício de direito de propriedade com limitações que as leis em geral, especialmente este Código, impuser. De qualquer forma, seja limitação ou servidão administrativas, não há desmembramento do domínio do proprietário, que conserva a propriedade quer seu direito seja limitado, quer seu imóvel seja onerado (caso de servidão administrativa).

Tanto em um caso como em outro a reserva florestal não pertence ao Estado, porém com a desapropriação passa a lhe pertencer, e nesse caso, a indenização é devida. Mesmo porque, o valor intrínseco da mata não se vincula ao fato dela ter ou não se constituído pelo ser humano. Como "acessão natural" exibe um valor expressivo, que não pode ser negado ao proprietário que a perde. Indiscute-se se trata de benfeitoria ou não. Pouco importa. Vale por si. É indenizável. Uma área revestida de mata virgem vale mais que a despida de qualquer verde.

O Supremo Tribunal Federal, também se orienta no mesmo sentido: "desapropriação. Mata de preservação permanente. Indenizabilidade. As matas de preservação permanente são indenizáveis, visto que, embora proibida a derrubada pelo proprietário, persiste o seu valor econômico e ecológico".

Hoje, talvez mais do que nunca, constitui despropósito pretender-se que o valor econômico da floresta, assentada sobre certa área expropriada, esteja resumido no seu potencial de corte para venda de madeira e corresponda, destarte, a zero quando proibido o corte pela legislação florestal. É certo que, neste caso, a primitiva intenção da empresa ora recorrida era abater árvores para comercializar-lhes a madeira, e não fruir da riqueza ecológica ou de qualquer das muitas outras formas de benefício que a propriedade de uma floresta importa consigo. Esta consideração subjetiva, contudo, não autoriza a entender que a interdição do desmatamento neutralizasse objetivamente o valor econômico da mata.

O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu a respeito do tema em exame:

Ao direito do Poder Público de instituir parques corresponde a obrigação de indenizar em respeito ao direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal de 1988. Há que se distinguir a simples limitação administrativa da supressão do direito de propriedade. A proibição de desmatamento e uso da floresta que cobre a propriedade é interdição de uso da propriedade, só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro, com compensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico.

Portanto, não se pode confundir as simples limitações previstas pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal), com a proibição de desmatamento e uso de uma floresta que cobre a propriedade porque isso seria "interdição de uso da propriedade", só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro como compensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico.

Portanto, é indenizável por não se tratar de uma mera limitação e, sim, de uma restrição administrativa, totalmente diferentes e diversos os institutos de direito administrativo.

Assim, se o impedimento da construção ou do desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso de propriedade e, nesse caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar.

Diante dessas considerações apura a indenizibilidade no caso de limitações de natureza ambiental. Mas a questão não é tão simples e faz-se necessário aprofundar mais os temas para se estabelecer diferenciações. O Jurista precisa identificar quando ocorre uma e outra situação.

 

 

 

 

CAPÍTULO VII

Condições mínimas (formais e materiais) para a validade de um auto de infração ambiental, de acordo com o Direito Ambiental Administrativo

 

O auto de infração ambinetal é um documento pelo qual a autoridade competente certifica a existência de uma infração à Legislação, caracterizada devidamente a mesma e impondo, de forma expressa, penalidade ao infrator. Ou seja, um instrumento lavrado nos casos em que se faz necessária a aplicação de penalidades. O auto de infração poderá ser entregue pessoalmente ao infrator ou poderá ser remetido pelo correio, por Aviso de Recebimento - AR. O auto de infração deverá ser assinado por um técnico e pelo infrator. Caso o mesmo se negue a assiná-lo, o auto deverá ser assinado por duas testemunhas, sendo relatado neste auto, a recusa.

O auto de infração é o documento pelo qual inicia-se o processo administrativo destinado a apuração da existência, ou não, da infração ambiental. Deve, necessariamente, ser formal e preencher requisitos previstos na norma ambiental aplicável. É oriundo do poder de polícia que detém a administração pública e, por ser da espécie de atos administrativos punitivos, são vinculados à lei e devem respeitar, integralmente, o princípio da legalidade.

Colaciona-se, a título exemplificativo, a normatização ambiental vigente no Estado do Rio Grande do Sul, onde se impõe os seguintes requisitos à expedição do auto de infração:

Resolução nº 6 de 1999 do CONSEMA/RS, artigo 7º e incisos:

O auto de infração será lavrado pela autoridade ambiental que a houver constatado, na sede da repartição competente ou no local em que foi verificada a infração, devendo conter: I - nome do infrator, seu domicílio e/ou residência, bem como os demais elementos necessários a sua qualificação e identificação civil; II - local, data e hora da infração; III - descrição da infração e menção do dispositivo legal ou regulamentar transgredido; IV - penalidade a que está sujeito o infrator e o respectivo preceito legal que autoriza sua imposição; V - ciência, pelo autuado, de que responderá pelo fato em processo administrativo; VI - notificação do autuado; VII - prazo para o recolhimento da multa; e VIII - prazo para o oferecimento de defesa e a interposição de recurso.

A exceção do suprimido inciso V, tais exigências constam, de forma idêntica, no Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul:

Lei Estadual nº 11.520 de 2000, artigo 116 e incisos:

O auto de infração será lavrado pela autoridade ambiental que a houver constatado, na sede da repartição competente ou no local em que foi verificada a infração, devendo conter: I - nome do infrator, seu domicílio e/ou residência, bem como os demais elementos necessários a sua qualificação e identificação civil; II - local, data e hora da infração; III - descrição da infração e menção do dispositivo legal transgredido; IV - penalidade a que está sujeito o infrator e o respectivo preceito legal que autoriza sua imposição; V - notificação do autuado; VI - prazo para o recolhimento da multa; e VII - prazo para o oferecimento de defesa e a interposição de recurso.

Deve-se notar, em especial, a necessidade de constar no respectivo auto, além do prazo para oferecimento de defesa, o prazo para a interposição do recurso administrativo, que consiste na primeira manifestação do administrado contra a decisão do julgamento. Tal requisito, geralmente, é desatendido pelos órgão autuadores.

Salienta-se que no auto de infração não há falar em informalidade ou discricionariedade, porquanto trata-se de ato vinculado e punitivo, e a forma é requisito inafastável ao cumprimento do devido processo legal, constitucionalmente previsto no inciso LIV do artigo 5º.

Ademais, em relação a forma legal exigida, esta constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição, pois a inexistência de forma induz a inexistência do ato administrativo, viciando-o substancialmente e tornando-o, portanto, passível de invalidação.

A Lei nº 10.177 de 2998, que regula o processo administrativo no Estado de São Paulo, optou por prever, expressamente no inciso II do artigo 8º, que a omissão de formalidades ou procedimentos essenciais invalida o ato administrativo.

O poder de polícia da administração pública encontra limites e, tais limitações, por estarem previstas em lei, devem ser observadas. Sobre o tema, MEIRELLES expõe que:

Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da

República (artigo 5º). Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. O autor conclui os ensinamentos sobre as limitações do poder de polícia afirmando que se a autoridade ultrapassar o permitido em lei, incidirá o abuso de poder, corrigível por via judicial, pois o ato de polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito a invalidação pelo poder judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder.

Em havendo exigência legal acerca dos requisitos do auto de infração, vislumbra-se descaber ao órgão autuador a discricionariedade de dispensalos. Para tanto, resgata-se, novamente, a pertinente doutrina de MEIRELLES:

O ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a todas as exigências da lei ou regulamente pertinente.

Quanto ao conceito de ato vinculado, como é o caso das autuações ambientais, são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria as imposições legais para a efetivação do auto de infração absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa.

Destarte, não há como excluir a infração ambiental do conceito de ato punitivo, vez que visa punir e reprimir as infrações administrativas dos particulares perante a administração, e, tratando-se de punição dirigida aos administrados é vinculada em todos os seus termos à forma legal que a estabelecer.

Diante disso, caso seja constatada a inobservância da lei na expedição do auto de infração, sua nulidade é evidente, por afronta ao princípio da legalidade.

O auto de infração ambiental, oriundo do poder de polícia da administração pública, é ato formal, punitivo e vinculado, devendo, portanto, atender os requisitos legais previamente estabelecidos.

 

O licenciamento ambiental: Dever ou direito para os empreendedores a ele submetidos .

 

Licença ambiental é um ato da Administração Pública com requisitos especiais, complicado, em parte, por sua legislação pouco concentrada, dividida entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, entretanto, com a União editando normas gerais que, de certa forma, uniformizam a legislação nacional.

O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso, ou seja, desde que verificado, em cada caso concreto, que foram preenchidos pelo empreendedor os requisitos legais exigidos.

O licenciamento ambiental existe por uma exigência social, que surgiu do anseio global de se preservar o meio ambiente, e tornou-se obrigatório por força da legislação vigente no país. Tão relevante é a questão ambiental que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 255, garante a defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, por meio da realização de audiências públicas como parte do processo.

As principais diretrizes para a execução do licenciamento ambiental estão expressas na Lei nº 6.938 de 1981 e nas Resoluções CONAMA nº 001 de 1986 e nº 237 de 1997. Além dessas, o Ministério do Meio Ambiente emitiu o parecer nº 312, que discorre sobre a competência estadual e federal para o licenciamento, tendo como fundamento a abrangência do impacto.

O meio ambiente é considerado um bem de interesse público, e sendo o bem particular ou público, este deve ser usufruído por toda a coletividade. Desta forma, qualquer intervenção do ser humano na utilização dos recursos naturais que venha a causar impacto ambiental, ou seja, uma alteração adversa ao meio ambiente, deverá ser submetida aos órgãos ambientais competentes para que estes possam consentir na atividade ou na execução da obra pretendida.

As atividades ou obras que potencial ou efetivamente causem danos ao meio ambiente devem submeter-se ao processo de licenciamento, que em princípio, é antecedido de estudos prévios de impacto ambiental.

As licenças previstas na legislação ambiental (Decreto no 99.274 de 1990) são: licença prévia, licença de instalação e licença de operação, que devem ser obtidas sucessivamente pelo empreendedor, desde que atendidos os requisitos legais.

Nas palavras de MACHADO, "a obtenção do licenciamento ambiental é obrigatória para a localização, instalação ou ampliação e operação de qualquer atividade objeto dos regimes e licenciamento".

O licenciamento ambiental é por prazo determinado, o que apresenta dupla função: por um lado dá segurança a empresa que o consegue, pois sabe que durante aquele prazo, salvo por fato extraordinário, terá direito a sua atividade sem maiores percalços. Por outro lado, é benéfico para o ente estatal, pois não fica adstrito eternamente às condições impostas inicialmente, podendo, desta forma, quando da renovação, fazer novas exigências necessárias à proteção do meio ambiente. As hipóteses para modificação, suspensão ou cancelamneto do licenciamento ambiental passam por fatores extremados, tentando manter, assim, o máximo da segurança para aquele que consegue a dita licença, por outro lado, abrem a possibilidade, no caso dos riscos graves ao ambiente, de mexer neste direito, o que, avaliado no plano fático, levar-nos-á a poderosa arma contra a devastação ambiental legal.

Como determina o artigo 9º, inciso IV da Lei Federal nº 6.938 de 1981, o licenciamento ambiental é um instrumento de caráter preventivo de tutela do meio ambiente. Por esta razão, o licenciamento não é um único ato administrativo, nem tampouco um ato simples, correspondendo a uma sucessão de atos administrativos, o que lhe atribui, ao final, a condição de procedimento. Além disso, trata-se de ato vinculado, o que o distancia da licença propriamente dita que é tida como ato discricionário.

Ao apresentar o estudo de impacto ambiental, busca o empreendedor proponente apresentar ao órgão público licenciador o projeto de sua obra ou atividade, visando obter deste aprovação e, por conseqüência, o seu licenciamento. Perante o órgão encarregado de análise, incumbe aos técnicos aferirem a gravidade dos impactos causados pela obra ou atividade e, dependendo do caso, oferecerem críticas, sugestões, recomendações ou exigências de tudo quanto for necessário para a mais perfeita conformidade do projeto à legislação em vigor e, notadamente, à preservação do meio ambiente.

Para responder o questionamento sobre ser o licenciamento ambiental um dever ou um direito para os empreendedores a ele submetidos, importa definir "recomendações" e "exigências" que normalmente são estabelecidas por ocasião dos licenciamentos das atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos naturais considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou que possam, de qualquer forma, causar algum tipo de degradação ambiental.

Recomendação corresponde a dar obrigação, encarregar, criar encargo, incumbir, confiar ou onerar. Exigência expressa a idéia do que se pede com modo autoritário, como coisa devida; corresponde a impor obrigação, também: um dever.

Como se vê, tanto uma quanto outra encerram a idéia de obrigação, que corresponde a encargo ou compromisso; e obrigação, sob uma análise jurídica, deve ser entendida como o vínculo oriundo da lei ou de ato da vontade, que compele alguém a dar, a fazer ou não fazer algo economicamente apreciável.

Assim, as exigências e recomendações, ditadas por ocasião do licenciamento, são obrigações impostas pela Administração Pública ao particular para o exercício de sua atividade econômica.

E, estabelecidas em face da significativa degradação que possa vir a causar ao ambiente, com acentuados reflexos sobre o meio, deve ser definida sempre como obrigação de relevante interesse ambiental. Há, de fato, perfeita correspondência entre as duas expressões comumente utilizadas pela lei: "relevante interesse ambiental" e "significativa degradação ambiental".

Destarte, para que qualquer dos bens ambientais tutelados não sofra nenhum tipo de aviltamento ou tenha diminuída sua qualidade, face à sua relevância, sempre, incumbe ao Poder Público, quando do licenciamento, obrigar àquele que interfira sobre estes bens a adoção de todas as medidas necessárias que garantam: a) a manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, em vista do uso coletivo, b) a racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; c) o planejamento e fiscalização adequados do uso dos recursos ambientais; d) a efetiva proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; e) o devido controle e zoneamento das atividades potencial e efetivamente poluidoras; f) incentivos ao estudo e a pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; g) apropriado acompanhamento do estado de qualidade ambiental; h) conveniente recuperação de áreas degradadas; i) e precisa proteção de áreas ameaçadas de degradação.

Desatendidas as recomendações ou exigências, deverá ser o empreendedor submetido às sanções estabelecidas administrativa, civil e penalmente, sem qualquer possibilidade de concessões.

Portanto, o licenciamento ambiental é uma obrigação (dever) imposta pela Administração Pública ao particular para o exercício regular de sua atividade econômica. Desatendidas as recomendações ou exigências, o empreendedor deve ser submetido às sanções estabelecidas administrativa, civil e penalmente, sem qualquer possibilidade de concessões ou compensações.

Tendo em vista que o inadimplemento das exigências leva a conseqüências irremediáveis e desastrosas, impõe-se com urgência, a tomada de providências contra todos aqueles que, de um modo ou de outro, vêm contribuindo para o descaso com os recursos naturais brasileiros e partilham da responsabilidade por estes danos, notadamente aqueles que, por dever legal ou contratual, deixam de cumprir relevante obrigação que é o atendimento de todas as exigências estabelecidas no licenciamento.

 

 

 

 

 

CAPÍTULO VIII

 

Como conciliar à luz do Direito Ambiental e da Economia Ambiental, a preservação do meio ambiente, a livre iniciativa, o desenvolvimento econômico, a necessidade de geração de emprego e renda, e o direito a um meio ambiente sadio?

Na atualidade, o problema da proteção do meio ambiente tornou-se um dos assuntos mais discutidos e difundidos nos meios de comunicação de todo o mundo. A preservação ambiental do planeta deixou de ser apenas uma previsão tornando-se uma necessidade em face da poluição e degradação ambientais, cada vez mais intensas, com as quais o ser humano tem que conviver. Por outro lado, o desenvolvimento econômico também é necessário à satisfação das necessidades humanas. Em virtude disso, e procurando trazer o equilíbrio entre a necessidade de preservação ambiental e a necessidade de desenvolvimento econômico, tem surgido uma legislação em todo o mundo que procura, senão resolver o problema da poluição e degradação ambiental, ao menos manter sob controle as atividades das empresas e das pessoas para a melhoria da qualidade de vida, em todas as suas formas, para que as presentes gerações consigam atender às suas necessidades sem comprometer o atendimento das necessidades das gerações futuras.

Percebe-se a difícil questão de compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente.

Para tanto, ao constatar que o direito ambiental tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se devem harmonizar, defende-se a teoria do "desenvolvimento sustentado".

No sistema brasileiro, os princípios constitucionais da ordem econômica estão estritamente relacionados à proteção do meio ambiente, a ponto de o direito ambiental ser considerado um verdadeiro "direito econômico". A Constituição Federal de 1988 contempla como princípios gerais da ordem econômica: "a soberania nacional, propriedade privada, a função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte".

Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência não são mais hierarquicamente superiores aos demais, podendo ser restringidos para que tais liberdades sejam exercidas em conformidade com o interesse social. Isso porque a defesa do meio ambiente é uma finalidade de intervenção do Estado, assegurando princípios que são basilares como a preservação da vida, a diversidade das espécies, o equilíbrio ecológico etc.

O princípio da democracia econômica e social contém uma imposição obrigatória dirigida aos órgãos de direção política (legislativo e executivo) no sentido de desenvolverem uma atividade econômica e social conformadora, transformadora e planificadora das estruturas sócio-econômicas, de forma a evoluir-se para uma sociedade democrática. O legislador, a Administração e os tribunais terão de considerar o princípio da democracia econômica e social como princípio obrigatório de interpretação para avaliar a conformidade dos atos do Poder Público com a Constituição.

Dessa forma, pode-se afirmar que o princípio da propriedade privada só é legítimo e constitucional na medida que seu uso estiver conforme os demais princípios, notadamente, o da função social. Já a livre concorrência só será legítima se seu exercício se conformar ao princípio da defesa do consumidor, da busca do pleno emprego etc., já que, pelo parágrafo único do artigo 170 é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, salvo nos casos previstos em lei e porque o artigo 225, em relação ao meio ambiente, dispõe que incumbe a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, o uso do meio ambiente não é bem do Estado nem bem privado, mas sendo bem pertencente a toda a coletividade, e dessa forma não pode sua apropriação estar dissociada do interesse social e do bem comum, em que pese toda carga valorativa desses conceitos no contexto liberal e que hoje se exige uma redefinição, ora como designando a coletividade ecologicamente equilibrada.

A obrigação dos poderes públicos de vincularem a conduta do ser humano à realização de juízo de previsibilidade de anulação do impacto ambiental, insere-se através da referibilidade do instrumento de proteção com o direito protegido (meio ambiente), na tendência contemporânea eleita pelos instrumentos internacionais, de relacionarem o direito à salubridade ambiental como espécie discriminada de direito fundamental da pessoa humana, que encerra em seu conteúdo uma série de valores e direitos de proteção derivada, sobretudo o direito à vida, ao bem-estar, o direito à saúde, o direito à dignidade da pessoa humana, tal qual previsto já na primeira parte do princípio primeiro da Declaração de Estocolmo de 1972.

Em sua essência, o direito ambiental guarda a necessidade de controlar a sociedade industrial capitalista que não considera a essência humana que se faz no desenvolvimento, ou seja, para o capitalismo, importa tão somente o lucro crescente.

O desenvolvimento sustentado defendido por parte dos ambientalistas contemporâneos prega o controle sobre esta esfera social essencialmente incontrolável, podendo-se definir, como o faz a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, não como "um Estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras".

A concepção de "desenvolvimento sustentável" como uma iniciativa estatal sobre a indústria, é capaz de omitir a essência da existência da economia capitalista como a substituição do valor de uso da produção humana pelo valor de troca em que se sustenta o capital. Na sociedade capitalista, o valor do objeto se faz pela vinculação do custo de sua produção às exigências da concorrência mercantil, não sendo incluída a importância deste produto para a continuidade da vida, mas apenas a taxa de lucro que dele possa ser extraída.

A concepção do desenvolvimento sustentável deixa evidente a participação estatal em seus limites. Para tanto, deve-se atentar para a necessidade de compatibilizar as estratégias de desenvolvimento produtivo social com a proteção do meio ambiente, através de medidas de prevenção de danos e riscos ambientais, pois os danos, depois de realizados, são de muito difícil reparação para que a atenção social se centralize na fiscalização ambiental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Diante da inadequada legislação da maioria dos países quanto à preservação ambiental, é preciso também que existam mecanismos internacionais de proteção que sejam capazes de produzir efeitos jurídicos transfronteiriços sobre atividades potencialmente devastadoras do meio ambiente. Se existe tribunal internacional para crimes contra a humanidade, os crimes contra toda a vida na Terra também precisariam de um sistema internacional de proteção eficiente, que não cedesse a interesses financeiros, mas que se sustentasse com poder de polícia internacional e interagindo com programas de prevenção aos danos ambientais que obtivessem alcance internacional.

Portanto, o efetivo controle social ambiental dá-se através da superação dos limites jurídicos nacionais, mesmo que se possa pensar que ocorre quebra de soberania pátria, pois acima dos interesses individuais devem-se situar os interesses não simplesmente humanos ou das demais formas de vida, mas de todo o sistema orgânico de vida que sustenta o frágil equilíbrio ecológico mundial.

A percepção global da magnitude da questão e de todos os seus reflexos econômicos, políticos, sociais e ambientais, é um dos maiores desafios já enfrentados pela humanidade, pois sua solução efetiva exige um grande esforço no sentido de uma mudança paradigmática na relação ser humano-natureza.

Por isso, seria ilusório crer que apenas medidas de política econômica, ou mesmo transformações dos padrões energéticos, seriam suficientes para superar a crise ecológica provocada pelos valores que norteiam a relação atual do ser humano com a natureza potencializada a partir da revolução industrial.

Talvez a única solução de fato para a crise ecológica mundial seria por meio de um processo paulatino de conscientização para o qual poderiam colaborar a reflexão filosófica a longo prazo, as práticas educativas a médio prazo e a aplicação da lei a curto prazo, no sentido do desenvolvimento de uma "ética ambiental" que se manifestasse naturalmente em todos os seres humanos do planeta.

Existe, portanto, uma possibilidade de mudança de postura em prol da natureza que seria fruto da autonomia da razão, talvez a única capaz de incorporar princípios éticos em cada indivíduo, até alcançarmos uma consciência ética coletiva que pudesse promover uma reconciliação de todos os seres humanos com a natureza e tornar-se o motivo subjacente das políticas públicas.

Desta forma, a adesão aos mecanismos de um desenvolvimento mais limpo e sustentável seria apenas a conseqüência natural de uma ética voltada para a proteção do meio ambiente, sem que os interesses econômicos vigentes pudessem interferir tão negativamente, posto que a relação harmoniosa entre os habitantes do Planeta e o seu meio ambiente seria uma convicção e um desejo de todos.

 

 

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