Noção de Mercado: Interesse Difuso na Tutela da Concorrência

 

Renata Rivelli Martins dos Santos,

advogada, mestranda em Direito da Empresa pela Universidade Metodista de Piracicaba – SP

 

 

1)     Origem dos mercados

 

A origem dos mercados reputa-se à Idade Média, especificamente às feiras medievais.  O mercado, como uma instituição econômica e social, destinava-se a preencher necessidades relativas à circulação de bens.  [1]

Desde esta época exercia-se controle do mercado, praticado pelas corporações de ofício, que efetivavam tal controle através de barreiras à sua entrada, ou seja, os artesãos que não passassem pelo processo de aprendizagem, através dos cursos oferecidos pelos anciãos, não poderiam oferecer seus produtos em mercados.

Organizadas para facilitar a venda e compra de produtos, as feiras medievais atraíam comerciantes, banqueiros, artistas, compradores e vendedores, e a ordem era garantida pelos senhores feudais que, em troca, cobravam taxas ou impostos.  Como realizadas em diferentes cidades, cada qual sujeitava-se à jurisdição do soberano de cada circunscrição.

Com o passar do tempo, a grande quantidade de regras diferentes aplicáveis aos atos foi considerada um entrave ao desenvolvimento do comércio e, assim, os mercadores criaram um conjunto de normas costumeiras, emanadas das suas próprias corporações, que passaram a ser aplicadas em seus negócios, quaisquer que fossem as praças de comércio.

As questões passaram, então, a ser dirimidas por Tribunais de Comércio, especializados e distintos das jurisdições locais, que aplicavam as normas costumeiras.

Deflagra-se nesse momento, portanto, a criação das primeiras regras de direito empresarial, originadas dos costumes praticados nas feiras.

Entretanto, somente após a Revolução Industrial é que os mercados obtiveram maior visibilidade, vez que a produção em massa passou a exigir a distribuição desses bens. [2]

 

2)     Noção de mercado

 

Mercado é instituição social que emerge naturalmente das relações econômicas.

A existência de mercados livres é condição objetiva para a produção e a circulação de bens, mercadorias e serviços, para que se possa produzir riqueza. 

O legislador de 1850 não previu o mercado como um local, um espaço físico.  Com efeito, o artigo 32 do Código Comercial assim define: “Praça de comércio é não só o local, mas também a reunião de comerciantes, capitães e mestres de navios, corretores e mais pessoas empregadas no comércio...”. [3]

Atualmente, com o avanço da tecnologia e rapidez no transporte, o local físico em que ocorrem as trocas é, de fato, pouco importante, haja vista a proliferação da utilização do comércio eletrônico, por exemplo.

Sem um mercado ativo, os produtores, distribuidores e consumidores teriam inúmeras dificuldades para criar, distribuir e adquirir bens.  Portanto, este deve existir para permitir a oferta dos produtos e serviços, e o acesso dos consumidores, ou seja, para unir quem intenciona alienar e quem deseja adquirir.

Com efeito, a liberdade de mercado atende aos interesses de todos os agentes, facilitando a oferta de bens e a concorrência.  Essa noção de livre iniciativa, ou seja, possibilidade de participar dos mercados determina que os agentes econômicos necessitam de que exista a concorrência, para que possam atuar e disputar clientela com os demais agentes.

Ainda, tem-se que tal disputa é vital para os consumidores, ou adquirentes dos produtos e serviços oferecidos.

Assim sendo, há necessidade da presença de uma legislação antitruste que lhes garanta o livre acesso ao mercado.

Para garantir a liberdade de iniciativa e a liberdade de acesso aos mercados, a Constituição Federal de 1988 valoriza a concorrência, como forma de tutelar o mercado.

A CF de 1988, em seu artigo 170, garante a livre iniciativa e a livre concorrência; e a Lei 8884/94 combate condutas e estruturas praticadas pelos agentes econômicos, que possam prejudicar a livre concorrência e os próprios consumidores, evitando sua submissão a mercados monopolizados ou oligopolizados.

Natalino Irti determina que mercado é uma organização artificial, construída pela escolha fundada em decisão política.  Segundo o autor, mercados livres são instituição própria e típica das economias capitalistas, e sua estrutura facilita a troca econômica, induzindo à competição entre agentes e estimulando a concorrência. [4]

Mercado é, então, um sistema de relações, constituído pelo Direito.  Uma das suas funções mais relevantes é tornar eficiente a circulação de bens na economia, permitindo melhor alocação da riqueza e melhorando a distribuição dos bens disponíveis, entre agentes econômicos.

Rachel Sztajn preceitua:

 

“Na medida em que se entenda mercado como uma instituição que vise a criar incentivos, reduzir incertezas, facilitar operações entre pessoas, fica clara a idéia de que mercados aumentam a prosperidade e, portanto, o bem-estar geral. Intervenções em mercados podem ser tanto reguladoras quanto moderadoras do conjunto de operações neles realizadas. Aquelas são intervenções disciplinadoras de certos mercados, estas as destinadas a corrigir desvios que comprometem o funcionamento do mercado”. [5]

 

Ainda segundo Rachel Sztajn, mercados são produtos espontâneos das relações sociais.  Tem-se que seu maior benefício seria a aproximação de muitas pessoas ao mesmo tempo, de forma a ampliar o número de operações entre elas.[6]

Concorrência e mercados têm que existir para garantir-se liberdade e competição.  Mercado implica, portanto, ordem e liberdade.  [7]

R. Sunstein afirma que mercados são resultado de intervenção do Estado no domínio econômico, e que as relações produzidas pelo e em mercados, incluem uma certa coerção.[8]

As trocas livremente ajustadas são mais eficientes, razão pela qual economias capitalistas privilegiam o mercado sobre outras formas de incentivo às trocas econômicas.

Sem as barreiras legais ou estratégicas que impeçam ou dificultem a negociação de bens ou interesses sobre bens, a alocação dos recursos econômicos será sempre eficiente.

A concepção de mercado como local, portanto,  não é, por si só, suficiente.

Rachel Sztajn define:

 

“Outra classificação leva em conta os bens negociados, outra, ainda, a existência de multiplicidade ou não de agentes, pelo que são ditos concorrenciais – de concorrência perfeita ou de concorrência monopolista – ou não, subdivididos em: monopolista se composto de único ofertante; se composto de dois ofertantes, é chamado duopólio; se de poucos ofertantes, é denominado oligopólio. Do lado dos adquirentes, classificam-se em monopsônios e oligopsônios, quando há um só ou poucos demandantes, respectivamente.  Além dessas formas estruturais, alguns mercados são ditos cartelizados, resultados de acordos entre produtores de certo bem”. [9]

 

Mercado eficiente ocorre quando as pessoas podem informar-se sobre os produtos, as quantidades, qualidades e então o preço é formado livremente, pelo embate entre oferta e demanda.

Rachel Sztajn ainda dispõe:

 

“Mercados livres, atomizados e concorrenciais, ou de concorrência perfeita, em que a barganha entre ofertantes e adquirentes é comum, são o modelo ideal para troca econômica. Por serem atomizados, dificultam aumentos arbitrários de preços, manipulação da oferta e, segundo a teoria econômica, promovem o bem-estar social”. [10]

 

Assim, mercados concorrenciais interessam às sociedades, vez que geram competição entre agentes econômicos e, por conseguinte, mantêm os preços próximos ao custo de produção.

Como anteriormente consignado, os mercados tiveram sua origem nas feiras medievais, ou seja, sempre em estruturas regradas. Aquelas normas consuetudinárias são a origem remota do direito empresarial. 

Contudo, o alargamento de mercado trouxe a necessidade de aumento de consumidores.  O Estado teve, assim, que proteger esses consumidores, criando restrições e regras para evitar os abusos, como o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo.

Ainda atualmente, percebe-se um intenso crescimento do mercado, com a evolução nos níveis de produção, especialmente em países como China e Índia.

Verifica-se, portanto, desde então, a configuração da dupla face do direito empresarial – privada e pública.

Nota-se que a regulação dos mercados é essencial para manter a sua eficiência. A regulação das atividades econômicas é o instrumento legal para ordenar os mercados.  Entretanto, o excesso de regulação não pode impedir os agentes de equilibrarem a relação custo/benefício. Ademais, mercados muito regulados tendem a reduzir a entrada de novos produtores. A regulação que interessa é a que se aplica à produção e distribuição de bens e serviços, não a que se aplica às relações de consumo.

Sendo assim, normas de ordem pública devem ser editadas sempre que o interesse público for superior ao interesse dos agentes econômicos.  A disciplina de mercados que privilegia a concorrência, a fim de que a formação dos preços se aproxime do modelo econômico, leva a determinar, mediante políticas públicas, os limites em que os particulares exercem ou podem exercer atividades econômicas no pólo da produção.

Uma das causas em que se justifica a intervenção do Estado são as falhas de mercado, mediante os quais busca-se estabelecer um esquema equivalente ao equilíbrio concorrencial na economia.  Então, sendo detectado algum poder de mercado, monopólios, oligopólios, mercados não concorrenciais, incentivos inadequados à produção de bens e serviços, a intervenção é desejável, com a  finalidade ordenadora das suas relações. 

Neste sentido, entende Rachel Sztajn:

 

“Por tornarem eficiente a troca econômica, mercados são importante instituição das economias capitalistas, mas a liberdade de agir em mercados, pelas desigualdades entre pessoas, precisa da intervenção do Estado que disciplina, mediante mecanismos de controle, as relações intersubjetivas nos mercados”. [11]

 

Ainda, a liberdade de operar nos mercados tem que ser garantida por normas, para que as relações entre agentes do mercado atendam os interesses da sociedade.  Com efeito, mercados não concorrenciais oferecem riscos para o livre exercício de atividades econômicas e, assim, para evitar prejuízos e inibir a transferência de rendas entre agentes, faz-se necessária a disciplina da concorrência.

 

3) Direito Anticoncorrencial

 

O principal objetivo da legislação antitruste é a repressão ao abuso do poder econômico cometido por empresas, cuja conduta venha restringir ou eliminar a concorrência.

O equilíbrio ideal seria atingido com a manutenção da livre concorrência, sem a restrição do direito de escolha do consumidor.

Para tal, a exigência atual é a de um Estado eficiente, capaz de influenciar o mínimo possível no funcionamento do mercado e, em contrapartida, de impedir os abusos e de punir os atos ilícitos.

No entanto, somente na segunda metade do século XX emergiu o direito econômico, com a concepção de que o Estado deveria adotar um posicionamento diante do mercado.

A Revolução Industrial propiciou o surgimento de uma nova ordem econômica.  Neste período, a concentração do poder econômico passou a ser o traço característico da competitividade das economias de escala, do final do século XIX. 

Em 1890, surgiu a Sherman Act, voltada à proteção do comércio interno contra possíveis atos restritivos da concorrência e que, ademais, proibia a formação de monopólios que, inevitavelmente, atingiam o consumidor com a manipulação de preços e lhe impossibilitavam a livre escolha.  A proteção à concorrência dava-se como mero instrumento para a garantia plena do consumidor e do seu direito de escolha.  E, com isso, havia regra interpretativa de que não seria possível a punição de determinado ato pelo só fato de restringir a concorrência.

O legislador brasileiro, no plano constitucional e infraconstitucional, demorou a atentar para a necessidade de definição do papel do Estado na ordem econômica.

A CF 1934, em seu artigo 115, definiu que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da justiça. Somente a CF de 1937 contém a primeira disciplina acerca da intervenção do Estado no domínio econômico. 

O Decreto-lei 869/38 é considerado o primeiro diploma antitruste brasileiro, pois previa expressamente sanções contra a concentração financeira, e vedava a realização de acordos ou formas de organização que pudessem redundar no cerceamento da concorrência e na formação de monopólios.

O Decreto-lei 7.666/45 introduziu no ordenamento brasileiro as figuras do abuso de poder econômico e tipificou os atos ou contratos de efeitos presumidamente anticoncorrenciais. Ainda, criou-se o CADE (Comissão Administrativa de Defesa Econômica), de estrutura semelhante ao atual Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

A CF de 1946 definiu, em seu artigo 148, a figura do abuso de poder econômico: “todo e qualquer ato, inclusive uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, restringir a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros...”.[12] 

Em continuidade, surgiu a Lei 4.137/62 que, tal qual a Sherman Act, era puramente de defesa do consumidor. Foram criadas três figuras básicas dos ilícitos anticoncorrenciais: constituição indevida de posição dominante, abuso de posição dominante e concorrência desleal.

Do ponto de vista do controle prévio dos atos e contratos potencialmente lesivos à concorrência, a Lei 4.137/62 adotou critério subjetivo, voltado ao conteúdo do contrato e aos consumidores, e não propriamente à posição econômica ou mercadológica das partes envolvidas.

A atual legislação antitruste – Lei 8.884/94 – adota critérios objetivos para definir quais atos ou contratos devem ser submetidos aos órgãos de defesa da concorrência. O seu artigo 54 estipula que: “os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE”.[13]

Paula Forgioni ressalva que esse abuso do poder econômico acarreta dominação de mercados e aumento arbitrário dos lucros.  E preceitua:

“O que é, então, concentração econômica: Trata-se de conceito bastante simples, que expressa o aumento de riquezas em poucas mãos. Conseqüentemente, a idéia de concentração relaciona-se com o aumento de poder econômico de um ou mais agentes que atuam no mercado relevante.  É importante ainda relevar que o conceito de concentração foi dado, primeiramente, pela doutrina econômica e se trata de um conceito empírico-factual e não técnico-jurídico”. [14]

 

A função da defesa da concorrência é a proteção do mercado, ou seja, a busca da livre concorrência e, enquanto bem juridicamente protegido, cujo titular é a coletividade, deve garantir o exercício pleno dos interesses difusos constitucionalmente assegurados.

A mesma lei ainda define como ato ou contrato potencialmente lesivo à concorrência aqueles firmados entre empresas que, em conjunto, detém 20% do mercado relevante, ou em que qualquer um dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual de R$ 400.000.000,00.

O artigo 421 do CC estipula que a análise dos contratos levará em conta os limites da função social do contrato.  O respeito ao mercado e à livre concorrência se enquadram no conceito de função social, o que permite ao CADE basear-se na Lei 8.884/94 e no Código Civil.

 

4) Mercado relevante

 

Um mercado só é relevante, para a análise de efeitos anticompetitivos potenciais, se for um espaço econômico, definido em termos geográficos e de produtos, no qual algum poder de mercado tenha possibilidade, a priori, de ser exercido.  Neste sentido:

 

Um mercado é definido como um produto ou grupo de produtos e uma área geográfica na qual ele é produzido ou vendido tal que uma hipotética firma maximizadora de lucros, não sujeita a regulação de preços, que seja o único produtor ou vendedor, presente ou futuro, daqueles produtos naquela área, poderia provavelmente impor pelo menos um pequeno, mas significativo e não transitório aumento no preço, supondo que as condições de venda de todos os outros produtos se mantêm constantes. Um mercado relevante é um grupo de produtos e uma área geográfica que não excedem o necessário para satisfazer tal teste”.[15]

 

No Brasil, o Anexo V da Resolução nº 15 do CADE, de 1998, dispõe:

 

“Um mercado relevante do produto compreende todos os produtos/serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor, devido às suas características, preços e utilização. Um mercado relevante do produto pode eventualmente ser composto por certo número de produtos/serviços que apresentam características físicas, técnicas ou de comercialização que recomendam o agrupamento”.[16]

 

Consoante Paula Forgioni, a regulamentação brasileira tende a acatar uma delimitação de mercado relevante, de acordo com o poder de mercado do agente econômico.[17]

Verifica-se, portanto, que a identificação de um mercado relevante precede uma operação lógica de identificação das relações de concorrência de que participa o agente econômico.

O direito brasileiro exige a notificação ao CADE de todo ato que possa afetar a estrutura e as condições da competição em um determinado mercado. Tal ato existe quando é detectada concentração econômica, caracterizada pela unificação do controle das sociedades envolvidas no ato, e quando estas sociedades possuem uma participação em um determinado mercado igual ou superior a 20%, ou faturamento de mais de R$ 400 milhões.

Werter R. Faria assim define:

“Em síntese, a definição de relevant market representa um verdadeiro e próprio medidor do âmbito da aplicabilidade das regras da concorrência: tal âmbito mostrar-se-á ampliado no contexto de um relevant market mais restrito, ao passo que tenderá a diminuir onde, ao contrário, a definição do relevante market se dilate”.[18]

 

A jurisprudência do CADE adota critérios tradicionais para a definição do mercado relevante, voltados estes à análise do aspecto geográfico e dos bens, produtos e serviços oferecidos pelas empresas envolvidas no ato.  O mercado relevante é o espaço da concorrência.  A delimitação do mesmo pode ocorrer com base na geografia ou na possibilidade de substituição do produto ou serviço por outro da mesma natureza.

Na definição de mercado relevante deve ser considerado que o seu conceito não exige a presença de um substituto idêntico ao produto ou serviço analisado pelo CADE. 

De acordo com o entendimento de Arnold Wald, a conceituação de mercado relevante passa, antes de tudo, pela necessidade de proteção do consumidor.  O objetivo do CADE é evitar que determinado produto ou serviço venha a se constituir no próprio mercado, deixando o consumidor sem alternativa de escolha.[19]

Portanto, a delimitação material do mercado é feita a partir da perspectiva do consumidor.  Se a mercadoria ou serviço puder ser substituído, de acordo com a avaliação do consumidor médio, por outros de igual qualidade, oferecidos na mesma região, o mercado relevante compreenderá também todos os outros produtos ou serviços potencialmente substituídos.

Após definido o mercado relevante, cumpre ao CADE pesquisar acerca do poder econômico dos agentes envolvidos no ato, ou seja, se suas operações e negócios repercutem de forma preponderante nos atos e decisões dos demais agentes que operam no mercado.

No que concerne à participação no mercado na ordem de 20%, esta presunção legal é relativa, ou seja, o agente poderá provar que sua participação no mercado resulta de seu bom desempenho; poderá provar que sua concentração no mercado não é resultante de atos de infração à ordem econômica, e que não inibe a concorrência nem a oferta livre de preços.

 

5) Mercado - Interesse difuso na defesa da concorrência

 

Os interesses difusos são aqueles que estão relacionados e que interessam, ao mesmo tempo, à coletividade e a cada um de seus membros.  Os indivíduos estão ligados por situação de fato.

A manutenção de um livre mercado é de interesse difuso.  Com efeito, mercados concorrenciais interessam às sociedades, vez que geram competição entre agentes econômicos e, conseqüentemente, mantêm os preços próximos ao custo de produção.

Os interesses difusos são protegidos por ações civis públicas destinadas à tutela de cada indivíduo e da coletividade como um todo, determinável ou não.  A sentença tem efeitos erga omnes, isto é, para todos, independentemente de efetivo prejuízo.

Cabe aqui adicionar que somente a reparação dos prejuízos por si só não é o suficiente. O sistema sancionatório deve gozar de instrumentos capazes de preservar o sistema concorrencial.  Tal ocorre na legislação brasileira, através das sanções administrativas.

A ordem econômica como interesse institucional: a ordem concorrencial constitui um interesse institucional, ou seja, difuso.  Com efeito, o artigo 88 da Lei 8884/94 incluiu as infrações à ordem econômica entre os interesses protegidos pela ação civil pública.  Previu, ainda, que as associações destinadas à proteção da ordem econômica e da livre concorrência poderão tutelar estes interesses.

Para Calixto Salomão Filho, todos os direitos previstos na lei concorrencial constituem também interesses institucionais – atos tendentes à dominação de mercados, concorrência desleal e abuso de posição dominante. Exemplo: interesse na manutenção da concorrência, pela ameaça da existência de um cartel; falta de informação sobre concorrente; e aumento abusivo de preços, ou venda casada.  Estas são matérias de interesse tanto dos consumidores quanto dos concorrentes, não se confundindo com os interesses individuais ou a soma deles.  [20] 

A concorrência tem garantia institucional, na medida em que prevê nulidade, isto é, pode tornar qualquer efeito anticoncorrencial nulo e sem efeitos.  O interesse institucional da concorrência é sempre protegido por via administrativa (SDE e CADE).   Mas, pode também ser protegido por ação civil pública.

 

6) Conclusão

 

Em suma, é possível verificar que:

A manutenção de um livre mercado representa um interesse difuso. 

Tal interesse é aquele que abrange número indeterminado de pessoas, unidas pelo mesmo fato, não se confundindo com o interesse coletivo, que é aquele pertencente a grupos ou categorias de pessoas determináveis, possuindo uma só base jurídica. Portanto, a indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos, e a determinidade uma característica secundária, vinculada aos interesses que envolvem grupos coletivos específicos. 

O interesse difuso é garantido pela ação civil pública, prevista na nova ordem constitucional, a qual tornou expresso que dentre as competências do Ministério Público estariam aquelas pertinentes à promoção do "inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".[21]

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL.  Constituição (1988).  Constituição da República Federativa do Brasil

Brasília, DF: Senado, 1988.

FARIA, Werter. Direito da Concorrência e contrato de distribuição. [S.l.]: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992.

FORGIONI, Paula.  Os fundamentos do Antitruste.  Revista dos Tribunais, [S.l.], [n.?], 2004. 

GRAU, Eros Roberto; FORGINI, Paula. O Estado, a Empresa e o Contrato.  [S.l.]: Editora Malheiros, 2005.

IRTI, Natalino.  Persona e mercato Pádua: Casa Editrice Dott. Antonio Milani,    1995 apud SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004. 

SALOMÃO F., Calixto.  O novo direito societário.  2ª edição.  [S.l.]: Malheiros, 2002.

______.  (2003).  Direito Concorrencial: as condutas.  [S.l.]: Malheiros.

 ______.  (2002).  Regulação e Concorrência.  [S.l.]: Malheiros.

SUNSTEIN, R.  Free Markets and social justice.  Oxford University Pres, 1997 apud SZTAIN, Rachel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004. 

SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004.   

VAZ, Isabel.  Direito Econômico das Propriedades.  [S.l.]: Forense, 1993.

WALD, Arnold et.al.  A empresa no terceiro milênio.  São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.                               

 


 

[1] SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004.  p. 22..

 [2] SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004.  p. 31

[3] BRASIL. Código Comercial. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, art. 32. [S.n.t.].

[4] IRTI, Natalino.  Persona e mercato.  Pádua: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1995.  Ano 41, nº 3, p. 289, Revista di diritto civile, apud SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004. p. 32.

[5] SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004.  p. 36.

[6] Ibid, p. 36.

[7] Ibid, p. 36.

[8] SUNSTEIN, R.  Free Markets and social justice.  Oxford University Press, 1997. p. 5, apud SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004, p. 41.

[9] SZTAIN, Rachel.  Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados.  São Paulo: Atlas, 2004.  p. 46.

[10] Ibid, p. 47.

[11] Ibid, p. 63.

 [12] BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: [s.n.], 1946, art. 148.

[13] BRASIL. Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, art. 54. [S.n.t.].

[14] FORGIONI, Paula.  Os fundamentos do Antitruste.  Revista dos Tribunais, [S.l.], [n.?], p. 646, 2004. 

[15] Revista de Direito Econômico. [S.l], [n?], out.-dez. 1995.

[16] BRASIL.  CADE.  Resolução nº 15, de 1998, anexo V.  Disciplina as formalidades e os procedimentos no CADE, relativos aos atos de que trata o artigo 54 da Lei 8.884, de 1994.

[17] FORGIONI, Paula.  Os fundamentos do Antitruste.  Revista dos Tribunais, [S.l.], [n.?], p. 260, 2004. 

[18] FARIA, Werter. Direito da Concorrência e contrato de distribuição. [S.l.]: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992.  p. 23.

[19] WALD, Arnold et.al.  A empresa no terceiro milênio.  São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 459-484.     

[20] SALOMÃO F., Calixto.  Direito Concorrencial: As condutas.  [S.l.].  Malheiros, 2003. p. 61.

[21] BRASIL. Constituição (1988).  Constituição da República Federativa do Brasil.  Brasília, DF: Senado, 1988.  art. 129, inciso III. 

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Artigo publicado nos sites www.pesquisedireito.com e pesquisedireto.vilabol.uol.com.br em 25 de julho de 2006