O CONDOMÍNIO POR UNIDADES AUTÔNOMAS, MODOS DE SUA CONSTITUIÇÃO

 

 Rafael Gondim Fialho Guedes –

Estudante do 10º semestre do Curso de Direito das Faculdades Jorge Amado, Salvador-Bahia.

 

O primeiro ordenamento do condomínio em epígrafe veio com o Decreto nº 5.481, de 25 de junho de 1928, que o admitia em “edifícios de mais de cinco andares construídos de cimento armado ou matéria similar incombustível, sob a forma de apartamentos isolados entre si, contendo cada um, pelo menos, três peças e destinados a escritórios ou residência particular” (Art. 1º); - disposição esta sucessivamente modificada pelo Decreto-Lei nº 5.234, de 08/02/1943 e pela Lei nº 285, de 05/06/1948, que reduziram o número de pavimentos para três e dois, respectivamente.

Com a disciplina da Lei Especial nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (com as modificações que lhe foram introduzidas), ficou estabelecido que as mencionadas edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, levados a efeito sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma, sujeita às limitações que igualmente prescreve, sendo cada unidade assinalada por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação, e tendo cada qual, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária (Art. 1º - §§ 1º e 2º).

Segundo, ainda, o invocado diploma legal, cada unidade com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum, será sempre tratada como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e sua destinação, inclusive aquelas integrantes de edifícios-garagem, com ressalva das restrições que se lhe imponham, e o terreno em que se levantam a edificação ou o conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, paredes externas, o teto, as áreas internas de ventilação e tudo o mais que sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes, que constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade, assim como de utilização exclusiva por qualquer condômino (Arts. 2º e 3º).

Observa-se que a nova lei não estabelece limite mínimo para o número de pavimentos que deve conter o edifício submetido a seu regime, admitindo até mesmo de um só, nem fixa o número mínimo de peças que devem compor uma unidade autônoma, que assim é considerada seja qual for a quantidade de suas peças, ainda que seja uma única, não prescrevendo também a qualidade do material que deve ser empregado na construção.

Não restringe a destinação da unidade autônoma a escritórios ou residência particular, mas generaliza para fins residenciais ou não residenciais, além de ampliar os tipos de edificações que podem ser levantadas em um só terreno e submetidas ao seu regime jurídico, discriminando o que em tais casos se deve observar, nos seguintes incisos de seu Artigo 8º:

a)   em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;

b)   em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns que corresponderá a cada uma das unidades;

c)   serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d)   serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

Prevê também a Lei 4.591/64, que o direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno, direito esse que poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio. No que respeita aos edifícios-garagem, às vagas serão atribuídas frações ideais de terreno específicas. (Art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º).

O CONDOMÍNIO POR UNIDADES AUTÔNOMAS pode ser instituído por ato entre vivos ou por testamento, com registro obrigatório no Cartório de Imóveis competente, devendo constar no respectivo instrumento instituidor a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade (Lei 4.591/64, Art. 7º).

Assinale-se que o CONDOMÍNIO POR UNIDADES AUTÔNOMAS, também chamado de CONDOMÍNIO ESPECIAL, esta última denominação por ser regulado por lei especial, só pode ter por objeto imóvel onde haja construção de edifício de um ou mais pavimentos ou conjunto de edifícios e casas térreas ou assobradadas, todos integrados de unidades isoladas entre si, com saída para a via pública diretamente ou por passagem comum, inclusive edifício-garagem. Só não pode ser objeto desse condomínio especial o imóvel nu, ou seja, o terreno sem qualquer construção.

Por ato entre vivos, o CONDOMÍNIO HORIZONTAL pode ser instituído através de escritura pública ou instrumento particular, acaso ocorram as seguintes hipóteses:

1) O proprietário do terreno que no mesmo construiu, desde os seus alicerces, um edifício composto de apartamentos, salas ou lojas, ou misto, e averbou, regularmente, esta construção, pode, mediante petição dirigida ao oficial do Cartório Imobiliário competente, requerer a instituição de condomínio por unidades autônomas, identificando e discriminando essas unidades mediante designação numérica ou alfabética e estabelecendo a fração ideal do terreno e coisas comuns que a cada uma caberá, como parte inseparável, expressa sob a forma decimal ou ordinária.

O requerimento deve ser formulado em duas vias, com a firma reconhecida e instruído com certidão fornecida pela Prefeitura Municipal, consignando o número de inscrição no cadastro de cada unidade, se tal elemento não constou quando averbada a construção do edifício, bem como os quadros das áreas privativas e comuns expressas em metro quadrado e o das frações ideais do terreno com as unidades a que corresponderão, podendo ser utilizados os modelos editados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para fins de registro das incorporações imobiliárias, conforme o mandamento legal.

Além dos elementos atrás discriminados, o requerimento fará menção ao título de propriedade do requerente, sua natureza e registro, assim como o número da matrícula do imóvel onde deverá ser registrada a instituição, se tal matrícula já existir.

Se o interessado preferir a escritura pública, esta será composta pelos mesmos elementos aqui discriminados, incorporando no seu texto a certidão da municipalidade e consignando, no seu remate, o pedido de registro da instituição do condomínio especial ao Cartório de Imóveis competente.

Recebendo o requerimento e documentos, ou a escritura pública, conforme referido na exposição anterior, o oficial do Cartório Imobiliário abre a matrícula, se esta não preexistir, do edifício no seu todo, com os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado, conforme prescreve a Lei de Registros Públicos (artigos 195, 196 e 228), adotando a técnica registraria mais usual de destacar as unidades autônomas, com os seus números de porta e de cadastro municipal, áreas privativa, comum e total, e a fração ideal do terreno a cada uma correspondente, podendo ainda, sem ser obrigatório, descrever internamente as unidades, mas aconselhável, especialmente se todas não são iguais, de modo que a matrícula as espelhe devidamente.

Efetuado o registro da instituição de condomínio requerida pelo proprietário único do edifício objeto da instituição, pode o mesmo vender ou prometer vender as respectivas unidades autônomas, mas não pode, antes, elaborar a convenção de condomínio e registrá-la no Cartório de Imóveis, embora seja o proprietário de todas as frações ideais que compõem o condomínio por ele próprio instituído.

É bastante elucidativa, no particular, a opinião de AGUIAR VALLIM[1]:

Há quem entenda que o proprietário único do edifício destinado a

condomínio, assim como pode instituí-lo (Art. 7º), poderá também

elaborar a convenção e inscrevê-la no Registro de Imóveis (Decreto

55.815, de 8.3.65, Art.14), aderindo a ela os futuros compradores

de unidades autônomas.

Seria, assim, uma “Convenção outorgada”, como o faria um dita-

dor.

Parece-me, todavia, que tal “convenção” de um só convencional,

não será possível porque este ato pressupõe o concurso de pelo me-

nos dois indivíduos. O que ele poderia fazer seria, ao arremedo do

incorporador, incorporar uma “minuta de convenção”, mas esta mi-

nuta não está sujeita a registro no Registro de Imóveis.

O Art. 9º e seu Parágrafo Primeiro da Lei 4.591/64 declaram que os

proprietários, promitentes compradores, cessionários, ou promiten-

tes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades au-

tônomas, elaborarão por escrito a convenção de condomínio a ser

registrada no Registro de Imóveis, onde serão averbadas as eventu-

ais alterações.

Ora, a Convenção Condominial, nada mais é do que o ajuste a que

chegaram os condôminos no tocante às suas relações mútuas e da

comunhão com terceiros. É a lei fundamental do condomínio, como

a Constituição é a lei básica dos regimes políticos democráticos.

Assim como uma Constituição não exige, necessariamente, o as-

sentimento unânime dos constituintes, também a Convenção não

requer essa unanimidade dos convencionais, bastando a maioria dos

condôminos que represente, segundo a nova lei, no mínimo 2/3 das

frações ideais do condomínio.

 

À medida que as unidades autônomas forem negociadas, para cada uma será aberta matrícula própria no Livro nº 2 – Registro Geral – do Cartório de Imóveis, onde será registrado o respectivo instrumento de compra e venda ou promessa de compra e venda, encerrando-se a matrícula matriz (a pertinente à instituição), quando a última unidade for alienada.

2) Um grupo de pessoas que haja adquirido um edifício pronto, composto de apartamentos, salas ou lojas, na mesma escritura de compra e venda e logo em seguida a este ato, pode instituir o condomínio especial, inserindo na escritura os mesmos requisitos já discriminados no item “1” supra, e realizando, concomitantemente, entre eles, a divisão das unidades autônomas, e requerendo, ainda no mesmo instrumento, a efetivação, na matrícula do edifício, dos respectivos atos registrais.

Nessa hipótese, o procedimento cartorário será desdobrado da seguinte forma: a) registro da compra do edifício pelo grupo de pessoas; b) registro da instituição de condomínio por unidades autônomas, requerido pelo mesmo grupo e c) registro da divisão das unidades autônomas por entre os integrantes do grupo, observado o direito de cada um, o que será feito na matrícula que se abrir para cada unidade objeto da divisão, e figurando como proprietário, em todas elas, os adquirentes do edifício e instituidores do condomínio especial.

Feito o registro do último quinhão, a matrícula matriz será encerrada.

Para melhor controle, seja da alienação ou promessa de alienação, seja da divisão de unidades autônomas de edifício submetido ao regime condominial regulado pela Lei nº 4.591/64, é recomendável que o serventuário do Registro Imobiliário, quando da efetivação de tais atos, anote, por averbação, na matrícula matriz a designação numérica ou alfabética da unidade cuja matrícula própria foi aberta no Registro Geral, e o número de ordem dessa matrícula.

Igualmente pode ser procedido pelos que houveram, em virtude de doação “inter vivos” ou sucessão “mortis causa” (conforme títulos já registrados), edifício composto de unidades isoladas entre si, em condomínio indiviso.

3) Por testamento, o condomínio especial será instituído se, por exemplo, o testador, proprietário exclusivo de um edifício composto de apartamentos, salas ou lojas, legar tais unidades isoladamente a diversas pessoas, desdobrando, destarte, um imóvel único (assim registrado no Cartório Imobiliário) em tantos imóveis quantas sejam as unidades isoladas de que se componha o edifício.

Se não constar da respectiva verba testamentária os elementos necessários à instituição do condomínio em planos horizontais prescritos pela Lei 4.591/64 (Art. 7º), nem por isso dita verba deixará de ser cumprida, uma vez que, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (Código Civil anterior, Art. 1.572 - Código Civil atual, Art. 1.784), independentemente de qualquer outra formalidade.

Todavia, como a instituição do condomínio especial deve ser obrigatoriamente registrada no Cartório Imobiliário competente, conforme prescreve o invocado Art. 7º da Lei 4.591/64, cumpre, então, ao inventariante do espólio do testador, por iniciativa própria ou por provocação dos interessados, apresentar esses elementos, o que poderá fazê-lo tanto na oportunidade em que prestar as suas primeiras declarações quanto no ensejo em que se tiver de deliberar sobre a partilha, nos autos do respectivo inventário (CPC, Arts. 993, IV, a, 1.022 e 1.025, II).

Se assim ocorrer, julgada a partilha e expedidos em favor dos legatários das unidades autônomas os respectivos formais de partilha, destes deverão constar, além das peças processuais estabelecidas pelo CPC (Art. 1.027 - itens I a V), os elementos inerentes ao condomínio especial e que integraram as declarações preliminares ou o esboço da partilha.

Ao receber os primeiros desses títulos judiciais, o oficial do Cartório Imobiliário abrirá a matrícula do edifício no seu todo, se esta não preexistir, na mesma registrando o condomínio especial à vista dos elementos constantes do título apresentado, observando a sistemática descrita anteriormente neste trabalho.

Em seguida, abrirá no Registro Geral matrícula própria para a unidade autônoma objeto do legado, descrevendo-a e caracterizando-a nos mesmos termos explicitados na última exposição, onde registrará dito legado com os requisitos ínsitos ao ato.

Mas, se porventura não constar da verba testamentária ou do processo do inventário os elementos pertinentes ao condomínio especial instituído pelo testador, expedindo-se os formais de partilha em favor dos legatários desprovidos desses elementos, o oficial do Cartório Imobiliário sobrestará o registro desses títulos, não só para que sejam cumpridas as exigências constantes do Art. 7º da Lei 4.591/64 (registro da instituição), como também para que se observe a Lei de Registros Públicos, que estaria desatendida no que respeita aos seus princípios de continuidade e especialidade, face não contar o imóvel objeto do título judicial com registro anterior próprio, do mesmo constando a sua caracterização autônoma.

Em tais casos, a solução será o requerimento, formulado pelos interessados, dirigido ao oficial do cartório, instruído com a documentação legalmente exigida, nos termos já delineados anteriormente.

4) Originariamente, o condomínio em planos horizontais é instituído mediante incorporação imobiliária, assim considerada a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, considerando-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceita propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Presume-se a vinculação entre a alienação das frações ideais do terreno e o negócio da construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador (cf. Lei 4.591/64, Art. 28 e Parágrafo Único e Art. 29 e Parágrafo Único).

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CARVALHO, Antônio José Ferreira. O Condomínio Na Prática. 3.ª Ed., Rio de Janeiro, Editora Liber Juris LTDA., 1985.

 

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio E Incorporações. 5.ª Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense.

 

AGUIAR VALLIM, João Rabello de. Direito Imobiliário Brasileiro (Doutrina e Prática), 2.ª Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais – 1984, pp. 242/243.

 

NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, 8.ª Ed., São Paulo, Editora Ícone, 1989, p. 322.

 

GONDO, J. Nascimento Franco Nisske. Condomínio Em Edifícios. 4.ª Ed., São Paulo, Editora Revista Dos Tribunais LTDA., 1987.

 

VIANA, Marco Aurélio da Silva. Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias. 2.ª Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1982.

 

FRANÇA, R. Limongi. Jurisprudência do Condomínio. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1977.

 

JACOMINO, Sergio (Coord). Registro de Imóveis. Estudos De Direito Registral Imobiliário. XXII Encontro de Oficiais de Registro De Imóveis do Brasil. Cuiabá – Mato Grosso / 1995. Instituto De Registro Imobiliário Do Brasil, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre / 1997.

 

NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código Civil e legislação civil em vigor. 23.ª Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2004.


 

[1] AGUIAR VALLIM, João Rabello de. Direito Imobiliário Brasileiro (Doutrina e Prática), 2.ª Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais – 1984, pp. 242 e 243.