Princípios Constitucionais do Direito de Família

*Edson Teixeira de Melo  
 

     A Constituição Federal de 1988 provocou uma revolução no sistema jurídico brasileiro. O foco do legislador constituinte, sempre voltado para a organização do próprio Estado, desloca-se para o indivíduo e, mais ainda, para a coletividade, contemplando amplamente os direitos individuais sem repousar seu campo de abrangência sobre os direitos difusos e coletivos.

      O artigo 1º da Constituição Federal destaca que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

     Nota-se, ao longo dos anos, a passagem do conceito de Estado, da esfera da legitimidade para a legalidade, como ensina Peirengelo Schiera [1], em que o fenômeno político passou a enquadrar-se num processo mais geral de formalização do próprio Estado, em que se tornava cada vez menos necessária a personificação na figura do monarca, assinalando uma fase do Estado moderno, ou seja, a do Estado de Direito, fundada sobre a liberdade política e a igualdade de participação dos cidadãos perante o poder.

     A Constituição de 1988 é antropocêntrica, destaca como objetivos principais a construção de uma sociedade livre, justa e soberana, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza. Neste aspecto, destaca-se que a Magna Carta reconhece que somos um país pobre, ao colocar a erradicação da pobreza como um de seus objetivos.

     Nesta linha de raciocínio, o legislador constituinte deu especial atenção aos direitos e garantias fundamentais, pois abordou inicialmente estes temas, para depois pensar na organização do Estado. Apenas para termos um elemento concreto de comparação, a Constituição de 1824 iniciava tratando do Império do Brasil, seu território, governo, dinastia e religião, e só vai abordar os direitos dos cidadãos brasileiros no artigo 173, sob o título 8º, que tratava das disposições gerais, e garantias dos direitos civis.

     Por outro lado, a família foi reconhecida como base da sociedade e recebe proteção do Estado, nos termos dos artigos 226 e seguintes.

     A família como formação social, na visão de Pietro Perlingieri [2], é garantida pela Constituição não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa humana. 
 

     A família teve o reconhecimento do legislador constituinte como base da sociedade, e a sua importância na formação das pessoas mereceu todo o aparato jurídico estatal, formado por normas e princípios, isto para aqueles que não os consideram norma jurídica.

     Ultrapassada esta breve introdução, passaremos a nos ocupar do tema central deste trabalho, navegando pelos Princípios Constitucionais do Direito de Família. 
 

Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana

     Este princípio está plasmado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e demonstra uma nova ótica do Direito Constitucional e do Direito de Família em especial.

     As Constituições passadas, bem como o Código Civil de 1916, só reconheciam a família decorrente do casamento, como instituição de produção e reprodução dos valores sociais, culturais, éticos, religiosos e econômicos. A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 colocam a família sob o enfoque da tutela individualizada dos seus membros, ou seja, a visão constitucional antropocêntrica já abordada neste trabalho, coloca o homem como centro da tutela estatal, valorizando o indivíduo e não apenas a instituição familiar.

     Ainda que se entenda a dignidade da pessoa humana como um direito metaindividual, posição adotada por alguns juristas, e, neste sentido, a proteção seria da coletividade, que estaria sendo violentada como um todo, com a ofensa individual perpetrada a um único cidadão, este princípio no direito de família pode assegurar outros tantos direitos e garantias.

     Carlos Roberto Gonçalves [3] ressalta que este princípio é decorrente do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e, citando Gustavo Tepedino, destaca que:  
 

     E prossegue Carlos Roberto Gonçalves: 
 

     Maria Helena Diniz [4] ministra que referido princípio constitui base da comunidade familiar, garantido o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente, e critica juristas, que ante a nova concepção de família, falam em crise, desagregação e desprestígio, salientando que a família passa, sim, por profundas modificações, mas como organismo natural, ela não se acaba e como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização.

     A Constituição Federal de 1988 destaca como princípio fundamental, dentre outros que enumera, a Dignidade da Pessoa Humana. Rizazato Nunes destaca em sua obra sobre o tema que o respeito à dignidade da pessoa humana pressupõe assegure-se concretamente os direitos sociais previstos  no artigo 6º da Constituição Federal, que por sua vez está atrelado ao artigo 225, normas essas que garantem como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, assim como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Acrescento a esta lista a proteção estatal à família como base da sociedade.

     Assim, seja na visão religiosa, em que o casamento religioso, que para a Igreja Católica foi elevado à comunidade mais nobre entre todas as comunidades humanas,  à categoria de sacramento, ultrapassa, por vontade de Cristo,  todos os conceitos e possibilidades naturais, conferindo-lhe uma dignidade e grandeza verdadeiramente inaudita (ALVES, Martins Antonio, 1976), ou na visão de Cormac Burke (In tradução de Gabriel Périsse, 1991), onde o amor conjugal não está destinado a permanecer apenas como o amor entre duas pessoas e provavelmente não sobreviverá se não ultrapassar este estágio, tornando-se amor familiar, a família tem reconhecida a sua importância no seio da sociedade, ganhando proteção com status constitucional.  
 

Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros 
 

     A revolução provocada pela Constituição Federal de 1988 já foi abordada neste trabalho, e este princípio insere mais uma inovação que cortou no cerne a vigência de inúmeros dispositivos legais do Código Civil de 1916.

     O artigo 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988 traz plasmado que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

     A isonomia conjugal estatuída pela Magna Carta provocou a ira de alguns juristas que vêm na medida a desagregação conjugal como resultado. Maria Helena Diniz, ao contrário, assevera que a regulamentação instituída no aludido dispositivo acaba com o poder marital e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domésticas e à procriação. E continua destacando que o patriarcalismo não se coaduna com a época atual, em que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais está diretamente vinculados às funções da mulher na família e referendam a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução social.

     Carlos Roberto Gonçalves, em obra já citada, comenta que com esse princípio desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que a mulher e o marido tenham os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal.

     O Código Civil de 2002, seguindo aos ditames constitucionais, corrigiu as distorções advindas de ultrapassada legislação, já revogadas em sua maioria pelo advento da Magna Carta.

     Na verdade, a evolução tecnológica muito contribuiu para a atualização da legislação e correção de distorções que vitimavam as mulheres ao longo de séculos. No entanto, entendo que a mulher conquistou esta isonomia quando saiu para o mercado de trabalho, assumindo uma carreira, uma casa, filhos, enfim, uma família, e provou ter capacidade, não raro muito maior que a dos homens, pois talento e capacidade não têm dependência com o sexo da pessoa, e a mulher sofria com o preconceito de que era inferior.

     Assim, ao ganhar independência financeira, e muitas vezes sustentar a família, nela incluído o próprio marido, ora vítima do desemprego, ora de salário inferior ao da esposa, conquistou a isonomia jurídica conjugal, pois a isonomia social ela já havia conquistado há muito tempo. Em uma sociedade capitalista como a nossa, o aumento do poder aquisitivo da mulher é que lhe deu condições de igualdade, igualdade esta que em situações em que a mulher é desprovida de cultura e de renda própria, é muito mais tênue ou desapercebida. 
 

Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos 
 

     Plasmado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, e repetido no Código Civil de 2002, nos artigos 1.596 a 1.629, e, ainda, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, iguala a condição dos filhos havidos ou da relação do casamento, ou por adoção, não mais admitindo-se qualquer diferenciação entre os mesmos.

     O referido princípio não admite distinção entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento a qualquer tempo de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referência à filiação ilegítima e veda designações discriminatórias relativas à filiação. 
 

Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar 
 

     O artigo 226, § 7º, da Constituição Federal dispõe que o planejamento familiar é livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

     Em um país de dimensões gigantes como o nosso, não se poderia admitir qualquer restrição impositiva à procriação.

     A Lei nº 9.253/96 regulamentou a questão, principalmente no tocante à responsabilidade do Poder Público. O Código Civil de 2002, no artigo 1.565, traçou diretrizes asseverando que o planejamento familiar é de livre decisão do casal e que é vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições públicas e privadas. 
 

Princípio do pluralismo familiar ou da liberdade de constituição de uma comunhão de vida familiar 
 

     Carlos Roberto Gonçalves [5] destaca que a Constituição Federal permite que a constituição de uma comunhão de vida familiar seja pelo casamento ou pela união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado.

     Maria Helena Diniz [6] chama este princípio de pluralismo familiar, uma vez que a norma constitucional abrange a família matrimonial e as entidades familiares (união estável e família monoparental), ressaltando que o novo Código Civil nada fala sobre a família monoparental, formada por um dos genitores e a prole, esquecendo-se que 26% de brasileiros, aproximadamente, vivem nessa modalidade de entidade familiar.

     Silvio de Salvo Venosa [7] ministra que a Constituição Federal de 1988 consagra a proteção à família no artigo 226, compreendendo tanto a família fundada no casamento, como a união de fato, a família natural e a família adotiva. De há muito, diz o mestre, o país sentia necessidade de reconhecimento da célula familiar independentemente da existência de matrimônio: 
 

     O Direito é norma da conduta social; a família, base da sociedade; a evolução desta não pode escapar à evolução do Direito, sob pena de termos normas jurídicas legítimas, mas ineficazes. 
 

Bibliografia

BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO. Dicionário de Política, cit., p. 430.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V. V, Direito

de Família. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. V. VI, Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2005.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família. V VI. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. 
 

[1] BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO. Dicionário de Política, cit., p. 430.

[2] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. V. VI, Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2005.

[4] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V. V, Direito de Família. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[5] GONÇALVES, op. cit., p. 9.

[6] DINIZ, op. cit., p. 21.

[7] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família. V VI.  5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. 
 

* Edson Teixeira de Melo é sócio do escritório Ferreira e Melo Advogados Associados, professor universitário, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito do Terceiro Setor. E-mail: emelo@ferreiraemelo.com.br. 
 

Sobre o Ferreira e Melo Advogados Associados 
 

     Fundado em 1990, o escritório Ferreira e Melo Advogados Associados presta assessoria jurídica preventiva e contenciosa, contando com uma equipe de mestres e especialistas. Atua nas diversas áreas do Direito, tendo como principais especializações: Trabalho e Previdenciário, Civil, Administrativo, Ambiental, Consumidor, Educacional, Empresarial, Família e Sucessões, Imobiliário, Penal Empresarial, Propriedade Intelectual e Industrial, Securitário, Terceiro Setor e Tributário. Sediado em São Paulo, O Ferreira e Melo conta com escritórios correspondentes na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Brasília. Sócios: Evilásio Ferreira Filho, professor universitário, mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Imobiliário, e Edson Teixeira de Melo, professor universitário, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito do Terceiro Setor.  
 

Edson Teixeira de Melo

Advogado

Ferreira e Melo Advogados Associados

Avenida Ipiranga, 890 – 4º andar – Conj. 401-409

São Paulo – SP

CEP 01040-000

E-mail:

contato@ferreiraemelo.com.br

comunicacao@ferreiraemelo.com.br

Telefone:

(11) 3337-3370