PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL E CRIME HEDIONDO: ANÁLISE DA LEI Nº 11.464/2007 À LUZ DA POLÍTICA CRIMINAL
João José Leal
Livre Docente-Doutor – UGF/FURB.
Professor do Curso de PósGraduação em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI.
Ex-Procurador Geral de Justiça de SC e
Ex-Diretor do CCJ/FURB -
Associado do IBCCrim e da AIDP.
Rodrigo José Leal
Mestre em Ciência Jurídica – UNIVALI.
Doutorando em Direito – Universidade de Alicante.
Professor de Direito Penal – UNIVALI e UNIFEBE.
Sumário: 1. Introdução. 2. Crime Hediondo e Cumprimento da Pena em Regime Inicialmente Fechado. 3. Crime Hediondo e Possibilidade de Progressão de Regime Prisional: o Retorno ao Tempo Penal Anterior a 1990. 3.1 O Caminho da Doutrina: Condenação à Norma de Absoluta Proibição à Progressão de Regime Prisional. 3.2 O Tortuoso Caminho da Jurisprudência até o Reconhecimento do Direito à Progressão de Regime. 3.3 Progressão de Regime e Sistema Penitenciário Progressivo. 3.4 Progressão e Princípio da Individualização da Pena. 3.5 Epílogo do Longo Embate entre Doutrina e Jurisprudência: A Adequação da LCH ao Princípio da Individualização da Pena e à Jurisprudência do STF. 4. Requisitos para a Progressão de Regime Prisional por Crime Hediondo. 4.1 Requisito Subjetivo: Bom Comportamento Carcerário. 4.2 Cumprimento de 2/5 da Pena e um Novo Conceito de Condenado Primário. 4.3. Reincidência Genérica ou Específica? 5. Crime de Tráfico Ilícito de Drogas e Progressão com Maior Rigor. 6. Nova Assimetria no Sistema Penal: O Enorme Hiato Temporal entre Progressão e Livramento Condicional. 7. Retroatividade das Normas Contidas na Lei 11.464/07: Uma Hermenêutica Conforme a Decisão do STF. 7.1 Divergências da Doutrina quanto à Retroatividade da Nova Lei. 7.2 Irretroatividade da Nova Lei Aparentemente mais Benéfica. 8. A Nova Situação JurídicoPenal em Face da Política Criminal e dos Princípios Constitucionais Penais. 9. Considerações Finais. 10. Bibliografia.
Resumo – A Lei 8.072/90 – LCH estabelecia que o condenado por crime hediondo devia cumprir sua pena em regime integralmente fechado (art. 2º, § 1º). Em conseqüência, proibia, também e de forma absoluta, a progressão de regime prisional para os condenados por esta espécie de crime mais grave.
Desde o primeiro momento, a doutrina considerou esta severa proibição juridicamente inconstitucional. A jurisprudência, no entanto, manteve a constitucionalidade da norma proibitiva até que, em fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento hermenêutico sobre a matéria e decretou a inconstitucionalidade da proibição contida no art. 2º, § 1º, da LCH.
Em resposta a essa decisão da Suprema Corte, o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.464/2007, que modificou o texto do referido dispositivo para admitir o direito à progressão de regime prisional aos condenados por crime hediondo.
Este é o objeto do presente estudo.
Abstract – This paper shows some ideas about the law that classifies the most serious kinds of crime in Brazil – Law number 8.072/1990. This law forbade the progressive system inside the prison in Brazil wich was allowed by the Brazilian constitution since 1988. After the edition of law number 8.072/90 a number of criminalists in Brazil considered that law inconstitutional . However, the tribunals only accepted this argument in 2006 when the Supreme Court by six votes against five, judged inconstitutional the restriction of the progressive system for the hate crimes. It was a surprise because the Supreme Court, in other times, has not accepted the inconstitutional argument. The current year, the law number 11.464/2007 was published and allowed again the progressive system for whom committed a serious kind of crime in Brazil. This contradiction will be one of the mainly points of view of this paper with bases in the Constitutional, Criminal Law and Political Criminal Law.
Palavras-Chave: Crime Hediondo; Progressão de Regime Prisional; Execução Penal; Política Criminal; Sistema Penitenciário; Regime Penitenciário; Pena Privativa de Liberdade; Princípio da Individualização da Pena; Princípio da Humanidade da Pena.
1. Introdução
Recentemente, a Lei Nº 8.072/1990 – LCH, que define os crimes hediondos, foi objeto de mais uma modificação em seu texto normativo de maior severidade penal. Trata-se da nova Lei Nº 11.464/2007, que alterou todo o texto do art. 2º, da LCH: o inciso II, agora só proíbe a concessão de fiança; o § 1º restringe-se apenas à expressão “regime inicialmente fechado” e foi desdobrado num § 2º, para a permitir a progressão de regime prisional, enquanto que os §§ 3º e 4º, repetem as disposições originais.
O presente artigo tem por objeto o estudo deste novo texto legal e o exame crítico da principal mudança introduzida no subsistema punitivo da LCH: direito à progressão de regime prisional para os condenados por crime.
2. Crime Hediondo e Cumprimento da Pena em Regime Inicialmente Fechado
Com a alteração promovida pela nova lei, o texto do § 1º, do art. 2º, da LCH, tem agora a seguinte redação: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. Os crimes previstos no caput do artigo, obviamente, são os considerados hediondos, referidos ou selecionados no art. 1º, da LCH, além da prática de tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e do terrorismo.
Pelo novo texto legal, o condenado por crime hediondo continua obrigado a iniciar o cumprimento de sua pena em regime fechado. Não importa a quantidade de pena aplicada na sentença. Mas, não está mais condenado a permanecer neste regime mais rigoroso até alcançar o livramento condicional (quando for o caso!) ou a extinção da pena. Agora, poderá progredir para o regime semiaberto e o aberto.
Quanto ao cumprimento da pena inicialmente em regime fechado, cabe ressaltar que as Leis nº 9.455/97 (Lei contra a Tortura) e nº 11.343/07 (Lei Antidrogas), já adotavam a mesma disposição em termos de regime de execução penal.
Duas são as condições legais para a progressão: cumprimento de parte da pena e mérito prisional. Este último requisito, ressalte-se, é previsto no art. 112, da Lei de Execução Penal - LEP.
É o que veremos abaixo.
3. Crime Hediondo e Progressão de Regime Prisional: o Retorno ao Tempo Penal Anterior a 1990
3.1 O Caminho da Doutrina: Condenação à Norma de Absoluta Proibição à Progressão de Regime Prisional
A mudança agora operada no texto original do art. 2º, § 1º, foi defendida por boa parte da doutrina, desde o primeiro momento de vigência da LCH. Em síntese, os penalistas sempre entenderam que esta norma - de absoluta proibição a priori - contrariava os princípios constitucionais de maior grau de hierarquia normativa da individualização e da humanidade da pena, além dos princípios do devido processo legal e da igualdade. ( 1 )
Posteriormente, a aprovação da Lei contra a Tortura trouxe um argumento ainda mais forte em favor da doutrina que sustentava a derrogação do § 1º, do art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos. Como o § 7º, do art. 1º, da Lei contra a Tortura, determina que o condenado deve iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, ficou claro – tanto para a doutrina como para a jurisprudência – que poderia ser concedida a progressão para o regime semi-aberto ao condenado por essa espécie de crime hediondo, pois o que a lei exige é que o processo de execução da pena seja iniciado em regime fechado.
Para boa parte da doutrina, a proibição prevista no § 1º, do art. 2º, da LCH, havia sido revogada pelo disposto no § 7º, do art. 1º, da Lei 9.455/97. ( 2 )
3.2 O Tortuoso Caminho da Jurisprudência até o Reconhecimento do Direito à Progressão de Regime
No tocante à norma proibitiva sob exame, a jurisprudência percorreu caminho diverso daquele trilhado pela doutrina. Foi um caminho tortuoso, marcado por uma hermenêutica de comprometimento com o sentido meramente literal da lei positiva, até a votação pelo STF, do HC 82.959/SP.
Cabe lembrar, no entanto, que em sua primeira decisão sobre a matéria, o STF havia rejeitado a tese de inconstitucionalidade do dispositivo penal em exame, sob o fundamento de que a CFRB conferiu ao legislador ordinário a prerrogativa de fixar, para os crimes hediondos, o cumprimento da pena em regime fechado. Ao analisar a obrigatoriedade de cumprimento da pena em regime integralmente fechado, a súmula do acórdão do Tribunal Pleno, que teve como relator o então ministro Paulo Brossard, ficou assim redigida:
“À Lei Ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderia efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional. Ordem conhecida, mas indeferida." ( 3 )
O entendimento da Suprema Corte foi adotado pelo STJ, que acabou consolidando a posição de que o condenado por crime hediondo não tem direito à progressão no regime prisional, mesmo que, na sentença condenatória,, não tenha sido utilizada a expressão “integralmente fechado”. ( 4 )
Assim sendo, com apenas algumas decisões isoladas e marginais em contrário de tribunais estaduais ou federais, a jurisprudência manteve o entendimento em favor da constitucionalidade do então § 1º, do art. 2º, da LCH.
3.3 Progressão de Regime e Sistema Penitenciário Progressivo
Apesar desse entendimento jurisprudencial, é preciso ressaltar que nossa Constituição Federal e, especialmente, nosso Código e a Lei de Execução Penal, seguindo a tradição brasileira e o próprio pensamento punitivo emergente das idéias político-filosóficas e jurídicas que prevaleceram a partir do início do século XIX, consagram o sistema penitenciário progressivo. Estabelece o Código Penal, em seu art. 33, § 2º, que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados certos critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso.
Indiscutivelmente, o sistema de execução da pena privativa de liberdade em sua forma progressiva, permitindo que o condenado possa avançar do regime fechado para o semi-aberto e deste ao aberto, tem evitado que o rigor do penitenciarismo se torne ainda maior. O direito à progressão constitui, sem dúvida, um forte estímulo para que o condenado se adapte e se comporte de acordo com a disciplina prisional.
Enfim, pode-se dizer que o direito à progressão tem funcionado como uma verdadeira válvula de segurança e contribuído para impedir a implosão desta sinistra caldeira de maldade humana em que se transformou nosso combalido sistema penitenciário.
3.4 Progressão e Princípio da Individualização da Pena
Na verdade, ao aprovar a LCH, o legislador de 1990 ignorou o princípio da individualização da pena, previsto no art. 59 do CP e consagrado no art. 5º, inc. XLVI, da CFRB. Segundo este princípio, cada condenado deve receber a reprimenda certa e determinada para a prevenção e repressão do seu crime. O processo executório deve ficar, também, sujeito às regras do princípio individualizador, para que a expectativa de reinserção social do condenado (uma das funções da pena privativa de liberdade) não fique completamente frustrada de antemão.
Não percebeu o legislador que a execução de longas penas privativas de liberdade - em regime unicamente fechado - representa um castigo insuportável, que desmotiva o preso, para quem desaparece qualquer esperança de retorno à liberdade antecipada pelo seu próprio mérito prisional. Rigorosamente submetido ao cumprimento de uma longa pena neste regime, o preso se transformará num rebelde, num amotinado e num desesperançado sem dignidade e sem razão de viver.
3.5 Epílogo do Longo Embate entre Doutrina e Jurisprudência: Adequação da LCH ao Princípio da Individualização da Pena e à Jurisprudência do STF
Após dezesseis anos de muita controvérsia, o STF mudou o seu entendimento sobre a matéria, ao votar o HC 82.959-SP, em sua sessão plenária ocorrida em 23.02.2006. Conforme veremos abaixo, embora declarada de forma incidental, a decisão passou a ser interpretada como declaratória de inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes da norma proibidora do direito à progressão de regime prisional.
Após a mudança de entendimento do STF, tornou-se imperiosa a revogação ou, no mínimo, a alteração do mais rigoroso dispositivo (art. 2º e seus incisos e parágrafos), da LCH. A opção do legislador - mais uma vez conduzido pelo calor da emoção e do sensacionalismo, decorrente da exaustiva exposição midiática de um crime que chocou a opinião pública brasileira – ( 5 ) foi pela segunda alternativa políticojurídica.
Com a aprovação da Lei 11.464/2007, já não haverá mais qualquer divergência doutrinária ou jurisprudencial: a nova lei permite a progressão de regime. O condenado por crime hediondo inicia, obrigatoriamente, o cumprimento da pena em regime fechado, mas encontra-se adequadamente inserido no espaço políticojurídico do sistema penitenciário progressivo. Pode, portanto, progredir se tiver, é claro, bom comportamento carcerário e cumprido parte de sua pena. O que o diferencia dos demais condenados, conforme veremos abaixo, é a obrigação de cumprimento de um tempo maior da pena para obter o direito à progressão.
Pode-se dizer que a Lei 11.464/07 reflete o novo entendimento jurisprudencial do STF e dos demais tribunais, além de perfilhar dispositivos das duas leis penais que reprimem os crimes hediondos de tortura e de tráfico ilícito de drogas. Está de acordo, também, com o pensamento da doutrina penal, que sempre defendeu a tese da progressão de regime prisional. Neste tocante, cabe reconhecer que a nova lei contribui para tornar o sistema penal menos assimétrico.
4. Requisitos para a Progressão de Regime Prisional por Crime Hediondo
Com a nova redação, que lhe foi dada pela Lei 11.464/07, o texto original do § 2º, art. 2º, da LCH, que se referia ao direito de apelar em liberdade, foi deslocado para constituir um terceiro parágrafo. O novo texto do § 2º, agora dispõe sobre a progressão de regime e está assim redigido:
A progressão de regime, no caso de condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-à após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
O dispositivo em exame prescreve que a progressão de regime “dar-se-à após o cumprimento de” (...), sem estabelecer qualquer outro requisito legal para a obtenção deste benefício penal. Cabe, portanto, indagar se, além deste requisito de ordem temporal, deve ser exigido outro, como o bom comportamento carcerário, previsto no art. 112, da Lei de Execução Penal – LEP, requisito, aliás, exigível dos demais apenados por crime não-hediondo.
Pode-se argumentar que a LCH criou um subsistema punitivo especial e autônomo, em relação ao sistema penal codificado. É, portanto, um subsistema integrado por um conjunto próprio e autônomo de normas penais criadas para o controle, a repressão e a execução penal desta categoria criminal de maior gravidade. Em decorrência, e com base na regra da interpretação restritiva da lei penal, não seria possível exigir-se outra condição legal para a progressão de regime, além desta prevista expressamente no texto do § 2º, do art. 2º, da LCH.
Cremos, no entanto, que não é este o sentido do direito contido no parágrafo em exame. É preciso interpretar e aplicar o novo comando normativo contido no § 2º, do art. 2º, da LCH, em consonância com o disposto no art. 33, § 2º, do Código Penal, que condiciona a progressão de regime ao mérito do condenado. Portanto, a lei penal é expressa na exigência do merecimento, ou seja, do bom comportamento carcerário, para que o condenado tenha direito ao avanço no regime prisional.
É preciso entender, também, que o art. 112, da LEP, foi objeto de derrogação apenas em sua a parte relativa ao tempo de cumprimento da pena como requisito para a progressão de regime dos apenados por crime hediondo. No tocante ao mérito prisional, este dispositivo da LEP continua com sua vigência e eficácia preservadas. E é taxativo ao estabelecer que a progressão fica sujeita ao “bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento”.
Parece-nos certo que o juiz, no entanto, não está obrigatoriamente vinculado ao atestado de bom comportamento carcerário. Poderá acatá-lo ou rejeitá-lo, se entender que as informações prestadas pelo diretor do estabelecimento prisional não se conformam com os fins maiores dos princípios da individualização da pena e da segurança coletiva.
Por isso, em casos de especial gravidade ou complexidade, cremos que o juiz deverá determinar, ainda, que o condenado seja submetido ao exame criminológico, previsto no caput do art. 34, do CP e 8º, parágrafo único, da LEP, para fundamentar a sua decisão de conceder ou não o direito à progressão.
Quanto a este polêmico exame, é preciso frisar que o STF já decidiu pela sua validade, sempre que o juiz da execução fundamentar a sua necessidade, em face da gravidade e complexidade do caso. Para a Suprema Corte, se a obrigatoriedade do exame criminológico, para fins de progressão de regime, foi abolido pela Lei 10.792/03, “nada impede que, facultativamente, seja requerido o exame pelo juiz da execução.” ( 6 )
A comprovação do bom comportamento prisional, portanto, continua sendo requisito indispensável para a progressão de regime prisional.
4.2 Cumprimento de 2/5 da Pena e um Novo Conceito de Condenado Primário?
O condenado por crime hediondo precisa, também, cumprir parte de sua pena em regime inicialmente fechado, para alcançar o direito à progressão. No caso de ser primário, exige a lei o cumprimento de dois quintos da pena. Por exemplo, o condenado a dez anos de reclusão, pelo crime de homicídio qualificado, se primário, deverá cumprir mais de quatro anos em regime inicialmente fechado, antes da progressão ao semiaberto.
A nosso ver, trata-se de conceito especial de primariedade, aplicável apenas aos condenados por crime não hediondo. Portanto, diverso daquele geral, estabelecido no CP. Cremos que, para o fim de aplicação desta norma penal especial mais rigorosa, primário será todo aquele que ainda não tenha sido condenado por crime hediondo, no momento da prática do crime hediondo posterior e objeto da condenação posterior.
Se o crime anterior, com sentença condenatória transitada em julgado, não tiver sido classificado como hediondo, o agente, no momento da condenação por crime posterior desta espécie, deve ser considerado ainda primário. Portanto, poderá progredir de regime prisional após o cumprimento de dois quintos da pena e não de três quintos.
4.3. Reincidência Genérica ou Específica?
No caso de reincidente, o tempo de cumprimento da pena para a progressão é de três quintos. Assim, o condenado a dez anos de reclusão, deverá cumprir, no mínimo, seis anos em regime fechado para ter direito à progressão ao regime semiaberto, que somente será concedido se comprovado, também, o bom comportamento carcerário.
Uma interpretação mais colada à literalidade da dicção deste dispositivo legal pode conduzir à leitura de que a reincidência ocorrerá mesmo quando o crime anterior não tenha sido considerado hediondo. Ou seja, basta que, no momento da prática do crime hediondo, objeto da condenação posterior, o agente já tenha sido condenado por qualquer outro crime, como, por exemplo, pelo crime de furto.
Cremos, entretanto, que o sentido mais correto de reincidência, no contexto do dispositivo legal em exame, deve ser buscado com base num processo hermenêutico não apenas literal e/ou lógico-sistemático, mas também nos princípios fundamentais do Direito Penal do Estado Democrático. Entre estes pontificam os princípios constitucionais da individualização, da humanidade da pena criminal e da razoabilidade.
A nosso ver, o conceito de reincidência - para o fim de aplicação desta norma penal de maior rigor - não coincide com aquele descrito no art. 63, do Código Penal e aplicável ao condenado pelas demais infrações penais não hediondas. Cremos que somente poderá ser considerado reincidente e obrigado a cumprir três quintos da pena, antes do direito à progressão, o agente que cometer um novo crime hediondo, após ter sido condenado por crime desta mesma espécie, aí incluídos os crimes de tortura, de tráfico ilícito e o terrorismo.
É verdade que a nova lei não utiliza a expressão “reincidente específico em crimes dessa espécie”, como utilizou no caso do livramento condicional (art. 83, inciso V, do CP). Mas é preciso reconhecer que a LCH criou um subsistema punitivo especial ou próprio. Por isso, é válido argumentar que a reincidência, ali tratada de forma especial, refere-se à superposição de crimes catalogados como hediondos. ( 7 )
Cabe ressaltar que a posição hermenêutica aqui defendida parte da premissa de que, na hipótese de crime hediondo, os novos marcos de cumprimento da pena para a progressão são indiscutivelmente bastante mais severos do que o período de apenas um sexto, exigido dos condenados – primários ou reincidentes - pelos demais crimes não hediondos. Entre estes, pode estar o autor de um homicídio simples ou de um roubo qualificado por lesões gravíssimas contra a vítima.
A nosso ver, esta evidente desproporcionalidade de tratamento penal deve ser flexibilizada ou amenizada em nome dos princípios da humanidade da pena e da razoabilidade e de sua regra da proporcionalidade.
5. Crime de Tráfico Ilícito de Drogas e Progressão com Maior Rigor
No tocante ao crime de “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, surge outro problema de hermenêutica: que tipos penais devem ser incluídos no âmbito de abrangência desta expressão normativa, para o fim de se exigir os prazos de cumprimento dois e três quintos da pena, com vista à progressão de regime? A questão surge à medida em que a Lei Nº 11.343/2006 – atual Lei Antidrogas - incrimina diversas condutas sem dar-lhes nomes jurídicos próprios ou distintos.
Um ponto de convergência doutrinária e jurisprudencial repousa na distinção entre o crime de tráfico ilícito e o de porte para consumo pessoal de droga. Nesta última hipótese, encontram-se incluídas as modalidades típicas de menor e de médio potencial ofensivo, previstas na Lei Antidrogas: oferecimento de drogas para consumo em conjunto (art. 33, § 3º); prescrição culposa de drogas (art. 38); e condução de embarcação ou aeronave após consumo de droga (art. 39 e parágrafo único).
Portanto, os autores dessas condutas de menor ou de médio potencial ofensivo, previstas na Lei Antidrogas, não estão sujeitos à norma contida no art. 2º, § 2º, da LCH, que estabelece requisitos de maior rigor para o reconhecimento do direito à progressão de regime. Aliás, o autor da infração penal de porte para uso pessoal de droga não está mais sujeito à pena privativa de liberdade. Nesta hipótese, não se pode falar sequer de progressão de regime.
No entanto, é preciso não esquecer que a Lei Antidrogas define outros tipos penais associados ao tráfico: petrechos para o tráfico de drogas (art. 34); associação para o tráfico (art. 35, parágrafo único); financiamento do tráfico (art. 36), e colaboração ao tráfico de drogas (art. 37). Em relação a estes tipos penais, seria possível argumentar que constituem espécies de crime de tráfico de drogas?
No tocante aos crimes de associação e de colaboração para o tráfico, parece não haver maior dificuldade para excluí-los da condição de tipos equiparados à categoria criminosa mais grave. O primeiro, durante a vigência da lei anterior, já foi objeto de decisões no sentido de que não se trata de crime hediondo.
Quanto ao crime de colaboração para o tráfico, a Lei 6.368/76 considerava-o como um dos tipos penais equiparados ao crime de tráfico (art. 12, § 2º, inciso III). Porém, a atual Lei Antidrogas deu-lhe nova redação, diminuiu a quantidade de pena e outorgou-lhe autonomia tipológica em face do tipo penal básico de tráfico ilícito, definido no caput, art. 33, dessa lei repressiva especial. Deixou, por isso, de ser um dos tipos penais equiparados ao tráfico ilícito de drogas.
Não se tratando propriamente de crimes de “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, a estes dois tipos penais relacionados, mas não equiparados ao crime maior de tráfico ilícito, não se aplica a norma de maior rigor quanto à progressão de regime, prevista no § 2º, do art. 2º, da LCH.
A nosso ver, apenas os tipos penais definidos nos arts. 33, caput e suas modalidades típicas previstas no § 1º, incisos I a III, 34 e 36, da Lei 11.343/2006, é que podem ser enquadrados na denominação jurídicopenal “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”. Em conseqüência, somente os condenados por estes tipos penais ficam sujeitos ao cumprimento de dois ou de três quintos da pena, como requisito objetivo para alcançar uma possível progressão de regime.
6. Nova Assimetria no Sistema Penal: O Enorme Hiato Temporal entre Progressão e Livramento Condicional
O reconhecimento do direito à progressão de regime para condenados por crime hediondo, acabou por criar mais uma incômoda assimetria em nosso já desordenado sistema punitivo. Antes da Lei 11.464/07, como a LCH não admitia o direito à progressão, considerava-se “lógica” ou “razoável” a exigência do cumprimento de dois terços da pena, no caso de condenado primário – ou seja, de condenado “não reincidente específico em crimes desta natureza” - para a obtenção do livramento condicional, nos termos do art. 83, inciso V, do CP.
Tratando-se de reincidente específico em crime hediondo, a lei penal não admite a idéia de concessão de livramento condicional.
Com a nova situação - e no caso de ser concedida a progressão de regime prisional - parece-nos despida de lógica jurídica a permanência do condenado durante um longo tempo nos regimes semiaberto e aberto para que lhe seja concedido o direito ao livramento condicional. A situação se torna ainda mais desarrazoada em relação ao condenado reincidente específico por crime hediondo, que agora poderá progredir de regime e, no entanto, não terá direito ao livramento.
Esta inconveniente assimetria, agora inserida em nosso sistema punitivo, revela-se ainda mais despropositada no caso de progressão após o cumprimento de um sexto da pena, direito assegurado a partir da referida decisão do STF. Como conseqüência, o apenado por crime hediondo cometido antes da Lei 11.464/07, permanecerá um longo tempo de cumprimento da pena em regime aberto, que estará ocupando a função e o espaço penal reservados ao livramento condicional.
7. Retroatividade da Normas Contida na Lei 11.464/07: Uma Hermenêutica Conforme a Decisão do STF
7.1 Divergências da Doutrina quanto à Retroatividade da Nova Lei
Esta questão está dividindo a doutrina. ( 8 ) Boa parte dos doutrinadores entende que a nova lei, aparentemente mais favorável ao infrator, é na verdade mais severa. Portanto, sua eficácia retroativa, consagrada nos arts. 5º, inciso XL e 2º, parágrafo único, do CP, deve ser afastada, Não sendo norma penal mais benéfica, não pode ser aplicada aos casos pretéritos, mas tão somente aos crimes cometidos a partir de sua vigência, em 29 de março de 2007.
Em síntese, esta corrente doutrinária entende que a decisão do STF, que julgou inconstitucional a proibição de progressão de regime, contida na versão original do § 1º, do art. 2º, da LCH, tem eficácia erga omnes e que, portanto, garantiu o direito a este benefício executóriopenal a todos os condenados por crime hediondo, a partir de 23.02.2006. Os requisitos, legalmente exigidos para a concessão da progressão, são os previstos no art. 112, da LEP, ou seja, bom comportamento carcerário e cumprimento de um sexto da pena.
Como a nova lei passou a exigir, no mínimo, dois quintos de cumprimento da pena para a progressão, é evidente que se trata de norma de natureza penal mais rigorosa. Portanto, deve ser submetida à regra da irretroatividade, em termos de sua eficácia temporal.
Parte da doutrina, no entanto, entende que a decisão do STF não tem eficácia erga omnes, pois foi proferida no espaço hermenêuticojudicial do controle difuso, para atender tão somente à demanda jurídica de um caso concreto. Em conseqüência, a decisão não teria força vinculante para desconstituir as demais situações jurídicas relacionadas à progressão de regime dos apenados por crime hediondo, que permaneceriam regidas por uma lei vigente e aprovada segundo o processo legislativo previsto na CRFB.
Há, ainda, o argumento, de que, no espaço políticojurídico do Estado Democrático, a produção do Direito é função constitucionalmente privativa do Poder Legislativo, não cabendo ao Poder Judiciário extrapolar a sua competência estritamente jurisdicional para criar o direito, principalmente, contra expressa disposição legal. Para esta corrente doutrinária, a mencionada decisão do STF não criou um direito à progressão após o cumprimento de um sexto da pena.
Em conseqüência, a norma contida na lei em exame deve ser considerada mais favorável ao infrator, se comparada com a anterior, agora revogada e que não admitia a progressão de regime prisional. Sendo norma penal mais benéfica, está sujeita, portanto, à regra da retroatividade consagrada nos arts. 5º, inciso XL e 2º, parágrafo único, do CP, devendo ser aplicada não somente aos casos futuros, mas também a todos os casos pretéritos.
7.2 Irretroatividade da Nova Lei Aparentemente mais Benéfica
É verdade que a decisão do STF, manifestada pela maioria de seus membros, não ficou devidamente explicitada quanto ao alcance de sua eficácia, em relação ao direito à progressão para os demais condenados por crime hediondo. Na verdade, a questão relativa aos efeitos erga omnes da decisão, embora por diversas vezes discutida durante a longa e polêmica votação, não foi objeto da necessária notificação ao Senado Federal para que, nos termos do art. 52, inciso X, da CRFB, tomasse a iniciativa de suspender a execução da norma acoimada de inconstitucional.
No entanto, é preciso ressaltar que “o
Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de
inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências
jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão
plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora
declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo
magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da
possibilidade de
progressão”. ( 9 )
Desta forma, parece-nos evidente que o STF, ao reconhecer – mesmo que de forma incidental - a inconstitucionalidade da norma proibitiva da progressão de regime, prevista na LCH, garantiu o direito dos condenados por crime hediondo a postular a obtenção deste benefício penal, após o cumprimento de mais de um sexto pena. Pode-se dizer que, após a declaração de inconstitucionalidade pelo STF, a norma contida no § 1º, do art. 2º, da LCH, em exame, manteve sua vigência formal, mas perdeu sua completa eficácia jurídica.
Se isto é juridicamente verdadeiro, é preciso admitir que, até a vigência da Lei 11.464/07, prevalecia uma situação jurídica bem mais favorável aos condenados por crime hediondo, que tiveram o direito garantido de postular a progressão de regime, após cumprimento de um sexto da pena.
Mesmo que tenha sido criado por decisão judicial, a verdade é que se trata de um direito aplicável a todos os condenados por crime hediondo que, naquele momento jurídico, encontravam-se na mesma situação jurídica, em termos de progressão de regime prisional.
Em conseqüência, todos os que tenham praticado crime hediondo antes da vigência da Lei 11.464/07 – aí incluídos os autores dos crimes de tráfico ilícito de drogas e tortura - poderão pleitear a progressão de regime prisional após o cumprimento de um sexto da pena. Basta que comprovem o bom comportamento carcerário.
Assim sendo, cremos que a nova norma penal, aparentemente mais benéfica por reconhecer um benefício até então negado pela lei, agora formalmente revogada, é indiscutivelmente mais rigorosa. Por isso, não se pode reconhecer-lhe eficácia retroativa. Sua eficácia somente alcançará os condenados por crime hediondo praticado após a sua vigência, em data de 29.03.2007.
8. Nova Situação JurídicoPenal em Face da Política Criminal e dos Princípios Constitucionais Penais
Finalmente, cabe um breve comentário sobre a Lei 11.464/07, à luz da moderna Política Criminal e dos princípios penais consagrados pela Constituição Federal. Quanto a estes, cremos que, com a nova lei, o subsistema punitivo de maior severidade penal representado pela LCH, reconciliou-se com os princípios da individualização da pena, da igualdade penal e, em parte, também, com o princípio da humanidade da pena, consagrados no art. 5º, caput e incisos XLVI e XLVII, da CRFB.
A partir de agora, todos os condenados têm o direito assegurado de pleitear a progressão de regime prisional. Basta que atendam aos requisitos legais. Com isto, a nova lei colocou o processo de execução penal nos trilhos por onde trafega o princípio da igualdade penal. Trata-se, é verdade, de uma igualdade relativa, pois ainda dispensa tratamento de maior severidade aos condenados por crime hediondo, mas garante-lhes, assim mesmo, o mesmo direito assegurado aos demais condenados por crime não hediondo.
Com o direito à progressão assegurado, o pressuposto prático do princípio da individualização da pena foi restabelecido pela lei penal em exame. A partir de agora, os juízes não se encontram mais impedidos de decidir, com a devida discricionariedade, sobre este relevante e básico componente do princípio individualizador.
Quanto ao princípio da humanidade da pena, já foram formuladas críticas ao rigor - visto como desproporcional - representado pela nova exigência de cumprimento de dois ou de três quintos da pena para a progressão de regime. ( 10 ) Realmente, é preciso reconhecer a severidade deste lapso temporal bem maior de cumprimento da pena, se comparado ao prazo exigido dos demais condenados por crime não hediondo – mesmo os reincidentes – que é de apenas um sexto para a progressão de regime.
Neste ponto, cremos que a nova lei representa uma resposta do Parlamento à opinião pública que tem se manifestado, com veemência, a favor de um Direito Penal de maior severidade como instrumento de combate – discutível é verdade – aos elevados e assustadores índices da violência brasileira. Esqueceu o legislador que, após 17 anos de vigência da LCH, com o seu leque normativo de maior severidade, a criminalidade violenta não diminuiu em nosso país.
Se estes novos marcos temporais de cumprimento de pena em regime inicialmente fechado são efetivamente desumanos e, portanto, juridicamente inadmissíveis, é uma questão que precisa ser discutida e refletida com base nos princípios da moderna Política Criminal. Cremos que uma reflexão séria e desideologizada acerca das regras politicamente mais adequadas do sistema punitivo em seu conjunto e do processo de execução penal de forma específica, deve considerar os princípios constitucionais penais garantidores da liberdade individual, mas também o princípio da segurança pública, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos os cidadão.
Formalmente, cabe reconhecer que a nova lei, ao afastar uma proibição inconstitucional, por atentar contra os princípios da humanidade e da individualização da pena e restabelecer o direito à progressão, avançou no sentido de tornar nosso direito penal menos rigoroso e mais coerente com o sistema penitenciário progressivo.
9. Considerações Finais
1. Pelo novo texto legal, o condenado por crime hediondo continua obrigado a iniciar o cumprimento de sua pena em regime fechado. Mas, não está mais condenado a permanecer neste regime mais rigoroso até alcançar o livramento condicional (quando for o caso!) ou a extinção da pena.
2. A mudança operada no texto original foi defendida por boa parte da doutrina que, desde o primeiro momento, apontou para a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da LCH. Os penalistas sempre entenderam que esta norma - de absoluta proibição a priori - contrariava os princípios constitucionais da individualização e da humanidade da pena, além dos princípios do devido processo legal e da igualdade.
3. A jurisprudência percorreu um caminho contrário àquele trilhado pela doutrina, com decisões divergentes e marcadas por uma hermenêutica de comprometimento com o sentido literal da lei positiva, até a votação pelo STF, do HC 82.959/SP, ocorrida em 23.02.2006 e que passou a admitir o direito à progressão.
4. A progressão de regime é uma das fases do sistema penitenciário progressivo, adotado pelo Código Penal brasileiro, em seu art. 33, § 2º. Portanto, a proibição absoluta deste benefício, contraria um dos princípios consagrados por nosso sistema penal.
5. A proibição absoluta do direito à progressão contrariava, também, os princípios da individualização e da humanidade da pena.
6. Lei 11.464/07 reflete o novo entendimento jurisprudencial do STF, além de perfilhar dispositivos das duas leis penais que tratam de crimes hediondos. Está de acordo, também, com o pensamento da doutrina penal, que sempre defendeu a tese da progressão de regime prisional.
7. Com a nova redação dada ao § 2º, do art. 2º, o condenado por crime hediondo poderá progredir de regime prisional, desde que comprove, por atestado do diretor do estabelecimento prisional, bom comportamento carcerário.
8. Para o fim de aplicação desta norma penal especial mais rigorosa, primário deve ser considerado todo aquele que ainda não tenha sido condenado por crime um hediondo, no momento da prática do crime hediondo posterior e objeto da segunda condenação judicial.
9. No caso de reincidente, o tempo de cumprimento da pena para a progressão é de três quintos. O conceito de reincidência não deve coincidir com aquele descrito no art. 63, do Código Penal e aplicável ao condenado pelas demais infrações penais não hediondas.
10. Somente o condenado pelos crimes dos art. 33, caput, § 1º, incisos I a III, 34 e 36, da Lei Antidrogas, devem ficar sujeitos ao cumprimento de dois ou de três quintos da pena para alcançar uma possível progressão de regime.
11. O reconhecimento do direito à progressão de regime para condenados por crime hediondo, criou mais uma incômoda assimetria em nosso já desordenado sistema punitivo, pois parece despida de lógica jurídica a permanência do condenado durante um longo tempo nos regimes semiaberto e aberto antes do livramento condicional.
12 A maior parte dos doutrinadores entende que a nova lei, aparentemente mais favorável ao infrator, é na verdade mais severa. Portanto, sua eficácia retroativa, consagrada nos arts. 5º, inciso XL e 2º, parágrafo único, do CP, deve ser afastada, Não sendo norma penal mais benéfica, não pode ser aplicada aos casos pretéritos, mas tão somente aos crimes cometidos a partir de sua vigência, em 29 de março de 2007.
13. Ao julgar o HC 82.959-SP, o STF não deixou claro os efeitos erga omnes, pois não houve notificação ao Senado Federal para a revogação da norma acoimada de inconstitucional. No entanto, ao reconhecer - mesmo que de forma incidental - a inconstitucionalidade da norma proibitiva da progressão de regime, prevista na LCH, o STF garantiu o direito dos condenados por crime hediondo a postular a obtenção deste benefício penal, após o cumprimento de mais de um sexto pena.
14. A nova norma penal, aparentemente mais benéfica por reconhecer um benefício até então negado pela lei formalmente revogada, é indiscutivelmente mais rigorosa. Não se pode reconhecer-lhe eficácia retroativa.
15. Ante o exposto, a nova norma contida no art. 2º, § 2º, da LCH, deve ser aplicada tão somente aos crimes hediondos e seus assemelhados praticados a partir da vigência da Lei 11.464/07. Em conseqüência, o condenado por crime desta natureza, praticado antes da vivência desta lei, tem o direito à progressão de regime prisional após o cumprimento de um sexto da pena.
10. Notas Bibliográficas
( 1 ) Ver a este respeito: LEAL, João José. Crimes Hediondos ..., cit., p. 209 e segs.; FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, cit., p. 149; MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 122; BARTOLI, Márcio. Crimes Hediondos. Revista dos Tribunais, 684/299; TOLEDO, Francisco de Assis. Crimes Hediondos. Fascículos de Ciências Penais, v. 5, n. 2, abr-jun, 1992, 68.
( 2 ) Telles, Ney Moura. A Lei nº 9.455/97 Revogou o Art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos. Revista Consulex, nº 5, maio/97, pp. 18 a 24; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Algumas Considerações sobre a Nova Lei de Tortura. Boletim IBCCrim, nº 54, maio/97, p. 2; MARQUES, Oswaldo H. Dueck. Breves Considerações sobre a Criminalização da Tortura. Boletim IBCCrim, nº 56, julho/97, pp. 6-7. FRANCO, Alberto Silva. O Regime Progressivo em Face das Leis nº 8.072/90 e 9.455/97. Boletim IBCCrim, nº 58 (ed. especial), set/97, p. 2, Desse mesmo autor, ver ainda: Tortura – breves anotações sobre a Lei 9.455/97. Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 19, junho-setembro/97, pp. 55 a 72.
( 3 ) HC nº 69.603 - SP, DJU, 23-4-93, RT, 696/438. Este entendimento, rejeitando a tese de inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da LCH, foi adotado em diversos outros julgamentos do STF: HC n.º 69.657 - SP, DJU, 18-6-93, p. 12.111; HC nº 70.044 - SP, DJU, 7-5-93, p. 8.330; HC n.º 70.121 - SP, DJU, 16-4-93, p. 758; HC n.º 70.296 - UF, DJU, 24-9-93, p. 19.576; HC nº 70.467 - MS, DJU, 3-9-93, p. 17.744; HC nº 70.657 - MG, DJU, 29-4-94, p. 9.716; n.º 70.939 - SP, DJU, 3-6-94, p. 13.854 e acabou consolidando o entendimento jurisprudencial, não só da Corte Suprema, mas dos demais tribunais inferiores.
( 4 ) (HC 15.755-MG, 6ª Turma, DJU de 28.05.01, p. 209; HC 15.566-SP, 6ª Turma, DJU 28.05.01, p.173; HC 14.926-SP, 6ª Turma, DJU 07.05.01, p. 161; REsp 271.977-SC, 5ª Turma, DJU de 07.05.01, p. 158).
( 5 ) Trata-se do crime do crime roubo qualificado, seguido da morte do menino João Hélio, ocorrido num semáforo da cidade do Rio de Janeiro. Arrastado por mais de sete quilômetros, sob as rodas do automóvel violentamente roubado à mãe da vítima de apenas seis anos de idade, o crime chocou a opinião pública brasileira e reacendeu o Movimento da Lei e da Ordem, em favor da adoção de leis penais mais severas, aí incluída a proposta de redução da idade penal.
Em sua edição de 14 de fevereiro, a revista Veja dedicou sua matéria de capa ao hediondo crime, referindo-se ao “martírio público do menino João Hélio”. Para o periódico, nossos governantes, “por não quererem pagar o preço de enfrentar a bandidagem, estão aceitando o preço da volta à barbárie”. E faz um apelo patético à consciência e à militância de todos os brasileiros: “um crime de tamanha crueldade tem de ser encarado como a gota d’água para mudar o combate à violência no Rio de Janeiro e em todo o Brasil”.
A partir deste episódio, é fácil compreender a falsa movimentação ocorrida nos bastidores do Congresso Nacional para desengavetar projetos de lei que preconizam leis criminais mais duras e a redução da maioridade penal, fixada em 18 anos, desde 1940.
( 6 ) HC 86.631-PR – rel. min. Ricardo Lewandowski. No mesmo sentido: HC 85.688-PR, rel. min. Celso de Mello; HC 88.149-GO, rel. min. Sepúlveda Pertence; HC 84.811-PR, rel. min. Joaquim Barbosa; HC 85.484-DF, rel. min. Gilmar Mendes; HC 88.533-PE, rel. min. Sepúlveda Pertence.
( 7 ) Sobre o conceito de reincidência genérica e específica previsto no inciso VI, do art. 83, do CP, ver: LEAL, João José. Crimes Hediondos ..., cit., p. 237-41 e Direito Penal Geral. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p. 418-9; FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, cit., p. 197-208; BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3; CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v. DELMANTO, Celso e outros. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002 ; GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 704-711; JESUS, Damásio E. de. Direito Penal - Parte Geral. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 543-546; MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal - Parte Geral. 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 336-339. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 430.
( 8 ) Ver, sobre a divergência doutrinária, quanto à eficácia intertemporal da norma jurídica em exame: GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.464/2007: liberdade provisória e progressão de regime nos crimes hediondos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1371, 3 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9686>. Acesso em: 08 maio 2007. SILVA, Amaury. Crimes hediondos: Lei nº 11.464/2007 e fatos pretéritos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1371, 3 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9687>. Acesso em: 08 maio 2007. GRECO, Lucas Silva e. Lei nº 11.464/07: progressão de regime de cumprimento de pena também para condenados pela prática de crimes hediondos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1371, 3 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9689>. Acesso em: 08 maio 2007. BASTOS, Marcelo Lessa. Crimes hediondos, regime prisional e questões de direito intertemporal . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1380, 12 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9734>. Acesso em: 08 maio 2007. SILVA, Ivan Luís Marques da. Previsões sobre a Lei nº 11.464/2007. Da resolução "indireta" do Senado Federal sobre a inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime para os crimes hediondos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1395, 27 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9815>. Acesso em: 08 maio 2007.
( 9 ) STF: HC 82.959-SP.
( 10 ) SILVA, Ivan Luís Marques da. Previsões sobre a Lei nº 11.464/2007. Da resolução "indireta" do Senado Federal sobre a inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime para os crimes hediondos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1395, 27 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9815>. Acesso em: 17 maio 2007.
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