PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS À ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETAMENTE, SEM LICITAÇÃO, É LICITA.
Advogado no Rio de Janeiro-RJ.
Autor de inúmeras Obras Jurídicas. Vice Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP; Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Membro do IFA – International Fiscal Association; Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Co-Coordenador da Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divulgação Oficial do IADP).
A crescente evolução do direito fez com que os diversos profissionais (advogados) se especializassem por áreas de atuação. É praticamente impossível que um único operador do direito possa ter a mesma desenvoltura de qualidade e de conhecimento em todos os ramos da ciência jurídica.
Estes novos tempos fizeram com que os advogados procurassem focar as suas atuações profissionais para determinados segmentos do direito.
Ou seja, a profissionalização da advocacia foi motivada pelo amplo acesso à Justiça por parte da sociedade, que descobriu que o exercício de suas prerrogativas faz parte da própria cidadania.
Dessa forma, a sociedade que se encontrava reprimida pela permanente e incômoda força descontrolada do Estado, aniquiladora de seus direitos e garantias, passou a desenvolver soluções jurídicas práticas para coibir os abusos verificados através da ampla acessibilidade ao Poder Judiciário.
Se de um lado a acessibilidade ao Poder Judiciário pela população passou a ver o direito fundamental de todos, o fenômeno da constitucionalização do direito público retirou algumas barreiras jurídicas que impediam este amplo exercício.
Ou seja, o direito administrativo, como um dos ramos do direito público, passou a ter novos enfoques constitucionais, suficientes para a sua ampla metamorfose, resultado de uma necessária evolução.
Pela nova dogmática constitucional, a doutrina mais atualizada redefiniu importantes conceitos do direito público, para adaptá-los ao plasmado do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, foram alterados velhos conceitos de direito administrativo e criadas novas perspectivas jurídicas, tais como: a supremacia do interesse público, a discussão sobre legalidade administrativa, necessidade do controle judicial da discricionariedade administrativa, a constitucionalização do direito administrativo brasileiro, a proteção da confiança legítima e dos novos direitos dos servidores públicos, dentre outros temas.
Anteriormente o interesse público era utilizado como uma proteção do poder, capaz de justificar a prática desmedida de seus atos, mesmo que desatrelados do interesse da coletividade. O Estado se desenvolvia de forma autoritária e arbitrária, no intuito de se fortalecer, mesmo que a sua atuação importasse no desatendimento às necessidades da coletividade.
Em decorrência da alteração constitucional, houve uma redefinição do interesse público, porquanto o mesmo só ganha concretude a partir do respeito aos direitos fundamentais dos administrados, estabelecidos em um sistema que contempla e pressupõe restrições em prol de outros direitos, que limite a regra de prevalência absoluta do público sobre o privado, ou do coletivo sobre o individual.
Por esse enfoque constitucional, tanto o Estado legislador, como o que administra, devem atuar como intérpretes e concretizadores dos direitos fundamentais da sociedade, realizando a ponderação entre interesses conflitantes, com a finalidade da manutenção do postulado da proporcionalidade.
Assim, como muito bem ressaltado por Gustavo BinenBojm:[1] “o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação que permita a realidade de todos eles na maior extensão possível. O instrumento desse raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade.”
Já a discussão sobre a legalidade administrativa, causado pela crise da lei formal é um fenômeno mundial, ocasionada em um primeiro momento por sua utilização como justificadora de injustiças e do desrespeito ao princípio da dignidade humana. Principalmente no direito administrativo, que é justificado pela atuação da Administração Pública pela lei formal, é que houve a grande transformação do princípio da legalidade.
Isto porque, com a constitucionalização plena deste ramo do direito público, a lei deixou de ser o único fundamento da atividade administrativa, para dar lugar ao sistema de regras e de princípios constitucionais que se constituem no cerne da vinculação administrativa à juridicidade.
Assim sendo, a legalidade administrativa passou a constituir-se pela atual sistemática constitucional, no sistema de princípios e regras constitucionais.
Dito isto, passa-se, assim, a buscar-se um sistema que se vincula ao princípio da jurisdicidade administrativa para designar a atuação do poder público em conformidade com o direito, e não mais apenas ao fundamento da reserva da lei.
Por outro lado, a discricionariedade administrativa ampla e incontrolável compreendida também a partir dos termos da lei, era segundo Hans Huber,[2] “o cavalo de Tróia do Estado de Direito”, algo a ser considerado como ultrapassado pelo direito constitucional e pertence à arqueologia jurídica.
E foi justamente pelas transformações recentes ocorridas no Direito Administrativo que o Estado se vinculou à legalidade constitucional, onde o administrador não se cinge mais ao campo de escolhas puramente subjetivas, dentro do vácuo da lei, pois o discricionarismo agora é caracterizado pela motivação de atos políticos adotados a partir dos critérios objetivos estabelecidos pela Constituição e pelo ordenamento jurídico.
Nessa situação, para que o ato administrativo discricionário atinja a finalidade pública, o seu critério de oportunidade e de conveniência deve ter como ponto de partida o respeito aos princípios e as garantias estabelecidas na Constituição.
Esta conseqüência do Estado de Direito redefiniu o espaço para criação do ato administrativo discricionário, que, de livre e incontrolável, passou a ser atrelado aos princípios constitucionais da boa Administração Pública e dos direitos fundamentais do administrado, como condição de sua validade.
Em abono ao que foi dito, em outra oportunidade deixamos[3] registrado: “Em um Estado de Direito, as atividades das autoridades administrativas são vinculadas sempre aos princípios e preceitos da Constituição, não existindo uma zona de atuação completamente livre, pois a liberdade consiste em conformar a necessidade do ato aos comandos eleitos para a sua boa e eficaz validade. Com isto, não se retira a competência discricionária do agente público, apenas ela é vinculada aos princípios constitucionais para melhor servir ao interesse coletivo. Não se deve esquecer que os princípios ao serem embutidos na Lei Fundamental já foram ponderados pelo Constituinte, de forma que fosse balizada a atuação da Administração Pública”.
Não vigora mais a idéia da discricionariedade clássica, onde os critérios de oportunidade e de conveniência eram impenetráveis ao controle judicial, pois os princípios constitucionais foram instituídos para disciplinar uma unidade em todos os atos públicos, sendo lícita a análise de mérito do ato administrativo, pouco importando se ele é ou não discricionário.
Estes novos parâmetros do direito administrativo foram concretizados a partir do momento que a Constituição passou a ser o centro de todo ordenamento jurídico.
Por esta razão, a atividade administrativa, desde a promulgação da atual Constituição, passou a adotar os princípios em regra nela previstos, para regular todo o epicentro do poder de decisão dos atos públicos.
A chamada constitucionalização do direito administrativo teve a oportunidade de convolar a legalidade em juridicidade administrativa.
Já o princípio da proteção da confiança legítima surgiu no direito alemão entre as décadas de 1950 e 1970, germinado para o direito inglês, até se firmar como princípio fundamental do direito comunitário.
Ele consiste, na preservação dos efeitos dos atos administrativos, já produzidos por um determinado lapso de tempo, em proeminência da segurança jurídica.[4]
Sendo que atualmente o princípio da proteção da confiança legítima também compreende na tutela da segurança jurídica face ao exercício do poder normativo.[5]
Por fim, a atual Constituição trouxe novos direitos aos servidores públicos, tais como: o princípio da irredutibilidade de vencimentos; acessibilidade ao Poder Judiciário; direito à ampla defesa e ao contraditório; reajuste de seus estipêndios anualmente; direito de greve; teto remuneratório; direitos adquiridos, etc.
Este rol de direitos de toda a coletividade teve o condão de despertar as pessoas a uma luta de seus direitos, aumentando o fluxo de ingresso de lides forenses contra o poder público.
Isto tudo realça a necessidade de uma prestação jurídica eficaz na defesa do ente público, para que ele não fique exposto à ações temerárias, em face ao aumento expressivo do ingresso de novos pleitos.
Se por um lado há a valorização dos direitos e das garantais da coletividade, se observa a necessidade do Estado se aparelhar de uma boa estrutura jurídica, onde os procuradores, responsáveis pela defesa do ente público passam a ter a especial importância para o desempenho de seu relevante mister com eficiência e competência.
Existe, por outro lado, questionamentos jurídicos quanto aos contratos administrativos, licitações, tributos, direitos coletivos, direitos difusos, etc.
Surge, a partir daí a figura do advogado público, dotado de conhecimentos específicos que o credenciam ao pleno exercício da defesa estatal.
Sucede que, em algumas situações, mesmo o órgão público possuindo uma Procuradoria, a fim de buscar o resultado positivo para o ente estatal, o administrador público se vê na necessidade de contratar diretamente advogado particular, capaz de possibilitar a busca do necessário resultado positivo para o órgão competente.
Muita celeuma é criada pela contratação direta do advogado quando o ente de direito público possui competente procuradoria para cuidar de seus interesses jurídicos.
Esta é uma situação freqüente em alguns municípios, pois tanto a União Federal como os Estados não necessitam de advogados terceirizados nos quadros, pois promoveram vários concursos públicos que tiveram a condição de classificar não só um grande número de profissionais, como também grandes operadores do direito. Esta referência é extensiva aos Municípios dos grandes centros do país.
Sucede que existem muitos municípios do interior que, para ter uma melhor defesa, quando a contenda jurídica foge da normalidade, têm a necessidade de buscar no advogado privado o necessário complemento à sua eficiente defesa em juízo.
A partir deste momento, tanto o Ministério Público, como os Tribunais de Contas, têm entendido que a contratação direta do advogado, sem que seja precedido do processo licitatório, é ato ímprobo, violador da Lei nº 8.429/92.
Discordamos peremptoriamente deste retrógrado posicionamento jurídico, pois o processo licitatório jamais terá o condão de selecionar o profissional da advocacia mais recomendável para defender determinado ente público em uma crucial contenda jurídica levada ao conhecimento do Poder Judiciário, como se demonstrará a seguir.
II – CARACTERÍSTICA DA LICITAÇÃO NÃO COMPORTA A SINGULARIDADE COMO FÓRMULA DE COMPETIÇÃO.
No direito brasileiro, a regra geral é o dever da Administração Pública licitar os serviços e obras de que necessita para a consecução das suas finalidades.
É o que resulta do que vem estabelecido no artigo 37, XXI, da Constituição Federal, que após o advento da Emenda Constitucional 19/98, excetuou da lei geral (8.666/93) as Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas, que terão estatuto próprio mais flexível e compatíveis com o artigo 173 do mesmo texto constitucional, sem contudo liberá-las da exigência sub-oculis.
Sucede, que o aludido cânone principiológico não possui o escopo de regular todas as hipóteses jurídicas que se afiguram como as mais adequadas para cada caso concreto, ressalvando, portanto, “os casos especificados na legislação”.
E coube ao legislador ordinário, dentro de uma razoabilidade, estipular quais seriam os casos dispensados da competição licitatória.
Não figura a dispensa como uma forma de se burlar o sadio e necessário processo de licitação, erigido como essencial para a moralização das contratações firmadas pelos entes de direito público com os particulares.
Essa previsão é plenamente justificável quando a hipótese se encaixar nos cânones legais enunciados nos distintos casos em que o contrato a ser travado pode ser concretizado independentemente de licitação. Estão contemplados nos artigos 17, I e II (caso específico das alienações), 24 e 25.[6]
Nesse sentido, o artigo 25 da Lei 8.666/93 inexige a licitação quando houver inviabilidade de competição, sendo que o seu inc. II, estipula: “II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.”
A enumeração do art. 25 é exemplificativa e permite a contratação direta na hipótese dos casos em que é inviável a competição, dada as peculiaridades e circunstâncias que o caso concreto comportar. Ao tomador dos serviços cabe a aferição da conveniência e oportunidade da contratação, em consonância com a sua autorizada margem de discricionariedade, desde que respaldado na Lei.
Sendo certo que o art. 13, inc. V, da lei nº 8.666/93, considera serviço técnico profissional especializado os trabalhos de: “v – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.”
Contudo, para que o intérprete não desvirtue o texto legal mister se faz que se atente que o parágrafo inaugural do artigo citado ressalva os casos de inexigibilidade de licitação, para as situações descritas nos inc. I a VII, após a devida verificação.
A lei nº 8.666/93, conforme já narrado, contempla a inexigibilidade de competição quando houver inviabilidade da mesma, dada a natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização (inc. II, art. 25).
Assim, existe a permissão legal não só quando a prestação de serviços for de natureza singular, bem como houver notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito de uma especialidade for considerado de notória especialização.
A notória especialização é verificada quando a empresa ou o profissional, através de desempenho anterior, estudos, publicações, organização, técnica, resultados de serviços anteriores, permita identificar que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação das necessidades do ente público tomador do serviço.
Já o serviço singular, é aquele ministrado por profissional que comprovadamente demonstre, em trabalhos anteriores, a sua destacada habilidade técnica, que o credencia para o objeto do contrato. Esta singularidade poderá decorrer também da própria profissão do contratado, pois determinados ofícios não são objeto de competição pelo menor preço, como por exemplo a prestação de serviços jurídicos.
Neste contexto, enquadra-se o médico, o advogado, o artista e outras profissões, cuja prestação de serviços são reveladas por uma invejável criação técnica ou intelectual do responsável pela sua execução.
Nada mais preciso do que as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello[7] para se atingir o devido alcance do que venham a ser serviços singulares: “Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. A produção de um quadro, por um artista, é singular pela natureza íntima do trabalho a ser realizado. De modo geral, são singulares todas as produções intelectuais ou artísticas, realizadas isoladas ou conjuntamente, por equipe, sempre que o trabalho a ser produzido se define pela marca, pelo cunho pessoal (ou coletivo) expressado em características técnicas, científicas e ou artística.”
Na situação específica do advogado, a profissão exige que o profissional execute o seu trabalho de acordo com as suas convicções, juízos, sensibilidades, interpretações, conclusões, formação intelectual, apesar de existirem inúmeros outros advogados com igual ou melhor curriculum do que o escolhido diretamente pela Administração Pública.
Isso porque, o advogado desempenha um trabalho singular, onde a sua criação intelectual retira do administrador público a necessidade de promover o certame licitatório para, através do menor preço, escolher qual seria a melhor opção para o serviço público contratar.[8]
Ora, como viabilizar-se a competição da aferição da melhor prestação de serviços advocatícios para o ente tomador do serviço se o mesmo depende de implementação intelectual futura?
Por outro lado, a relação cliente e advogado é construída através de confiança (intui personae), elemento subjetivo essencial para o reconhecimento do serviço como singular.
A singularidade (capacidade intelectual) da prestação do serviço do advogado, por si só, justifica a ausência de competição, bem como da pré-qualificação também, pois o preço mínimo da contratação não é fator crucial que estabelece a melhor contratação para o ente público.
Contratando diretamente o advogado para prestar uma relevante e necessária prestação de serviços ao ente público, não estará a autoridade administrativa cometendo infrações, e nem agindo no vácuo da lei, visto que a Lei nº. 8.666/93 não impede a aludida tomada de posição, devendo apenas o administrador justificar a escolha dentro de uma razoabilidade.
Ao agir de tal forma, não será transgredida a lei licitante, pois o serviço jurídico a ser prestado será correspondente à necessidade do tomador do serviço, que não pode se desvincular da finalidade legal.
Possuindo o advogado qualificação especial, oriunda da sua própria lei, a licitação para a escolha do melhor serviço deverá ser afastada, pelo fato do processo licitatório, na espécie, não se afigurar como a melhor opção à finalidade pública.
Isto porque não se busca, na contratação do advogado, o menor preço para a realização do serviço e, sim, o resultado da atuação do mesmo. É o resultado da forma ágil de consegui-lo que caracteriza também a singularidade da prestação do serviço pelo profissional eleito: “Não é a lei que a torna inexigível; é a própria natureza do objeto que impõe tal solução, também reservada para os casos em que uma única pessoa possa atender às necessidades do Administrador.”[9]
Por outra vertente, como já enaltecido, o art. 25 da Lei nº. 8.666/93, ao enumerar os casos de inexigibilidade de competição, pela inviabilidade de competição, deixou assente que os trabalhos intelectuais como o declinado no presente contexto, ficam fora a regra geral de competição, sendo lícito ao administrador agir movido pela discricionariedade, visando, única e exclusivamente o interesse público.
A intelectualidade do advogado, independe da sua inscrição na OAB, não se vincula a qualquer rótulo, tendo em vista que a advocacia é um estado permanente de criação intelectual.
Mais uma vez abrimos parênteses para registrar nossa ótica[10] proferida em outro trabalho que se encaixa perfeitamente no presente contexto: “Neste último aspecto, entendemos que a notória especialização, para efeito de exonerar a administração de prévia licitação, para a contratação dos serviços, tem como critério básico o perfil da profissão da advocacia e a intelectualidade do prestador de serviços, na forma do § 1º do art. 25 da Lei nº. 8.666/93. É humanamente impossível dimensionar-se qual é o melhor advogado do Brasil (se é que é possível tal rótulo) em virtude da complexidade jurídica que o caso comporta, bastando o advogado possuir alto grau de especialização.”
Enaltecendo o que foi dito, nada melhor do que trazer ao debate o precioso e importante julgado do STF,[11] que ao pronunciar-se sobre a contratação de advogado sem processo licitatório, em submissão à natureza do trabalho a ser prestado pelo profissional, considerou como lícita a dispensa do certame: “Penal. Processual Penal. Ação Penal: trancamento. Advogado: Contratação. Dispensa de Licitação. I – Contratação de advogado para defesa de interesses do Estado nos Tribunais Superiores: dispensa de licitação, tendo em vista a natureza do trabalho a ser prestado. Inocorrência, no caso de dolo e de apropriação do patrimônio público. II – Concessão de habeas corpus de ofício para o fim de ser trancada a ação penal.”
O sempre arguto e competente Min. Velloso deixou consignado, na relatoria do julgado multicitado, que o trabalho intelectual do advogado é impossível de ser aferido mediante processo licitatório, descartando a hipótese do preço mais baixo ser a melhor opção para o tomador do serviço. Pela peculiaridade da prestação de serviço do advogado, assim disse o ilustre julgador: “Acrescente-se que a contratação de advogado dispensa licitação, dado que a matéria exige, inclusive, especialização, certo que se trata de trabalho intelectual, impossível de ser aferido em termos de preço mais baixo. Nesta linha, o trabalho de um médico operador. Imagine-se a abertura de licitação para contratação de um médico cirurgião para realizar delicada cirurgia num servidor. Esse absurdo somente seria admissível numa sociedade que não sabe conceituar valores. O mesmo pode ser dito em relação ao advogado, que tem por missão defender interesses do Estado, que tem por missão a defesa da res publica.”
Figurando como custos legis, o próprio Ministério Público no multicitado julgamento opinou pela falta de dolo de apropriação do patrimônio público, consoante registro do citado voto condutor do aresto declinado: “As duas, porque as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas que ‘não chegaram a tipificar conduta delituosa’, bem registra o Ministério Público Federal, que acrescenta inexistir, no caso, ‘dolo de apropriação do patrimônio público’. É que, conforme acima foi acentuado, o contrato é daqueles que dispensa a licitação. E, ademais, ‘os honorários foram modicamente arbitrados e os serviços de advocacia efetivamente prestados’, serviços que resultaram em benefício do Estado.”
Extrai-se do v. acórdão as seguintes conclusões: a) O STF julgou lícita a contratação de advogado sem processo de licitação; b) ao referendar a dita contratação, procurou o Ministro Relator enaltecer a singularidade da prestação de serviço intelectual ministrada pelos advogados; c) por ser personalíssima tal prestação de serviço, entendeu aquela Corte ser inviável a competição; d) afastou o dolo ou o prejuízo ao patrimônio público.
Este julgado representa preciso precedente, pelo fato de ter sido construído pela Suprema Corte, mesmo que a sua composição de Ministros não seja mais a dos julgadores do referido aresto, visto que como guardiã da Constituição, deixou cristalinamente fixado que a contratação direta de advogados, sem a realização de processo licitatório, não vila o art. 37, XXI, da CF.
Retira também o presente julgado a possibilidade de se ventilar o dolo ou prejuízo ao patrimônio público quando implementada a contratação direta do advogado.
Ao retirar esse requisito que está abrigado na lei de improbidade administrativa, não existe a menor possibilidade de se enquadrar o advogado ou o administrador público nas hipóteses combatidas pelo comando legal citado. Em razão da Suprema Corte ter deixado bem nítida a legalidade da contratação direta do advogado, descaracterizando a figura do crime de fraude à licitação, com a retirada de dolo ou do prejuízo ao patrimônio público. Pelo contrário, procurou a maior Corte do país enaltecer a importância da defesa do Estado feita pelo advogado contratado.
O Poder Público, quando necessitar, possui a obrigação de contratar profissionais habilitados e com um curriculum digno da contratação, em homenagem a proeminência do interesse público.
Assim, não sendo vislumbrado crime ou prejuízo para o erário, como subsistir ação de improbidade administrativa para combater contratação direta admitida pela lei, jurisprudência e boa parte da doutrina?
Entendemos que falta tipicidade para o enquadramento na lei de improbidade administrativa quando é implementada à contratação direta de advogado por parte do ente de direito público.
O particular (advogado) fica excluído do contexto do art. 3º da Lei nº. 8.429/92, por não ser encontrada a menor possibilidade de cometimento do ato de improbidade administrativa, a saber:
- a contratação de advogado não induz ou concorre para a prática do ato de improbidade;
- o advogado não se beneficia de qualquer ilícito, direto ou indireto, pois recebe a sua remuneração pelo fruto de seu trabalho; e
- o STF afastou o dolo e o prejuízo do erário pela contratação direta do advogado.
Fora do contexto do art. 3º da Lei 8.429/92, o advogado (particular) retira também o responsável pela sua contratação do aludido contexto, visto que através da relação intuitu personae buscou no profissional eleito a melhor opção para a defesa do ente público, sem a caracterização de prejuízo ao erário.
Diferentemente do afirmado, será verificado se o ente público contratar diretamente o profissional da advocacia para tratar de assuntos pessoais, desvinculados do cargo do Administrador Público responsável pela contratação. Exemplo: ação de despejo, inventário, separação, briga de vizinhos, etc.
Isto porque, o ente público somente deve se socorrer da ajuda externa de um advogado fora dos quadros públicos, quando a natureza da lide justificar tal opção. Assim sendo, se o Prefeito de uma determinada localidade responder pela prática de ato de improbidade administrativa ou é colocado no pólo passivo de outro tipo de ação civil pública, como por exemplo, a contratação pública de advogado privado se justifica em face de se configurar o caráter público que reveste a atuação do profissional eleito.
Este divisor de águas é importante, para que não haja abuso no direito de contratação direta de advogado.
Contudo, havendo interesse público, não haverá nenhum óbice à contratação direta do advogado, na forma da própria lei de licitações e na jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.
III - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO FEDERAL DETECTOU QUE A CONTRATAÇÃO PELO MENOR PREÇO DO ADVOGADO, APÓS O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO TROUXE PARA O ESTADO SÉRIOS E GRAVES PREJUÍZOS.
Não bastassem todas as colocações técnicas/jurídicas que contemplam a contratação direta do advogado, agrega-se mais um fato de importância impar, que é o prejuízo sofrido pela União Federal, que ao contratar profissionais do direito, após o critério de menor preço, teve que amargar condenações pesadas.
Isso porque, antes da criação da AGU (Advocacia Geral da União), o Governo Federal necessitou contratar temporariamente advogados privados, pelo grande fluxo de ações que lhe era endereçado e pela falta de procuradores capazes de dar conta de tamanho volume.
Pois bem, seguindo a esteira de alguns autores e da minoritária jurisprudência, a Consultoria Geral da República criou a Exposição de Motivos nº. 2, de 25/11/92, que ficou assim ementada: “Proposta para tornar obrigatória a contratação, por parte do Banco Central do Brasil – BACEN, das empresas públicas, sociedades de economia mista, nas subsidiárias e demais empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União, de empresas prestadoras de serviços técnicos profissionais de natureza jurídica especializadas na área trabalhista, para fins de defesa, até a última instância, de interesses em Juízo, quando reclamam em ações individuais, plúrimas ou coletivas na Justiça do Trabalho sempre que houver possibilidade de conflito de interesse da parte dos quadros jurídicos próprios. Ao ser colocada no cenário administrativo federal, a EM nº. CGR 2/92, estipulou que “a contratação das pessoas jurídicas prestadoras dos referidos serviços deverá ser sempre precedida de licitação.”
Pensando em melhor servir à coletividade, a citada Exposição de Motivos determinou que os advogados se submetessem ao certame licitatório, no intuito de ser escolhido o serviço jurídico de menor preço.
O resultado do serviço, como não poderia deixar de ser, se tornou ineficaz, pois não precisa ser vidente para imaginar que os bons profissionais ficam alijados de concorrerem com preços predatórios, eleitos por iniciantes ou advogados que não possuem clientela fixa.
Em razão dos sérios prejuízos causados ao erário público, a AGU foi obrigada a reformular o entendimento anterior da extinta Consultoria Geral da República, através do Parecer nº. GQ-77, deixando evidente que: “À vista de notícias, que dirigentes de organizações estatais fizeram chegar ao meu conhecimento, a providência sugerida na Exposição de Motivos antes citada resultou ineficaz posto que o patrocínio judicial foi confiado, em decorrência de licitações decididas pelo critério de menor preço, a profissionais ou escritórios de advocacia de talvez insuficiente preparo e experiência.”
Adiante, informa o parecerista da AGU que a contratação direta de advogados despreparados trouxe prejuízos aos cofres da União Federal da ordem de bilhão de dólares norte-americanos: “O Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos da Administração Federal considera serviços técnico-profissionais especializados os trabalhos relativos ao patrocínio ou à defesa de causas judiciais ou administrativas (art. 134, do Decreto-Lei nº. 2.300, de 1986), para admitir a inexigibilidade do procedimento licitatório quando esses serviços, de natureza singular, sejam confiados a profissionais ou à empresas de notória especialização (art. 23. II, c/c parágrafo único do art. 12 do D.L. citado). De outro lado, a insuficiência técnica do patrocínio judicial, segundo ainda as notícias que nos chegam, têm conduzido a sucumbência de extraordinário valor, em algumas entidades alcançando o correspondente a bilhão de dólares norte-americanos tão grave e dramática é a situação, que não resultaria inadequado o apelo também à regra de dispensa de licitação (art. 22, IV, do Decreto-Lei nº. 2.300, de 1986).”
Ficou invencivelmente comprovado pela Advocacia Geral da União que a licitação de menor preço para a escolha do serviço jurídico adequado não se revela como a melhor opção.
Pelo contrário, revelou-se a contratação de advogado pelo certame licitatório como um verdadeiro atentado às finanças públicas, com graves e sérias condenações, onde a União teve que desembolsar verdadeiras fortunas por ter sido defendida por profissionais selecionas pelo critério de menor preço. É o que na gíria se diz: “O barato sai caro”.
Extrai-se, por fim, que os que defendem a licitação para contratação, pelo menor preço, de serviço jurídico, deveriam ser enquadrados na Lei de Improbidade Administrativa, por colocar o ente público exposto à condenações exageradas por falta de conhecimento jurídico do profissional eleito para a defesa da causa pública.
Não se admite, em hipótese alguma, que o Poder Público seja prejudicado por “falsos moralistas” que, em detrimento do princípio da eficiência (art. 37 da CF) defendam a contratação mais barata como forma de selecionar o melhor ou mais gabaritado profissional do direito para a defesa de importante causa jurídica de interesse público.
Ficou ultrapassado esse posicionamento jurídico, em razão do menor preço na contratação do advogado, na maioria dos casos se revelar como um dos piores caminhos a serem traçados.
IV – PRINCÍPIOS VETORES DA PROFISSÃO DO ADVOGADO DEVEM SER CONSIDERADOS PARA A CONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS SEM A OBRIGATORIEDADE DO PROCESSO LICITATÓRIO
Em destacado posicionamento, Alice Gonzales Borges,[12] tece considerações relevantes sobre a desnecessidade da licitação para a contratação de serviços profissionais de advocacia, sobre vários e argutos fundamentos, inclusive o da “antinomia entre normas e a conflitualidade de princípios, de que fala Canotilho.
A conflitualidade de princípio de que trata a citada publicista resultaria da conjugação da Lei 8.666/93 confrontada com a Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB) e o Código de Ética dos Advogados.
Isto porque, descarta a efetivação de “uma pré-qualificação, seguida de seleção, ou um registro cadastral também seguido de seleção e sorteio, para que incorra na proibição do art. 22, §8º, da Lei 8.666/93”,[13] pelo fato de ocorrer a inexigibilidade da licitação de serviços advocatícios por duas causas bem definidas na legislação: “ou porque se trate de serviços de notória especialização, ou porque, em muitos outros casos, se configure mesmo, por causas diversas e potencialmente inimagináveis por qualquer legislador, verdadeira inviabilidade de competição.”[14]
Nesse sentido, o próprio Código de Ética da Advocacia, em seus artigos 28 e 29, desestimula a competição entre seus profissionais, inviabilizando o certame licitatório, por ser recomendado ao causídico a moderação, discrição e sobriedade.
Por sua vez, o artigo 34 do Estatuto da OAB, elenca como infração disciplinar “organizar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros” (Art. 34, IV). Na mesma esteira, o artigo 5º do Código de Ética veda qualquer procedimento de mercantilização do advogado no exercício da profissão: “O exercício da advocacia, é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.”
E para impedir que haja captação direta ou indiretamente de clientes assim dispõe o art. 7º da lei em debate: “Art. 7º - É vedado o oferecimento de serviços que impliquem, direta ou indiretamente, vinculação ou captação de clientela.”
Ainda louvando-se nas lições da ilustre Alice Gonzales Borges, se extrai: “Enquanto o art. 30, inc. II, da Lei 8.666/93, estatui, como um dos requisitos de habilitação técnica a indicação das instalações materiais da empresa licitante, o art. 31, §1º, do Código de Ética do Advogado veda, nos anúncios do advogado, menções ao tamanho, qualidade e estrutura da sede profissional, por constituírem captação de clientela. Constitui requisito de habilitação técnica dos mais importantes, na Lei 8.666/93, a comprovação, por meio de atestados idôneos de órgãos públicos e privados, do desempenho anterior do licitante em atividades semelhantes àquela objetivada na licitação (art. 30, §3º). O Código de Ética veda, nos arts. 29, §4º e 33, IV, a divulgação de listagem de clientes e patrocínio de demandas anteriores, considerados como captação de clientela”.[15]
A seguir, a citada publicista indaga: “Se o Estatuto da OAB e o Código de Ética vedam a captação de clientela, os procedimentos de mercantilização da profissão e o aviltamento de valores dos honorários advocatícios (arts. 39 e 41 do Código de Ética), como conciliar tais princípios com a participação de advogados, concorrendo com outros advogados em uma licitação de menor preço, nos moldes do art. 45, I e §2º da Lei 8.666/93? Também resulta inviável, pelos mesmos princípios, a participação de escritórios de advocacia em licitação do tipo melhor técnica, a qual, nos termos do artigo 46, §1º, descamba, afinal, para o cotejamento de preços. Obviamente, também a licitação de técnica e preço do art. 46, §2º, que combina aqueles dois requisitos. Mesmas restrições sofre a aplicação das normas relativas à desclassificação das propostas, em razão dos preços oferecidos, prevista no art. 48, II, da Lei 8.666/93, quando, eventualmente, os advogados licitantes podem ser convidados para baixar o preço das suas propostas, dentro do prazo de oito dias. O próprio problema do preço dos serviços advocatícios é outra questão que oferece certas peculiaridades.”[16]
Ratificando o brilho e discortíneo da citada doutrinadora, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, através do seu Tribunal de Ética, manifestou-se no sentido de não ferir a ética e nem tampouco a Lei 8.666/93, quando presente a condição de notória especialização decorrente de situação pessoal do profissional ou do escritório de advocacia: “Licitação – Inexigibilidade para contratação de advogado – Inexistência de infração – Lei n. 8.666, de 21.06.1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública. Inexigibilidade de licitação para contratação de advogado, para prestação de serviços ou defesa de causas judiciais ou administrativas. Condição de comprovação hábil, em face da natureza singular dos serviços técnicos necessitados, de tratar-se de profissionais ou empresas de notória especialização. Critério aceitável pela evidente inviabilidade de competição licitatória. Pressuposto da existência de necessária moralidade do agente público no ato discricionário regular na aferição da justa notoriedade do concorrente. Inexistência, na lei mencionada, de criação de hierarquia qualitativa dentro da categoria dos advogados. Inexistência de infringência ética na fórmula legal licitatória de contratação de advogados pela administração pública.”[17]
A doutrina comparada também acolhe a desnecessidade da competição quando se vislumbra a prestação de serviços resultante da criação intelectual do prestador do serviço público, sendo certo, que em posicionamento similar ao nosso, o Professor portenho Roberto Dromi[18] assim se posiciona: “Exceptúase también de la licitación pública la contratación en la que resulta determinante la capacidad ...”
Sayagués Laso[19] também entende, que “resulta imposible la comparación de obras científicas o de arte, para optar por la de precio más bajo, y aun mismo el determinarse en función del costo, que esta materia es elemento completamente secundario.”
Portanto, ao se compulsar os comandos legais da Lei 8.666/93 deve ser feita a interpretação sistemática tanto com o Estatuto do Advogado, como também com o respectivo Código de Ética.
Conseqüentemente, entender determinado preceito legal não é somente aferroar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, é indagar com profundeza o pensamento do legislador, descendo da superfície isolada de um dispositivo, para conjugá-lo com os demais e desenvolvê-los em todas as direções possíveis, com o objetivo de aplicar corretamente a norma legal reguladora da matéria.
Concordamos, portanto, com as eruditas colocações feitas pela ilustre Alice Gonzales Borges, ao demonstrar ser inexigível o certame para que ocorra a contratação da prestação de serviços jurídicos, quer pela impossibilidade de se aferir o conhecimento científico de cada profissional, o que levaria a um julgamento subjetivo, quer pela singularidade do causídico prestador do serviço e, por fim, quer pelo Estatuto e o Código de Ética do Advogado reprimir a captação direta ou indireta de clientes, além dos outros princípios declinados no presente tópico, que invalidam qualquer processo de seleção para a contratação dos serviços advocatícios, visto não ser o menor preço o fator preponderante para a efetivação do melhor serviço.
Esta reflexão é imperiosa, porque a lei 8.666/93 não exige que haja licitação para contratação direta de parecer, atuação preventiva ou contenciosa do advogado, que pela natureza intelectual do serviço, fica excluído do certame.
Contratando diretamente o advogado não estará a autoridade administrativa cometendo infrações, e nem agindo de forma contrária ao estabelecido na Lei de Licitações.
A licitação pública é um procedimento administrativo que tem por objetivo selecionar a melhor proposta para a Administração Pública. Como o serviço prestado pelo advogado é singular, excetuando-se das regras que são voltadas para a competição do menor preço, a inexigibilidade do certame é uma conseqüência natural.
Por igual, como no trabalho intelectual do advogado não existe o “equivalente perfeito”, salta aos olhos que a competição fica esvaziada.
Neste caso, a legislação federal permite a contratação direta do advogado, por ser singular a prestação do seu serviço: “Os bens singulares, consoante se disse, é que não são licitáveis. Um bem se qualifica desta maneira quando possui individualidade tal que o torna inassimilável a quaisquer outros. Esta individualidade pode provir de o bem ser singular: a) em sentido absoluto; b) em razão de evento externo a ele ou c) por força de sua natureza íntima.[20]”
Assim sendo, torna-se totalmente inviável o certame competitivo para a aferição da melhor prestação de serviço advocatício, em total sintonia com o posicionamento do STF e da própria Lei nº 8.666/93.
Ao agir dessa forma, o administrador público não cometerá nenhuma infração funcional, visto que o interesse público faz com que o Estado tenha a melhor e mais eficiente defesa em juízo ou fora dele. É óbvio que tal regra deve ser interpretada com razoabilidade, pois a contratação direta é a exceção e não a regra a ser utilizada no dia-a-dia dos órgãos públicos.
Somente nas circunstâncias, e nos casos especiais, é que o ente de direito público se utilizará do recurso permitido pela Lei de Licitações Públicas, contratando diretamente o advogado mais recomendado para uma importante prestação de serviços ao erário.
[1] BINENBOJM, Gustavo. “Um Novo Conceito Administrativo para o Século XXI”, in Temas de Direito Administrativo e Constitucional. São Paulo: Renovar, 2007, p. 9.
[2] HUBER, Hans. “Niedergand des Rechts und Krise des Rechtstaats”, in Demokratike und Rechtsaat, , Zürich, 1953, p. 59.
[3] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. “A Constitucionalização do Direito Administrativo e o Controle de Mérito (Oportunidade e Conveniência) do Ato Administrativo pelo Poder Discricionário, in Revista Ibero Americana de Direito Público, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2º trimestre de 2005, volume XVIII, p. 258.
[4] “... 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. (STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, MS nº 22.357, Pleno, DJ de 9.08.2006).
[5] Cf. BAPTISTA. Patrícia Ferreira. “A Tutela da Confiança Legítima como Limite ao Exercício do Poder Normativo da Administração Pública – A Proteção às Expectativas Legítimas dos Cidadãos como Limite à Retroatividade Normativa”, in Revista de Direito do Estado (RDE) nº 3, São Paulo: Renovar, jul/set. 2006, p. 155/181.
[6] “Independentemente da sistematização legal, que é muito imperfeita, poder-se-ia dizer que em alguns deles a Administração tem a faculdade de dispensar a licitação; em outros está obrigada a fazê-lo; em dada hipótese está proibida de licitar (motivo de segurança nacional) e que, de par com todos estes, existem as situações de licitação inviável, ou seja, em que não comparecem os pressupostos lógicos , jurídicos ou fáticos em vista dos quais caberia efetuá-la. Note-se que o art. 17, I e II fala em licitação ‘dispensada’, ao passo que o art. 24 refere casos de licitação ‘dispensável’ – o que sugere, respectivamente nos primeiros, um assunto já resoluto pela lei e, nos segundos, uma faculdade do legislador – enquanto o art. 25 arrola hipótese de ‘inexigibilidade’ da licitação, aludindo a situação em que esta é inviável. Ademais, a hipótese apontada como de licitação ‘dispensável’, prevista no art. 24, IX, como dito, é, na verdade um caso de licitação proibida, embora a lei n. 8.666 (ao contrário do diploma anterior) não a tenha categorizado de tal modo.” (Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Licitação – Inexigibilidade – Serviço Singular”, in RDA 202, out/dez/2005, ps. :365-366).
[7] Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de “Licitação – Inexigibilidade – Serviço Singular”, in RDA 202, cit. ant., p. 368.
[8] “A singularidade dessa prestação de serviços está fincada nos conhecimentos individuais de cada profissional da advocacia, impedindo, portanto, que a aferição da competição seja plena, pois ‘não se licitam coisas desiguais, só se licitam coisas homogêneas. (...) Vamos mais além por entender que a singularidade do advogado está obviamente interligada à sua capacitação profissional, o que de certa forma inviabiliza o certame licitatório pelo fato de não ser aferido o melhor serviço pelo preço ofertado. Ou, em outras palavras, os profissionais que se destacam nos vários ramos do direito geralmente não competem em processo licitatório por ser totalmente inviável a sua cotação de honorários em face de outras formalizadas por jovens advogados em início de carreira. Não vai nessa afirmação nenhum demérito aos jovens advogados, pois, como sabiamente afirmado por Calamandrei, ‘a juventude nunca é melancólica porque tem o futuro diante dela.” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. “Contratação Direta de Serviços Advocatícios”, in O Contrato Administrativo, 2. ed., Rio de Janeiro: América Jurídica, p. 512.
[9] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, vol. 3, tomo III, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 2.
[10] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Contrato Administrativo, cit. ant., p. 530.
[11] STF, RHC nº. 72830-RO, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª t., DJ de 16/2/96, p. 2.999.
[12] BORGES, Alice Gonzales. “Licitação para Contratação de Serviços Profissionais de Advocacia”, in RDA 206, out/dezembro de 1996, ps. 135-141.
[13] BORGES, Alice Gonzales. op. cit. ant, p. 138.
[14] Idem, p. 138.
[15] BORGES, Alice Gonzales. op. cit. ant., p. 138.
[16] BORGES, Alice Gonzales. op. cit. ant. p. 139.
[17] In, TOLOSA FILHO, Benedicto de. Contratando Sem Licitação, Rio de Janeiro: Forense, 1998, ps. 94/95.
[18] LASO, Sayagués, Licitações Públicas, 2. ed., Buenos Aires: , 1995, p. 147.
[19] DROMI, Roberto. La Licitación Pública, Montevideo: Acali, 1978, p. 74.
[20] Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Licitação, 2. tir., São Paulo: RT, 1985, p. 15.