LEI N.º 6.766/79
- PARCELAMENTO DO SOLO URBANO
NO REGISTRO IMOBILIÁRIO
Advogada – OAB/MT 8147
Direito Notarial e
Registral
Resumo
O parcelamento do solo urbano
tem por finalidade precípua ordenar o espaço urbano destinado a habitação. Para tanto, mister se
faz sua divisão ou redivisão, dentro dos ditames legais.
Para o ilustre professor
José Afonso da Silva, o parcelamento do solo urbano visa "a
urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas
destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas."
Assim, o parcelamento, para
fins da Lei n.º 6.766/79, consiste na subdivisão de
gleba, situada em zonas determinadas do território municipal urbano, em lotes destinados à edificação. Sendo que o parcelamento compreende
dois tipos: Loteamento – tem
necessidade de abertura, modificação ou ampliação de logradouros públicos na
área; Desmembramento – aproveita o sistema viário existente.
Palavras-chave:
lotes, loteamento,
desmembramento, responsabilidade do registrador imobiliário, registro,
infra-estrutura e contrato-padrão.
1
– Do Parcelamento
do Solo Urbano
Com a alteração da Lei 6.766/79, pela Lei nº 9.785/99, “as
áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamento urbano e
comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à
densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal
para a zona em que se situem”.
Em razão dessa modificação, o percentual antes determinado pela
lei 6.766/79 para parcelamentos (35% da área da gleba), que poderia ser
reduzida apenas em loteamentos destinados a uso industrial, cujos lotes
tivessem área superior a
A partir de 1º de fevereiro de 1999 (início da vigência da Lei
9.785/99) os municípios podem exigir, por lei, o percentual que entenderem, bem
como determinar as áreas mínimas e máximas dos lotes, e os coeficientes máximos
de aproveitamento. O Município poderá ainda exigir infra-estrutura complementar
à mínima prevista no inciso V, do artigo 18, da Lei 6.766/79 (execução de vias
de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das
obras de escoamento de águas pluviais).
São consideradas áreas livres de uso público aquelas destinadas a
sistema de circulação, à implantação de equipamento urbano (abastecimento de
água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede
telefônica e gás canalizado) e de equipamento comunitário (educação, saúde,
lazer e similares e as áreas verdes).
Só o proprietário do imóvel pode parcelá-lo. Assim, fica bem claro
que o mero compromissário comprador não pode fazê-lo.
Porém, o título de propriedade será dispensado quando se tratar de
parcelamento popular, destinado à classes de menor
renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação
judicial em curso e imissão de provisória na posse, desde que promovido pela
União, Estados,
Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a
implantar projetos de habitação.
É a
própria Lei Federal n.º 6.766/79 que regula os meios
adequados ao parcelamento do solo urbano em seu art. 2º, in verbis:
"Art.
2° - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou
desmembramento, observadas as disposições desta Lei e das legislações estaduais
e municipais pertinentes."
1.1 – Do Loteamento
É a
primeira forma prevista na legislação de parcelamento do solo urbano. Dando
seqüência às definições, a Lei n.° 6.766/79 esclarece
o que entende por loteamento que dá seu conceito no art. 2°, § 1°:
"§
1° - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados à
edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos
ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.
Às vezes pode ocorrer o reloteamento, que nada mais é que o
parcelamento do solo resultante de loteamento ou desmembramento já aprovado,
com abertura de novas vias de circulação.
1.2 – Do Desmembramento
Desmembramento significa o
parcelamento da terra em lotes, não sendo necessária à abertura de logradouros.
Trata-se de uma espécie de parcelamento do solo urbano. Aí já se pode entrever
alguma diferença entre os institutos destinados ao parcelamento do solo urbano.
Veja o que diz a lei, em seu art. 2, § 2º:
"§
2° - Considera-se desmembramento subdivisão de gleba em lotes destinados à
edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não
implique abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento,
modificação ou ampliação dos já existentes."
2 – Do Objetivo
O parcelamento do solo urbano tem como objetivo desenvolver as
diferentes atividades urbanas, com a concentração equilibrada dessas atividades
e de pessoas no Município, estimulando e orientando o desenvolvimento urbano,
mediante o controle do uso e aproveitamento do solo.
3 – Das Proibições de
Parcelamento Urbano
A Lei nº 6.766/79 traçou,
nos incisos do parágrafo único do art. 3º, os casos de proibição de
parcelamento do solo urbano. Antes, porém, tratou de afirmar que "somente
será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de
expansão urbana, assim definidas por lei municipal."
As vedações constantes na
lei são de caráter sanitário e de segurança pública. As proibições podem ser
assim elencadas:
1ª hipótese: proibição de parcelamento
do solo urbano em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações,
antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;
2ª hipótese: é exigido o saneamento do
terreno para o parcelamento do solo urbano em terrenos aterrados com material
nocivo à saúde pública;
3ª hipótese: o atendimento de
exigências específicas das autoridades para o parcelamento do solo urbano em
terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento);
4ª hipótese: o não-parcelamento do
solo urbano em áreas cujas condições geológicas não aconselhem a edificação;
5ª hipótese: a vedação em áreas de
preservação ecológica ou naqueles onde a poluição impeça condições sanitárias
suportáveis.
4
– Da Legislação
Para a implantação de um loteamento ou desmembramento para fins
urbanos, o loteador deve se submeter aos
termos da Lei Federal 6.766/79, com as alterações advindas da Lei 9.785/99 e,
também, à legislação municipal respectiva. Isso quando a gleba estiver localizada em zona urbana ou de expansão urbana.
Quando se tratar de parcelamento de imóveis rurais para fins
urbanos ou de expansão urbana, o loteador deve se ater aos termos do
Decreto-Lei 58/37 e também à Instrução nº 17-B do INCRA, que dispõe sobre o
parcelamento de imóveis rurais para fins urbanos ou de expansão urbana e outras
modalidades de parcelamentos rurais.
5 – Da Competência do Município na Urbanização
Convêm deixar claro que as normas legais urbanísticas alusivas a
loteamento ou desmembramento são de competência Municipal, ou do Distrito
Federal, quando for o caso.
Não se trata aqui de normas de registro imobiliário pura e
simplesmente, e isso porque nesse campo a União tem expressa
e privativa competência para legislar, não devendo sequer ser considerada
qualquer norma Municipal porventura existente a respeito.
Tratando-se, porém de questão urbanística, de zoneamento urbano, a
competência legislativa passa a ser Municipal, por força de sua autonomia
consagrada constitucionalmente.
Seria o caso de perguntar: um cartório imobiliário, ao receber um
projeto de desmembramento já aprovado pela
municipalidade, com base em lei, autorizando área
inferior à norma federal, deve proceder ao registro? Obedecerá a norma
municipal ou à federal? Do que foi exposto, inegavelmente prevalece a norma
municipal, com amparo na própria Constituição Federal, face à autonomia
municipal consagrada no artigo 30, incisos I e II da Constituição Federal.
6 - Da Aprovação e Legalidade
Para os loteamentos e desmembramentos serem considerados legais, a
planta e o projeto devem ser previamente aprovados pela Prefeitura, obedecida a legislação pertinente.
Após a aprovação o loteamento, deve ser registrado no Cartório de
Registro de Imóveis competente, nos termos e na forma como dispõe o art.18 da
lei 6.766/79. A execução das obras de infra-estrutura se dará segundo a
respectiva aprovação.
Desta forma, o loteamento ou desmembramento só se tornará legal
depois de aprovado, executadas as obras de infra-estrutura ou garantida a sua
execução e submetido ao registro imobiliário, conforme definido
pela legislação vigente.
7 – Da Garantia para as Obras de Infra-Estrutura
Pode o Município, ao aprovar o parcelamento do solo, negociar com
o loteador a forma de garantia das obras de infra-estrutura básica. Isso fica a
critério do Município que pode aceitar fiança, seguro, nota promissória, caução
ou até mesmo hipoteca de parte do imóvel loteado ou de imóvel situado em
localidade diferente.
8 - Do Procedimento de Registro do Parcelamento
O registro do parcelamento deve ser pedido ao serviço imobiliário
ao qual a área é atribuída, dentro de 180 (cento e oitenta) dias a partir da
aprovação pela autoridade administrativa competente.
O procedimento de registro do parcelamento do solo urbano tem
natureza administrativa, mas pode comportar uma fase jurisdicional.
Em regra, todos os requerimentos, documentos, exames e atos, estão
atrelados a um procedimento administrativo que tramita perante o registro de
imóveis competente, onde ficarão arquivados os respectivos autos depois de
registrado o loteamento ou o desmembramento.
A natureza desse procedimento é administrativa, porque não se exclui
a possibilidade de ocorrência de conflitos de interesses que se verifica quando
há impugnação ao registro pretendido. Neste caso, para solucionar a questão
será necessário um processo jurisdicional – não administrativo, uma vez que a
solução da impugnação de registro de parcelamento do solo não fica na esfera
administrativa do registrador de imóveis, nem no âmbito administrativo do Juiz
Diretor do Foro, mas sim na esfera jurisdicional do Juiz de Direito (art.19 e
parágrafos da lei 6.766/79).
Por isso, pode-se dizer que o procedimento de registro de
parcelamento do solo urbano tem duas fases: a primeira administrativa, que é
necessária; a segunda é jurisdicional, que é eventual.
Da fase administrativa não se pode prescindir. A fase
jurisdicional só surgirá se houver impugnação ao registro pretendido.
Não
se devem confundir quaisquer dessas fases do registro
com a suscitação de dúvida, que pode ocorrer em procedimento de registro de
loteamento ou desmembramento ou mesmo em qualquer outro procedimento de
registro.
A suscitação de dúvida tem fundamento legal no artigo198 da Lei de
Registros Públicos (Lei 6.015/73) e é fruto do dissenso sobre a prática de ato
de registro entre o Oficial Registrador (que se nega a proceder ao registro) e
o interessado. Esse dissenso é solucionado em âmbito administrativo judicial
por reexame do Juiz Diretor do Foro da respectiva Comarca.
A impugnação de registro de loteamento ou de desmembramento tem
fundamento legal no artigo 19 da Lei 6.766/79 e pode ser exercida por qualquer
interessado, estribada em direito real e que deve ser resolvida no âmbito
jurisdicional, por Juiz de Direito, e, se houver apelação,
pelo Tribunal de Justiça.
Em suma, na esfera da legalidade do parcelamento do solo, a
aprovação pela Prefeitura está para o início das obras de infra-estrutura
básica, assim como o registro está para as vendas. O registro do parcelamento,
portanto, pressupõe sua aprovação e deve preceder às vendas dos lotes.
Assim, o registro atua como ponto final da amarração jurídica do
parcelamento do solo. A principal conseqüência do registro é que atribui ao
imóvel o estado jurídico-registrário de propriedade
parcelada. Desta forma, os lotes passam a existir autônoma e distintamente.
Passa a existir a separação das vias públicas e demais espaços livres, que nos
termos do art. 22, da Lei nº 6.766/79, passam a
integrar o domínio do município. Há, com o registro, a subordinação do
parcelamento, à citada Lei 6.766/79.
O registro será procedido após intervalo temporal de 15 (quinze)
dias, necessariamente decorrente da última publicação do edital do pedido de
registro em 03 (três) dias consecutivos no Diário Oficial do Estado e num dos
jornais de circulação diária, se na capital, ou num dos jornais locais, se no
interior.
9 – Do Registro Obrigatório
É obrigado a depositar no Cartório de Registro de Imóveis, os
documentos indicados no artigo 18 da Lei 6.766/79, quem
quiser vender lotes mediante pagamento do preço a
prazo em prestações sucessivas e periódicas.
Entre os documentos exigidos está o “contrato-padrão”, que cabe ao
oficial registrador verificar se satisfazem os requisitos do artigo 26 da
citada lei.
O parcelamento que desobedecer qualquer das formalidades, não será
permitida alienação legítima de áreas em que se indique lote e quadra, sendo
que nenhuma venda desse tipo merece acolhida no registro imobiliário.
A pessoa que adquirir um
lote e verificar que o registro não foi efetuado, tem
o dever de suspender o pagamento das prestações de compra e notificar o
parcelador a suprir a falha.
10 – Do Impedimento de Registro
A existência de ação penal, com denúncia recebida, contra as
pessoas em nome das quais se promove o parcelamento do solo, por crime contra a
Administração Pública e contra o Patrimônio, impede o registro a teor do
disposto no artigo 18, III, § 2º, da Lei 6.766/79.
Não se está com a restrição, fragilizando a presunção
constitucional de inocência, que seguramente
milita em favor do denunciado. Apenas e tão somente estão a lume determinadas
limitações que sofrem os réus após o recebimento da denúncia.
Quando se tratar de pessoa jurídica,
as certidões previstas no artigo 18 da Lei sob comento, da mesma forma, deverão
ser tiradas em nome de seus administradores. E se ela
for composta por outras pessoas jurídicas, do mesmo modo, em nome dos
administradores destas.
Os crimes contra o patrimônio estão tipificados nos artigos
11 – Da Responsabilidade do
Registrador Imobiliário
Com a devida aprovação da
autoridade municipal, isenta o registrador imobiliário da responsabilidade pelo
crime de registro irregular, pois só se configura a conduta criminosa definida
no artigo 52 da Lei n.º 6.766/79, se houver registro
de loteamento ou desmembramento não aprovado pelas autoridades competentes,
como elemento objetivo, caracterizador da ação proibida ao oficial.
O oficial registrador
poderá suscitar dúvida ao Juiz Diretor do Foro, se a aprovação feita pelo
Município contrariar a lei federal, mas se registrar o parcelamento, não terá
responsabilidade penal.
12 – Da Alteração do Loteamento
Nos termos do artigo 28 da Lei 6.766/79, qualquer alteração ou
cancelamento parcial do loteamento registrado dependerá de acordo entre o
loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem como da
aprovação pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal quando for o caso,
devendo ser depositada no Registro de Imóveis, em complemento ao projeto original,
com a devida averbação.
Aplica-se estas mesmas disposições ao desmembramento submetido
a registro. O cancelamento do registro do loteamento
se fará de acordo com o disposto no art. 23 da mesma Lei.
13 – Dos Lotes situados em
mais de uma circunscrição
Se o imóvel a ser loteado
estender-se por área atribuída a mais de uma circunscrição imobiliária, o
registro do parcelamento será requerido sucessivamente, começando por aquela à
qual for atribuída a maior parte da área, terminando com a menor porção, é o
que diz o artigo 21 da Lei 6.766/79 e 169, II da Lei 6.015/73 (Lei dos
Registros Públicos).
Nenhum lote poderá, porém,
situar-se em mais de uma circunscrição. É limitação de outra natureza,
específica dos loteamentos, na elaboração dos projetos pelo empreendedor.
14 – Da Conclusão
O parcelamento do solo
urbano é instrumento posto à mão do Poder Público para melhor dispor acerca do
espaço urbano, através de divisão em partes destinadas ao exercício das funções
urbanísticas.
Referências bibliográficas:
CENEVIVA, Walter. Lei
dos notários e dos registradores comentada. São Paulo: Saraiva, 4. .ª ed., 2002.
FIUZA, César. Direito
Civil – Curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 7.ª ed.,
2003.
NOGUEIRA, Wagner Rodolfo
Faria. Parcelamento do solo. Jus Navigandi, Teresina,
a. 7, n. 84, 25 set. 2003. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4349>.
SILVA, José Afonso da. Direito
Urbanístico Brasileiro. ERT, São Paulo: 1981.