A Lei 11.101/05: mais um passo na trajetória evolutiva do Direito Falimentar Brasileiro.

 

Autor: Hugo Eduardo Mansur Góes.

 Acadêmico de Direito (10º Semestre) da Ucsal – Universidade Católica do Salvador.

E-mail: hugomansur@bol.com.br

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução histórica; 3. O que é insolvência e quais são as suas espécies?; 3.1. Insolvência relativa; 3.2. Insolvência absoluta; 4. Distinção entre insolvência civil, empresarial e especial; 5. Pressupostos da falência; 5.1. Impontualidade; 5.2. Execução frustrada; 5.3. Meios ruinosos; 6. Defesa do réu; 6.1. Contestação com/sem depósito elisivo; 7. Citação: pessoal ou através de aviso de recepção?; 8. Sentença; 8.1. Decretatória; 8.2. Denegatória; 9. Formação da massa falida; 10. Nomeação do administrador judicial; l1. Restrições ao falido; 12. O que é o termo legal?; 13. Notas de rodapé; 14. Bibliografia.

 

 

1. Introdução.  

 

Ao longo dos anos, muitas mudanças ocorreram no ciclo evolutivo do tema Direito Falimentar. A nova lei de falências (Lei 11.101/05) foi mais um passo, talvez um grande, mas também um pequeno passo se nós pensarmos que a mesma já entrou em vigou com alguns dispositivos ultrapassados para o nosso tempo.

 

Estaremos aqui abordando alguns aspectos referentes à nova lei, nos reportando sempre (e esta volta é inevitável) ao Decreto-Lei 7661/45, fazendo, à medida do possível algumas comparações e mostrando, realmente, o que foi ponto evolutivo e o que ficou estagnado com relação aos padrões do Direito Comercial atual.

 

2. Evolução histórica.

                       

                       O importante na evolução histórica é, familiarizarmos com os termos de envolvem o instituto, para que possamos detectar o que estamos vivenciando atualmente, permitindo um posicionamento critico em relação a todos os mecanismos favoráveis e desfavoráveis que são concedidos (ou impostos) aos falidos e aos que pleiteiam a recuperação judicial, por exemplo.

 

Pois bem. Na Antiguidade, a divida não paga fazia com que o devedor fosse transformado em escravo ou, numa outra possibilidade, era concedido ao credor o poder de matar o devedor.

 

No ano de 737 antes de Cristo, criou-se a cessio bonorum através da Lex Iulia. Era o embrião do Direito Falimentar. Esse termo “embrião” é utilizado por muitos doutrinadores do Direito Comercial pelo fato de nesta época terem sido criados dois princípios fundamentais: o direito dos credores de disporem de todos os bens do devedor e o princípio da par condictio creditorum. O credor passa a tomar iniciativa da execução em seu benefício e também dos demais credores, surgindo o conceito de massa falida[1].

 

            Na Idade Média, o ato de dever era visto como um crime, independentemente da causa, seja ela com culpa ou sem culpa. Descreve bem esta fase o consultor empresarial Celso Oliveira: “Nessa fase, o processo de execução se aperfeiçoa em decorrência do crescimento da autoridade estatal que procurou coibir os abusos de caráter privado, mas isso não fez abolir a repressão penal, sendo esta, traço característico do instituto falimentar daquela época. Depois de instaurada a falência os credores instituíam, através de assembléias, um administrador para os bens do falido, sendo dado prazo de um ano pra saldar suas dívidas”.[2]

 

A partir do Código Comercial Francês (Code de Commerce de 1808), o Direito falimentar contemporâneo começou a tomar forma e o instituto passou a ser encarado com mais proximidade da visão que temos da falência atual. Havia assim, uma intervenção na empresa para recuperá-la e saldar as dividas. Foi relevante nesse período, a distinção feita entre os devedores honestos e os desonestos, facultando aos que estavam de boa-fé os benefícios da moratória, com o aperfeiçoamento da concordata.

 

No Brasil, até o ano de 1595, a falência era crime punível com a pena de morte. O instituto era regido pelas Ordenações do Reino: primeiro com a Ordenação Alfonsiva através de D. Afonso e depois, em segundo plano, através de D. Manuel (Ordenação Manuelina). Nesta época, para os casos menos graves, o devedor era apenas preso e para os casos mais graves, era punido com a pena de morte. Dando seguimento à história, a Lei de 08 de março de 1595 institui a chamada “pobreza sem culpa”: a pessoa falia, mas não tinha culpa, retirando assim a culpabilidade objetiva o que acarretava na pena de morte.

 

Com a publicação do Código Comercial de 1850 inaugura-se a primeira fase histórica do instituto do direito brasileiro, fase essa que se estenderia até o advento do regime republicano. Nesse período, o que caracteriza a falência é a cessação de pagamentos. Depois de provada a falência, sendo esta sem culpa (força maior), o devedor podia pedir a suspensão do processo de falência para saldar suas dividas.

 

                        Neste período não havia ainda a concordata preventiva, mas sim o instituto da moratória. Era um instituto embrionário da concordata preventiva. Na moratória, o comerciante tinha até três anos para saldar suas dividas. Era um instituto que vigorava em paralelo ao Código Comercial de 1850. Se em três anos, o devedor não conseguisse honrar com suas dividas, decretava-se a falência.

 

O Decreto-Lei nº 7661/45 regia até pouco tempo as relações falimentares no Brasil. Este Decreto-Lei tinha como um dos seus aspectos negativos a decretação da falência ou a concessão da concordata por qualquer motivo. Uma outra situação que era de patente impossibilidade temporal e deixava o devedor (sobretudo aquele que não agia de má-fé) em “maus lençóis” se refere ao prazo de defesa contra o pedido de falência. De acordo com o Decreto-Lei, quando era requerida a falência, o prazo de defesa do devedor era de apenas 24 horas e agora com a nova lei de falências o prazo é de 10 dias (art.98 da Lei 11.101/05).

 

A concordata (prevista no Decreto-Lei 7661/45), seja ela preventiva, seja suspensiva, somente envolvia os créditos comuns, ou em outras palavras, os créditos de garantia, também chamados créditos quirografários, onde o credor não tinha nenhum tipo de garantia. Desta forma, um dos defeitos do instituto da concordata (Decreto-Lei 7661/45) era o envolvimento apenas de parte da divida não garantida, e ainda assim, era concedido um prazo de 2 (dois) anos para pagar.

 

Com a entrada da nova lei de falências, é possível compensar dividas com o capital. É possível envolver créditos tributários na recuperação. Com relação à possibilidade de recuperação, não apenas concede-se prazo para aquele que a pleiteia poder se recuperar, mas agora a empresa deve apresentar um projeto de recuperação (veremos mais adiante). Com a nova lei, decretada a falência, não há mais como pedir a sua suspensão (concordata suspensiva). A falência é definitiva. Estas são apenas algumas das várias e várias mudanças ocorridas no direito falimentar brasileiro.

 

Sobre as vantagens da nova lei, diz o professor J. A. Almeida Paiva: “Enquanto na vigência do DL 7661/45 as empresas falidas simplesmente eram diluídas pelo tempo, acabando o ativo e ficando no ar o passivo, no sistema da L. 11.101/2005, se as empresas souberem escolher bons profissionais que apurem imediatamente as causas da crise vivenciada, certamente encontrarão soluções viáveis e muitas empresas serão salvas do fantasma da Falência”.[3]

 

3. O que é insolvência e quais são as suas espécies?

 

A insolvência é a perda da capacidade patrimonial. É quando o patrimônio do devedor é inferior às suas dividas.

 

Para o professor Waldo Fazzio Junior a insolvência do empresário “é o pressuposto material objetivo da falência. Revela-se pela impotência patrimonial do devedor em satisfazer regularmente às próprias obrigações”.[4]

 

Para o professor Fábio Ulhoa Coelho, a crise patrimonial da empresa é sinônima de insolvência. Diz o autor: “... é a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo”.[5]

 

A pessoa seja ela física ou jurídica, perde a capacidade patrimonial com a falência. Podemos dizer, depois das conceituações vistas dos professores Waldo Fazzio e Fábio Ulhoa, que com a falência a pessoa perde a sua “solvência”.

 

É bem claro que o instituto da insolvência tem um tripé no Direito (natureza jurídica), na Economia (natureza econômica) e nas Ciências Contábeis (natureza contábil ou financeira). Para que seja possível a recuperação de uma determinada empresa, devemos focar esta recuperação nestes três elementos ao mesmo tempo.A crise de natureza econômica é para o professor Fábio Ulhoa Colho a “retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária”[6] e a crise financeira revela-se “quando a sociedade não tem caixa para honrar seus compromissos”[7].

 

Não adianta uma empresa ser juridicamente e economicamente recuperável se não é possível uma recuperação contábil (e assim acontece com os demais elementos, ou seja, não é possível a recuperação se a viabilidade é somente contábil e econômica, não tendo a viabilidade jurídica ou em outra situação ser viável a recuperação jurídica e contábil, mas não ser viável a recuperação econômica).

 

3.1. Insolvência relativa.

 

Na insolvência relativa existe a possibilidade de recuperação da empresa. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação judicial (art. 95 da Lei 11.101/05). No nosso ordenamento jurídico, e agora, falando em relação à Lei 11.101/05, há a possibilidade do devedor requerer a recuperação judicial ou requerer a homologação judicial de acordo de recuperação extrajudicial. Segundo lição de Fabio Ulhoa Coelho, os seus objetivos são iguais, ou seja, possibilitar a recuperação da empresa sem que seja decretada a sua falência.

 

Para que seja possível a recuperação da empresa, o devedor deverá seguir alguns requisitos indispensáveis. O primeiro é a apresentação do plano de recuperação no prazo improrrogável de 60 dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial. Em segundo lugar, o devedor deverá dizer quais os meios de recuperação que adotará “para tirar a empresa do buraco”. O terceiro requisito é a demonstração da viabilidade econômica da empresa, que na verdade é uma complementação do segundo requisito. O quarto requisito é a demonstração do ativo da empresa (quais são os bens da empresa), avaliado por profissional devidamente habilitado. Todos estes requisitos se encontram no art. 53 da Lei 11.101/05.

 

3.2.Insolvência absoluta. 

 

            Na insolvência absoluta não existe possibilidade de recuperação. Em qualquer dos pólos, seja jurídico, econômico ou contábil, em se decretando a insolvência de forma absoluta, não é mais possível recuperar a empresa. A Lei 11.101/05 busca, ao máximo, a recuperação judicial do devedor, decretando a sua falência somente após o esgotamento de todas as possibilidades de recuperação.

 

4. Distinção entre insolvência civil, empresarial e especial.

 

                        A insolvência civil é decretada para aquele que não é empresário. As atividades de artistas, médicos, advogados, atores, pintores, cientistas,...Não são atividades empresariais.

 

A insolvência empresarial tem relação (como o próprio nome diz) com o devedor empresário. Utiliza-se a Lei 11.101/05 para decretar a falência destes empresários. Conforme dispõe o art. 966 do Código Civil, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

 

De acordo com a nova lei de falências, a pessoa não somente terá um prazo para recuperar a empresa, mas também deverá apresentar um plano de recuperação da empresa. A concordata, prevista no Decreto-Lei 7661/45 era, e ainda é (para os processos em andamento), uma mera concessão de prazo enquanto que a recuperação é uma concessão de prazo (mas agora não somente uma concessão de prazo), tendo o devedor que apresentar, formar de um projeto, sob pena de indeferimento da recuperação. Neste projeto, o devedor deverá demonstrar como irá erguer a empresa.

 

Não é lógico o raciocínio de que “decreta-se a insolvência para as pessoas físicas e a falência para as pessoas jurídicas”. É um pensamento equivocado. É possível decretar a falência de uma pessoa física, também é possível decretar a falência de uma sociedade simples ou uma sociedade civil. Por sua vez, a insolvência empresarial pode ser decretada para um devedor empresarial, seja uma firma individual (pessoa física) ou pessoa jurídica. É bom ficarmos atentos para o fato de que a falência é uma designação para empresários e não necessariamente para pessoa jurídica.

 

A insolvência especial é o regime aplicado para as empresas de fomento, para as empresas ligadas à área financeira. Nós, “mortais”, não podemos requerer a falência de um banco. Deve-se primeiro fazer uma representação ao Banco Central e este apurará o caso.

 

5. Pressupostos da falência.

 

São três os pressupostos para se poder decretar a falência, quais sejam: a impontualidade, a execução frustrada ou prática de meios ruinosos. O devedor deve ser empresário e sua falência ocorrer através de sentença judicial. Veja que o juiz da falência dispõe de força para decretar uma falência com base em qualquer dos três pressupostos (ou impontualidade, ou execução frustrada ou prática de meios ruinosos). Basta uma das três hipóteses para que seja possível decretar a falência (apesar de muitas vezes o devedor preencher mais de um requisito).

 

5.1. Impontualidade. 

 

                        É a hipótese mais comum de acontecer. A impontualidade não é uma insolvência em si, mas uma presunção de insolvência. Por exemplo, quando um devedor tem um titulo protestado, dizemos que o ato de protestar o título presume a insolvência do devedor. Nesta fase, como dito, não há ainda insolvência, apesar de já ser possível o requerimento da insolvência desta pessoa. Autoriza-se assim o requerimento de insolvência.

 

O devedor, neste caso, poderá fazer sua defesa em 10 dias, provando que não é insolvente. De que forma? Depositando em juízo o valor do debito para discutir o valor da divida, demonstrando que, realmente, sua empresa está passando por uma situação econômica ruim e dizer que sua insolvência não é absoluta, mas apenas relativa e que é possível a recuperação.

 

Na antiga lei de falências, qualquer que fosse o titulo protestado ensejava pedido de falência por parte do credor. Agora, com a Lei 11.101/05, a presunção de impontualidade só ocorre quando há dividas de títulos com valor acima de 40 salários mínimos (é bom frisar que é possível pedir a falência com apenas um titulo ou com a soma de vários títulos, desde que correspondam ao valor superior de 40 salários mínimos). Se existe uma divida que é proveniente de vários títulos e a soma, a reunião destes títulos não for superior a 40 salários mínimos, não será possível pedir a decretação da falência do devedor.

 

Veja, nas palavras de Thiago Carvalho Santos, a situação que se submetia o devedor com a possibilidade de pedido de falência nos moldes do Decreto-Lei 7661/45: “Dessa forma, o credor podia ingressar com pedido de falência para realizar a cobrança de qualquer quantia, inferiores até a R$100,00, bastava apenas possuir o título de crédito e o comprovante de impontualidade representado pelo protesto do título, acarretando ainda a exposição do devedor, em virtude da publicação do nome da empresa devedora em jornais de grande circulação e via de conseqüência, com o conhecimento de outros credores temerosos em não receber seus créditos, novos pedidos de falência”[8].

 

A falência por impontualidade tem previsão no art. 94, inciso I da nova lei. O artigo diz que é possível a decretação da falência daquele que não pagar, no prazo estabelecido para cumprir a obrigação, os títulos executivos (que deverão estar protestados). O artigo menciona, ainda, que o valor superior a 40 salários mínimos deva ser aquele equivalente ao da data do pedido da falência (e não ao da data da decretação da falência, por exemplo).

 

                        Com relação ao valor do salário mínimo para a decretação da falência, em que mesmo deve ser o equivalente ao da época do pedido, ilustraremos esta situação da seguinte forma: Em maio de 2005, o salário mínimo foi reajustado para R$300,00. Em Abril de 2005, o salário mínimo ainda era de R$260,00. Vamos supor que João (nome fictício), tinha uma divida de 43 (quarenta e três) salários mínimos em Abril, quando o salário ainda era de R$260,00, o que perfazia um total de R$11.700,00. Se somente foi pedida a falência em Agosto de 2005 (após o reajuste do salário mínimo para R$300,00), é possível este pedido, pois o cálculo reajustado será de R$12.900,00, ultrapassando o equivalente a 40 salários mínimos atual (Novembro de 2005), que é de R$12.000,00.

 

Pode acontecer também, a seguinte situação: Vamos supor que os juros de uma dívida originada em Dezembro de 2004 desencadeiem a formação de uma quantia que, atualizada e sendo somada ao valor da divida inicial, ultrapasse o equivalente a 40 salários mínimos, ensejando assim, a possibilidade de pedido de falência na vigência da nova lei. Os juros, como sabemos, devem ser legais, que no Brasil é de 1% ao mês.

 

5.2. Execução frustrada.

 

                        É aquela situação em que o devedor não quita sua divida e nem garante a execução no prazo legal (por exemplo, não nomeia bens à penhora). Simplesmente fica inerte.  É também uma situação que se configura como típica de execução frustrada quando o devedor garante duas execuções (dois credores diferentes) com um mesmo bem. A falência por execução frustrada tem previsão no art. 94, inciso II da Lei 11.101/05.

 

                        Alguns autores entendem que a inserção da expressão “bens suficientes”, quer mostrar que o devedor (tendo uma divida superior a 40 salários mínimos), ao oferecer um bem à penhora, deve indicar um bem com valor superior a 40 salários mínimos, e não oferecer qualquer bem para depois discutir o valor deste bem na execução. O fato de um devedor indicar um bem com valor inferior a 40 salários mínimos, para depois reforçar a execução (com esta já em andamento), daria azo a um pedido de falência por parte do credor com base em execução frustrada do devedor. É um primeiro entendimento doutrinário, em que somente é possível o pedido de falência com dividas que superem o equivalente a 40 salários mínimos.

 

Se percebermos, a nova lei é omissa neste inciso II, quando não diz qual o valor necessário para que se possa decretar a falência com base em execução frustrada.

 

Outros autores entendem o problema sob um ângulo diferente: Por exemplo, um devedor tem uma divida de 10 salários mínimos e esta já foi protestada. Em execução judicial (procedimento judicial), o devedor não paga, não deposita e não nomeia bens à penhora com valor referente a 10 salários mínimos  (valor da divida), ou nomeia bens com valor inferior a 10 salários mínimos. Para esta corrente doutrinária, é possível se pedir a falência, mesmo que no inciso I “diga” que para se decretar a falência é necessária uma divida superior a 40 salários mínimos.

 

Para esta segunda corrente, como a execução frustrada tem base legal no inciso II, e este (inciso II) não determina qualquer valor para ser possível o pedido de falência nem faz qualquer menção para que seja adotado o valor de 40 salários mínimos do inciso I do art. 94.

 

                        Para este segundo entendimento, mesmo o inciso II sendo omisso com relação ao valor mínimo para se poder decretar a falência, é possível o pedido desta, qualquer que seja o valor da execução, desde que o devedor não garanta (a execução) com o equivalente à sua divida. O inciso II não se atrela ao valor de 40 salários mínimos para decretar a falência.

 

5.3. Meios ruinosos.

 

Enseja o pedido de falência com a prática de atitudes qualificadas como ruinosas. São exemplos de praticas ruinosas: o devedor se ausenta constantemente do estabelecimento para não encontrar seus credores que ali vão com freqüência em busca do recebimento de seus respectivos créditos, o devedor tenta alienar os seus bens para não quitar suas dívidas, e outros tantos casos mais...

 

Vimos que para se decretar a falência de uma empresa com base na impontualidade ou com base na execução frustrada, basta uma analise objetiva da situação. Havendo impontualidade ou havendo execução frustrada, decreta-se a falência e ponto final! Com relação à pratica de meios ruinosos, deve ser feita uma analise subjetiva da situação. No prazo de defesa, o devedor deve provar que não está praticando nenhum ato fraudulento, elidindo o pedido de falência. O devedor, caso não esteja passando por um bom momento financeiro, deve provar que sua insolvência é relativa (já vimos o que é insolvência relativa), e que há uma possibilidade de recuperação.

 

É um exemplo de meio ruinoso a venda de bens a preço vil sem que haja reposição destes. Meio ruinoso é a depreciação do patrimônio da empresa.

 

Quando o devedor induz (seja lá o motivo) os empregados da sua empresa para que estes iniciem uma greve para que, assim, possa argumentar contra o seu credor que está impossibilitado de realizar o pagamento (pois sua empresa está “parada”), vemos aí, nitidamente, a prática de um ato ruinoso (meio ruinoso). Um outro exemplo de meio ruinoso é quando uma empresa, que tem uma frota de caminhões, começa a vender estes caminhões a outrem e loca, em seguida, estes mesmos caminhões que eram da empresa (para continuar “tocando” a empresa até onde der), tudo isto visando “esvaziar” seu patrimônio e não honrar os compromissos.

 

Um outro exemplo que podemos deixar registrado é quando o devedor garante uma divida (fraudulentamente) a um credor antigo e “diz” que ainda possui bens para garantir a divida de credores atuais sem que, na verdade, tenha bens disponíveis para honrar seus compromissos com estes últimos.

 

Se, por exemplo, um empresário pedir uma recuperação judicial, caso haja necessidade de vender parte do ativo da sua empresa, a prática recomenda que este empresário comunique a seus credores que está vendendo parte de seu ativo, provando através dos balanços contábeis da empresa que não está praticando meios ruinosos, não ensejando assim, um pedido de falência com base no artigo 94, inciso III da Lei 11.101/05.

 

                        Com a aprovação, o acolhimento do plano de recuperação, o juiz deixa de decretar a falência da empresa, “acreditando” na sua recuperação. Caso a empresa deixe de cumprir um requisito deste plano de recuperação em razão de prática de algum meio ruinoso, o juiz pode converter, convolar esta recuperação judicial em falência.

 

6. Defesa do réu.

 

                        O prazo para a defesa na nova lei de falências é de 10 dias. Cabe ao acusado elidir a presunção de insolvência, demonstrando ou que não há a insolvência, ou que existe a insolvência, mas que esta presunção de insolvência é relativa e não absoluta, com possibilidade de recuperação, atendendo aos quesitos do art. 51 da Lei 11.101/05.

 

Deferido o processamento da recuperação judicial, o requerido tem o prazo de 60 dias (contados da publicação da decisão do deferimento) para apresentar o plano de recuperação da empresa. Caso não seja apresentado o plano de recuperação neste prazo, convola-se (converte-se) a recuperação judicial em falência. Se, pelo menos um dos credores não aceitar (contestar) o plano de recuperação proposto pelo requerido, o juiz convoca uma assembléia geral para decidir se aceita ou não a recuperação judicial.

 

6.1. Contestação com/sem depósito elisivo.

 

A contestação com depósito elisivo é a apresentação da contestação (defesa) juntamente com o depósito do valor da divida, mais correção monetária e honorários advocatícios. O deposito elisivo só é possível quando estivermos diante de obrigação liquida não paga (titulo protestado) ou execução frustrada. Quando estivermos diante de um pedido de falência pela prática de meios ruinosos (empresário que se oculta, vende o patrimônio por preço vil,...) não é possível que se faça o depósito elisivo, porque o problema não é falta de pagamento, mas uma má conduta.

 

O deposito elisivo se presta para os casos em que se pede a recuperação judicial da empresa. Porém, pode acontecer do requerido, mesmo não estando em divida com seus credores, faça o deposito elisivo e “diga” em contestação que nada mais os deve. Afasta-se, assim, a presunção de falência. Neste caso, posteriormente, o valor depositado é devolvido ao requerido (devedor). Em suma: a função do depósito elisivo é afastar qualquer possibilidade de decretação da falência.

 

Pode acontecer, por exemplo, que os credores requeiram a falência de um devedor empresário com base numa divida estimada em 60 salários mínimos e o requerido (devedor) somente deva a estimativa de 45 salários mínimos. Neste caso, o requerido (devedor) faz o depósito dos 60 salários mínimos (afastando a presunção de insolvência) e em contestação defende-se dizendo que não deve 60 salários mínimos, mas somente 45 salários mínimos. 

 

Contesta-se o pedido de falência, mas não faz o deposito da quantia que foi requerida pelo credor.

 

7. Citação: pessoal ou através de aviso de recepção?                 

 

                        A citação no Decreto-Lei 7661/45 era pessoal. A Lei 11.101/05 é omissa quanto à forma de citação. Sendo omissa, aplicaremos subsidiariamente o Código de Processo Civil.

 

Para uma 1ª corrente doutrinária a falência é um processo de conhecimento e a citação do requerido para contestar deve ser via correio com aviso de recepção (AR) e não pessoal, conforme o caput do art. 222 do CPC (“A citação será feita pelo correio...”).

 

Para uma 2ª corrente doutrinária, a falência é um processo de execução coletiva e não um processo de conhecimento. Logo, a citação do requerido (devedor) deve ser pessoal, através do Oficial de Justiça (com base na alínea “d” do art. 222 do CPC) e não via correio.

 

8. Sentença.

                        

                        Na prolatação da sentença, devemos estar atentos de quando foi ocasionado o fato que gerou o pedido de falência. A gravidade do fato deve ser analisada à época em que foi praticado.

 

8.1. Decretatória.

 

O recurso da sentença que decreta a falência é o agravo. O prazo para agravar o feito é de 10 dias. O efeito da sentença é constitutivo[9] e não mais declaratório como determinava o Decreto-Lei 7661/45.

 

Os requisitos da sentença decretatória são os mesmos de uma sentença qualquer: deve ter relatório, fundamentação e disposição. Porém, o art. 99 da Lei 11.101/05 preza pela necessidade de outros requisitos, sob pena de nulidade da decisão.

 

8.2. Denegatória.

 

                        O recurso da sentença denegatória da falência é a apelação para o Tribunal. Se houver um pedido de recuperação por parte do requerido (devedor), o juiz estará denegando o pedido de falência e apreciando o pedido de recuperação judicial. Entendendo o juiz que o pedido de recuperação não preencheu os seus requisitos, fará a convolação do pedido de recuperação em falência.

 

9. Formação da massa falida.

 

                        Quando se decreta a falência, forma-se a chamada massa falida objetiva. A massa falida objetiva é o conjunto de bens e direitos do falido que deverão honrar os pagamentos dos credores. A partir da decretação da falência, estes bens e direitos não pertencerão mais ao falido, mas à massa falida. São bens e direitos que o falido não poderá mais dispor.

 

Algo que devemos sempre estar atentos é para o fato de que quando se decreta a falência de uma pessoa jurídica (sociedade limitada ou sociedade anônima), os bens e direitos que estarão se tornando indisponíveis são os da pessoa jurídica e não os dos sócios. Nas sociedades anônimas ou nas sociedades limitadas, não ficam indisponíveis os bens dos sócios ou dos seus administradores.

 

Mas o caro leitor poderá estar me perguntando: e o instituto da despersonalização da pessoa jurídica? Não é cabível? Sim, claro que é cabível. É óbvio que um empresário que estiver se valendo de fraude (caixa dois, por exemplo) para enganar seus credores (confusão patrimonial dos bens dos sócios com os bens da empresa), terá seus bens pessoais atingidos, com escopo na despersonalização da pessoa jurídica (art.50 do Código Civil Brasileiro).

 

Já a massa falida subjetiva é o conjunto de credores que se habilitaram para receberem o que de direito. É uma outra conseqüência da falência.

 

10. Nomeação do administrador judicial.

 

O administrador judicial é quem estará administrando os bens e direitos da massa falida. O administrador judicial substitui a figura do sindico, que tinha previsão no Decreto-Lei 7661/45. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. É escolhido pelo juiz.

 

Com relação à figura do administrador judicial, vejamos o que diz o professor Ulhoa Coelho, grande conhecedor do tema: “Além do nome do titular da função (“administrador judicial” e não mais “sindico”), duas alterações importantes se verificam no cotejo dessas disposições: a) redução da autonomia do administrador judicial, em relação à atribuída pela lei ao sindico; b) simplificação e racionalização do procedimento da escolha”.[10]

 

Não poderá ter vínculo de parentesco com os administradores da empresa ou com o falido. Caso o administrador não gerencie a empresa de forma satisfatória, este será afastado. Não terá direito à remuneração o administrador que tiver suas contas desaprovadas[11].

 

O administrador judicial não pode delegar sua função para nenhuma outra pessoa. Quando a empresa especializada é quem exerce a função de administração da massa falida, neste caso, há sempre uma pessoa física que estará respondendo por esta pessoa jurídica especializada. Fabio Ulhoa diz que esta pessoa física que responde pela empresa especializada não poderá nem sequer delegar a função para outra pessoa física, mesmo que esta ultima seja pertencente aos quadros da empresa que se encarregará pela administração da massa falida[12]. Tudo em prol da confiança que o juiz deposita naquela pessoa que irá desempenhar a função. 

 

O art. 21 e seguintes da Lei 11.101/05 arrola todas as competências do administrador judicial, seja na recuperação, seja na falência, inclusive determinando seu percentual pela administração da massa falida.

 

“Pela atividade desempenhada o profissional em evidência faz jus a uma remuneração a ser fixada pelo juiz, que estipulará o valor e a forma de pagamento da mesma, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Tal remuneração, contudo, não poderá exceder a 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência; e será paga pelo devedor ou pela massa falida”, diz o professor de Direito Comercial Gecivaldo Vasconcelos Ferreira[13].

 

11. Restrições ao falido.

                       

Com a decretação da falência, a Junta Comercial será informada de que os sócios da pessoa jurídica serão afastados e que o administrador judicial gerenciará os bens e direitos da massa falida.

       

O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações. Estes efeitos perdurarão por até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal (art.181, §1 da Lei 11.101/05).

 

                        O falido não poderá se ausentar da comarca em que se processa a falência sem que tenha um motivo convincente e, além disto, deve haver ainda a comunicação expressa ao juiz. O falido deve informar em juízo os bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento, para que seja evitada qualquer tentativa de fraudar o pagamento dos credores.

 

12. O que é o termo legal?

 

O termo legal está previsto no art. 99, inciso II da nova lei de falências. Os atos praticados até 90 dias antes da decretação da falência são nulos até que se provem o contrário.

 

A fixação do termo legal tem por escopo presumir que todos os atos praticados pelo falido até 90 dias “para trás” (contados da decretação da falência) serão considerados fraudulentos. É uma presunção relativa (iuris tantum). Até que se prove o contrário, estes atos são fraudulentos e serão anulados.

 

Deve-se fixar o termo legal do: 1) pedido de falência; ou 2) do pedido de recuperação; ou 3) do 1º titulo protestado. Qual dos três fatos? Fixa-se o termo legal do fato que for mais remoto, mais antigo (seja ele o pedido de falência, seja ele o pedido de recuperação, seja ele do 1º titulo protestado).

 

Por exemplo, se em 7 de Janeiro de 2005 foi protestado o primeiro titulo contra uma empresa, o juiz fixa o termo legal em 07/01/2005 e conta para trás 90 dias chegando ao dia 9 (nove) de Outubro de 2004. De 09/10/2004 em diante, qualquer ato da empresa é considerada como fraudulenta e será anulada. Pode acontecer, por exemplo, que tenha havido um desfazimento de algum bem a partir de 07/10/2004 ou, por exemplo, a empresa “deu” em hipoteca algum bem de forma fraudulenta,...

 

13. Notas de rodapé.

 


 

[1] OLIVEIRA, Celso. Principais mudanças na legislação falimentar. Mundo Legal. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Doutrina Detelhar&did=16406> . Acesso em: 26 nov. 2005.

 

[2] Ob. cit.

 

[3] PAIVA, J. A. Almeida. Crises que podem levar uma empresa à falência. Almeida Paiva Advocacia, São Paulo, 20 Ago. 2005, Disponível em: <http://www.almeidapaiva.adv.br/novo/template_geral.php?id=433>. Acesso em: 29 Nov. 2005.

 

[4] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial, pg.616.

 

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, pg. 216.

 

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, pg.215.

 

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, pg. 215.

 

[8] SANTOS, Thiago Carvalho. A Nova Lei de Falências e seus efeitos na prática. Jus Vigilantibus, Vitória, 18 nov. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18720>. Acesso em: 28 nov. 2005.

 

[9] Não é sentença declaratória, porque a mesma só declara, diz um estado.A sentença constitutiva, como o nome diz, constitui, muda um estado.

 

[10] COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas, pg.58.

 

[11] A prestação de contas pelo administrador ocorre em duas hipóteses: Ordinariamente  → término do processo / Extraordinariamente → deixando as suas funções por renuncia, substituição ou destituição.

 

[12] COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas, pg. 65.

 

[13] FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 683, 19 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em: 28 nov. 2005.

 

 

14. Bibliografia.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

______. Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.