UMA CRÍTICA À QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO

 

Autora: Marilia Bugalho Pioli, sócia-advogada do escritório Ricardo Becker, Pizzatto & Advogados Associados, graduada também em Jornalismo e pós-graduada em Marketing e Direito Tributário

 

Texto elaborado em 20 de outubro de 2005

 

            O artigo 5o da Constituição Federal, em seu inciso XII, estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A falta de previsão expressa quanto ao sigilo bancário proporciona discussões doutrinárias que embatem a proteção da esfera de vida privada dos indivíduos e o interesse público. O Fisco, por óbvios interesses, invoca a falta de previsão constitucional para afastar o sigilo bancário, “sob o argumento de que se legislador constituinte assim pretendesse teria disposto expressamente sobre o mesmo e, ainda, que a tutela ao sigilo bancário seria uma tutela patrimonial, logo, não comporia o direito à intimidade, o qual representa manifestações personalíssimas distintas do patrimônio do indivíduo”[1].

O embaraço que se cria sobre o assunto é desnecessário, senão temerário, considerando-se que na presença de indícios de irregularidades não é rara a autorização de quebra do sigilo pelo Poder Judiciário, de modo que insubsistem as falácias[2] do Fisco a justificarem uma intervenção estatal sem uma ordem judicial.

            A pretensão do Fisco ganhou como aliada a Lei Complementar no 105/2001, que dispõe em seu artigo 6o que as autoridades e agentes fiscais tributários podem examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras quando houver processo administrativo ou procedimento fiscal, dando à autoridade administrativa competente o poder para determinar a quebra do sigilo bancário.

Não obstante a existência da LC no 105/2001, sua flagrante inconstitucionalidade deve ser combatida pelos contribuintes e pelos operadores do Direito em privilégio ao Estado Democrático de Direito. As normas constitucionais prevalecem em detrimento de qualquer ato normativo infraconstitucional que as contrariem.

            Relembre-se que o sigilo bancário não é direito absoluto, já que se admite sua quebra, mas desde que justificada por fundadas razões e mediante autorização judicial[3].

Certo é que se faz preciso o combate à sonegação, mas sempre atrelado aos mecanismos de garantia, controle e efetivação dos direitos fundamentais, os quais passam necessariamente pelo Poder Judiciário, pois para quebrar o sigilo é fundamental haver uma decisão judicial fundamentada que justifique a restrição do direito fundamental à privacidade e à intimidade, em face de circunstâncias fáticas.

Somente o Poder Judiciário detém a imparcialidade exigida para desvendar em que circunstâncias pode ser revelada a intimidade do indivíduo. Somente por ordem judicial é possível ultrapassar-se a barreira constitucional da privacidade para mensurar quando o valor privacidade deverá ceder em prol do interesse público.

Ainda que o objetivo fazendário de alcançar os sonegadores seja altamente meritório, nada justifica a implosão de princípios e garantias constitucionais. Ademais, havendo a possibilidade, legalmente assegurada, de obtenção das informações desejadas pela administração tributária por meio do Poder Judiciário, não se compreende uma afronta a um direito constitucional.


 

[1] FOLMANN, Melissa. O sigilo bancário no Brasil. In _____. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p.127.

[2] Melissa FOLMANN aponta seis falácias contra o direito ao sigilo bancário em face da fiscalização tributária: “o banco não é esconderijo”, “quem não deve não teme”, “o sigilo bancário é um direito burguês”, “o fisco está de mãos amarradas para combater a sonegação”, “princípio da supremacia do interesse público” e “igualdade tributária” (FOLMANN, Melissa, op. cit., p.133-144).

[3] Dessa forma tem se formado a jurisprudência nacional:

“(...) IV – O sigilo bancário não é um direito absoluto, quando demonstradas fundadas razões, podendo ser desvendado por requisição do ministério público em medidas e procedimentos administrativos, inquéritos e ações, mediante requisição submetida ao poder judiciário[3]. (grifo nosso).

“ADMINISTRATIVO – TRIBUTÁRIO – QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO – LEIS COMPLEMENTARES NºS – 104/01 E 105/01 – PRETENSÃO ADMINISTRATIVA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE – 1. Constitui ilegalidade a quebra do sigilo bancário em processamento fiscal, pela simples solicitação do Fisco, sem a autorização prévia do Poder Judiciário. 2. As novas disposições criadas pelas Leis Complementares nºs 104/01 e 105/01 não excluíram a necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo bancário, em face das disposições do artigo 5o, XII, da Constituição Federal de 1988. 3. Apelos da União, do Ministério Público e remessa oficial improvidos”[3]. (grifo nosso).

“AGRAVO REGIMENTAL – SIGILO BANCÁRIO – QUEBRA – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – CASOS EXCEPCIONAIS – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULAS 182 DO STJ E 287 DO STF – Nega-se seguimento a recurso que desafina com a jurisprudência do STJ. Só se admite a quebra do sigilo bancário, mediante autorização do Poder Judiciário. É ilegal a sua quebra de sigilo por simples procedimento administrativo. Aplicação do enunciado da Súmula 287 do STF, que nega provimento ao agravo quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. Não se conhece de recurso que não ataca especificamente os fundamentos da decisão agravada. Inteligência do enunciado da Súmula 182 STJ. Recurso a que se nega provimento”[3]. (grifo nosso).