RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

 

Cíntia Franco Zaranski*

 

 

A palavra responsabilidade origina-se do latim, respondere, ou seja, a necessidade que existe de responder alguma coisa, responsabilizando alguém por atos danosos, traduzindo para o sistema jurídico o dever moral de não prejudicar o outro. De Plácido e Silva (1984), ensina que:

 

“Responsabilidade civil – designa a obrigação de reparar o dano ou ressarcir o dano, quando injustamente causado a outrem”. 1

 

Na realidade, a definição mais próxima de responsabilidade é a idéia de obrigação, como sendo expressão de uma idéia de equivalência, de contraprestação, de correspondência, possuindo um sentido de repercussão obrigacional da atividade do homem.

 

Salienta-se ainda, a responsabilidade como sendo fenômeno exclusivo da vida jurídica, estando anteriormente ligada aos domínios da vida social, ou seja, resultado da ação pela qual o homem expressa seu comportamento, em face de um dever ou obrigação.

 

Como a responsabilidade varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado.

 

Assim no campo do direito público o grande desenvolvimento da responsabilidade do Estado proveio do direito francês e através da  construção pretoriana do Conselho do Estado. Assim, primeiramente, vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado, atenuado pela admissão da responsabilidade do funcionário, quando o ato lesivo pudesse estar diretamente relacionado com um comportamento pessoal seu. Pode-se dizer que a doutrina da “irresponsabilidade estatal” sovereign can do no wrong  está completamente superada, já que, os dois últimos países que a sustentavam, Inglaterra e Estados Unidos da América, passaram a consentir que demandas indenizatórias, provocadas por atos de agentes públicos, possam ser dirigidas diretamente contra a Administração.

 

Consentida a responsabilidade do Estado, isto na segunda metade do século XIX, sua tendência foi expandir-se cada vez mais, evoluindo de uma responsabilidade subjetiva, isto é, baseada na culpa, para uma responsabilidade objetiva, vale dizer, que a doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre um e outro) assenta-se sem cogitar a imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo). Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável. Com a teoria do risco, o juiz não tem de examinar o caráter lícito ou ilícito do ato imputado ao pretenso responsável: as questões de responsabilidade transformaram-se em simples problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma relação de causalidade.

 

Aliás, o conceito de risco que melhor adapta-se às condições de vida social é o conceito de Caio Mário (1988), que diz:

 

“o risco é o que se fixa no fato de que,  se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade,  responde  pelos  eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente,  o dano é devido à imprudência, à negligência,  a  um erro de  conduta,  e assim se configura a “teoria do risco criado”. 11

 

Nesse passo passou-se da fase da irresponsabilidade da Administração para a fase da responsabilidade civilística e desta para a fase de responsabilidade pública.

 

Surgiram, então,  três teses jurídicas na tentativa de solucionar a questão da responsabilidade do Estado:

 

a)      da culpa administrativa: segundo o saudoso Hely Lopes Meirelles esta teoria representou o estágio inicial da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, levava em consideração a “falta do serviço” para dela inferir a responsabilidade da Administração. É, portanto, o estabelecimento do binômio falta do serviço/culpa da Administração. Por ela não se indaga da culpa do agente administrativo, mas apenas da falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Sintéticamente, a teoria exige uma culpa especial da Administração, que se convencionou chamar “culpa administrativa”.;

 

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, já decidiu que a teoria do risco administrativo caracteriza-se pelo dano dos agentes públicos, conforme acórdãos in verbis:

"A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 46, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes públicos estatais ou de demonstração de falta de serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem a) a alteridade do dano, b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo(ação) ou negativo(omissão) do agente público, c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional(RTJ 140/636) e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal(RTJ 55/503, RTJ 71/199, RTJ 91/377, RTJ 99/1155 e RTJ 131/417)...". [RT 733/130]

"RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE CAUSADO POR VEÍCULO DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO - INVERSÃO DO ÔNUS DE PROVA POR FORÇA DE PRECEITO CONSTITUCIONAL - LITISDENUNCIADO - Por força do disposto no art. 37, § 6º, da CF, cabe à pessoa jurídica de direito público, uma vez demonstrado o nexo causal entre o ato de seu agente e o dano causado ao particular, responder pelo prejuízo. No caso concreto, nem a pessoa jurídica ou seu agente, litisdenunciado, lograram provar culpa exclusiva ou concorrente do particular. (TRF 1ª R. - AC 90.01.00298-6 - DF - 3ª T. - Rel. Juiz Adhemar Maciel - DJU 06.08.90)".

"ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO EM VIA URBANA - Responsabilidade objetiva do Município pelo ato danoso do preposto, na forma do art. 37, § 6º, da Constituição, porquanto não evidenciada culpa exclusiva da vítima. Dano moral arbitrado com eqüidade, sendo correta a forma de pensionamento mensal, que deve ficar limitado a 12 prestações anuais, com termo final à data em que a vítima completaria 25 anos. Honorária bem estabelecida. Apelos improvidos, com modificação parcial da sentença, em reexame necessário. (TARS - AC 195.177.662 - 3ª C. Cív. - Rel. Luiz Otávio Mazeron Coimbra - J. 24.04.96)".

 

b) do risco administrativo - O risco administrativo não significa que a Administração deve indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa apenas e tão-somente que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente de indenização;

 

c) do risco integral - A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática por conduzir ao abuso e a falta de equidade na sociedade. Por essa teoria radical a Administração Pública estaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Esse pensamento não gerou aceitação, embora existam alguns autores que afirmam a sua admissibilidade pelos textos constitucionais anteriores. Mas, partindo da premissa que a responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica, inevitável da noção de Estado de Direito e tendo a base de sustentação do direito constitucional, que é  a sujeição de todos à ordem jurídica instituída, de modo que a lesão a bens jurídicos alheios impõe ao causador do dano a obrigação de repará-lo. Todavia, em última análise o ressarcimento ao lesado seria efetivado pela própria sociedade já que o dinheiro dos cofres público vem dos contribuintes, razão pela qual não seria correto que houvesse o ressarcimento ocorrendo dolo ou culpa da vítima.

 

Cabe aqui, demonstrar mais uma jurisprudência sobre a responsabilidade civil do Estado, proferida pelo Egrério Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis:

 

Responsabilidade Civil do Estado – Morte da vítima, atingida pelas costas, no portão de sua residência, decorrente de tiros entre os agentes públicos e supostos traficantes – Nexo causal  Desinfluente na espécie, que o disparo tenha partido de um dos policiais ou de um dos bandidos. Risco administrativo pela execução desastrosa de planejada diligência para reprimir o tráfico de entorpecentes. Responsabilidade objetiva do Estado. (TJRJ – 1º Grupo de Câm. Cíveis; Ap. Cível nº 4.311/97 – RJ; Rel. Des. Martinho Campos; j. 26.05.1999; maioria dos votos; ementa). 123

 

Sobre a responsabilidade civil do Estado, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, preceitua que:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

...................................................................................

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Assim sendo, temos que o texto constitucional fixou a responsabilidade objetiva do Estado, impondo como  como requisito a existência do nexo causal entre o dano produzido e a atividade funcional desempenhada pelo agente estatal.

Cabe ressaltar que , a indenização não se limita aos danos materiais abrangendo também os danos de natureza moral,  por estar este previsto no título constitucional “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”

 

A maior dificuldade quanto ao dano moral está na fixação do valor da indenização à vista de inexistirem normas para aferição objetiva desses danos. Contudo, tanto a doutrina como a  jurisprudência estão construindo parâmetros adequados para esse tipo de indenização, considerando a gravidade do dano moral infringido, a formação da vítima, a quantificação do dano material e a situação patrimonial do ofensor, esta última inaplicável em relação ao Estado.

 

 

 *Cíntia Franco Zaranski,* especialista em Direito Empresarial, Mestranda em Filosofia do Direito e  Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES- Universidade Metropolitana de Santos e advogada em São Paulo

 

 

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