REQUISITOS PARA A DISPENSA DE LICITAÇÃO PARA A COLETA, PROCESSAMENTO E COMERCIALIZAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

 

 

DANIEL FARIA-CORRÊA

Procurador do Município de São Leopoldo;

1ª edição: São Leopoldo (RS) – 25/05/2009

 

 

EMENTA: Direito Administrativo. Licitações. Direito Ambiental. Resíduos Sólidos. Dispensa de Licitação na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis. Requisitos.

 

 

 

I – Hodiernamente, questão relevante surge a respeito da possibilidade de dispensa de licitação para a coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis realizada por determinadas associações ou cooperativas.

 

II. Passemos à análise do tema.

 

II.1 Conceito de Licitação:

 

Licitação pode ser conceituada como processo administrativo tendente a efetuar contratação de particular para aquisição de produto ou realização de serviços para a Administração, em atenção aos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência.

 

Conforme define o artigo 3º da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993):

 

Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

 

II.2 Inexigibilidade de licitação: A inexigibilidade de licitação se dá quando houver inviabilidade de competição, consoante leitura do artigo 25 da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993).

 

II.3 Dispensa de licitação: Na dispensa, embora possa ocorrer licitação, esta é desaconselhável, seja por motivos econômicos (artigo 24 da Lei de Licitações, incisos I e II), em situações excepcionais (guerra, calamidade pública, emergência), em razão do objeto, em razão da pessoa (ex. artigo 24 da Lei de Licitações, incisos XXIV, XXV, ou quando a lei a considerar inconveniente ou inoportuna.

 

Em algumas dessas situações, a realização de licitação compromete a eficiência da Administração, seja pelo custo ou pela demora.

 

Conforme Marçal[1], há hipóteses em que a licitação “frustaria a realização adequada das funções estatais. O procedimento licitatório normal conduziria ao sacrifício dos fins buscados pelo Estado e não asseguraria a contratação mais vantajosa.

 

Frise-se que a dispensa, quando cabível, é mera faculdade do Administrador, o qual pode fazer uso do processo de licitação, se possível no caso.

 

Marçal[2] conceitua dispensa de licitação:

 

A dispensa de licitação verifica-se em situações em que, embora viável a competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente inconveniente com os valores norteadores da atividade administrativa.

 

II.4 Em qualquer hipótese, deverá haver a devida motivação do ato. Nesse sentido, Marçal[3] afirma:

 

“Merece destaque a necessidade de motivação do ato decisório da Administração.”

 

II.5 A Lei Federal nº 11.445/2007 alterou o inciso XXVII do artigo 24 da Lei de Licitações, passando a possuir a seguinte redação:

 

XXVII - na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.

 

II.6 Portanto, em se tratando de contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública temos hipótese de dispensa de licitação.

 

II.7 A hipótese de dispensa de licitação acima mencionada se dá em razão da pessoa contratada: associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis.

 

A norma autorizativa da dispensa em apreço é de cunho social.

 

II.8 Portanto, são requisitos para a dispensa da licitação para a hipótese do inciso XXVII do artigo 24 da Lei de Licitações:

 

a) tratar-se de contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis;

b) tratar-se de áreas com sistema de coleta seletiva de lixo;

c) tratar-se de coleta efetuada por associações ou cooperativas, as quais deverão ser exclusivamente formadas por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo Poder Público como catadores de materiais recicláveis;

d) uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.

 

 II.8.1 Contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis:

 

Conforme conceitua o artigo 10 do Código Municipal Leopoldense de Meio Ambiente (Lei Leopoldense nº 6463, de 17 de dezembro de 2007), são resíduos sólidos:

 

XCV - resíduos sólidos como todos aqueles que resultam das atividades humanas em sociedade, aí inclusos os de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de limpeza pública, e que estão no estado sólido, semi-sólido ou líquido, não possuindo, neste último caso, forma de tratamento convencional;

 

No caso, a contratação não é para a coleta, processamento e comercialização de todo e qualquer resíduo sólido, mas apenas os resíduos urbanos (o que exclui os resíduos rurais e agrícolas) que sejam recicláveis ou reutilizáveis.

 

Toda norma de dispensa deve ser interpretada de forma restritiva. Dessarte, excluídos da dispensa os resíduos rurais e os urbanos não-recicláveis ou não-reutilizáveis.

 

II.8.2 Áreas com sistema de coleta seletiva de lixo:

 

Coleta seletiva pode ser definida como o processo de coleta do lixo urbano reciclável ou não utilizável, em separado dos demais tipos de lixo.

 

Para a dispensa de licitação para as associações e cooperativas acima mencionadas, deve existir sistema de coleta seletiva de lixo. Não quis o legislador permitir a dispensa quando não há tal sistema, uma vez que seria muito difícil de estes catadores exercerem seu mister com a utilização de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública em se tratando de coleta não-seletiva de lixo.

 

II.8.3 Coleta efetuada por associações ou cooperativas:

 

II.8.3.1 Para a dispensa de licitação, a coleta deverá ser efetuada por associações ou cooperativas, as quais deverão ser exclusivamente formadas por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo Poder Público como catadores de materiais recicláveis.

 

II.8.3.2 Estabelece o Código Civil: “Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” Maria Helena Diniz[4] conceitua associação como sendo:

 

“É uma pessoa jurídica de direito privado voltada à realização de finalidade não lucrativas, ou seja, culturais, sociais, pias, religiosas, recreativas, etc., cuja existência legal surge com a inscrição do estatuto social, que a disciplina, no registro competente.”

 

II.8.3.3 Maria Helena Diniz[5] assim define cooperativa:

 

“É uma associação sob forma de sociedade simples, com número aberto de membros, que tem por escopo estimular a poupança, a aquisição de bens e a economia de seus sócios, mediante atividade econômica comum. É uma modalidade especial de sociedade simples (CC, art. 982, parágrafo único, ‘in fine’) sujeita a inscrição na Junta Comercial (Enunciado nº 69, aprovado pela Jornada de Direito Civil [...]). É uma forma de organização de atividade econômica, tendo por finalidadea produção agrícola ou industrial de bens ou serviços, voltada ao atendimento de seus sócios. Pode ser constituída até mesmo sem capital e apenas com serviços, não tendo objetivo de lucro.”

 

II.8.3.4 Simone Zanotello [6] anota:

 

“Com essas exigências, verifica-se nitidamente o intuito de se concretizar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social e econômico das forças de trabalho menos favorecidas, e que cada vez mais fazem parte de nossa realidade. Ao lado desse objetivo, também se verifica a busca do desenvolvimento ecologicamente sustentável, visto que essas ações também visam à preservação do meio ambiente.”

 

II.8.4 Uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública:

 

II.8.4.1 Para a observância dos requisitos e normas ambientais, importa haver licenciamento ambiental por parte do órgão ambiental competente: licenças prévia, de instalação e de operação.

 

II.8.4.2 Ademais, deverá haver fiscalização do Ministério do Trabalho quanto às condições de saúde do trabalhador, mormente porque haverá manipulação com lixo, o que pode colocar em risco à saúde dos catadores.

 

II.8.4.3 Quando da fiscalização das operações, o Poder Público concedente deverá exercer severa fiscalização, observando se os catadores estão exercendo seu mister com proteção à sua saúde, bem como se o meio ambiente está sendo preservado, observando quanto à destinação dada ao lixo não aproveitado.

 

II.8.4.4 Simone Zanotello [7] assevera:

 

“Por fim, salientamos que a legislação também se preocupou em preservar a idoneidade dos trabalhadores envolvidos nessa atividade, ao exigir o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas ambientais e de saúde pública, fato esse que deverá ser fiscalizado pelo poder público, por ocasião da execução do contrato, como forma de proteção a essas pessoas.”

 

II.9 Irrefragavelmente, a hipótese de dispensa em apreço é mera faculdade do Administrador, o qual pode fazer uso do processo de licitação.

 

 

III. EX POSITIS, obtempere-se:

 

(i) temos possibilidade de dispensa de licitação para a coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis realizada por determinadas associações ou cooperativas;

 

(ii) são requisitos para a dispensa da licitação para a hipótese do inciso XXVII do artigo 24 da Lei de Licitações:

 

(ii.a) tratar-se de contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis;

(ii.b) tratar-se de áreas com sistema de coleta seletiva de lixo;

(ii.c) tratar-se de coleta efetuada por associações ou cooperativas, as quais deverão ser exclusivamente formadas por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo Poder Público como catadores de materiais recicláveis;

(ii.d) uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.

 

(iii) a dispensa em apreço é mera faculdade do Administrador, o qual pode fazer uso do processo de licitação.

 

(iv) a hipótese de dispensa de licitação acima mencionada se dá em razão da pessoa contratada.

 

 

CURRÍCULO RESUMIDO

 

DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA

 

·         Procurador do Município de São Leopoldo-RS (1º colocado no concurso);

·         Autor do livro PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO ESPECIAL, Editora Núria Fabris;

·         Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de Souza, Editora Núria Fabris;

·         Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP);

·         Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP);

·         Bacharel em Direito pela PUC-RS;

·         Página pessoal: http://www.fariacorrea.com

·         Professor de Direito Constitucional do Curso ADMI (Porto Alegre-RS)

 


 

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, 11ª Ed., p. 227.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, 11ª Ed., p. 231.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, 11ª Ed., p. 233.

[4] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, 12ª Ed., p. 91.

[5] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, 12ª Ed., p. 866.

[6] ZANOTELLO, Simone. Licitação Dispensável - 4ª parte. Disponível no site http://licitacao.uol.com.br/artdescricao.asp?cod=92. Acesso em 13/05/2009.

[7] ZANOTELLO, Simone. Licitação Dispensável - 4ª parte. Disponível no site http://licitacao.uol.com.br/artdescricao.asp?cod=92. Acesso em 13/05/2009.