Restrições incidentais ao direito à liberdade religiosa das Testemunhas de Jeová
Luiz Henrique Pereira dos Santos Pêgo
Curso - Direito - 10º semestre
Faculdades Jorge Amado - Salvador- Bahia
A liberdade individual é o lastro subjetivo sobre o qual a pessoa humana pode aderir para fundamentar seu próprio modo de ser e de agir. Ela abarca uma série indeterminada de espécies, as quais são classificadas tendo em vista a relação mais específica do indivíduo com o mundo circundante. Dentre as mesmas existem, a liberdade de locomoção, de pensamento, expressão e religiosa. Este trabalho concentra a análise na Liberdade Religiosa considerando suas três modalidades, quais sejam: a liberdade de crença, culto e de organização religiosa.
Breve evolução histórica do direito à liberdade religiosa no direito brasileiro
A Constituição de 1824 não sofreu influência da Revolução Francesa no que se refere à liberdade religiosa. Nesta época, a religião do Império era a católica, enquanto que as outras exerciam seus cultos de maneira extremamente reservada, conforme consta no artigo 5º[1] do referido Estatuto Constituição.
Seguindo no tempo, a Constituição de 1891, no bojo da República, apresentou mudanças no que concerne à liberdade religiosa. Houve a separação entre o Estado e a Igreja. O Estado passou a não proibir os indivíduos de exercerem os seus cultos e crenças livremente. Esta posição é adequada à maior preocupação com os direitos individuais. A este respeito, aponta o § 3º, do artigo 72° o seguinte: “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum”. Outrossim, o § 7º do mesmo dispositivo prescreve que “Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados”.
No sentido da ideologia republicana, a Lei Maior de 1934 confirmou o caráter laico do Estado de Direito brasileiro tendo como destaque à consagração da liberdade religiosa de acordo com os artigos 17º incisos I e II, t; artigo 113, itens 4, 5, 6 e 7. A Carta Magna de 1937 não trouxe qualquer alteração em relação à liberdade Religiosa.
Diferentemente das Constituições de 1934 e 1937, a de 1946 trouxe em seu texto uma nova dimensão da relação Estado-Igreja.
(...) ultrapassado o período de desconfiança do Estado para com a Igreja Católica pelo que esta poderia representar de perigo para rivalizar com o poder político estatal, tratava-se, naquele instante, de admitir a colaboração dos segmentos religiosos em prol da prevalência do interesse público (SILVA NETO, 2005, p. 66).
Ela avançou também a respeito da liberdade religiosa como, por exemplo, quanto ao fato de que “na recusa por convicção religiosa, quanto ao cumprimento de obrigação a todos imposta não implicaria na perda de qualquer direito, exceto se o indivíduo se eximisse também de satisfazer obrigação alternativa prevista em lei (...)”(SILVA NETO, 2005; P.66). Em via diversa, a Carta Magna de 1967 não inovou, enquanto que a de 1969 trouxe como única novidade a inclusão do direito credo religioso como forma para tratar de maneira equânime a opção religiosa.
Finalmente, o Estatuto Constitucional em vigor definiu a liberdade religiosa como direito individual. É importante ratificar os dispositivos constitucionais que fundamentam o livre exercício da crença, culto e organização religiosas.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais
A liberdade religiosa é direito fundamental do Estado Democrático de Direito
A liberdade religiosa é consagrada pelo ordenamento jurídico pátrio como direito fundamental e um dos eixos da democracia. Isto porque, ela contribui para a integridade subjetiva e serve como limite às opressões do Estado. Ela representa um avanço na construção da cidadania porque garante a formação autônoma da ideologia das pessoas. Vale ressaltar que a ideologia é um dos principais fatores que influenciam na construção da identidade pessoal. A ausência de tutela do mencionado bem jurídico fomenta a deterioração da humanidade devido ao fato da individualidade se tornar inviável. As pessoas passariam a ser meros elementos do Poder Político desprovidas da própria crença religiosa.
Nessa vertente, a jurista Ana Carolina Paes Lema (2005; p.05) expõe seu pensamento da seguinte maneira: “consiste na possibilidade de livre escolha pelo indivíduo da sua orientação religiosa”, mas “[...] não se esgota no plano da crença individual, meramente subjetiva, de foro íntimo, mas abarca a prática religiosa, também denominada de liberdade de culto”.
A liberdade religiosa é um direito fundamental com o indivíduo é livre para escolher e exercer a sua orientação religiosa. Este direito conferido ao ser humano de escolher a sua crença, ter adoração a um Deus e prestar culto tem origem na Declaração Universal do Homem de 10 de dezembro de 1948, inciso XVIII:
Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito incluiu a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Características da liberdade religiosa
Assim como todos os outros direitos fundamentais, a liberdade religiosa é irrenunciável, imprescritível e irrenunciável, conforme mencionado no capítulo anterior. Urge enfatizar que ela é um direito relativo, cuja preponderância depende da ponderação ao se aplicar o direito no caso concreto. Como visto, tanto o direito à vida como à liberdade religiosa não são absolutos. Por conta disto, os conflitos aparentes entre eles precisam ser resolvidos com a utilização de todas as ferramentas oferecidas pela hermenêutica constitucional, sobremaneira, a aplicação da técnica da ponderação de bens jurídicos tendo como parâmetro a dignidade da pessoa humana.
Outrossim, a liberdade Religiosa é universal abarcando a qualquer indivíduo que se interesse por determinada doutrina religiosa. Tanto os nacionais como os estrangeiros são detentores do direito de terem, manifestarem ou organizarem uma religião. “A opção religiosa está tão incorporada ao substrato de (sic) ser humano que o seu desrespeito provoca idêntico desacato à dignidade da pessoa” (SILVA NETO, 2005, p. 67). Para o Teólogo Ireneu Wilges[2] (1999, p. 09)”. O fenômeno religioso é universal. Em todos os tempos, lugares e povos encontramos tal fenômeno. Esta afirmação é atestada pela etnologia e pela história das religiões”.
As modalidades da liberdade religiosa
A liberdade religiosa, conforme já comentado, possui três modalidades, quais sejam, liberdades de crença, culto e organização religiosa. A primeira delas atribui ao indivíduo à prerrogativa de exercer sua autonomia de vontade em relação à escolha da religião mais compatível com sua personalidade. Significa dizer que a pessoa humana poderá aderir a qualquer seita religiosa, assim como, de maneira superveniente, mudar a sua religião e também optar por ser desprovido de qualquer religião. Sob este foco, o professor Silva Neto (2005; p. 69), escreve:
A liberdade de crença, conjugada à consciência, permite considerar que o indivíduo poderá crer no que quiser, e expressar publicamente a sua crença; mas não se lhe interdita, contudo, a liberdade de não crer em absolutamente nada, assim como de utilizar meios para a divulgação do seu agnosticismo.
Por outro lado, a liberdade de organizações religiosas corresponde ao direito da pessoa humana instituir e/ou organizar uma nova entidade religiosa. Tal norma fundamental se fundamenta nas garantias constitucionais da liberdade de culto e de associação (CF/88, art. 5º XVII e VI[3], respectivamente). Todas elas têm como sustentáculo o Estado democrático de direito. Ademais, as organizações religiosas terminam por reforçar um aspecto da liberdade individual de ter um culto, bem como de expressar a sua crença. Para Silva Neto (2005; p. 67): “Essa liberdade diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado”.
A liberdade de Organização religiosa possui 3 (três) sistemas quanto à relação Estado-Igreja, os quais são: a “Fusão”, a “União” e a “Separação”. No primeiro, uma determinada religião se confunde com o Estado adquirindo as mesmas afeições destes, a exemplos, dos Estados Islâmicos e o Vaticano. De outro lado, a “União” foi o sistema utilizado no Brasil Império, no qual existiam relações jurídicas entre Estado e determinada religião. A Igreja, nesta época, possuía integrantes que participavam como ministros religiosos tendo grandes influências nas decisões do Estado.
O último sistema é o da “Separação” que é o atual sistema do Brasil, o qual instaurou a separação entre a Igreja e o Estado. Urge ressaltar que é vedado que o Estado mantenha relações de dependência ou de aliança com as igrejas porque o mesmo é laico. Ele deve se manter neutro quanto à diversidade de Igrejas que têm surgido não podendo as beneficiar e nem prejudicá-las. Lembrando que as igrejas possuem personalidade jurídica conferida nos termos da lei civil.
Outra modalidade dessa espécie de liberdade individual é a liberdade de culto, a qual não é uma simples adoração a entes sagrados ou mesmos imagens, mas sim a possibilidade de participar das práticas, ritos, cerimônias, ser fiel aos hábitos e tradições da religião que a pessoa vier a aderir. O jurista Pontes de Miranda (1999; p.252) sintetiza o tema proclamando: “Compreende-se na liberdade de culto a de orar e a de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como o recebimento de contribuições para isso”.
Como visto, a liberdade de culto é a faculdade que tem o indivíduo de ser fiel aos hábitos e tradições de determinada religião. Deste modo, a testemunha de Jeová procura seguir, rigorosamente, o dogma religioso recusando o recebimento de sangue através da sua interpretação bíblica. Celso Ribeiro Bastos, (2000, p. 14), comenta o ponto em questão:
Poder-se-ia inserir, dentro da liberdade de culto, todas as práticas que envolvessem qualquer opção religiosa do indivíduo. Assim, as restrições decorrentes da invocação religiosa estariam, igualmente, albergadas sob este título, sendo certo que, como dito, não há verdadeira liberdade de religião se não se reconhece o direito de livremente orientar-se de acordo com as posições religiosas estabelecidas... Ora, o culto não se exerce apenas em locais pré-determinados, como em igrejas, templos, etc. A orientação religiosa há de ser seguida pelo indivíduo em todos os momentos de sua vida, independentemente do local, horário ou situação. De outra forma, não haveria nem liberdade de crença, nem liberdade no exercício dos cultos religiosos, mas apenas ‘proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
As Testemunhas de Jeová se fundam na liberdade de culto para negar, incondicionalmente, o recebimento de sangue de qualquer origem. Lembrando que ela é apenas uma das modalidades da liberdade religiosa. Sendo assim, a discussão acerca da utilização do citado procedimento médico se restringe à razoabilidade da limitação estrita a uma faceta da liberdade religiosa, a qual, como já mencionado, é apenas uma das espécies da liberdade individual.
Restrições à liberdade de culto
Vale ressaltar que a liberdade de culto deve ter algumas limitações para que seu exercício não restrinja arbitrariamente outros direitos fundamentais. A título ilustrativo destaca-se uma contenção ao exercício da liberdade religiosa. Os cultos religiosos não devem invadir a madrugada de modo a importunar a coletividade. O mencionado direito fundamental precisa se adequar aos bons costumes e respeitar a ordem pública. Com efeito, o professor Silva Neto (2005, 68) escreve: “A liberdade de culto somente admite as contenções impostas pela decantada regra de ouro da liberdade: a liberdade de alguém termina onde começa a liberdade de outrem (Spencer)”.
Como visto, a liberdade religiosa fundamenta as doutrinas de todas as religiões desde que estejam de acordo com a moralidade, os bons costumes e, sobretudo, com a dignidade da pessoa humana. Este fato remonta à necessidade de limitações ao direito fundamental em epígrafe a fim de que sejam preservados os bens jurídicos aludidos e a própria religiosidade ou ceticismo de todas as pessoas. Sendo assim, o sujeito principal da problemática deste trabalho, a Testemunha de Jeová, é detentor de legitimidade conferida pela Carta Magna para exercer, moderadamente, as suas crenças, dentre elas, a de não ser receptor de sangue de qualquer origem.
Por outro lado, a conduta daquele que restringe, de maneira injustificada, a liberdade religiosa enseja responsabilização extrapatrimonial. Sendo assim, a realização da transfusão de sangue para a Testemunha de Jeová sem que seja razoável de acordo com o sistema jurídico brasileiro representa uma afronta à personalidade humana. Nesta hipótese, o profissional que realizou o tratamento viola a crença do paciente provocando dano extrapatrimonial.
A recusa da transfusão de sangue
Como visto, a crença religiosa das Testemunhas de Jeová é contrária à transfusão de sangue. Em conseqüência disto, pode-se instaurar um conflito entre os direitos à vida e à liberdade religiosa quando aquele for um tratamento eficaz e disponível para salvaguardar a vida humana. Por outro lado, existem tratamentos médicos alternativos oferecidos pela ciência, como exemplos: “os expansadores do volume do plasma, os fatores de crescimento hematopoéticos, recuperação intra-operatória do sangue no campo operatória entre outras” (BASTOS; 2001 p. 494). Este trabalho visa analisar hipóteses que envolvam a recusa de sangue perante o risco de morte do paciente e, assim, definir os limites à liberdade de culto religioso.
Em linha diversa, há doutrinadores que acreditam na preponderância, in abstrato, da liberdade religiosa em relação ao direito à vida. Garantem que a dignidade tem como um dos pressupostos o mencionado direito individual. Sendo assim, restringi-lo significaria impedir que o indivíduo permanecesse tendo vida com dignidade. Partindo desta premissa, o direito à vida deveria ser limitado mesmo em situações de risco de morte que envolva o exercício da crença religiosa. Significa dizer que o recebimento de transfusão de sangue sem o consentimento da Testemunha de Jeová violaria o princípio da dignidade humana, uma vez que o religioso viveria de forma indigna, sofrendo, por exemplo, o repúdio de sua comunidade. Nesta linha, o ilustre jurista Cristiano Chaves (2005; p.126) proclama:
Não é demais lembrar que do princípio da dignidade humana – vetor e ápice de todo sistema brasileiro – defluem, além do inderrogável respeito à integridade física, a idéias de proteção à integridade psíquica e intelectual e às condições mínimas de liberdade e igualdade, denotando, com clareza meridiana, a necessária tutela à liberdade de credo, cuja violação significa, no final das contas, infrigência ao próprio conceito de vida digna.
Em contrapartida, parece ser mais razoável a corrente que sustenta a inexistência de prevalência absoluta e a priori da liberdade religiosa diante do direito à vida ao aplicar a técnica da ponderação de interesses. O conflito aparente entre os direitos fundamentais da vida e da liberdade religiosa precisa ser resolvido no bojo da aplicação do direito, no caso concreto, considerando suas peculiaridades, levando em conta as regras de hermenêutica constitucional aludidas no primeiro capítulo deste trabalho. A afetação da dignidade é inevitável em determinadas situações. Isto porque, a complexidade da vida em sociedade coloca em incompatibilidades existenciais direitos fundamentais que integram a personalidade do indivíduo. A prevalência de um deles implica em negação do outro e, portanto, é certa a violação da dignidade humana.
O direito a vida é pressuposto existencial da dignidade e a liberdade religiosa é um elemento essencial para se permanecer tendo vida com dignidade. Desta maneira, o operador do direito não deve procurar salvaguardar a dignidade humana vez que é inviável. Ele precisa usar o mencionado fundamento do Estado Democrático de Direito como medida de ponderação entre os bens jurídicos em conflito para saber qual deles deve prevalecer. Significa que nem sempre a liberdade religiosa prevalecerá em detrimento da vida. Muito pelo contrário, as soluções para as antinomias decorrem de um longo e complexo processo hermenêutico. Lembrando que, “a interpretação deverá levar em consideração todo o sistema. Em caso de antinomia de normas, buscar-se-á a solução do aparente conflito através de uma interpretação sistemática, orientada pelos princípios constitucionais. (LENZA; 2006; P.59).
O conhecimento erigido até aqui possibilitará a resolução das questões complexas que serão analisadas a seguir. A hermenêutica constitucional e os princípios constitucionais servirão de sustentáculo para que as soluções estejam compatíveis com o direito pátrio e que haja a efetiva proteção da dignidade da pessoa humana.
1 - Alternatividade de tratamentos possíveis em casos de risco de morte da Testemunha de Jeová.
A possibilidade apresentada evidencia o conflito aparente entre os direitos fundamentais da vida e da liberdade religiosa. Existem vários tratamentos médicos viáveis para salvaguardar a vida do paciente, cuja religiosidade repele a transfusão de sangue. Sendo assim, deve-se buscar a maneira mais adequada para a atuação médica perante a Testemunha de Jeová considerando sua crença religiosa e a ética profissional.
Existem doutrinadores que acreditam na prevalência do direito à vida em detrimento da liberdade religiosa. Alegam que o mencionado bem jurídico é absoluto, ou seja, deve preponderar em qualquer hipótese. Para eles, então, deve haver a transfusão de sangue independente de convicções religiosas e, assim, preservar a vida humana. É uma avaliação, a priori, da relevância dos direitos fundamentais. Este ponto de vista é contrário àquele que vem sendo sustentado ao longo da presente monografia. Isto porque, parece ser mais adequado com o ordenamento jurídico se fazer à ponderação de interesses no bojo da aplicação do direito ao caso concreto.
A outro giro, a transfusão de sangue representa uma violenta submissão moral para as Testemunhas de Jeová. Nas suas concepções religiosas, receber sangue de qualquer origem é uma violação às leis divinas. Com isto, elas podem se tornar pessoas indignas e reprováveis no meio social que participam.
Dessa forma, o profissional médico precisa agir com equilíbrio quando se deparar em situações complexas com as que envolvem a religiosidade e sua missão de salvar vidas. Deve-se procurar evitar, ao máximo, atos que possam infligir indignidade às pessoas. Lembrando que, a Constituição Federal brasileira aponta a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.
Sendo assim, o médico deve aplicar o tratamento que seja mais eficaz para preservar a vida com dignidade do seu paciente. Com isto, o profissional deverá se utilizar de meio diverso da transfusão de sangue quando existir outro tratamento disponível que também salvaguarde a vida da Testemunha de Jeová. Deste modo, evita-se a morte e o dano evitável à dignidade da pessoa humana.
A supracitada ponderação considera que a dignidade pressupõe o direito à vida e todos os outros referentes à personalidade do indivíduo, dentre eles, a liberdade religiosa. O fundamento do Estado Democrático de Direito possui dois núcleos que são exatamente a vida e o conjunto dos outros direitos da personalidade. É obrigação devida a todos preservar ambos quando for possível a tutela de um deles sem a afetação do outro. Sendo assim, o médico tem o dever de respeitar a opção do paciente quando o mesmo negar a transfusão de sangue e existir outro tratamento eficaz e disponível para preservar sua vida.
O médico assume a obrigação de meio quando se depara em situações de risco de morte do seu paciente. Sendo assim, ele deve aplicar todos os meios necessários para salvaguardar a vida do indivíduo. O resultado do tratamento é irrelevante em termos jurídicos porque em tais circunstâncias o profissional é desprovido de controle sobre as reações da pessoa submetida ao tratamento. Dessa forma, a transfusão de sangue terá de ser feita sempre que inexistir outro meio disponível e eficaz para preservar a vida do religioso. Deste modo, o profissional cumpre a sua obrigação de meio, ou seja, utilizam-se de todos os instrumentos necessários e disponíveis para evitar o perecimento do citado bem jurídico. Nesta linha, o raciocínio do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2003; p. 360).
Portanto, para o cliente é limitada a vantagem da concepção contratual da responsabilidade médica, porque o fato de não obter a cura do doente não importa reconhecer que o médico foi inadimplente. Isto porque a obrigação que tais profissionais assumem é uma obrigação de “meio” e não de “resultado”.
Vale ressaltar que o paciente possui certa autonomia para escolher o seu tratamento não podendo ser constrangido a se submeter à imposição de tratamento médico ou intervenção cirúrgica sem justificação. É devido o respeito a sua liberdade individual. Tal sustentação encontra amparo no artigo 15 do Código Civil brasileiro de 2002, o qual declara que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. É preciso destacar que o bem jurídico mencionado pelo dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição, ou seja, trata-se de vida com dignidade.
Nesta linha, o ilustre Mestre Celso Ribeiro Bastos (2001, p.507) proclama:
De há muito se controverte sobre o poder dos profissionais de decidirem sobre a melhor solução para o caso que se lhes apresenta por um cliente, inclusive contra a vontade deste. No caso médico, a resolução desta problemática não pode ser alcançada com a consideração puramente do ângulo profissional. Realmente, por este enfoque é sempre o profissional aquele que está em melhores condições de realizar a opção na defesa do cliente ou no tratamento do paciente. Contudo, o caso presente envolve uma consideração de ordem religiosa, na qual é preciso fazer valer a vontade do paciente, que independe da melhor solução do ponto de vista técnico do profissional envolvido.
Sob esse foco, o consentimento prévio do paciente ou de seus familiares é pressuposto de licitude da conduta do médico que efetua transfusão de sangue à Testemunha de Jeová quando existe outro tratamento disponível e eficaz. Por outro lado, inexistindo as aludidas aquiescências tácita ou expressa[4] o comportamento do profissional liberal está eivado de ilegalidade por abuso de direito[5] e dá vazão a danos extrapatrimoniais. Com efeito, estariam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva do médico, quais sejam: conduta, dano, nexo causal e culpa ou dolo, conforme o artigo 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor[6].
A responsabilidade civil do médico deve preencher os três pressupostos, conforme expressa o jurista Carlos Roberto Gonçalves (2003; p.04): “A responsabilidade civil se assenta, segundo teoria clássica, em três pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano”. A contrário sensu, a ausência de qualquer dos requisitos citados inviabiliza a responsabilização do médico.
Outrossim, o hospital que o médico realiza suas atividades responde objetivamente pelos danos extrapatrimoniais provocados pelo profissional as Testemunhas de Jeová. Isto porque, a legislação brasileira imputa responsabilidade sem perquirição de culpa às pessoas jurídicas que participam de relação de consumo. As empresas hospitalares visam o lucro e, portanto, fornecem serviços médicos através de seus profissionais se sujeitando às regras do Código de Defesa do Consumidor.
A mencionada responsabilização do médico se funda na tentativa de compensar a vítima da dor, sofrimento, reprovação religiosa e depressão provocados pelo recebimento do sangue alheio. Estes fatores fazem com que o religioso perca a sua identidade tornando sua vida indigna, o que é incompatível com o maior dos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja; a dignidade da pessoa humana.
Dessa maneira, a conduta médica que for de encontro à opção do paciente quando possível à utilização de tratamento alternativo à transfusão de sangue gera dano extrapatrimonial. Isto porque, o exercício da crença religiosa integra os direitos da personalidade do agente. A manifestação da concepção doutrinária da Testemunha de Jeová significa a expressão da sua personalidade, a qual não pode ser suprimida de maneira injustificável.
2 - Risco de morte do paciente existindo apenas a transfusão de sangue como tratamento disponível eficaz.
A possibilidade em referência apresenta a situação em que o paciente está em iminente risco de morte e a transfusão de sangue é o único tratamento que pode salvar a vida da Testemunha de Jeová. Nesta situação, o médico deve proceder à transfusão mesmo em desacordo com vontade do paciente ou de seu representante legal.
Ocorre que a complexidade deste conflito aparente de normas constitucionais é maior do que a da questão anteriormente tratada. Isto porque, a solução para este problema pressupõe a afetação a dignidade da pessoa humana. Inevitavelmente, ter-se-á que restringir completa ou parcialmente um dos elementos da dignidade, qual seja, a vida ou os demais direitos da personalidade.
A não utilização do mencionado procedimento implica no perecimento da vida e, por conseguinte, da dignidade humana, vez que, como visto, aquele bem jurídico é um dos núcleos daquele bem maior. De outro lado, a preservação da vida enseja a limitação do direito à liberdade religiosa, a qual é uma manifestação da personalidade do indivíduo.
Dessa forma, é muito mais razoável e de acordo com os princípios da hermenêutica constitucional a aderir à tese de que é preciso preservar a vida em detrimento da liberdade religiosa. Este bem jurídico é passível de limitação parcial quando não há outro meio para salvaguardar a vida do religioso. Isto porque, o sacrifício da vida é muito mais gravoso do que o da liberdade religiosa perante a dignidade humana. A manifestação religiosa pode ser restringida sem que implique abolição completa dos direitos da personalidade da pessoa humana. Diferentemente, o direito a vida é incompatível com qualquer restrição parcial, pois é inverossímil a minoração do mencionado bem jurídico. A sua violação, necessariamente, significa o seu perecimento completo e a conseguinte eliminação plena da dignidade.
Com efeito, representa menor dano à dignidade da pessoa humana a restrição à manifestação da crença religiosa do que o sacrifício da vida. Este direito fundamental corresponde a um dos elementos daquele princípio. A extinção da vida importa em impossibilidade da manutenção de qualquer outro direito da personalidade. Ela é pressuposto existencial do segundo núcleo da dignidade. Destarte, o direito de permanecer vivo se aproxima muito mais da vida digna do que a liberdade de religiosa na situação em tela.
Lembrando que, a liberdade religiosa é composta de três modalidades, as quais já foram versadas no inicio deste trabalho. Ocorre que a restrição retrocitada incide apenas sobre aquela que se refere à manifestação das crenças religiosas, ou seja, à liberdade de culto. Ainda assim, a limitação em epígrafe é restrita à recepção de sangue em circunstâncias de risco de morte em que inexiste outro tratamento disponível. O prejuízo, portanto, é inócuo se comparado ao que decorreria da inércia do profissional. Ante o exposto, o médico deve efetuar a transfusão para salvaguardar a vida em detrimento da liberdade religiosa. Seguindo esta vertente, a professora Maria Helena Diniz (2002. p.217) expõe:
Sendo urgentes e inadiáveis o tratamento médico, a intervenção cirúrgica e a transfusão de sangue não consentida, prevalecem diante da ciência, do valor da vida do paciente e do interesse da comunidade, pois a vida é um bem coletivo, que interessa mais à sociedade do que ao indivíduo. Não se pode, portanto, submeter o médico à vontade do doente ou a seus familiares, porque isso equivaleria a transformá-lo num simples locador de serviços. Acreditamos que o médico, por seu sentimento ético e consciência profissional, deve até mesmo correr o risco pessoal imposto por certas circunstâncias, por que a sua profissão é de socorrer pessoas, resguardando-lhes a vida e a saúde. Sua missão é proteger a saúde, logo, seus conhecimentos e sua consciência voltam-se para o cumprimento dessa tarefa. A questão da saúde tem natureza ético-política por referir-se à opção entre o respeito ou desrespeito pelo ser humano.
A outro giro, o Código de Ética Médica considera infração ética a conduta do médico que efetua qualquer procedimento médico sem o consentimento prévio do paciente. Ocorre que, o mesmo diploma legal prevê exceção quando o paciente está em iminente perigo de morte, conforme o artigo 46 do mencionado diploma legal[7]. Com efeito, será lícita a conduta do profissional que efetuar a transfusão sem a aquiescência do paciente quando o mesmo se encontrar em efetivo risco de vida.
Em linha diversa, também é preciso analisar a situação em tela sob o foco da ética médica. O profissional da medicina pratica suas condutas tendo em vista uma concepção humana caracterizada pelo agir sempre em busca do melhor resultado ao paciente. A ideologia das pessoas que pertencem à comunidade médica tem origem na formação do caráter de todas elas. Os indivíduos são submetidos a uma educação voltada à solidariedade, a qual é plasmada na tentativa perene de salvaguardar a incolumidade física do próximo. As relações sociais e acadêmicas reforçam de maneira preponderante a comentada estrutura de crenças dos indivíduos que realizam a citada atividade laborativa.
Como visto, a atuação médica representa grande interesse público vez que é fundado no princípio da solidariedade, o qual é essencial para a manutenção do bem estar social. Por conta disto, existe uma especial proteção constitucional àqueles profissionais, a qual é consubstanciada no direito ao livre exercício da profissão previsto no artigo 5º XIII da Constituição Federal brasileira. Vale destacar que é fundamento do Estado Democrático de Direito “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”(artigo 3º, IV da Constituição Federal brasileira de 1988)
O trabalho desenvolvido pelo profissional da medicina está intimamente ligado ao exercício da sua dignidade humana. O exercício das atividades que visam curar os pacientes se identifica com a própria manifestação ideológica daquele que dedica a maior parte da vida para tratar da melhor maneira aos que se encontra com alguma carência de saúde. Os médicos se sentem dignos cada vez que conseguem oferecer o melhor tratamento a seus pacientes. Deste modo, apenas, eles exercem plenamente a profissão que lhes conferem dignidade.
O melhor tratamento é aquele que, dentre os disponíveis, provocam o menor desgaste e a melhor recuperação do paciente. Sendo assim, a utilização do método da transfusão à Testemunha de Jeová dependerá da disponibilidade de outros instrumentos para a salvaguarda da vida do paciente. Neste sentido, a iminência de morte da Testemunha de Jeová reclama a transfusão de sangue quando tal tratamento é o único disponível capaz de preservar a vida humana. A limitação do exercício profissional tendo em vista a dogmática religiosa é irrazoável e desproporcional no seio da possibilidade em epígrafe. Isto porque, não utilizar o procedimento referido significa abdicar de manter vivo o religioso, o que implica no perecimento automático de todos os seus direitos da personalidade, inclusive, o da própria liberdade religiosa.
Restringir a atuação médica gera a afetação das dignidades do profissional e do seu paciente. A do médico por ser impossibilitado de exercer a sua profissão inviabilizando o cumprimento da sua missão pessoal e profissional. É a restrição injustificável do exercício da liberdade individual que visa à promoção do bem de todos. De outro lado, o perecimento da dignidade do paciente é inevitavelmente perante a inércia do profissional. Isto porque, de acordo com o exposto, a morte passa a ser um evento certo devido às deploráveis condições físicas da Testemunha de Jeová, a qual apenas poderia se manter viva com a transfusão de sangue.
Vale destacar que o Código de Ética Médica, em seu artigo 61, § 1º, proclama:
O médico ciente da recusa do paciente em receber a transfusão de sangue deve buscar todos os métodos alternativos de tratamento ao seu alcance, respeitando o seu direito, mas, se se sentir impossibilitado de prosseguir no atendimento, pode-o renunciar, desde que o médico substituto, devidamente instruído por ele, seja recebido pelo paciente.
Ante a transcrição do dispositivo supra, observa-se que a renuncia do médico está condicionada a que o seu substituto seja aceito pelo paciente. Desta maneira, prevalecendo à liberdade religiosa, o profissional está a todo tempo sujeito a se comportar de forma incompatível ao que entende como moral. Isto porque, ele pode ficar impedido de salvar a vida de seu paciente (Testemunha de Jeová) quando o mesmo rejeita a transfusão de sangue e o médico substituto. A liberdade individual do profissional de exercer a ciência médica não pode ser tolhida a tal ponto que o torne indigno e gere o perecimento da vida do paciente.
Ex positis, a ponderação dos direitos fundamentais deve considerar as dignidades do médico e das Testemunhas de Jeová. A aplicação das técnicas interpretativas de hermenêutica constitucional confere a certeza de que a vida prepondera em detrimento da liberdade religiosa, assim como, o direito ao livre exercício da profissão prevalece diante da manifestação da crença religiosa porque existe uma relação de paridade entre os citados bens jurídicos. A utilização do único procedimento disponível eficaz (transfusão de sangue) é o modo exclusivo de salvaguarda das dignidades da Testemunha de Jeová que esteja em risco de morte e do seu respectivo médico.
A transfusão de sangue deve ser realizada quando a mesma for o único procedimento cirúrgico para o manter com vida a Testemunha de Jeová que se encontre em iminente perigo de morte. Não obstante a restrição a sua liberdade religiosa, conforme mencionado, o direito à vida tem maior relevância quando se aplica a medida da ponderação, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana. Como outrora demonstrado, a vida é pressuposto existencial da manifestação das crenças haja vista que o de cujos é desprovido de personalidade.
Nessa linha de raciocínio a professora Maria Helena Diniz, sustenta o seguinte:
Se entre os direitos à vida e à liberdade de religião apresentar-se uma situação que venha a colocá-los em xeque, de tal sorte que apenas um deles possa ser atendido, ter-se-á a incidência absoluta do princípio do primado do direito mais relevante, que é, indubitavelmente, o à vida. Por tal razão qualquer ofensa ao direito constitucional da liberdade religiosa, ainda que sem o consenso do paciente ou de seus familiares, não entra na categoria de ilícitos. A extração de sangue feita sem a anuência da pessoa é tida como lesão, e a própria transfusão de sangue só é permitida com o consenso do paciente, desde que não haja perigo de vida. Deveras, como a vida é o bem mais precioso, que se sobrepõe a todos, entre ela e a liberdade religiosa do paciente, deverá ser a escolhida, por ser anterior a qualquer consentimento do doente ou de seus familiares. O sacrifício de consciência é um bem menor do que o sacrifício eventual de uma vida. Os valores considerados socialmente importantes e os essenciais à comunidade nacional e internacional são diretrizes ou limites à manifestação da objeção de consciência.
Em outro foco, é dever do Estado promover a saúde a todos os integrantes da sociedade, conforme o artigo 196 da Constituição Federal. A mencionada obrigação tem como objeto uma prestação do ente político. A sua natureza é oposta à imposição incutida na norma que estabelece o direito fundamental da liberdade religiosa. Isto porque, o Poder Público que atuar para criar mecanismos que possibilitem as pessoas terem uma vida saudável, assim como, não intervir no exercício da liberdade religiosa dos cidadãos. Como demonstrado, é aparente a colisão entre os citados direitos fundamentais.
Faz-se necessário, portanto, a ponderação entre as normas constitucionais que refletem os bens jurídicos da saúde e liberdade religiosa. A aplicação da medida da ponderação (princípio da dignidade da pessoa humana) aponta para a prevalência do primeiro direito fundamental em situações de risco de morte da Testemunha de Jeová. Isto porque, a ação do Estado possibilita a preservação da saúde e da maior parcela da liberdade religiosa. A imposição pelo Poder Publico do tratamento de transfusão de sangue ao religioso possibilita a preservação da vida e, assim, garante a manutenção de todos os direitos da personalidade.
A saúde se aproxima muito mais da dignidade do paciente do que a sua plena manifestação de crença. A prestação da saúde resguarda, até mesmo, outras duas modalidades de liberdade religiosa, quais sejam: a de organização religiosa e de crença. O exercício ideológico é restringido, momentaneamente, para que todos os outros direitos fundamentais possam ser poupados.
Deve-se ressaltar que o paciente Testemunha de Jeová tem a sua vontade “viciada” em face da pressão social ou de seu grupo religioso, o qual tende a forçá-lo a respeitar a sua doutrina incondicionalmente. Desta maneira, é impossível perceber o verdadeiro anseio do indivíduo que esteja em risco de morte. É certo dizer, porém, que a razoabilidade remete à ponderação de que, naturalmente, o instinto humano de sobrevivência prevalece em detrimento da cultura social. Um “homem médio” valoriza extremamente a vida quando se encontra no risco de a perder em circunstâncias normais. Com efeito, a manifestação de vontade do paciente tem menor relevância quando o mesmo está em risco de morte devido aos fatores exógenos que modelam sua vontade. Sendo assim, é justificado a desconsideração da vontade “viciada” com o fito de preservar a vida porque, assim, o profissional atua de acordo com algo inelutável e inerente a todos os seres vivos, qual seja, o instinto de sobrevivência. Nesse sentindo, Miguel Ángel Núnez Paz (2001, p.164) opina o seguinte:
correspondendo aos motivos religiosos de grupos muito fechados, é mais fácil suspeitar, com fundamento, que muitas vezes a assinatura daquele não terá sido espontânea e livre de pressões externas
Ante o exposto, deve ser realizada a transfusão de sangue para a Testemunha de Jeová em risco de morte. Ressalta-se que tal ponderação tem valor apenas quando o mencionado tratamento for o único disponível para salvaguardar a vida humana. Isto porque, o bem jurídico da vida tem muito mais relevância do que a liberdade religiosa ao ser tomada como referência a dignidade da pessoa humana. Além disto, uma avaliação mais profunda demonstra que existem outros direitos fundamentais inseridos no bojo do tema tratado. A saúde, o livre exercício da profissão e a liberdade de crença do médico são garantidos pela possibilidade de utilização da transfusão de sangue. A manifestação de vontade viciada do religioso não é empecilho para a prática de todos os meios necessários e disponíveis de preservação da dignidade da pessoa humana.
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[1] Constituição de 1824, art. 5º - A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.
[2] Doutor em Teologia Dogmática pelo Pontifício Ateneu de Antoniano de Roma
[3] Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Art. 5º, XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.
[4] A aquiescência é tácita quando o paciente se omite quanto ao tratamento proposto ou disponível. A expressa, entretanto, é aquela derivada de manifestação de vontade.
[5] Art. 187 do código civil – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente o limites imposto pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.
[6] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequados dobre a sua fruição e risco. § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
[7] Código de Ética Médica. Art. 46 – Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida. (GRIFOS NOSSO)