Speed Claim

07/02/2008

 

Herez Santos *

Bacharel em Ciências Náuticas e Direito

Advogado no Rio de Janeiro.

 

 

A Deus.

 

Sumário:

Introução - Disputas - Embarcação e navio - Velocidade da embarcação  -  Características comerciais - Locatário, armador aparente e transportador - Condition - Warranty - Condition x warranty - Resultados comerciais - Warranties de velocidade e de consumo - Má performance  - Condições de tempo - Escalas Beaufort e Douglas - Speed claim - Controle da performance de velocidade - Empresas de weather routeing - Divergências sobre condições do tempo - Tolerância - Cálculo prático de perdas e danos - Agências governamentais - Conclusão - Abreviaturas - Referências.

 

Introdução

 

A indústria da navegação vem despertando cada vez mais o interesse de muitos. Infelizmente, entretanto, constata-se por força de experiência não ser grande o número de trabalhos voltados à prática das operações comerciais envolvendo embarcações.

 

Este artigo, que não esgota o assunto porque, além de tudo, limitado ao que se propõe, faz uma abordagem mais prática do que teórica de um dos aspectos inerentes ao contrato de aluguel de navio por tempo - time charterparty, quer seja, a "speed claim", direito do locatário (hire charterer) a perdas e danos decorrentes do descumprimento pela embarcação da velocidade declarada.

 

No que se segue.

 

Disputas

 

Não há dúvida de que das disputas entre Locatário (hire charterer) e Armadores (owners), as mais difíceis de serem resolvidas são, dentre outras, aquelas a que dão causa certos termos usualmente empregados no corpo das charterparties, como, v.g., os que enunciam:

 

... "capaz de navegar totalmente carregado, sob bom tempo, e aí incluídos vento de força 4 da escala Beaufort e estado do mar 3 da escala Douglas, "cerca de" ("about") ... nós, com ... toneladas de IFO (combustível para o motor principal) e ... toneladas de MDO (combustível para os motores auxiliares), por dia ... ".

 

Isto porque, a má performance da embarcação pode dar causa à speed e bunker claims, à perdas e danos por desvios de rota e a danos reflexos decorrentes destes fatos, como por exemplo, prejuízos por atrasos na chegada ao destino, redução de receita em decorrência de diminuição no lote de carga a embarcar, fila na operação de carga ou descarga, e etc.

 

Embarcação e navio

 

Reina uma certa confusão a respeito dos vocábulos navio e embarcação. Entretanto, o certo é que todo navio vem a ser uma embarcação, embora nem toda embarcação possa se ter como navio. A despeito desta distinção, por conta da certeza de que o objeto do presente escrito não restará prejudicando,  se permitirá, com a devida vênia, o emprego destes termos como sinônimos.

 

Velocidade da embarcação

 

Velocidade é a relação entre a distância percorrida e o tempo de percurso. 

 

Velocidade da embarcação é a distância percorrida por ela na unidade de tempo. É expressa em nós, sendo que um nó equivale à uma velocidade de uma milha náutica (1.852 m) por hora, ou seja,  1 nó = 1,852 Km/h.  

 

A velocidade desenvolvida pelo navio irá depender da potência da máquina propulsora, da forma e da condição de limpeza do casco (hull fouling), etc.

 

O termo “velocidade” comporta enunciação diversa segundo o que esteja sendo tomado como referência.   Senão, veja-se.

 

Velocidade de cruzeiro ou econômica é aquela com a qual se estima deva o navio alcançar o maior raio de ação com determinada quantidade de combustível.

 

Velocidade de projeto é a velocidade alcançada pelo navio em plena carga, em águas tranqüilas, com tempo bom, casco limpo, e sob o regime de máquina em potência máxima (em geral, entre 70% e 80% da potência nominal).

 

Velocidade de serviço é a velocidade média alcançada pelo navio quando completamente carregado, com o casco em situação normal de limpeza, navegando em boas condições de mar.

 

Velocidade máxima é a que correspondente ao regime de máxima potência das máquinas.

 

Velocidade máxima continua é aquela que o navio pode desenvolver continuadamente, sem prejuízo de suas máquinas propulsoras; velocidade na máquina é a velocidade teórica que o navio desenvolveria em relação ao fundo do mar quando em determinado regime de máquinas, e em condições ideais de tempo.

 

Velocidade no fundo é a que resulta da combinação da componente da velocidade do navio com a componente da velocidade da corrente marítima.

 

Velocidade na superfície é a velocidade do navio corrigida do efeito da corrente;

 

Dentre aquelas, merecem destaque tanto a velocidade no fundo, quanto a velocidade na superfície.

 

As cortes têm considerado esta última como sendo a warranty a que faz referência a charterparty.

 

Características comerciais

 

Ao formalizar a charterparty, os armadores (owners) costumam garantir determinadas faixas de velocidade e consumo que o navio, enquanto sob a égide da time charterparty, deverá atender sob determinadas condições de tempo prevalecentes durante as travessias de mar. Estas faixas de velocidade e consumo vêm afirmadas na cláusula descritiva das características comerciais da embarcação. Fugas à velocidade e/ou ao consumo de combustível informados no contrato resultam invariavelmente em obrigação de indenizar perdas e danos.

 

Na cláusula descritiva presente na New York Produce Form - NYPE, sobre este assunto se lê:

 

Description of Vessel

 

Name Flag Built (year).

 

... omissis ...

 

Deadweight _ long/metric tons (cargo and bunkers, including freshwater and stores not exceeding _ long/metric tons) on a salt water draft of ______ on summer freeboard.

 

___ Capacity cubic feet grain cubic feet bale space.

 

___ Tonnage GT/GRT.

 

Speed about _ knots, fully laden, in good weather conditions up to and including maximum __

 

Force on the Beaufort wind scale, on a consumption of about ____ long*/metric tons of ____

 

Locatário, armador aparente e transportador

 

O locatário (hire charterer) assume o papel de armador aparente (disponent owner), sempre que o navio estiver sendo explorado por ele em regime de voyage charter. Neste caso, em relação a terceiros usuários ou não dos seus préstimos, o locatário (hire charterer) será também o transportador (carrier), ainda que as mercadorias/carga a bordo sejam de sua propriedade. Se ele explora a embarcação que tomou em aluguel, sublocando-a por determinado tempo a outrem, ele  será, então, tido tão só como armador aparente (disponent owner). Neste último caso, o transportador será aquele outro que subfretou a embarcação.

 

Condition

 

Chama-se “condition” qualquer termo substancial do contrato, vez que caso seja esta descumprida, avença originariamente ajustada entre as partes se difigura totalmente. O desatendimento a uma “condition” assegura à outra parte a recusa, querendo, de prosseguir com o contrato, podendo esta última, além do mais, argüir perdas e danos.

 

Warranty

 

Uma "warranty", por seu turno, é um termo colateral ao contrato, e, se decumprida, assegurará tão só à outra parte o direito de reclamar perdas e danos, mantendo-se a reclamante com a obrigação de dar prosseguimento ao contrato.

 

Condition  x  warranty

 

Saber se determinada cláusula ou termo contratual é uma “condition” ou uma “warranty”, depende em geral da intenção, da construção e da interpretação de cada contrato em si. Em se tratando de cláusula relativa às performances de velocidade e consumo de combustíveis, não há dúvida de que se colocam entre as warranties do contrato.

 

Resultados comerciais

 

As warranties relativas à velocidade e ao consumo de combustível influenciam fortemente o resultado comercial da aventura marítima. Estas características da embarcação fazem parte do conjunto de dados com que se projeta o lucro esperado do locatário (hire charterer) do navio, que, por sua vez, influenciará na decisão de como ele irá empregar o navio alugado, isto é, se no mercado de time ou mesmo de voyage charter atuando como transportador (carrier).

 

Warranties de velocidade e de consumo

 

Em uma típica cláusula descritiva de contrato regido por uma time charterparty, as warranties relativas à velocidade e ao consumo estabelecem termos tais como os encontrados no exemplo que segue.

 

1. Velocidade com carga, “cerca de” 14 nós - 2. Velocidade em lastro, “cerca de” 14 nós - 3. Tipo de combustível IFO 380 cst Motor Principal - 4. Consumo: a) no mar, “cerca de” 28 MT IFO + “cerca de” 2 MT - b) parado no porto, “cerca de" 2 MT MDO; no gerador, por cada 24hs, “cerca de” 2,5 MT de DO.

 

Má performance

 

O locatário (hire charterer) freqüentemente argúe perdas e danos em face dos armadores (owners), por conta da má performance verificada, ou melhor, devido ao fato do navio não ter cumprido o contrato no que diz respeito à velocidade informada na time charterparty. Vale ressaltar que no mais das vezes, diga-se, este questionamento relativo à má performance de velocidade segue em paralelo ao questionamento relativo a um consumo de combustível maior do que aquele previsto no contrato.

 

Condições de tempo

 

O resultado das disputas exurgidas em decorrência de descumprimento da velocidade e do consumo contratuais, depende grandemente das condições de tempo prevalecentes ao longo da viagem, eis que os dados relativos às faixas de velocidade e consumo da embarcação, declaradas pelos armadores (owners), são usualmente atrelandas a ditas condições. São as condições de tempo, portanto, como se pode concluir, que farão com que os pratos da balança se inclinem para este ou para aquele lado. Por esta razão, faz-se de suma importância que as partes, ainda no início, enquanto negociando a avença, deixem bem claro o que deve ser por elas entendido como "bom tempo", definindo, além do mais, a força de vento e a condição de mar abrangidas por aquele termo...

 

Escalas Beaufort e Douglas

 

A Escala de Beaufort quantifica a intensidade dos ventos, tendo em conta a sua velocidade e os efeitos resultantes das ventanias no mar e em terra. Foi desenhada pelo meteorologista anglo-irlandês Francis Beaufort no início do século XIX. Na década de 1830, a escala de Beaufort já era amplamente utilizada pela Marinha Real Britânica. A escala vai do índice zero ao doze.

 

A Escala Douglas é uma escala que classifica os diferentes estados do mar em 10 graus, tomando como referencia o tamanho das ondas. Foi criada pelo Vice-Almirante inglês Henry Percy Douglas em 1917 enquanto dirigia o serviço meteorológico da armada britânica. A escala vai do índice zero ao nove.

 

Vento de índice “3” e “4” na escala Beaufort, por exemplo, vêm, respectivamente, assim descritos :

 

Vento de força “3” - Velocidade do Vento 7-10 nós. Brisa leve. Pequenas ondas longas, com cristas quebrando, aparecimento de espumas, cavalos broncos esparsos. Altura média da onda, 3 pés.

 

Vento de força “4” - Velocidade do vento 11-16 nós. Brisa moderada. Pequenas ondas longas. Freqüentes cavalos brancos. Altura média da onda 5 pés.

 

O estado do mar correspondente ao índice “3” da escala Douglas, de sua feita, svem assim descrito :

 

Altura das ondas de 0,5 a 1, 25 m. Formam-se ondas longas com cristas de espuma brancas bem caracterizadas. O mar de vento é bem definido e distingue-se facilmente do mar de fundo que pudera existir. Ao se romperem, as ondas produzem murmúrios.

 

Speed claim

 

Em geral, a velocidade da embarcação é sempre atrelada a um determinado índice de vento da escala Beaufort. Em alguns casos a velocidade vem atrelada tanto a índice de vento quanto a índice de mar.  O índice da escala Beaufort mais comumente empregado nas charterparties é aquele relativo a vento de froça “4”.  Destarte, uma vez estabelecido vento de força "4" da escala Beaufort, por exemplo, como referencial do quesito velocidade, o certo será a embarcação desenvolver a velocidade contratual sempre que a força daquele fenômeno da natureza (vento) for igual ou inferior a "4" da escala Beafort, sob pena dos armadores (owners) incorrerem em perdas e danos. Assim, pois, trafegando o navio com velociadade menor do que a declarada enquanto enfrentando vento "4" ou de força inferior, o locatário (hire charterer) poderá promover, e é o que invariavelmente acontece, o que em shipping se conhece como speed claim contra os armadores (owners), pelo descumprimento da warranty relativa à velocidade pactuada.

 

Controle da performance de velocidade

 

As informações sobre o desempenho devem ser obtidas nos períodos em que as condições de vento e mar tiverem sido iguais ou mais favoráveis do que aquelas previstas no contrato, o que possibilitará de forma adequada o controle da performance do navio.

 

Empresas de weather routeing

 

Existem empresas especializadas que prestam serviço de acompanhamento das condições de tempo ao longo da viagem, e, com base nas diversas análises que promovem destas condições de tempo, indicam a rota mais favorável a ser seguida pela embarcação acompanhada . São as weather routeing companies. Para possibilitar a realização do trabalho de análise e acompanhamento a que se propõem, estas empresas coletam dados de múltiplas fontes, tais como, roteiros de passagens oceânicas, embarcações trafegando nas áreas sob análise, além também de imagens de satélites. As weather routeing, inclusive, são capazes de avaliarem os efeitos decorrentes de fatores meteorológicos prevalecentes sobre a velocidade desenvolvida pelo navio, desempenhando assim importante papel na verificação da performance da viagem, especialmente quando o contrato estipular que no caso de disputa o parecer da weather routeing company é que deverá ser levado em conta.

 

Sob a égide de uma time charterparty, o risco decorrente das condições meteorológicas recai sobre o locatário (hire charterer). Por conta disto, a este é assegurado a opção de solicitar o serviço da weather routeing company de sua preferência, ainda que a paga pelo trabalho caiba aos armadores (owners), por força do contrato. Em sendo este o caso, o Comandante da embarcação, porém, apesar da obrigação de atender ordens comerciais do locatário (hire charterer), não se vê obrigado a seguir as recomendações da referida empresa de weather routeing. A escolha da melhor e mais segura rota a seguir de desde o ponto de origem ao ponto de destino é decisão discricionária dele, livre de oposição, eis que, a despeito de todo o avanço tecnológico das teles e videocomunicações já disponíveis, a responsabilidade pela salvaguarda dos interesses quer do próprio locatário (hire charterer) quer dos armadores (owners), e, ainda, pela segurança da tripulação, da carga e da embarcação, recai exclusivamente sobre ele.

 

Divergências sobre condições do tempo

 

Na execução de contrato sob os termos de uma time charterparty, as partes, na maioria das vezes, divergem em relação às análises das condições de tempo experimentado pelo navio ao longo da viagem. Quando a empresa de weather routeing nomeada ou contratada pelo locatário (hire charterer), conforme o caso, avalia as condições de vento e mar levando mais em conta as estatísticas materiais exsistentes, consideradas válidas para determinada área e época do ano, do que informações factuais e atualizadas de determinado lugar em particular, a performance de velocidade por ela apontada irá diferir daquela apurada com base nos registros lançados pelo staff de bordo no diário de navegação, que, sabe-se, exprimem, em tese, as reais condições de vento e mar predominante na área navegada, porque resultado de observações in locco.

 

Ante eventual silêncio da time charterparty, prevalece a presunção de que as partes contratantes delegaram ao staff do navio a tarefa de apontar aqueles dados relativos aos dias em que a embarcação navegou sob boas condições de tempo, ou, quando menos, qundo navegou sob condições relativas a vento ou vento e mar previstas no contrato. Isto não significa, entretanto, que o locatário (hire charterer) não possa vir a produzir evidencias que se contraponham ao que venha informado pela tripulação. Nesta senda ainda, deve-se dizer que alguns há que consideram que se as discrepâncias existentes entre os dados registrados pelo staff de bordo e aqueles levantados pela empresa de monitoramento não são tão significativas, devem os registros da tripulação, então, ser aceitos como evidência das condições de tempo enfrentadas na viagem. Isto porque, o Comandante e demais Oficiais são considerados melhores avaliadores das condições de tempo reinantes na área onde navegam. Neste caso, então, o ônus da contraprova caberá ao locatário (hire charterer). Mas apesar deste entendimento, entretanto, restou arbitrado em um determinado caso real que, no silêncio do contrato, as informações da empresa de weather routeing relativas às condições de tempo prevalecentes na viagem é que deveriam integrar os cálculos para apruação do montante, se algum, da "speed claim". Há precedentes nos dois sentidos na jurisprudência das Arbitragens.

 

Vale também destacar, por pertinente, que caso as anotações de bordo contemple registros de correntes marítimas desfavoráveis em trechos de mar cujo fluxo destas, segundo as cartas de correntes próprias para a época, se dá comumente no mesmo sentido da rota seguida, a presunção de veracidade, neste caso, recairá sobre os dados apontados pela empresa de weather routeing. Ainda mais se as informações coletadas junto a outras embarcações próximas ou nas circunvizinhanças da área navegada por aquela que está sendo monitorada confirmarem o que, neste particular, estiver sustentando a empresa de monitoramento.

 

Tolerância

 

É universalmente aceita a tolerância de 0,5 nós para menos na velocidade declarada, por conta do emprego do termo "cerca de" (“about”). Assim, se, por exemplo, foi garantido que a embarcação irá performar “cerca de” (“about”) 14 nós, não haverá quebra da warranty caso o navio mantenha uma velocidade de 13,5 nós (0,5 nós abaixo da velocidade declarada). Esta regra é invariavelmente aplicada pelas Arbitragens, embora as previsões de lei prescrevam que a margem ou tolerância relativa à velocidade deva ser estabelecida segundo as características da embarcação, o seu calado e trim - diferença entre o calado de ré e o calado de vante do navio. Desta forma, se inconformada com a decisão da Arbitagem, a parte poderá se socorrer junto a justiça formal.

 

Quanto ao consumo de combustíveis, se faz geralmente aceita uma margem ou tolerância de 5% para mais ou para menos no gasto diário, se empregado o termo “cerca de” (“about”) na descrição das características comerciais da embarcação. Não se trata, entretanto, de direito líquido e certo com base no qual é possível, por conta daquele termo, se calcular para fins de contrato o consumo de combustível incorrido aplicando-se aquela tolerância de 5% para menos. O princípio estabelecido a este respeito informa que, levada em conta a tolerância admitida para a avaliação da performance da velocidade, uma vez verificada esta, apurar-se-á em seguida o consumo de combustível segundo o que veio informado na ocasião do ajuste. No caso, qualquer diferença para mais no consumo haverá de ser levantada e compensado o seu equivalente pecuniário no valor de aluguel ainda devido pelo locatário (hire charterer). Muitos consideram que o permissivo relativo à velocidade, isto é, 0,5 nós para menos, já consagrado pelos usos e costumes, não se faz razão para que se possa também aplicar a tolerância de 5% para menos no cálculo do consumo de combustível. Isto implica em dizer que o duplo benefício a favor dos armadores (owners), quer seja, 0,5 nós na velocidade e 5% no consumo, não se concretiza. Por esta razão é que, normalmente, se as warranties estabelecem a velocidade como sendo, por exemplo, cerca de “Y” nós e o consumo diário como sendo de cerca de “Q” toneladas, deve-se ter como bom que a embarcação deve performar “Y” nós, menos a margem de 0,5 nós de velocidade, se for o caso, mas com o consumo mantido no máximo em “Q” toneladas diárias, isto é, sem que se admita seja aplicada qualquer redução quanto a este. Mas, diga-se, esta questão relativa à tolerância atribuida ao consumo cerca-se de controvérsias.

 

Cálculo prático de perdas e danos – “speed claim”

 

Dados do exemplo hipotético. Nome da embarcação: MV Ship - Velocidade prevista na charterparty: cerca de 14.0 nós -- Consumo de combustível previsto na charterparty: cerca de 24 toneladas/dia - Aluguel diário: US 9,000.00. A embarcação percorreu 8.000 milhas do porto "T" para o porto "U" em 655.7 horas, com uma velocidade média de 12.2 nós. O locatário (hire charterer) contratou o serviço de uma weather routeing, sendo constatado que mesmo os registros do diário de navegação indicam baixa performance nos dias em que as condições do tempo eram favoráveis. Desta forma, os cálculos relativos à apuração da performance de viagem deverá levar em conta todos os dias da travessia, sem estorno de nenhum deles em particular. Segundo a weather routeing contratada pelo locatário (hire charterer) os fatores da viagem foram: fator de tempo (weather factor) = -0,6 nós, e, fator de corrente (current factor) = +0,4 nós.

 

Cálculos:

 

Com base no acima, entendendo-se o termo “cerca de” como 0,5 nós de tolerância para menos na velocidade, e considerando a velocidade informada na charterparty de 14,0 nós, a velocidade mínima permitida contratualmente é obtida da seguinte forma:

 

Velocidade mínima permitida = velocidade contratada - tolerância = 14,0 nós - 0,5 nós = 13,5 nós.

 

E a velocidade performada na viagem, para fins do cálculo da "speed claim" será então:

 

Velocidade teórica performada = velocidade mínima permitida + fator de tempo + fator de corrente = 13,5 nós - 0,6 nós + 0,4 nós = 13,3 nós.

 

Assim, o tempo máximo da passagem oceânica, ou seja, o tempo de viagem do porto "T" para o porto "U", será dado por:

 

Tempo máximo da travessia oceânica (viagem) = distancia ÷ velocidade teórica performada = 8.000 milhas ÷ 13,3 nós = 601,5 horas.

 

O tempo real de viagem é dado por:

 

Tempo real de viagem = distância entre os portos ÷ velocidade real = 8.000 milhas ÷ 12,2 nós = 655,7 horas

 

O tempo gasto em excesso na travessia oceânica será então:

 

Tempo gasto em excesso = tempo real em viagem - tempo máximo da travessia oceânica (viagem) = 655,7 horas – 601,5 horas  =  54,2 horas  =  2,2583 dias.

 

E o montante da “speed claim” é dado por:

 

Total da "speed claim" =aluguel diário x dias em excesso na viagem = US$ 9,000/dia x 2,2583 dias = US$ 20,324.7 .

 

Montante da Speed Claim: US$ 20,324.7 .

 

Agências governamentais

 

Ante tudo, vale ainda dizer que as agências meteorológicas governamentais de todas as partes do mundo produzem análises diárias tanto da força dos ventos quando das alturas das ondas nos diversos oceanos. Estas análises não se confundem com as previsões meteorológicas levadas a cabo pelas mesmas agências.

 

Considerado o fato da escala Beaufort se referir estritamente à condição do vento e a escala Douglas se referir estritamente ao estado do mar, elas não passam de referenciais de menor rigor científico com os quais são definidos os limites das garantias de desempenho da velocidade e do consumo.

 

Na eventualidade da ocorrência de uma disputa entre o locatário (hire charterer) e os armadores (owners) por conta de cobrança a título de "speed claim", as análises disponibilizadas por aquelas agências governamentais são referenciais excelentes, idôneas e verdadeiramente independentes com os quais se pode contar quando do levantamento das condições de vento e mar predominantes ao longo de determinada viagem, em data e local específcos.

 

Conclusão

 

Convém, na medida do possível, haver uma maior divulgação de informações de caráter prático envolvendo operações comerciais de embarcações.

 

O questionamento de perdas e danos promovido pelo locatário (hire charterer) decorrentes da má performance de velocidade durante a viagem" é lugar comum na atividade de shipping, e, muitas das vezes, monta valor considerável, atingindo, assim, sobremaneira, principalmente, o trade remunerado por baixos fretes.

 

As divergências sobre as condições do tempo ao longo da viagem vão ser sempre motivo de dispustas entre o locatário (hire charterer) e os armadores (owners), refletindo-se sobre o valor da "speed claim" imputada ao navio, quando for o caso.

 

Os relatórios sobre as condições de vento e mar emitidos pela agências governamentais são referenciais confiáveis, com força bastante para poder dirimir divergências entre locatário (hire charterer) e armadores (owners) sobre as condições de tempo, de forma isenta.

 

Abreviaturas

 

IFO - Intermediate Fuel Oil;

MDO - Marine Diesel Oil;

DO - Diesel Oil;

Cst - Unidade de viscosidade;

Milha náutica - 1.852 m;

Nó - medida de velocidade equivalente a 1 milha/hora.

 

Referências

 

BES, J. Fletamentos y Terminos de Embarque. 6ª edição. Madrid - Espanha. Oficina Central Marítima, 1975.

 

DICKEY, Martin Davis Anthony. Shipping Law. 2ª edição. Australia. Law Book Company, 1995.

 

GAMMA . Direito Marítimo. Notas taquigráficas . Aperfeiçoamento para Primeiro Piloto, 1947. Escola de Marinha Mercante. Rio de Janeiro.

 

GOMES, Carlos R. Caminha. Direito Comercial Marítimo, Teoria - Prática - Formulário. Rio de Janeiro. Editora Rio, 1978.

 

HOPKINS, F. N. Business and Law for the Shipmaster. 6ª edição. Glasgow - Scotland. Brown, Son & Ferguson, 1982.

 

Institute of Chartered Shipbrokers, Londres.

 

Santos, Herez Pereira dos. Transporte Marítimo em Questões. Mais de 1000 perguntas e respostas de shipping, obra sob registro, aguardando patrocínio para edição.